Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

O Conselho da Federação: um novo tempo para o federalismo e para a democracia brasileira


Por Redação
 Foto: arquivo pessoal.

André Luis Nogueira da Silva, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP e Assessor da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Elaine Cristina Lício, Doutora em Política Social pela UNB e Assessora da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

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Fernando Luiz Abrucio, Doutor em Ciência Política pela USP, professor da FGV EAESP. Foi pesquisador-visitante no MIT e é Coordenador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo (Ceapg)

Quando em 1988 os constituintes optaram por ascender os municípios a entes federativos, o fizeram no sentido de fortalecer a democracia. A premissa era de que quanto mais próximo os cidadãos estivessem das estruturas governamentais, maior seriam as chances de as políticas públicas atenderem seus anseios. Muito embora a literatura tenha "desmistificado" a relação entre descentralização e democracia, aquela era a visão dos que desenharam o novo modelo federativo disposto pela Constituição Federal. Ou seja, a ideia de fortalecer os governos locais suplantou a crença de que Brasília seria capaz de resolver todos os problemas do país.

O novo desenho, por outro lado, manteve a inspiração norte-americana, com um Congresso bicameral, contendo, de um lado, representantes dos estados e, do outro, representantes da população. Esperava-se garantir e conciliar distintos interesses no processo decisório nacional. O legislativo estadual, por sua vez, não seguiu o formato nacional, sendo unicameral e, portanto, sem espaço para representatividade municipal.

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A inovação institucional da Constituição de 1988, embora conferisse autonomia política para os governos municipais, não reservava espaço para que seus interesses fossem considerados no legislativo nacional e nem no estadual. Vale dizer, as municipalidades não dispunham de canais institucionais para defesa de suas demandas nas arenas políticas dos outros níveis de governo.

Além disso, o ordenamento constitucional trouxe em seu artigo 23 um conjunto de responsabilidades compartilhadas entre as diversas esferas de governo, como é caso da saúde, educação, meio ambiente, cultura, combate à pobreza etc. Esse foi o primeiro passo, complementado por várias reformas institucionais posteriores, para se constituir um federalismo cooperativo, em que as políticas públicas precisariam ser formuladas e implementadas conjuntamente. Não se previu, no entanto, um fórum para que os três níveis de governo, ou mesmo seus representantes, dialogassem e negociassem conjuntamente soluções efetivas e factíveis para os problemas do país.

O caminho para tentar preencher este vazio institucional começou a ser trilhado com a implantação do Sistema Único de Saúde. A criação das Comissões Intergestores Tripartite, ainda nos anos 1990, colocava gestores do governo federal, estadual e municipal na mesma mesa para debaterem e deliberarem sobre políticas nacionais adotadas pelo Ministério da Saúde. Inaugurava-se, ali, o federalismo executivo brasileiro. Este espalhou-se por outros setores, principalmente com a criação de sistemas nacionais de políticas públicas, como é o caso dos recursos hídricos, da assistência social, da habitação de interesse social, da segurança pública etc.

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A importância de participação e fortalecimento do municipalismo e do federalismo executivo ganhou relevo no segundo Governo Lula. Em 2007, a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República criou o Comitê de Articulação Federativa (CAF). O colegiado tinha o objetivo "de promover a articulação na formulação de estratégias e implementação de ações coordenadas e cooperativas entre as esferas federal e municipal de governo". O CAF se tornou um dos principais mecanismos de diálogo entre o governo federal e os executivos municipais. Apesar do avanço, a federação brasileira ainda carecia de um fórum de articulação e negociação tripartite, pois os estados estavam fora desse arranjo.

Movimentos recentes modificaram esse contexto. O primeiro diz respeito ao caráter conflituoso e de ausência de diálogo federativo instituído no governo Bolsonaro, agravado durante a crise sanitária. Importante lembrar que uma das primeiras iniciativas daquela gestão, em maio de 2019, foi a extinção, por meio do decreto nº 9.759/2019, de inúmeros órgãos colegiados, que serviam como espaço plural de participação nas deliberações sobre políticas públicas nacionais, como é o caso do próprio CAF.

A afronta às instâncias participativas e ao federalismo cooperativo culminou com o questionamento da autonomia dos estados e municípios para determinar as medidas de enfrentamento da pandemia, o que foi prontamente rechaçado pelo STF, que decidiu a favor dos entes subnacionais, garantindo salvaguardas federativas fundamentais à democracia. Esta lógica conflituosa de atuação da gestão bolsonarista produziu uma força centrípeta entre os estados, aproximando-os e permitindo a construção de consensos e pautas comuns entre eles.

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O aumento das reuniões do Fórum dos Governadores e a adoção de estratégias comuns formatadas no âmbito de entidades nacionais de representação estadual, como Consórcio Nordeste, CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), FONSEAS (Fórum Nacional de Secretários de Estado da Assistência Social) e CONSEFAZ (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal) contribuíram para essa aproximação.

O segundo movimento é ainda mais recente e se ampara na eleição do presidente Lula e nas respostas institucionais derivadas dos ataques proferidos contra a democracia no 08 de janeiro de 2023. A reunião com os governadores em defesa da democracia amplificou a lógica de coalização democrática que respaldou a eleição do presidente Lula, dando ainda mais destaque para o diálogo federativo e o fortalecimento da cooperação intergovernamental.

É neste contexto que surge o Conselho da Federação. Já existente em federações consolidadas, como Alemanha e Austrália, esta nova institucionalidade inaugura um novo momento do federalismo brasileiro, que não à toa, historicamente está imbrincado aos ideais democráticos. Presidido pelo presidente da República, e composto de maneira paritária pelos três níveis de governo, o Conselho tem como finalidade "subsidiar e promover a articulação, negociação e pactuação de estratégias e ações de interesses prioritários comuns aos diferentes níveis de governo, visando ao desenvolvimento econômico sustentável e à redução das desigualdades sociais e regionais".

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Respeitando as autonomias federativas e os limites de atribuição constitucional dos poderes Executivos, o Conselho contribuirá para: construção de consensos; aperfeiçoamento de instrumentos de cooperação e coordenação federativa; integração de estruturas e mecanismos que já existem de maneira setorial; além do estímulo a políticas que promovam maior equidade entre os entes subnacionais.

A pactuação federativa é sua principal atribuição, servindo para definir prioridades comuns, formular de maneira conjunta políticas nacionais e fortalecer a cooperação e a coordenação federativa - inclusive no âmbito subnacional. A ideia é que o colegiado contribua para a difusão de políticas exitosas e favoreça o aprendizado institucional e também que produza estudos para direcionar e orientar as decisões e a busca do consenso. Para isso, serão criadas câmaras técnicas, compostas por representantes das diversas esferas de governo, que produzirão diagnósticos e propostas a serem encaminhados ao plenário do Conselho.

O diálogo com as casas legislativas também está previsto, com a possibilidade de convite de seus representantes para participação das plenárias. Portanto, além de promover o diálogo entre os poderes executivos da federação, o Conselho também contribui com o relacionamento com o Congresso Nacional, que poderá decidir considerando os anseios e interesses dos diversos níveis de governo. Ademais, as pactuações também podem ajudar na diminuição da judicialização dos conflitos federativos, reduzindo as demandas do poder judiciário e resguardando para o ambiente político - portanto para representantes eleitos - a resolução dos dissensos.

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O Conselho da Federação não é, por si só, o remédio para resolução de todos os problemas brasileiros. No entanto, em um contexto político favorável, sua criação institucionaliza um canal que nunca existiu na nossa federação: o diálogo direto, republicano e transparente entre os poderes executivos das diversas esferas de governo. Contribui, assim, para reabilitar a saúde da nossa democracia. O Conselho abre um novo tempo para o futuro da democracia e da federação, consolidando a cooperação intergovernamental como um elemento orgânico ao Estado brasileiro.

 Foto: arquivo pessoal.

André Luis Nogueira da Silva, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP e Assessor da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Elaine Cristina Lício, Doutora em Política Social pela UNB e Assessora da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Fernando Luiz Abrucio, Doutor em Ciência Política pela USP, professor da FGV EAESP. Foi pesquisador-visitante no MIT e é Coordenador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo (Ceapg)

Quando em 1988 os constituintes optaram por ascender os municípios a entes federativos, o fizeram no sentido de fortalecer a democracia. A premissa era de que quanto mais próximo os cidadãos estivessem das estruturas governamentais, maior seriam as chances de as políticas públicas atenderem seus anseios. Muito embora a literatura tenha "desmistificado" a relação entre descentralização e democracia, aquela era a visão dos que desenharam o novo modelo federativo disposto pela Constituição Federal. Ou seja, a ideia de fortalecer os governos locais suplantou a crença de que Brasília seria capaz de resolver todos os problemas do país.

O novo desenho, por outro lado, manteve a inspiração norte-americana, com um Congresso bicameral, contendo, de um lado, representantes dos estados e, do outro, representantes da população. Esperava-se garantir e conciliar distintos interesses no processo decisório nacional. O legislativo estadual, por sua vez, não seguiu o formato nacional, sendo unicameral e, portanto, sem espaço para representatividade municipal.

A inovação institucional da Constituição de 1988, embora conferisse autonomia política para os governos municipais, não reservava espaço para que seus interesses fossem considerados no legislativo nacional e nem no estadual. Vale dizer, as municipalidades não dispunham de canais institucionais para defesa de suas demandas nas arenas políticas dos outros níveis de governo.

Além disso, o ordenamento constitucional trouxe em seu artigo 23 um conjunto de responsabilidades compartilhadas entre as diversas esferas de governo, como é caso da saúde, educação, meio ambiente, cultura, combate à pobreza etc. Esse foi o primeiro passo, complementado por várias reformas institucionais posteriores, para se constituir um federalismo cooperativo, em que as políticas públicas precisariam ser formuladas e implementadas conjuntamente. Não se previu, no entanto, um fórum para que os três níveis de governo, ou mesmo seus representantes, dialogassem e negociassem conjuntamente soluções efetivas e factíveis para os problemas do país.

O caminho para tentar preencher este vazio institucional começou a ser trilhado com a implantação do Sistema Único de Saúde. A criação das Comissões Intergestores Tripartite, ainda nos anos 1990, colocava gestores do governo federal, estadual e municipal na mesma mesa para debaterem e deliberarem sobre políticas nacionais adotadas pelo Ministério da Saúde. Inaugurava-se, ali, o federalismo executivo brasileiro. Este espalhou-se por outros setores, principalmente com a criação de sistemas nacionais de políticas públicas, como é o caso dos recursos hídricos, da assistência social, da habitação de interesse social, da segurança pública etc.

A importância de participação e fortalecimento do municipalismo e do federalismo executivo ganhou relevo no segundo Governo Lula. Em 2007, a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República criou o Comitê de Articulação Federativa (CAF). O colegiado tinha o objetivo "de promover a articulação na formulação de estratégias e implementação de ações coordenadas e cooperativas entre as esferas federal e municipal de governo". O CAF se tornou um dos principais mecanismos de diálogo entre o governo federal e os executivos municipais. Apesar do avanço, a federação brasileira ainda carecia de um fórum de articulação e negociação tripartite, pois os estados estavam fora desse arranjo.

Movimentos recentes modificaram esse contexto. O primeiro diz respeito ao caráter conflituoso e de ausência de diálogo federativo instituído no governo Bolsonaro, agravado durante a crise sanitária. Importante lembrar que uma das primeiras iniciativas daquela gestão, em maio de 2019, foi a extinção, por meio do decreto nº 9.759/2019, de inúmeros órgãos colegiados, que serviam como espaço plural de participação nas deliberações sobre políticas públicas nacionais, como é o caso do próprio CAF.

A afronta às instâncias participativas e ao federalismo cooperativo culminou com o questionamento da autonomia dos estados e municípios para determinar as medidas de enfrentamento da pandemia, o que foi prontamente rechaçado pelo STF, que decidiu a favor dos entes subnacionais, garantindo salvaguardas federativas fundamentais à democracia. Esta lógica conflituosa de atuação da gestão bolsonarista produziu uma força centrípeta entre os estados, aproximando-os e permitindo a construção de consensos e pautas comuns entre eles.

O aumento das reuniões do Fórum dos Governadores e a adoção de estratégias comuns formatadas no âmbito de entidades nacionais de representação estadual, como Consórcio Nordeste, CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), FONSEAS (Fórum Nacional de Secretários de Estado da Assistência Social) e CONSEFAZ (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal) contribuíram para essa aproximação.

O segundo movimento é ainda mais recente e se ampara na eleição do presidente Lula e nas respostas institucionais derivadas dos ataques proferidos contra a democracia no 08 de janeiro de 2023. A reunião com os governadores em defesa da democracia amplificou a lógica de coalização democrática que respaldou a eleição do presidente Lula, dando ainda mais destaque para o diálogo federativo e o fortalecimento da cooperação intergovernamental.

É neste contexto que surge o Conselho da Federação. Já existente em federações consolidadas, como Alemanha e Austrália, esta nova institucionalidade inaugura um novo momento do federalismo brasileiro, que não à toa, historicamente está imbrincado aos ideais democráticos. Presidido pelo presidente da República, e composto de maneira paritária pelos três níveis de governo, o Conselho tem como finalidade "subsidiar e promover a articulação, negociação e pactuação de estratégias e ações de interesses prioritários comuns aos diferentes níveis de governo, visando ao desenvolvimento econômico sustentável e à redução das desigualdades sociais e regionais".

Respeitando as autonomias federativas e os limites de atribuição constitucional dos poderes Executivos, o Conselho contribuirá para: construção de consensos; aperfeiçoamento de instrumentos de cooperação e coordenação federativa; integração de estruturas e mecanismos que já existem de maneira setorial; além do estímulo a políticas que promovam maior equidade entre os entes subnacionais.

A pactuação federativa é sua principal atribuição, servindo para definir prioridades comuns, formular de maneira conjunta políticas nacionais e fortalecer a cooperação e a coordenação federativa - inclusive no âmbito subnacional. A ideia é que o colegiado contribua para a difusão de políticas exitosas e favoreça o aprendizado institucional e também que produza estudos para direcionar e orientar as decisões e a busca do consenso. Para isso, serão criadas câmaras técnicas, compostas por representantes das diversas esferas de governo, que produzirão diagnósticos e propostas a serem encaminhados ao plenário do Conselho.

O diálogo com as casas legislativas também está previsto, com a possibilidade de convite de seus representantes para participação das plenárias. Portanto, além de promover o diálogo entre os poderes executivos da federação, o Conselho também contribui com o relacionamento com o Congresso Nacional, que poderá decidir considerando os anseios e interesses dos diversos níveis de governo. Ademais, as pactuações também podem ajudar na diminuição da judicialização dos conflitos federativos, reduzindo as demandas do poder judiciário e resguardando para o ambiente político - portanto para representantes eleitos - a resolução dos dissensos.

O Conselho da Federação não é, por si só, o remédio para resolução de todos os problemas brasileiros. No entanto, em um contexto político favorável, sua criação institucionaliza um canal que nunca existiu na nossa federação: o diálogo direto, republicano e transparente entre os poderes executivos das diversas esferas de governo. Contribui, assim, para reabilitar a saúde da nossa democracia. O Conselho abre um novo tempo para o futuro da democracia e da federação, consolidando a cooperação intergovernamental como um elemento orgânico ao Estado brasileiro.

 Foto: arquivo pessoal.

André Luis Nogueira da Silva, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP e Assessor da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Elaine Cristina Lício, Doutora em Política Social pela UNB e Assessora da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Fernando Luiz Abrucio, Doutor em Ciência Política pela USP, professor da FGV EAESP. Foi pesquisador-visitante no MIT e é Coordenador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo (Ceapg)

Quando em 1988 os constituintes optaram por ascender os municípios a entes federativos, o fizeram no sentido de fortalecer a democracia. A premissa era de que quanto mais próximo os cidadãos estivessem das estruturas governamentais, maior seriam as chances de as políticas públicas atenderem seus anseios. Muito embora a literatura tenha "desmistificado" a relação entre descentralização e democracia, aquela era a visão dos que desenharam o novo modelo federativo disposto pela Constituição Federal. Ou seja, a ideia de fortalecer os governos locais suplantou a crença de que Brasília seria capaz de resolver todos os problemas do país.

O novo desenho, por outro lado, manteve a inspiração norte-americana, com um Congresso bicameral, contendo, de um lado, representantes dos estados e, do outro, representantes da população. Esperava-se garantir e conciliar distintos interesses no processo decisório nacional. O legislativo estadual, por sua vez, não seguiu o formato nacional, sendo unicameral e, portanto, sem espaço para representatividade municipal.

A inovação institucional da Constituição de 1988, embora conferisse autonomia política para os governos municipais, não reservava espaço para que seus interesses fossem considerados no legislativo nacional e nem no estadual. Vale dizer, as municipalidades não dispunham de canais institucionais para defesa de suas demandas nas arenas políticas dos outros níveis de governo.

Além disso, o ordenamento constitucional trouxe em seu artigo 23 um conjunto de responsabilidades compartilhadas entre as diversas esferas de governo, como é caso da saúde, educação, meio ambiente, cultura, combate à pobreza etc. Esse foi o primeiro passo, complementado por várias reformas institucionais posteriores, para se constituir um federalismo cooperativo, em que as políticas públicas precisariam ser formuladas e implementadas conjuntamente. Não se previu, no entanto, um fórum para que os três níveis de governo, ou mesmo seus representantes, dialogassem e negociassem conjuntamente soluções efetivas e factíveis para os problemas do país.

O caminho para tentar preencher este vazio institucional começou a ser trilhado com a implantação do Sistema Único de Saúde. A criação das Comissões Intergestores Tripartite, ainda nos anos 1990, colocava gestores do governo federal, estadual e municipal na mesma mesa para debaterem e deliberarem sobre políticas nacionais adotadas pelo Ministério da Saúde. Inaugurava-se, ali, o federalismo executivo brasileiro. Este espalhou-se por outros setores, principalmente com a criação de sistemas nacionais de políticas públicas, como é o caso dos recursos hídricos, da assistência social, da habitação de interesse social, da segurança pública etc.

A importância de participação e fortalecimento do municipalismo e do federalismo executivo ganhou relevo no segundo Governo Lula. Em 2007, a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República criou o Comitê de Articulação Federativa (CAF). O colegiado tinha o objetivo "de promover a articulação na formulação de estratégias e implementação de ações coordenadas e cooperativas entre as esferas federal e municipal de governo". O CAF se tornou um dos principais mecanismos de diálogo entre o governo federal e os executivos municipais. Apesar do avanço, a federação brasileira ainda carecia de um fórum de articulação e negociação tripartite, pois os estados estavam fora desse arranjo.

Movimentos recentes modificaram esse contexto. O primeiro diz respeito ao caráter conflituoso e de ausência de diálogo federativo instituído no governo Bolsonaro, agravado durante a crise sanitária. Importante lembrar que uma das primeiras iniciativas daquela gestão, em maio de 2019, foi a extinção, por meio do decreto nº 9.759/2019, de inúmeros órgãos colegiados, que serviam como espaço plural de participação nas deliberações sobre políticas públicas nacionais, como é o caso do próprio CAF.

A afronta às instâncias participativas e ao federalismo cooperativo culminou com o questionamento da autonomia dos estados e municípios para determinar as medidas de enfrentamento da pandemia, o que foi prontamente rechaçado pelo STF, que decidiu a favor dos entes subnacionais, garantindo salvaguardas federativas fundamentais à democracia. Esta lógica conflituosa de atuação da gestão bolsonarista produziu uma força centrípeta entre os estados, aproximando-os e permitindo a construção de consensos e pautas comuns entre eles.

O aumento das reuniões do Fórum dos Governadores e a adoção de estratégias comuns formatadas no âmbito de entidades nacionais de representação estadual, como Consórcio Nordeste, CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), FONSEAS (Fórum Nacional de Secretários de Estado da Assistência Social) e CONSEFAZ (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal) contribuíram para essa aproximação.

O segundo movimento é ainda mais recente e se ampara na eleição do presidente Lula e nas respostas institucionais derivadas dos ataques proferidos contra a democracia no 08 de janeiro de 2023. A reunião com os governadores em defesa da democracia amplificou a lógica de coalização democrática que respaldou a eleição do presidente Lula, dando ainda mais destaque para o diálogo federativo e o fortalecimento da cooperação intergovernamental.

É neste contexto que surge o Conselho da Federação. Já existente em federações consolidadas, como Alemanha e Austrália, esta nova institucionalidade inaugura um novo momento do federalismo brasileiro, que não à toa, historicamente está imbrincado aos ideais democráticos. Presidido pelo presidente da República, e composto de maneira paritária pelos três níveis de governo, o Conselho tem como finalidade "subsidiar e promover a articulação, negociação e pactuação de estratégias e ações de interesses prioritários comuns aos diferentes níveis de governo, visando ao desenvolvimento econômico sustentável e à redução das desigualdades sociais e regionais".

Respeitando as autonomias federativas e os limites de atribuição constitucional dos poderes Executivos, o Conselho contribuirá para: construção de consensos; aperfeiçoamento de instrumentos de cooperação e coordenação federativa; integração de estruturas e mecanismos que já existem de maneira setorial; além do estímulo a políticas que promovam maior equidade entre os entes subnacionais.

A pactuação federativa é sua principal atribuição, servindo para definir prioridades comuns, formular de maneira conjunta políticas nacionais e fortalecer a cooperação e a coordenação federativa - inclusive no âmbito subnacional. A ideia é que o colegiado contribua para a difusão de políticas exitosas e favoreça o aprendizado institucional e também que produza estudos para direcionar e orientar as decisões e a busca do consenso. Para isso, serão criadas câmaras técnicas, compostas por representantes das diversas esferas de governo, que produzirão diagnósticos e propostas a serem encaminhados ao plenário do Conselho.

O diálogo com as casas legislativas também está previsto, com a possibilidade de convite de seus representantes para participação das plenárias. Portanto, além de promover o diálogo entre os poderes executivos da federação, o Conselho também contribui com o relacionamento com o Congresso Nacional, que poderá decidir considerando os anseios e interesses dos diversos níveis de governo. Ademais, as pactuações também podem ajudar na diminuição da judicialização dos conflitos federativos, reduzindo as demandas do poder judiciário e resguardando para o ambiente político - portanto para representantes eleitos - a resolução dos dissensos.

O Conselho da Federação não é, por si só, o remédio para resolução de todos os problemas brasileiros. No entanto, em um contexto político favorável, sua criação institucionaliza um canal que nunca existiu na nossa federação: o diálogo direto, republicano e transparente entre os poderes executivos das diversas esferas de governo. Contribui, assim, para reabilitar a saúde da nossa democracia. O Conselho abre um novo tempo para o futuro da democracia e da federação, consolidando a cooperação intergovernamental como um elemento orgânico ao Estado brasileiro.

 Foto: arquivo pessoal.

André Luis Nogueira da Silva, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP e Assessor da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Elaine Cristina Lício, Doutora em Política Social pela UNB e Assessora da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Fernando Luiz Abrucio, Doutor em Ciência Política pela USP, professor da FGV EAESP. Foi pesquisador-visitante no MIT e é Coordenador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo (Ceapg)

Quando em 1988 os constituintes optaram por ascender os municípios a entes federativos, o fizeram no sentido de fortalecer a democracia. A premissa era de que quanto mais próximo os cidadãos estivessem das estruturas governamentais, maior seriam as chances de as políticas públicas atenderem seus anseios. Muito embora a literatura tenha "desmistificado" a relação entre descentralização e democracia, aquela era a visão dos que desenharam o novo modelo federativo disposto pela Constituição Federal. Ou seja, a ideia de fortalecer os governos locais suplantou a crença de que Brasília seria capaz de resolver todos os problemas do país.

O novo desenho, por outro lado, manteve a inspiração norte-americana, com um Congresso bicameral, contendo, de um lado, representantes dos estados e, do outro, representantes da população. Esperava-se garantir e conciliar distintos interesses no processo decisório nacional. O legislativo estadual, por sua vez, não seguiu o formato nacional, sendo unicameral e, portanto, sem espaço para representatividade municipal.

A inovação institucional da Constituição de 1988, embora conferisse autonomia política para os governos municipais, não reservava espaço para que seus interesses fossem considerados no legislativo nacional e nem no estadual. Vale dizer, as municipalidades não dispunham de canais institucionais para defesa de suas demandas nas arenas políticas dos outros níveis de governo.

Além disso, o ordenamento constitucional trouxe em seu artigo 23 um conjunto de responsabilidades compartilhadas entre as diversas esferas de governo, como é caso da saúde, educação, meio ambiente, cultura, combate à pobreza etc. Esse foi o primeiro passo, complementado por várias reformas institucionais posteriores, para se constituir um federalismo cooperativo, em que as políticas públicas precisariam ser formuladas e implementadas conjuntamente. Não se previu, no entanto, um fórum para que os três níveis de governo, ou mesmo seus representantes, dialogassem e negociassem conjuntamente soluções efetivas e factíveis para os problemas do país.

O caminho para tentar preencher este vazio institucional começou a ser trilhado com a implantação do Sistema Único de Saúde. A criação das Comissões Intergestores Tripartite, ainda nos anos 1990, colocava gestores do governo federal, estadual e municipal na mesma mesa para debaterem e deliberarem sobre políticas nacionais adotadas pelo Ministério da Saúde. Inaugurava-se, ali, o federalismo executivo brasileiro. Este espalhou-se por outros setores, principalmente com a criação de sistemas nacionais de políticas públicas, como é o caso dos recursos hídricos, da assistência social, da habitação de interesse social, da segurança pública etc.

A importância de participação e fortalecimento do municipalismo e do federalismo executivo ganhou relevo no segundo Governo Lula. Em 2007, a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República criou o Comitê de Articulação Federativa (CAF). O colegiado tinha o objetivo "de promover a articulação na formulação de estratégias e implementação de ações coordenadas e cooperativas entre as esferas federal e municipal de governo". O CAF se tornou um dos principais mecanismos de diálogo entre o governo federal e os executivos municipais. Apesar do avanço, a federação brasileira ainda carecia de um fórum de articulação e negociação tripartite, pois os estados estavam fora desse arranjo.

Movimentos recentes modificaram esse contexto. O primeiro diz respeito ao caráter conflituoso e de ausência de diálogo federativo instituído no governo Bolsonaro, agravado durante a crise sanitária. Importante lembrar que uma das primeiras iniciativas daquela gestão, em maio de 2019, foi a extinção, por meio do decreto nº 9.759/2019, de inúmeros órgãos colegiados, que serviam como espaço plural de participação nas deliberações sobre políticas públicas nacionais, como é o caso do próprio CAF.

A afronta às instâncias participativas e ao federalismo cooperativo culminou com o questionamento da autonomia dos estados e municípios para determinar as medidas de enfrentamento da pandemia, o que foi prontamente rechaçado pelo STF, que decidiu a favor dos entes subnacionais, garantindo salvaguardas federativas fundamentais à democracia. Esta lógica conflituosa de atuação da gestão bolsonarista produziu uma força centrípeta entre os estados, aproximando-os e permitindo a construção de consensos e pautas comuns entre eles.

O aumento das reuniões do Fórum dos Governadores e a adoção de estratégias comuns formatadas no âmbito de entidades nacionais de representação estadual, como Consórcio Nordeste, CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), FONSEAS (Fórum Nacional de Secretários de Estado da Assistência Social) e CONSEFAZ (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal) contribuíram para essa aproximação.

O segundo movimento é ainda mais recente e se ampara na eleição do presidente Lula e nas respostas institucionais derivadas dos ataques proferidos contra a democracia no 08 de janeiro de 2023. A reunião com os governadores em defesa da democracia amplificou a lógica de coalização democrática que respaldou a eleição do presidente Lula, dando ainda mais destaque para o diálogo federativo e o fortalecimento da cooperação intergovernamental.

É neste contexto que surge o Conselho da Federação. Já existente em federações consolidadas, como Alemanha e Austrália, esta nova institucionalidade inaugura um novo momento do federalismo brasileiro, que não à toa, historicamente está imbrincado aos ideais democráticos. Presidido pelo presidente da República, e composto de maneira paritária pelos três níveis de governo, o Conselho tem como finalidade "subsidiar e promover a articulação, negociação e pactuação de estratégias e ações de interesses prioritários comuns aos diferentes níveis de governo, visando ao desenvolvimento econômico sustentável e à redução das desigualdades sociais e regionais".

Respeitando as autonomias federativas e os limites de atribuição constitucional dos poderes Executivos, o Conselho contribuirá para: construção de consensos; aperfeiçoamento de instrumentos de cooperação e coordenação federativa; integração de estruturas e mecanismos que já existem de maneira setorial; além do estímulo a políticas que promovam maior equidade entre os entes subnacionais.

A pactuação federativa é sua principal atribuição, servindo para definir prioridades comuns, formular de maneira conjunta políticas nacionais e fortalecer a cooperação e a coordenação federativa - inclusive no âmbito subnacional. A ideia é que o colegiado contribua para a difusão de políticas exitosas e favoreça o aprendizado institucional e também que produza estudos para direcionar e orientar as decisões e a busca do consenso. Para isso, serão criadas câmaras técnicas, compostas por representantes das diversas esferas de governo, que produzirão diagnósticos e propostas a serem encaminhados ao plenário do Conselho.

O diálogo com as casas legislativas também está previsto, com a possibilidade de convite de seus representantes para participação das plenárias. Portanto, além de promover o diálogo entre os poderes executivos da federação, o Conselho também contribui com o relacionamento com o Congresso Nacional, que poderá decidir considerando os anseios e interesses dos diversos níveis de governo. Ademais, as pactuações também podem ajudar na diminuição da judicialização dos conflitos federativos, reduzindo as demandas do poder judiciário e resguardando para o ambiente político - portanto para representantes eleitos - a resolução dos dissensos.

O Conselho da Federação não é, por si só, o remédio para resolução de todos os problemas brasileiros. No entanto, em um contexto político favorável, sua criação institucionaliza um canal que nunca existiu na nossa federação: o diálogo direto, republicano e transparente entre os poderes executivos das diversas esferas de governo. Contribui, assim, para reabilitar a saúde da nossa democracia. O Conselho abre um novo tempo para o futuro da democracia e da federação, consolidando a cooperação intergovernamental como um elemento orgânico ao Estado brasileiro.

 Foto: arquivo pessoal.

André Luis Nogueira da Silva, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP e Assessor da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Elaine Cristina Lício, Doutora em Política Social pela UNB e Assessora da Secretaria Especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Fernando Luiz Abrucio, Doutor em Ciência Política pela USP, professor da FGV EAESP. Foi pesquisador-visitante no MIT e é Coordenador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo (Ceapg)

Quando em 1988 os constituintes optaram por ascender os municípios a entes federativos, o fizeram no sentido de fortalecer a democracia. A premissa era de que quanto mais próximo os cidadãos estivessem das estruturas governamentais, maior seriam as chances de as políticas públicas atenderem seus anseios. Muito embora a literatura tenha "desmistificado" a relação entre descentralização e democracia, aquela era a visão dos que desenharam o novo modelo federativo disposto pela Constituição Federal. Ou seja, a ideia de fortalecer os governos locais suplantou a crença de que Brasília seria capaz de resolver todos os problemas do país.

O novo desenho, por outro lado, manteve a inspiração norte-americana, com um Congresso bicameral, contendo, de um lado, representantes dos estados e, do outro, representantes da população. Esperava-se garantir e conciliar distintos interesses no processo decisório nacional. O legislativo estadual, por sua vez, não seguiu o formato nacional, sendo unicameral e, portanto, sem espaço para representatividade municipal.

A inovação institucional da Constituição de 1988, embora conferisse autonomia política para os governos municipais, não reservava espaço para que seus interesses fossem considerados no legislativo nacional e nem no estadual. Vale dizer, as municipalidades não dispunham de canais institucionais para defesa de suas demandas nas arenas políticas dos outros níveis de governo.

Além disso, o ordenamento constitucional trouxe em seu artigo 23 um conjunto de responsabilidades compartilhadas entre as diversas esferas de governo, como é caso da saúde, educação, meio ambiente, cultura, combate à pobreza etc. Esse foi o primeiro passo, complementado por várias reformas institucionais posteriores, para se constituir um federalismo cooperativo, em que as políticas públicas precisariam ser formuladas e implementadas conjuntamente. Não se previu, no entanto, um fórum para que os três níveis de governo, ou mesmo seus representantes, dialogassem e negociassem conjuntamente soluções efetivas e factíveis para os problemas do país.

O caminho para tentar preencher este vazio institucional começou a ser trilhado com a implantação do Sistema Único de Saúde. A criação das Comissões Intergestores Tripartite, ainda nos anos 1990, colocava gestores do governo federal, estadual e municipal na mesma mesa para debaterem e deliberarem sobre políticas nacionais adotadas pelo Ministério da Saúde. Inaugurava-se, ali, o federalismo executivo brasileiro. Este espalhou-se por outros setores, principalmente com a criação de sistemas nacionais de políticas públicas, como é o caso dos recursos hídricos, da assistência social, da habitação de interesse social, da segurança pública etc.

A importância de participação e fortalecimento do municipalismo e do federalismo executivo ganhou relevo no segundo Governo Lula. Em 2007, a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República criou o Comitê de Articulação Federativa (CAF). O colegiado tinha o objetivo "de promover a articulação na formulação de estratégias e implementação de ações coordenadas e cooperativas entre as esferas federal e municipal de governo". O CAF se tornou um dos principais mecanismos de diálogo entre o governo federal e os executivos municipais. Apesar do avanço, a federação brasileira ainda carecia de um fórum de articulação e negociação tripartite, pois os estados estavam fora desse arranjo.

Movimentos recentes modificaram esse contexto. O primeiro diz respeito ao caráter conflituoso e de ausência de diálogo federativo instituído no governo Bolsonaro, agravado durante a crise sanitária. Importante lembrar que uma das primeiras iniciativas daquela gestão, em maio de 2019, foi a extinção, por meio do decreto nº 9.759/2019, de inúmeros órgãos colegiados, que serviam como espaço plural de participação nas deliberações sobre políticas públicas nacionais, como é o caso do próprio CAF.

A afronta às instâncias participativas e ao federalismo cooperativo culminou com o questionamento da autonomia dos estados e municípios para determinar as medidas de enfrentamento da pandemia, o que foi prontamente rechaçado pelo STF, que decidiu a favor dos entes subnacionais, garantindo salvaguardas federativas fundamentais à democracia. Esta lógica conflituosa de atuação da gestão bolsonarista produziu uma força centrípeta entre os estados, aproximando-os e permitindo a construção de consensos e pautas comuns entre eles.

O aumento das reuniões do Fórum dos Governadores e a adoção de estratégias comuns formatadas no âmbito de entidades nacionais de representação estadual, como Consórcio Nordeste, CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), FONSEAS (Fórum Nacional de Secretários de Estado da Assistência Social) e CONSEFAZ (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal) contribuíram para essa aproximação.

O segundo movimento é ainda mais recente e se ampara na eleição do presidente Lula e nas respostas institucionais derivadas dos ataques proferidos contra a democracia no 08 de janeiro de 2023. A reunião com os governadores em defesa da democracia amplificou a lógica de coalização democrática que respaldou a eleição do presidente Lula, dando ainda mais destaque para o diálogo federativo e o fortalecimento da cooperação intergovernamental.

É neste contexto que surge o Conselho da Federação. Já existente em federações consolidadas, como Alemanha e Austrália, esta nova institucionalidade inaugura um novo momento do federalismo brasileiro, que não à toa, historicamente está imbrincado aos ideais democráticos. Presidido pelo presidente da República, e composto de maneira paritária pelos três níveis de governo, o Conselho tem como finalidade "subsidiar e promover a articulação, negociação e pactuação de estratégias e ações de interesses prioritários comuns aos diferentes níveis de governo, visando ao desenvolvimento econômico sustentável e à redução das desigualdades sociais e regionais".

Respeitando as autonomias federativas e os limites de atribuição constitucional dos poderes Executivos, o Conselho contribuirá para: construção de consensos; aperfeiçoamento de instrumentos de cooperação e coordenação federativa; integração de estruturas e mecanismos que já existem de maneira setorial; além do estímulo a políticas que promovam maior equidade entre os entes subnacionais.

A pactuação federativa é sua principal atribuição, servindo para definir prioridades comuns, formular de maneira conjunta políticas nacionais e fortalecer a cooperação e a coordenação federativa - inclusive no âmbito subnacional. A ideia é que o colegiado contribua para a difusão de políticas exitosas e favoreça o aprendizado institucional e também que produza estudos para direcionar e orientar as decisões e a busca do consenso. Para isso, serão criadas câmaras técnicas, compostas por representantes das diversas esferas de governo, que produzirão diagnósticos e propostas a serem encaminhados ao plenário do Conselho.

O diálogo com as casas legislativas também está previsto, com a possibilidade de convite de seus representantes para participação das plenárias. Portanto, além de promover o diálogo entre os poderes executivos da federação, o Conselho também contribui com o relacionamento com o Congresso Nacional, que poderá decidir considerando os anseios e interesses dos diversos níveis de governo. Ademais, as pactuações também podem ajudar na diminuição da judicialização dos conflitos federativos, reduzindo as demandas do poder judiciário e resguardando para o ambiente político - portanto para representantes eleitos - a resolução dos dissensos.

O Conselho da Federação não é, por si só, o remédio para resolução de todos os problemas brasileiros. No entanto, em um contexto político favorável, sua criação institucionaliza um canal que nunca existiu na nossa federação: o diálogo direto, republicano e transparente entre os poderes executivos das diversas esferas de governo. Contribui, assim, para reabilitar a saúde da nossa democracia. O Conselho abre um novo tempo para o futuro da democracia e da federação, consolidando a cooperação intergovernamental como um elemento orgânico ao Estado brasileiro.

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