Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Novo arcabouço fiscal: o que muda na teoria?


Por Redação
Imagem: arquivo pessoal.  

Denise Ribeiro de Almeida, Doutora em Administração (UFBA). Professora Associada da UFBA. É membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Fabiano Maury Raupp, Doutor em Administração (UFBA). Professor Titular da UDESC. É líder do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT). É membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

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Ana Rita Silva Sacramento, Doutora em Administração (UFBA). Professora Adjunta da UFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP). É membro do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT)

Com a publicação da Lei Complementar (LC) nº 200/2023, em 31 de agosto, entrou em vigor no Brasil o Regime Fiscal Sustentável. Proclamada como mecanismo que visa garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico, a mencionada LC fundamenta-se na Emenda Constitucional nº 126/2022 (Emenda da Transição) que revogou a Emenda Constitucional nº 95/2016 (Teto de Gastos). Portanto, desde então, a gestão fiscal no país passou a ser orientada por duas leis complementares: a recém editada LC nº 200/2023 e a LC nº 101/2000 (LRF). Considerando a importância do tema, bem como os futuros impactos sobre as Finanças Públicas no Brasil, o artigo em tela tem como objetivo apresentar as principais mudanças trazidas pelo novo regime.

No caso da LRF, nunca é demais lembrar que seu objetivo pode ser sintetizado como o de levar o Estado, em todos os seus níveis, a praticar um modelo de gestão fiscal capaz de mitigar os riscos envolvidos nesse processo gestor, bem como permitir a operacionalização de ações que possam corrigir eventuais distorções que tenham o poder de comprometer o equilíbrio das contas públicas. Com isso, esperava-se que o equilíbrio fiscal se comportasse de maneira independente em relação ao governo, uma vez que todo gestor teria a necessidade de garantir a estabilidade das contas públicas para o seu sucessor. Sob tal foco, criou-se a obrigatoriedade de cada aumento de gasto público pelo período de 2 anos ou mais estar diretamente associado a uma fonte de financiamento específica. Em outras palavras, ao se analisar o total dos gastos públicos, aqui incluídos aqueles relativos a pessoal, eles não poderiam ser superiores à arrecadação total (Agência Brasil, 2023).

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É sabido, todavia, que o objetivo primordial da LRF somente foi alcançado até os seus primeiros 13 anos, visto que a partir do ano de 2014 o resultado primário apurado indicou situação de déficit, cujo pico deficitário ocorrido em 2016 motivou a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, o Teto de Gastos, mecanismo utilizado em diferentes países, ainda que apenas no Brasil essa medida tenha sido feita por meio de alteração na Constituição Federal, o que a revestiu de um peso legal considerável.

Em termos conceituais, o Teto de Gastos, ou "Âncora Fiscal", pode ser visto como um método que atrelou o aumento das despesas públicas em um dado ano, ao índice de inflação oficial do ano anterior, ou seja, em termos concretos, buscou-se, com o teto, congelar os gastos públicos ao longo de um dado período de tempo. Assim, com essa forma de cálculo, passou-se a utilizar no Brasil um instrumento de controle das contas públicas ex post, o que, de alguma forma lhe atribuiu, por conta do distanciamento temporal, pouca efetividade no trato de questões que exigiam a interferência mais célere do Estado.

Portanto, operacionalmente, a partir da EC nº 95/2016, se definiu que o crescimento dos gastos do governo federal pelo período 2017-2036 ficaria limitado ao índice de inflação oficial - Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - do ano anterior, sendo esses limites recalculados ano a ano nos primeiros 10 anos da EC (2017-2026). Destaca-se, como pontuado por Agência Brasil (2023), que alguns gastos públicos eram considerados excepcionais, a saber: créditos extraordinários para cobrir gastos emergenciais; aporte de recursos para estatais não dependentes do Tesouro, com vistas a sanear problemas financeiros ou viabilizar privatizações; gastos da Justiça Eleitoral com os processos eletivos e; transferências obrigatórias da União para estados e municípios.

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Uma vez que, com a prática, identificou-se que esse conjunto de medidas não mais poderia ser utilizado, pois seu uso inviabilizaria o funcionamento dos serviços públicos - em parte ou totalmente (Agência Brasil, 2023), e para que se cumprisse legalmente com os crescentes gastos, foi que se passou a "furar o teto" mediante a edição de sucessivas emendas constitucionais, as EC de nºs 102/19, 106/20, 108/20, 109/21, 113/21, 114/21, 123/22 e, finalmente, a EC nº 126/2022, que o revogou por completo, mas comprometeu o Poder Executivo do envio de projeto de lei complementar ao Congresso Nacional com o objetivo de instituir uma nova "âncora fiscal". É desse projeto, portanto, que emerge a LC nº 200/2023.

Nos termos desta LC, a fim de garantir a solvência e a sustentabilidade intertemporal das contas públicas, a União deverá conduzir a sua política fiscal de modo a manter a dívida pública em níveis sustentáveis, prevenindo riscos e promovendo medidas de ajuste fiscal em caso de desvios (BRASIL, 2023). Este novo arcabouço condiciona maiores gastos do governo ao cumprimento de metas de resultado primário, buscando conter o endividamento e criando condições para a redução de juros e garantia de crescimento econômico. Na sequência são apresentadas as principais regras que pretendem garantir a sustentabilidade da dívida pública (Câmara dos Deputados, 2023):

Quadro 1. Principais regras que pretendem garantir a sustentabilidade da dívida pública

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Para além dos aspectos mais estruturantes anteriormente mencionados, outras medidas estão previstas no Novo Arcabouço Fiscal.  Dentre elas podem ser citadas:

Fonte: Câmara dos Deputados (2023).  

  1. Acompanhamento das metas a cada 2 meses. Em caso de descumprimento, haverá contingenciamento limitado a 25% das despesas discricionárias, para garantir o funcionamento da máquina pública. Adicionalmente, no ano seguinte serão adotadas medidas de controle das despesas obrigatórias;
  2. Se as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas primárias, também serão disparadas automaticamente medidas de controle;
  3. O Poder Executivo poderá enviar projeto de lei ao Congresso solicitando a suspensão parcial de algumas das medidas, caso verifique que as medidas tomadas são suficientes para compensar o não cumprimento da meta.
  4. Os gestores estarão isentos de qualquer tipo de punição pelo não cumprimento das metas definidas no Novo Arcabouço, quando tiverem respeitado as medidas de contingenciamento e acionado as medidas automáticas de controle sempre que necessário. (Senado Federal, 2023)

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Destaca-se ainda, que no texto final aprovado foram vetados dois artigos aprovados pelo Legislativo Federal. O primeiro veto relaciona-se à limitação de empenho e pagamento prevista na LRF de despesas de investimento do Executivo, as quais poderiam ser reduzidas até a proporção do limite sobre o total das demais despesas discricionárias. O segundo veto diz respeito ao impedimento da LDO de excluir qualquer despesa primária da apuração de meta de resultado dos orçamentos fiscal e de seguridade social (Senado Federal, 2023).

Como o próprio título menciona, o artigo teve a intenção de destacar as principais mudanças, na teoria, advindas com o Novo Arcabouço Fiscal, com destaque para as regras relacionadas aos seguintes aspectos: metas econômicas; limitação dos gastos e incentivo a investimentos. Tem-se como evidente que o atingimento de seus objetivos depende sobremaneira do incremento da arrecadação. Pretende-se, mais adiante, retornar a este Blog com um texto que possa trazer reflexões sobre as mudanças na prática, o que certamente nos fará recorrer aos projetos de leis: da reforma tributária, de diretrizes orçamentárias e a do orçamento anual e seus efeitos. Enquanto isso, acompanhemos a aplicação do novo regramento e suas implicações para as Finanças Públicas.

Fontes e Referências

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Agência Brasil. 2023. Entenda a diferença entre o novo arcabouço e o teto de gastos. Recuperado de https://shre.ink/2Mug

Brasil (2023). Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023. Lei do Regime Fiscal Sustentável. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp200.htm

Câmara dos Deputados. 2023. Novo Arcabouço Fiscal. Recuperado de https://encurtador.com.br/qrW19

Senado Federal. 2023. Senado aprova o novo marco fiscal e devolve o texto à Câmara. Recuperado de https://shre.ink/2MUy

Senado Federal. 2023. Novo arcabouço fiscal entra em vigência no Brasil. Recuperado de https://shre.ink/2Mf3

Imagem: arquivo pessoal.  

Denise Ribeiro de Almeida, Doutora em Administração (UFBA). Professora Associada da UFBA. É membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Fabiano Maury Raupp, Doutor em Administração (UFBA). Professor Titular da UDESC. É líder do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT). É membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Ana Rita Silva Sacramento, Doutora em Administração (UFBA). Professora Adjunta da UFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP). É membro do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT)

Com a publicação da Lei Complementar (LC) nº 200/2023, em 31 de agosto, entrou em vigor no Brasil o Regime Fiscal Sustentável. Proclamada como mecanismo que visa garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico, a mencionada LC fundamenta-se na Emenda Constitucional nº 126/2022 (Emenda da Transição) que revogou a Emenda Constitucional nº 95/2016 (Teto de Gastos). Portanto, desde então, a gestão fiscal no país passou a ser orientada por duas leis complementares: a recém editada LC nº 200/2023 e a LC nº 101/2000 (LRF). Considerando a importância do tema, bem como os futuros impactos sobre as Finanças Públicas no Brasil, o artigo em tela tem como objetivo apresentar as principais mudanças trazidas pelo novo regime.

No caso da LRF, nunca é demais lembrar que seu objetivo pode ser sintetizado como o de levar o Estado, em todos os seus níveis, a praticar um modelo de gestão fiscal capaz de mitigar os riscos envolvidos nesse processo gestor, bem como permitir a operacionalização de ações que possam corrigir eventuais distorções que tenham o poder de comprometer o equilíbrio das contas públicas. Com isso, esperava-se que o equilíbrio fiscal se comportasse de maneira independente em relação ao governo, uma vez que todo gestor teria a necessidade de garantir a estabilidade das contas públicas para o seu sucessor. Sob tal foco, criou-se a obrigatoriedade de cada aumento de gasto público pelo período de 2 anos ou mais estar diretamente associado a uma fonte de financiamento específica. Em outras palavras, ao se analisar o total dos gastos públicos, aqui incluídos aqueles relativos a pessoal, eles não poderiam ser superiores à arrecadação total (Agência Brasil, 2023).

É sabido, todavia, que o objetivo primordial da LRF somente foi alcançado até os seus primeiros 13 anos, visto que a partir do ano de 2014 o resultado primário apurado indicou situação de déficit, cujo pico deficitário ocorrido em 2016 motivou a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, o Teto de Gastos, mecanismo utilizado em diferentes países, ainda que apenas no Brasil essa medida tenha sido feita por meio de alteração na Constituição Federal, o que a revestiu de um peso legal considerável.

Em termos conceituais, o Teto de Gastos, ou "Âncora Fiscal", pode ser visto como um método que atrelou o aumento das despesas públicas em um dado ano, ao índice de inflação oficial do ano anterior, ou seja, em termos concretos, buscou-se, com o teto, congelar os gastos públicos ao longo de um dado período de tempo. Assim, com essa forma de cálculo, passou-se a utilizar no Brasil um instrumento de controle das contas públicas ex post, o que, de alguma forma lhe atribuiu, por conta do distanciamento temporal, pouca efetividade no trato de questões que exigiam a interferência mais célere do Estado.

Portanto, operacionalmente, a partir da EC nº 95/2016, se definiu que o crescimento dos gastos do governo federal pelo período 2017-2036 ficaria limitado ao índice de inflação oficial - Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - do ano anterior, sendo esses limites recalculados ano a ano nos primeiros 10 anos da EC (2017-2026). Destaca-se, como pontuado por Agência Brasil (2023), que alguns gastos públicos eram considerados excepcionais, a saber: créditos extraordinários para cobrir gastos emergenciais; aporte de recursos para estatais não dependentes do Tesouro, com vistas a sanear problemas financeiros ou viabilizar privatizações; gastos da Justiça Eleitoral com os processos eletivos e; transferências obrigatórias da União para estados e municípios.

Uma vez que, com a prática, identificou-se que esse conjunto de medidas não mais poderia ser utilizado, pois seu uso inviabilizaria o funcionamento dos serviços públicos - em parte ou totalmente (Agência Brasil, 2023), e para que se cumprisse legalmente com os crescentes gastos, foi que se passou a "furar o teto" mediante a edição de sucessivas emendas constitucionais, as EC de nºs 102/19, 106/20, 108/20, 109/21, 113/21, 114/21, 123/22 e, finalmente, a EC nº 126/2022, que o revogou por completo, mas comprometeu o Poder Executivo do envio de projeto de lei complementar ao Congresso Nacional com o objetivo de instituir uma nova "âncora fiscal". É desse projeto, portanto, que emerge a LC nº 200/2023.

Nos termos desta LC, a fim de garantir a solvência e a sustentabilidade intertemporal das contas públicas, a União deverá conduzir a sua política fiscal de modo a manter a dívida pública em níveis sustentáveis, prevenindo riscos e promovendo medidas de ajuste fiscal em caso de desvios (BRASIL, 2023). Este novo arcabouço condiciona maiores gastos do governo ao cumprimento de metas de resultado primário, buscando conter o endividamento e criando condições para a redução de juros e garantia de crescimento econômico. Na sequência são apresentadas as principais regras que pretendem garantir a sustentabilidade da dívida pública (Câmara dos Deputados, 2023):

Quadro 1. Principais regras que pretendem garantir a sustentabilidade da dívida pública

Para além dos aspectos mais estruturantes anteriormente mencionados, outras medidas estão previstas no Novo Arcabouço Fiscal.  Dentre elas podem ser citadas:

Fonte: Câmara dos Deputados (2023).  

  1. Acompanhamento das metas a cada 2 meses. Em caso de descumprimento, haverá contingenciamento limitado a 25% das despesas discricionárias, para garantir o funcionamento da máquina pública. Adicionalmente, no ano seguinte serão adotadas medidas de controle das despesas obrigatórias;
  2. Se as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas primárias, também serão disparadas automaticamente medidas de controle;
  3. O Poder Executivo poderá enviar projeto de lei ao Congresso solicitando a suspensão parcial de algumas das medidas, caso verifique que as medidas tomadas são suficientes para compensar o não cumprimento da meta.
  4. Os gestores estarão isentos de qualquer tipo de punição pelo não cumprimento das metas definidas no Novo Arcabouço, quando tiverem respeitado as medidas de contingenciamento e acionado as medidas automáticas de controle sempre que necessário. (Senado Federal, 2023)

Destaca-se ainda, que no texto final aprovado foram vetados dois artigos aprovados pelo Legislativo Federal. O primeiro veto relaciona-se à limitação de empenho e pagamento prevista na LRF de despesas de investimento do Executivo, as quais poderiam ser reduzidas até a proporção do limite sobre o total das demais despesas discricionárias. O segundo veto diz respeito ao impedimento da LDO de excluir qualquer despesa primária da apuração de meta de resultado dos orçamentos fiscal e de seguridade social (Senado Federal, 2023).

Como o próprio título menciona, o artigo teve a intenção de destacar as principais mudanças, na teoria, advindas com o Novo Arcabouço Fiscal, com destaque para as regras relacionadas aos seguintes aspectos: metas econômicas; limitação dos gastos e incentivo a investimentos. Tem-se como evidente que o atingimento de seus objetivos depende sobremaneira do incremento da arrecadação. Pretende-se, mais adiante, retornar a este Blog com um texto que possa trazer reflexões sobre as mudanças na prática, o que certamente nos fará recorrer aos projetos de leis: da reforma tributária, de diretrizes orçamentárias e a do orçamento anual e seus efeitos. Enquanto isso, acompanhemos a aplicação do novo regramento e suas implicações para as Finanças Públicas.

Fontes e Referências

Agência Brasil. 2023. Entenda a diferença entre o novo arcabouço e o teto de gastos. Recuperado de https://shre.ink/2Mug

Brasil (2023). Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023. Lei do Regime Fiscal Sustentável. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp200.htm

Câmara dos Deputados. 2023. Novo Arcabouço Fiscal. Recuperado de https://encurtador.com.br/qrW19

Senado Federal. 2023. Senado aprova o novo marco fiscal e devolve o texto à Câmara. Recuperado de https://shre.ink/2MUy

Senado Federal. 2023. Novo arcabouço fiscal entra em vigência no Brasil. Recuperado de https://shre.ink/2Mf3

Imagem: arquivo pessoal.  

Denise Ribeiro de Almeida, Doutora em Administração (UFBA). Professora Associada da UFBA. É membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Fabiano Maury Raupp, Doutor em Administração (UFBA). Professor Titular da UDESC. É líder do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT). É membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Ana Rita Silva Sacramento, Doutora em Administração (UFBA). Professora Adjunta da UFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP). É membro do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT)

Com a publicação da Lei Complementar (LC) nº 200/2023, em 31 de agosto, entrou em vigor no Brasil o Regime Fiscal Sustentável. Proclamada como mecanismo que visa garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico, a mencionada LC fundamenta-se na Emenda Constitucional nº 126/2022 (Emenda da Transição) que revogou a Emenda Constitucional nº 95/2016 (Teto de Gastos). Portanto, desde então, a gestão fiscal no país passou a ser orientada por duas leis complementares: a recém editada LC nº 200/2023 e a LC nº 101/2000 (LRF). Considerando a importância do tema, bem como os futuros impactos sobre as Finanças Públicas no Brasil, o artigo em tela tem como objetivo apresentar as principais mudanças trazidas pelo novo regime.

No caso da LRF, nunca é demais lembrar que seu objetivo pode ser sintetizado como o de levar o Estado, em todos os seus níveis, a praticar um modelo de gestão fiscal capaz de mitigar os riscos envolvidos nesse processo gestor, bem como permitir a operacionalização de ações que possam corrigir eventuais distorções que tenham o poder de comprometer o equilíbrio das contas públicas. Com isso, esperava-se que o equilíbrio fiscal se comportasse de maneira independente em relação ao governo, uma vez que todo gestor teria a necessidade de garantir a estabilidade das contas públicas para o seu sucessor. Sob tal foco, criou-se a obrigatoriedade de cada aumento de gasto público pelo período de 2 anos ou mais estar diretamente associado a uma fonte de financiamento específica. Em outras palavras, ao se analisar o total dos gastos públicos, aqui incluídos aqueles relativos a pessoal, eles não poderiam ser superiores à arrecadação total (Agência Brasil, 2023).

É sabido, todavia, que o objetivo primordial da LRF somente foi alcançado até os seus primeiros 13 anos, visto que a partir do ano de 2014 o resultado primário apurado indicou situação de déficit, cujo pico deficitário ocorrido em 2016 motivou a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, o Teto de Gastos, mecanismo utilizado em diferentes países, ainda que apenas no Brasil essa medida tenha sido feita por meio de alteração na Constituição Federal, o que a revestiu de um peso legal considerável.

Em termos conceituais, o Teto de Gastos, ou "Âncora Fiscal", pode ser visto como um método que atrelou o aumento das despesas públicas em um dado ano, ao índice de inflação oficial do ano anterior, ou seja, em termos concretos, buscou-se, com o teto, congelar os gastos públicos ao longo de um dado período de tempo. Assim, com essa forma de cálculo, passou-se a utilizar no Brasil um instrumento de controle das contas públicas ex post, o que, de alguma forma lhe atribuiu, por conta do distanciamento temporal, pouca efetividade no trato de questões que exigiam a interferência mais célere do Estado.

Portanto, operacionalmente, a partir da EC nº 95/2016, se definiu que o crescimento dos gastos do governo federal pelo período 2017-2036 ficaria limitado ao índice de inflação oficial - Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - do ano anterior, sendo esses limites recalculados ano a ano nos primeiros 10 anos da EC (2017-2026). Destaca-se, como pontuado por Agência Brasil (2023), que alguns gastos públicos eram considerados excepcionais, a saber: créditos extraordinários para cobrir gastos emergenciais; aporte de recursos para estatais não dependentes do Tesouro, com vistas a sanear problemas financeiros ou viabilizar privatizações; gastos da Justiça Eleitoral com os processos eletivos e; transferências obrigatórias da União para estados e municípios.

Uma vez que, com a prática, identificou-se que esse conjunto de medidas não mais poderia ser utilizado, pois seu uso inviabilizaria o funcionamento dos serviços públicos - em parte ou totalmente (Agência Brasil, 2023), e para que se cumprisse legalmente com os crescentes gastos, foi que se passou a "furar o teto" mediante a edição de sucessivas emendas constitucionais, as EC de nºs 102/19, 106/20, 108/20, 109/21, 113/21, 114/21, 123/22 e, finalmente, a EC nº 126/2022, que o revogou por completo, mas comprometeu o Poder Executivo do envio de projeto de lei complementar ao Congresso Nacional com o objetivo de instituir uma nova "âncora fiscal". É desse projeto, portanto, que emerge a LC nº 200/2023.

Nos termos desta LC, a fim de garantir a solvência e a sustentabilidade intertemporal das contas públicas, a União deverá conduzir a sua política fiscal de modo a manter a dívida pública em níveis sustentáveis, prevenindo riscos e promovendo medidas de ajuste fiscal em caso de desvios (BRASIL, 2023). Este novo arcabouço condiciona maiores gastos do governo ao cumprimento de metas de resultado primário, buscando conter o endividamento e criando condições para a redução de juros e garantia de crescimento econômico. Na sequência são apresentadas as principais regras que pretendem garantir a sustentabilidade da dívida pública (Câmara dos Deputados, 2023):

Quadro 1. Principais regras que pretendem garantir a sustentabilidade da dívida pública

Para além dos aspectos mais estruturantes anteriormente mencionados, outras medidas estão previstas no Novo Arcabouço Fiscal.  Dentre elas podem ser citadas:

Fonte: Câmara dos Deputados (2023).  

  1. Acompanhamento das metas a cada 2 meses. Em caso de descumprimento, haverá contingenciamento limitado a 25% das despesas discricionárias, para garantir o funcionamento da máquina pública. Adicionalmente, no ano seguinte serão adotadas medidas de controle das despesas obrigatórias;
  2. Se as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas primárias, também serão disparadas automaticamente medidas de controle;
  3. O Poder Executivo poderá enviar projeto de lei ao Congresso solicitando a suspensão parcial de algumas das medidas, caso verifique que as medidas tomadas são suficientes para compensar o não cumprimento da meta.
  4. Os gestores estarão isentos de qualquer tipo de punição pelo não cumprimento das metas definidas no Novo Arcabouço, quando tiverem respeitado as medidas de contingenciamento e acionado as medidas automáticas de controle sempre que necessário. (Senado Federal, 2023)

Destaca-se ainda, que no texto final aprovado foram vetados dois artigos aprovados pelo Legislativo Federal. O primeiro veto relaciona-se à limitação de empenho e pagamento prevista na LRF de despesas de investimento do Executivo, as quais poderiam ser reduzidas até a proporção do limite sobre o total das demais despesas discricionárias. O segundo veto diz respeito ao impedimento da LDO de excluir qualquer despesa primária da apuração de meta de resultado dos orçamentos fiscal e de seguridade social (Senado Federal, 2023).

Como o próprio título menciona, o artigo teve a intenção de destacar as principais mudanças, na teoria, advindas com o Novo Arcabouço Fiscal, com destaque para as regras relacionadas aos seguintes aspectos: metas econômicas; limitação dos gastos e incentivo a investimentos. Tem-se como evidente que o atingimento de seus objetivos depende sobremaneira do incremento da arrecadação. Pretende-se, mais adiante, retornar a este Blog com um texto que possa trazer reflexões sobre as mudanças na prática, o que certamente nos fará recorrer aos projetos de leis: da reforma tributária, de diretrizes orçamentárias e a do orçamento anual e seus efeitos. Enquanto isso, acompanhemos a aplicação do novo regramento e suas implicações para as Finanças Públicas.

Fontes e Referências

Agência Brasil. 2023. Entenda a diferença entre o novo arcabouço e o teto de gastos. Recuperado de https://shre.ink/2Mug

Brasil (2023). Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023. Lei do Regime Fiscal Sustentável. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp200.htm

Câmara dos Deputados. 2023. Novo Arcabouço Fiscal. Recuperado de https://encurtador.com.br/qrW19

Senado Federal. 2023. Senado aprova o novo marco fiscal e devolve o texto à Câmara. Recuperado de https://shre.ink/2MUy

Senado Federal. 2023. Novo arcabouço fiscal entra em vigência no Brasil. Recuperado de https://shre.ink/2Mf3

Imagem: arquivo pessoal.  

Denise Ribeiro de Almeida, Doutora em Administração (UFBA). Professora Associada da UFBA. É membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Fabiano Maury Raupp, Doutor em Administração (UFBA). Professor Titular da UDESC. É líder do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT). É membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Ana Rita Silva Sacramento, Doutora em Administração (UFBA). Professora Adjunta da UFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP). É membro do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT)

Com a publicação da Lei Complementar (LC) nº 200/2023, em 31 de agosto, entrou em vigor no Brasil o Regime Fiscal Sustentável. Proclamada como mecanismo que visa garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico, a mencionada LC fundamenta-se na Emenda Constitucional nº 126/2022 (Emenda da Transição) que revogou a Emenda Constitucional nº 95/2016 (Teto de Gastos). Portanto, desde então, a gestão fiscal no país passou a ser orientada por duas leis complementares: a recém editada LC nº 200/2023 e a LC nº 101/2000 (LRF). Considerando a importância do tema, bem como os futuros impactos sobre as Finanças Públicas no Brasil, o artigo em tela tem como objetivo apresentar as principais mudanças trazidas pelo novo regime.

No caso da LRF, nunca é demais lembrar que seu objetivo pode ser sintetizado como o de levar o Estado, em todos os seus níveis, a praticar um modelo de gestão fiscal capaz de mitigar os riscos envolvidos nesse processo gestor, bem como permitir a operacionalização de ações que possam corrigir eventuais distorções que tenham o poder de comprometer o equilíbrio das contas públicas. Com isso, esperava-se que o equilíbrio fiscal se comportasse de maneira independente em relação ao governo, uma vez que todo gestor teria a necessidade de garantir a estabilidade das contas públicas para o seu sucessor. Sob tal foco, criou-se a obrigatoriedade de cada aumento de gasto público pelo período de 2 anos ou mais estar diretamente associado a uma fonte de financiamento específica. Em outras palavras, ao se analisar o total dos gastos públicos, aqui incluídos aqueles relativos a pessoal, eles não poderiam ser superiores à arrecadação total (Agência Brasil, 2023).

É sabido, todavia, que o objetivo primordial da LRF somente foi alcançado até os seus primeiros 13 anos, visto que a partir do ano de 2014 o resultado primário apurado indicou situação de déficit, cujo pico deficitário ocorrido em 2016 motivou a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, o Teto de Gastos, mecanismo utilizado em diferentes países, ainda que apenas no Brasil essa medida tenha sido feita por meio de alteração na Constituição Federal, o que a revestiu de um peso legal considerável.

Em termos conceituais, o Teto de Gastos, ou "Âncora Fiscal", pode ser visto como um método que atrelou o aumento das despesas públicas em um dado ano, ao índice de inflação oficial do ano anterior, ou seja, em termos concretos, buscou-se, com o teto, congelar os gastos públicos ao longo de um dado período de tempo. Assim, com essa forma de cálculo, passou-se a utilizar no Brasil um instrumento de controle das contas públicas ex post, o que, de alguma forma lhe atribuiu, por conta do distanciamento temporal, pouca efetividade no trato de questões que exigiam a interferência mais célere do Estado.

Portanto, operacionalmente, a partir da EC nº 95/2016, se definiu que o crescimento dos gastos do governo federal pelo período 2017-2036 ficaria limitado ao índice de inflação oficial - Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - do ano anterior, sendo esses limites recalculados ano a ano nos primeiros 10 anos da EC (2017-2026). Destaca-se, como pontuado por Agência Brasil (2023), que alguns gastos públicos eram considerados excepcionais, a saber: créditos extraordinários para cobrir gastos emergenciais; aporte de recursos para estatais não dependentes do Tesouro, com vistas a sanear problemas financeiros ou viabilizar privatizações; gastos da Justiça Eleitoral com os processos eletivos e; transferências obrigatórias da União para estados e municípios.

Uma vez que, com a prática, identificou-se que esse conjunto de medidas não mais poderia ser utilizado, pois seu uso inviabilizaria o funcionamento dos serviços públicos - em parte ou totalmente (Agência Brasil, 2023), e para que se cumprisse legalmente com os crescentes gastos, foi que se passou a "furar o teto" mediante a edição de sucessivas emendas constitucionais, as EC de nºs 102/19, 106/20, 108/20, 109/21, 113/21, 114/21, 123/22 e, finalmente, a EC nº 126/2022, que o revogou por completo, mas comprometeu o Poder Executivo do envio de projeto de lei complementar ao Congresso Nacional com o objetivo de instituir uma nova "âncora fiscal". É desse projeto, portanto, que emerge a LC nº 200/2023.

Nos termos desta LC, a fim de garantir a solvência e a sustentabilidade intertemporal das contas públicas, a União deverá conduzir a sua política fiscal de modo a manter a dívida pública em níveis sustentáveis, prevenindo riscos e promovendo medidas de ajuste fiscal em caso de desvios (BRASIL, 2023). Este novo arcabouço condiciona maiores gastos do governo ao cumprimento de metas de resultado primário, buscando conter o endividamento e criando condições para a redução de juros e garantia de crescimento econômico. Na sequência são apresentadas as principais regras que pretendem garantir a sustentabilidade da dívida pública (Câmara dos Deputados, 2023):

Quadro 1. Principais regras que pretendem garantir a sustentabilidade da dívida pública

Para além dos aspectos mais estruturantes anteriormente mencionados, outras medidas estão previstas no Novo Arcabouço Fiscal.  Dentre elas podem ser citadas:

Fonte: Câmara dos Deputados (2023).  

  1. Acompanhamento das metas a cada 2 meses. Em caso de descumprimento, haverá contingenciamento limitado a 25% das despesas discricionárias, para garantir o funcionamento da máquina pública. Adicionalmente, no ano seguinte serão adotadas medidas de controle das despesas obrigatórias;
  2. Se as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas primárias, também serão disparadas automaticamente medidas de controle;
  3. O Poder Executivo poderá enviar projeto de lei ao Congresso solicitando a suspensão parcial de algumas das medidas, caso verifique que as medidas tomadas são suficientes para compensar o não cumprimento da meta.
  4. Os gestores estarão isentos de qualquer tipo de punição pelo não cumprimento das metas definidas no Novo Arcabouço, quando tiverem respeitado as medidas de contingenciamento e acionado as medidas automáticas de controle sempre que necessário. (Senado Federal, 2023)

Destaca-se ainda, que no texto final aprovado foram vetados dois artigos aprovados pelo Legislativo Federal. O primeiro veto relaciona-se à limitação de empenho e pagamento prevista na LRF de despesas de investimento do Executivo, as quais poderiam ser reduzidas até a proporção do limite sobre o total das demais despesas discricionárias. O segundo veto diz respeito ao impedimento da LDO de excluir qualquer despesa primária da apuração de meta de resultado dos orçamentos fiscal e de seguridade social (Senado Federal, 2023).

Como o próprio título menciona, o artigo teve a intenção de destacar as principais mudanças, na teoria, advindas com o Novo Arcabouço Fiscal, com destaque para as regras relacionadas aos seguintes aspectos: metas econômicas; limitação dos gastos e incentivo a investimentos. Tem-se como evidente que o atingimento de seus objetivos depende sobremaneira do incremento da arrecadação. Pretende-se, mais adiante, retornar a este Blog com um texto que possa trazer reflexões sobre as mudanças na prática, o que certamente nos fará recorrer aos projetos de leis: da reforma tributária, de diretrizes orçamentárias e a do orçamento anual e seus efeitos. Enquanto isso, acompanhemos a aplicação do novo regramento e suas implicações para as Finanças Públicas.

Fontes e Referências

Agência Brasil. 2023. Entenda a diferença entre o novo arcabouço e o teto de gastos. Recuperado de https://shre.ink/2Mug

Brasil (2023). Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023. Lei do Regime Fiscal Sustentável. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp200.htm

Câmara dos Deputados. 2023. Novo Arcabouço Fiscal. Recuperado de https://encurtador.com.br/qrW19

Senado Federal. 2023. Senado aprova o novo marco fiscal e devolve o texto à Câmara. Recuperado de https://shre.ink/2MUy

Senado Federal. 2023. Novo arcabouço fiscal entra em vigência no Brasil. Recuperado de https://shre.ink/2Mf3

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