Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

O impacto da tecnologia na proteção jurídica da privacidade, dos direitos da personalidade e da propriedade intelectual


Por Redação
 Foto: arquivo pessoal.

Carol Bassin, Advogada especializada em propriedade intelectual, legislação de incentivo e proteção autoral, com experiência de atuação no suporte jurídico e estratégico ao mercado de produção cultural, mídias digitais e negociações envolvendo licenciamento de direitos, consultora jurídica e business affair da agência Condé+ e membro efetivo da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB-RJ

Nesse mês de junho, estreou na Netflix mais uma temporada da instigante e quase perturbadora série "Black Mirror". E já no primeiro episódio intitulado "A Joan é péssima" somos convidados a refletir sobre um tema que vem permeando, num misto de encanto e temor, as nossas projeções sobre o futuro: até onde pode avançar a tecnologia sem comprometer direitos fundamentais que deveriam estar protegidos?

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Esse é um tema que vem sendo intensamente debatido, em especial com o recente advento de uma gama de ferramentas de Inteligência Artificial generativa, como o ChatGPT e o Midjourney, que, numa definição rasa, utilizam de uma técnica de algoritmos para "ensinar" máquinas a produzirem um conteúdo novo a partir de informações que já existem.  E, com essa nova realidade, surge para o Direito o primeiro grande desafio, que é o de definir quem é o autor de uma obra criada por uma IA.

A Lei Autoral brasileira (Lei nº 9610/98) [1] determina em seu artigo 7º que as obras intelectuais protegidas são as "criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte", para, na sequência, definir em seu artigo 11º que autor é a "pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica".

Pela leitura desses dispositivos já podemos tirar a primeira importante conclusão; para a legislação brasileira, por enquanto e a menos que haja uma alteração legislativa, somente pessoas humanas são autoras. Ora, sendo assim, então quem é o autor de uma obra criada por uma Inteligência Artificial?

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Seria a pessoa física que criou e programou os algoritmos? Ou talvez a pessoa que, ao fazer uso da ferramenta de IA, forneceu o comando necessário e "orquestrou" a criação do conteúdo final? Uma terceira hipótese seria considerar tais criações como já nascidas em "domínio público", que é a expressão que o Direito utiliza para designar aquelas obras que não gozam mais de proteção autoral sob o aspecto patrimonial, seja por terem autoria desconhecida, seja por conta do decurso do tempo a partir do marco temporal definido em lei.

Outro desafio que se apresenta é o de como respeitar a cadeia de direitos incidentes sobre o conteúdo pré-existente que foi utilizado pela Inteligência Artificial como fonte de consulta e treinamento para a criação de sua obra?

No direito autoral brasileiro, salvo nas exceções taxativas previstas no Capítulo IV da Lei 9.610/98, todo uso de obra intelectual protegida depende de autorização prévia de seu titular. E a definição se há ou não a obrigação dessa autorização prévia por parte das ferramentas de IA tem dividido opiniões e interpretações ao redor do mundo.

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Se por um lado, facilitar tal acesso a essas ferramentas promove o seu crescimento e almejado desenvolvimento tecnológico, é importante garantir que tal crescimento seja regular e sustentável, sem infringir a esfera de direitos já protegidos como o da propriedade intelectual, privacidade e os direitos ligados à personalidade humana, como, por exemplo, proteção à imagem e voz.

E é esse cuidado necessário que nos leva ao terceiro e último ponto de atenção que foi o grande pano de fundo do citado episódio da série Black Mirror, "Joan é péssima". Como os nossos dados e informações pessoais vão resistir a esse avanço?

Nossa imagem, assim como nossa voz, tem proteção jurídica por serem atributos ligados à nossa personalidade. Nesse sentido, qualquer uso da imagem e da voz de uma pessoa deve ser previamente autorizado e tal uso, em tese, não pode ser nocivo e não deve afetar e nem prejudicar, por exemplo, a honra de seu titular.

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Mas o que acontece quando a nossa imagem e voz, assim como nossos demais dados pessoais passam a compor um imenso banco de dados que serve de fonte para toda essa tecnologia? Até quando é razoável flexibilizar os limites da proteção à privacidade? Quando o desenvolvimento se torna um risco? Quais são as formas viáveis de controle?

O que "Joan" nos leva a avaliar, no final das contas, é qual o resultado que assumimos ao autorizarmos o uso de nossos dados com um clique. E se vai ser péssimo ou não, só o futuro (não muito distante) nos dirá.

Nota

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[1] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Gestão, Política & Sociedade.

 Foto: arquivo pessoal.

Carol Bassin, Advogada especializada em propriedade intelectual, legislação de incentivo e proteção autoral, com experiência de atuação no suporte jurídico e estratégico ao mercado de produção cultural, mídias digitais e negociações envolvendo licenciamento de direitos, consultora jurídica e business affair da agência Condé+ e membro efetivo da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB-RJ

Nesse mês de junho, estreou na Netflix mais uma temporada da instigante e quase perturbadora série "Black Mirror". E já no primeiro episódio intitulado "A Joan é péssima" somos convidados a refletir sobre um tema que vem permeando, num misto de encanto e temor, as nossas projeções sobre o futuro: até onde pode avançar a tecnologia sem comprometer direitos fundamentais que deveriam estar protegidos?

Esse é um tema que vem sendo intensamente debatido, em especial com o recente advento de uma gama de ferramentas de Inteligência Artificial generativa, como o ChatGPT e o Midjourney, que, numa definição rasa, utilizam de uma técnica de algoritmos para "ensinar" máquinas a produzirem um conteúdo novo a partir de informações que já existem.  E, com essa nova realidade, surge para o Direito o primeiro grande desafio, que é o de definir quem é o autor de uma obra criada por uma IA.

A Lei Autoral brasileira (Lei nº 9610/98) [1] determina em seu artigo 7º que as obras intelectuais protegidas são as "criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte", para, na sequência, definir em seu artigo 11º que autor é a "pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica".

Pela leitura desses dispositivos já podemos tirar a primeira importante conclusão; para a legislação brasileira, por enquanto e a menos que haja uma alteração legislativa, somente pessoas humanas são autoras. Ora, sendo assim, então quem é o autor de uma obra criada por uma Inteligência Artificial?

Seria a pessoa física que criou e programou os algoritmos? Ou talvez a pessoa que, ao fazer uso da ferramenta de IA, forneceu o comando necessário e "orquestrou" a criação do conteúdo final? Uma terceira hipótese seria considerar tais criações como já nascidas em "domínio público", que é a expressão que o Direito utiliza para designar aquelas obras que não gozam mais de proteção autoral sob o aspecto patrimonial, seja por terem autoria desconhecida, seja por conta do decurso do tempo a partir do marco temporal definido em lei.

Outro desafio que se apresenta é o de como respeitar a cadeia de direitos incidentes sobre o conteúdo pré-existente que foi utilizado pela Inteligência Artificial como fonte de consulta e treinamento para a criação de sua obra?

No direito autoral brasileiro, salvo nas exceções taxativas previstas no Capítulo IV da Lei 9.610/98, todo uso de obra intelectual protegida depende de autorização prévia de seu titular. E a definição se há ou não a obrigação dessa autorização prévia por parte das ferramentas de IA tem dividido opiniões e interpretações ao redor do mundo.

Se por um lado, facilitar tal acesso a essas ferramentas promove o seu crescimento e almejado desenvolvimento tecnológico, é importante garantir que tal crescimento seja regular e sustentável, sem infringir a esfera de direitos já protegidos como o da propriedade intelectual, privacidade e os direitos ligados à personalidade humana, como, por exemplo, proteção à imagem e voz.

E é esse cuidado necessário que nos leva ao terceiro e último ponto de atenção que foi o grande pano de fundo do citado episódio da série Black Mirror, "Joan é péssima". Como os nossos dados e informações pessoais vão resistir a esse avanço?

Nossa imagem, assim como nossa voz, tem proteção jurídica por serem atributos ligados à nossa personalidade. Nesse sentido, qualquer uso da imagem e da voz de uma pessoa deve ser previamente autorizado e tal uso, em tese, não pode ser nocivo e não deve afetar e nem prejudicar, por exemplo, a honra de seu titular.

Mas o que acontece quando a nossa imagem e voz, assim como nossos demais dados pessoais passam a compor um imenso banco de dados que serve de fonte para toda essa tecnologia? Até quando é razoável flexibilizar os limites da proteção à privacidade? Quando o desenvolvimento se torna um risco? Quais são as formas viáveis de controle?

O que "Joan" nos leva a avaliar, no final das contas, é qual o resultado que assumimos ao autorizarmos o uso de nossos dados com um clique. E se vai ser péssimo ou não, só o futuro (não muito distante) nos dirá.

Nota

[1] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Gestão, Política & Sociedade.

 Foto: arquivo pessoal.

Carol Bassin, Advogada especializada em propriedade intelectual, legislação de incentivo e proteção autoral, com experiência de atuação no suporte jurídico e estratégico ao mercado de produção cultural, mídias digitais e negociações envolvendo licenciamento de direitos, consultora jurídica e business affair da agência Condé+ e membro efetivo da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB-RJ

Nesse mês de junho, estreou na Netflix mais uma temporada da instigante e quase perturbadora série "Black Mirror". E já no primeiro episódio intitulado "A Joan é péssima" somos convidados a refletir sobre um tema que vem permeando, num misto de encanto e temor, as nossas projeções sobre o futuro: até onde pode avançar a tecnologia sem comprometer direitos fundamentais que deveriam estar protegidos?

Esse é um tema que vem sendo intensamente debatido, em especial com o recente advento de uma gama de ferramentas de Inteligência Artificial generativa, como o ChatGPT e o Midjourney, que, numa definição rasa, utilizam de uma técnica de algoritmos para "ensinar" máquinas a produzirem um conteúdo novo a partir de informações que já existem.  E, com essa nova realidade, surge para o Direito o primeiro grande desafio, que é o de definir quem é o autor de uma obra criada por uma IA.

A Lei Autoral brasileira (Lei nº 9610/98) [1] determina em seu artigo 7º que as obras intelectuais protegidas são as "criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte", para, na sequência, definir em seu artigo 11º que autor é a "pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica".

Pela leitura desses dispositivos já podemos tirar a primeira importante conclusão; para a legislação brasileira, por enquanto e a menos que haja uma alteração legislativa, somente pessoas humanas são autoras. Ora, sendo assim, então quem é o autor de uma obra criada por uma Inteligência Artificial?

Seria a pessoa física que criou e programou os algoritmos? Ou talvez a pessoa que, ao fazer uso da ferramenta de IA, forneceu o comando necessário e "orquestrou" a criação do conteúdo final? Uma terceira hipótese seria considerar tais criações como já nascidas em "domínio público", que é a expressão que o Direito utiliza para designar aquelas obras que não gozam mais de proteção autoral sob o aspecto patrimonial, seja por terem autoria desconhecida, seja por conta do decurso do tempo a partir do marco temporal definido em lei.

Outro desafio que se apresenta é o de como respeitar a cadeia de direitos incidentes sobre o conteúdo pré-existente que foi utilizado pela Inteligência Artificial como fonte de consulta e treinamento para a criação de sua obra?

No direito autoral brasileiro, salvo nas exceções taxativas previstas no Capítulo IV da Lei 9.610/98, todo uso de obra intelectual protegida depende de autorização prévia de seu titular. E a definição se há ou não a obrigação dessa autorização prévia por parte das ferramentas de IA tem dividido opiniões e interpretações ao redor do mundo.

Se por um lado, facilitar tal acesso a essas ferramentas promove o seu crescimento e almejado desenvolvimento tecnológico, é importante garantir que tal crescimento seja regular e sustentável, sem infringir a esfera de direitos já protegidos como o da propriedade intelectual, privacidade e os direitos ligados à personalidade humana, como, por exemplo, proteção à imagem e voz.

E é esse cuidado necessário que nos leva ao terceiro e último ponto de atenção que foi o grande pano de fundo do citado episódio da série Black Mirror, "Joan é péssima". Como os nossos dados e informações pessoais vão resistir a esse avanço?

Nossa imagem, assim como nossa voz, tem proteção jurídica por serem atributos ligados à nossa personalidade. Nesse sentido, qualquer uso da imagem e da voz de uma pessoa deve ser previamente autorizado e tal uso, em tese, não pode ser nocivo e não deve afetar e nem prejudicar, por exemplo, a honra de seu titular.

Mas o que acontece quando a nossa imagem e voz, assim como nossos demais dados pessoais passam a compor um imenso banco de dados que serve de fonte para toda essa tecnologia? Até quando é razoável flexibilizar os limites da proteção à privacidade? Quando o desenvolvimento se torna um risco? Quais são as formas viáveis de controle?

O que "Joan" nos leva a avaliar, no final das contas, é qual o resultado que assumimos ao autorizarmos o uso de nossos dados com um clique. E se vai ser péssimo ou não, só o futuro (não muito distante) nos dirá.

Nota

[1] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Gestão, Política & Sociedade.

 Foto: arquivo pessoal.

Carol Bassin, Advogada especializada em propriedade intelectual, legislação de incentivo e proteção autoral, com experiência de atuação no suporte jurídico e estratégico ao mercado de produção cultural, mídias digitais e negociações envolvendo licenciamento de direitos, consultora jurídica e business affair da agência Condé+ e membro efetivo da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB-RJ

Nesse mês de junho, estreou na Netflix mais uma temporada da instigante e quase perturbadora série "Black Mirror". E já no primeiro episódio intitulado "A Joan é péssima" somos convidados a refletir sobre um tema que vem permeando, num misto de encanto e temor, as nossas projeções sobre o futuro: até onde pode avançar a tecnologia sem comprometer direitos fundamentais que deveriam estar protegidos?

Esse é um tema que vem sendo intensamente debatido, em especial com o recente advento de uma gama de ferramentas de Inteligência Artificial generativa, como o ChatGPT e o Midjourney, que, numa definição rasa, utilizam de uma técnica de algoritmos para "ensinar" máquinas a produzirem um conteúdo novo a partir de informações que já existem.  E, com essa nova realidade, surge para o Direito o primeiro grande desafio, que é o de definir quem é o autor de uma obra criada por uma IA.

A Lei Autoral brasileira (Lei nº 9610/98) [1] determina em seu artigo 7º que as obras intelectuais protegidas são as "criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte", para, na sequência, definir em seu artigo 11º que autor é a "pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica".

Pela leitura desses dispositivos já podemos tirar a primeira importante conclusão; para a legislação brasileira, por enquanto e a menos que haja uma alteração legislativa, somente pessoas humanas são autoras. Ora, sendo assim, então quem é o autor de uma obra criada por uma Inteligência Artificial?

Seria a pessoa física que criou e programou os algoritmos? Ou talvez a pessoa que, ao fazer uso da ferramenta de IA, forneceu o comando necessário e "orquestrou" a criação do conteúdo final? Uma terceira hipótese seria considerar tais criações como já nascidas em "domínio público", que é a expressão que o Direito utiliza para designar aquelas obras que não gozam mais de proteção autoral sob o aspecto patrimonial, seja por terem autoria desconhecida, seja por conta do decurso do tempo a partir do marco temporal definido em lei.

Outro desafio que se apresenta é o de como respeitar a cadeia de direitos incidentes sobre o conteúdo pré-existente que foi utilizado pela Inteligência Artificial como fonte de consulta e treinamento para a criação de sua obra?

No direito autoral brasileiro, salvo nas exceções taxativas previstas no Capítulo IV da Lei 9.610/98, todo uso de obra intelectual protegida depende de autorização prévia de seu titular. E a definição se há ou não a obrigação dessa autorização prévia por parte das ferramentas de IA tem dividido opiniões e interpretações ao redor do mundo.

Se por um lado, facilitar tal acesso a essas ferramentas promove o seu crescimento e almejado desenvolvimento tecnológico, é importante garantir que tal crescimento seja regular e sustentável, sem infringir a esfera de direitos já protegidos como o da propriedade intelectual, privacidade e os direitos ligados à personalidade humana, como, por exemplo, proteção à imagem e voz.

E é esse cuidado necessário que nos leva ao terceiro e último ponto de atenção que foi o grande pano de fundo do citado episódio da série Black Mirror, "Joan é péssima". Como os nossos dados e informações pessoais vão resistir a esse avanço?

Nossa imagem, assim como nossa voz, tem proteção jurídica por serem atributos ligados à nossa personalidade. Nesse sentido, qualquer uso da imagem e da voz de uma pessoa deve ser previamente autorizado e tal uso, em tese, não pode ser nocivo e não deve afetar e nem prejudicar, por exemplo, a honra de seu titular.

Mas o que acontece quando a nossa imagem e voz, assim como nossos demais dados pessoais passam a compor um imenso banco de dados que serve de fonte para toda essa tecnologia? Até quando é razoável flexibilizar os limites da proteção à privacidade? Quando o desenvolvimento se torna um risco? Quais são as formas viáveis de controle?

O que "Joan" nos leva a avaliar, no final das contas, é qual o resultado que assumimos ao autorizarmos o uso de nossos dados com um clique. E se vai ser péssimo ou não, só o futuro (não muito distante) nos dirá.

Nota

[1] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Gestão, Política & Sociedade.

 Foto: arquivo pessoal.

Carol Bassin, Advogada especializada em propriedade intelectual, legislação de incentivo e proteção autoral, com experiência de atuação no suporte jurídico e estratégico ao mercado de produção cultural, mídias digitais e negociações envolvendo licenciamento de direitos, consultora jurídica e business affair da agência Condé+ e membro efetivo da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB-RJ

Nesse mês de junho, estreou na Netflix mais uma temporada da instigante e quase perturbadora série "Black Mirror". E já no primeiro episódio intitulado "A Joan é péssima" somos convidados a refletir sobre um tema que vem permeando, num misto de encanto e temor, as nossas projeções sobre o futuro: até onde pode avançar a tecnologia sem comprometer direitos fundamentais que deveriam estar protegidos?

Esse é um tema que vem sendo intensamente debatido, em especial com o recente advento de uma gama de ferramentas de Inteligência Artificial generativa, como o ChatGPT e o Midjourney, que, numa definição rasa, utilizam de uma técnica de algoritmos para "ensinar" máquinas a produzirem um conteúdo novo a partir de informações que já existem.  E, com essa nova realidade, surge para o Direito o primeiro grande desafio, que é o de definir quem é o autor de uma obra criada por uma IA.

A Lei Autoral brasileira (Lei nº 9610/98) [1] determina em seu artigo 7º que as obras intelectuais protegidas são as "criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte", para, na sequência, definir em seu artigo 11º que autor é a "pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica".

Pela leitura desses dispositivos já podemos tirar a primeira importante conclusão; para a legislação brasileira, por enquanto e a menos que haja uma alteração legislativa, somente pessoas humanas são autoras. Ora, sendo assim, então quem é o autor de uma obra criada por uma Inteligência Artificial?

Seria a pessoa física que criou e programou os algoritmos? Ou talvez a pessoa que, ao fazer uso da ferramenta de IA, forneceu o comando necessário e "orquestrou" a criação do conteúdo final? Uma terceira hipótese seria considerar tais criações como já nascidas em "domínio público", que é a expressão que o Direito utiliza para designar aquelas obras que não gozam mais de proteção autoral sob o aspecto patrimonial, seja por terem autoria desconhecida, seja por conta do decurso do tempo a partir do marco temporal definido em lei.

Outro desafio que se apresenta é o de como respeitar a cadeia de direitos incidentes sobre o conteúdo pré-existente que foi utilizado pela Inteligência Artificial como fonte de consulta e treinamento para a criação de sua obra?

No direito autoral brasileiro, salvo nas exceções taxativas previstas no Capítulo IV da Lei 9.610/98, todo uso de obra intelectual protegida depende de autorização prévia de seu titular. E a definição se há ou não a obrigação dessa autorização prévia por parte das ferramentas de IA tem dividido opiniões e interpretações ao redor do mundo.

Se por um lado, facilitar tal acesso a essas ferramentas promove o seu crescimento e almejado desenvolvimento tecnológico, é importante garantir que tal crescimento seja regular e sustentável, sem infringir a esfera de direitos já protegidos como o da propriedade intelectual, privacidade e os direitos ligados à personalidade humana, como, por exemplo, proteção à imagem e voz.

E é esse cuidado necessário que nos leva ao terceiro e último ponto de atenção que foi o grande pano de fundo do citado episódio da série Black Mirror, "Joan é péssima". Como os nossos dados e informações pessoais vão resistir a esse avanço?

Nossa imagem, assim como nossa voz, tem proteção jurídica por serem atributos ligados à nossa personalidade. Nesse sentido, qualquer uso da imagem e da voz de uma pessoa deve ser previamente autorizado e tal uso, em tese, não pode ser nocivo e não deve afetar e nem prejudicar, por exemplo, a honra de seu titular.

Mas o que acontece quando a nossa imagem e voz, assim como nossos demais dados pessoais passam a compor um imenso banco de dados que serve de fonte para toda essa tecnologia? Até quando é razoável flexibilizar os limites da proteção à privacidade? Quando o desenvolvimento se torna um risco? Quais são as formas viáveis de controle?

O que "Joan" nos leva a avaliar, no final das contas, é qual o resultado que assumimos ao autorizarmos o uso de nossos dados com um clique. E se vai ser péssimo ou não, só o futuro (não muito distante) nos dirá.

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[1] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Gestão, Política & Sociedade.

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