Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Os tributos indiretos sobre combustíveis e o princípio da equidade no Brasil


Por REDAÇÃO
 Foto: Estadão

Ana Rita Silva Sacramento, Professora Adjunta da UFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Fabiano Maury Raupp, Professor Associado da UDESC. É líder do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT) e membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

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A tributação sobre combustíveis no Brasil é complexa e ultimamente tem sido objeto de medidas econômicas provocadoras de extensas discussões. Inclusive, já argumentamos sobre o assunto neste Blog, visto que qualquer mudança efetiva na forma de tributação desse específico bem influencia a estrutura econômica do país como um todo [1].

No tocante aos tributos federais, tem-se, por exemplo, a recente Medida Provisória 1.157/2023 [2] pela qual o Governo Federal prorrogou a sua desoneração, fazendo com que as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre óleo diesel, biodiesel e gás liquefeito de petróleo permaneçam reduzidas a zero até 31 de dezembro deste ano, e a cobrança desses dois tributos sobre gasolina e álcool permaneça suspensa até 28 de fevereiro. Dentre os motivos apresentados para a urgência da Medida, que precisa ser aprovada até 2 de abril, consta "o expressivo impacto dos preços dos combustíveis sobre os orçamentos das famílias e os custos das empresas, bem como a importância do setor de combustíveis para a economia nacional, cujos preços impactam todos os demais setores" [3].

Já no que diz respeito aos tributos estaduais, sabe-se que, desde a sanção da Lei Complementar Federal 194, de 23 de junho de 2022, que considerou as operações relativas aos referidos bens como essenciais e indispensáveis ao país, esses não mais puderam ser tratados como supérfluos para fins de cobrança do ICMS pelos Estados e Distrito Federal [4]. Alegando a importância dessa particular arrecadação para as receitas estaduais, uma vez que, em 2021, o ICMS representou 86% da arrecadação dos estados, sendo que apenas combustíveis, petróleo, lubrificantes e energia responderam por quase 30% do valor arrecadado com o imposto - bem como a repercussão para as contas públicas dos municípios, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da referida lei foi apresentada por alguns Estados e pelo Distrito Federal e aguarda julgamento pelo STF [5].

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Considerando que os tributos citados nessa discussão - PIS, COFINS e ICMS - são classificados como indiretos, e que já existe a expectativa do anúncio de novas medidas econômico-tributárias envolvendo os combustíveis, decidimos, com base no princípio teórico de tributação que trata da equidade como forma para melhorar a distribuição de renda de uma sociedade -  um sistema tributário para ser justo deve onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento - oferecer mais uma reflexão, ainda que breve, sobre as características dessa tipologia de tributos, sendo que a ênfase maior recai sobre o ICMS.

Os tributos indiretos incidem sobre a prestação de serviços ou sobre as operações comerciais de venda e circulação de mercadorias. É pelo fato de serem calculados sobre o faturamento das empresas, e não diretamente sobre a renda ou lucro, que são considerados indiretos. Outra característica que os alocam na tipologia de indiretos é que, ao contrário do que ocorre com os tributos classificados como diretos - p. ex: IRPF, IRPJ, IPTU e IPVA - aqueles não se vinculam diretamente ao CPF ou CNPJ do contribuinte do tributo, situação que introduz outro sujeito passivo tributário no contexto onde se realiza a transação, ao qual o Código Tributário Nacional designa como responsável tributário.

Nessa situação, quem paga, de fato, é o contribuinte. O responsável apenas efetua o repasse do valor pago pelo contribuinte. Portanto, sendo o ICMS um tributo indireto, incidente no consumo, ao fim e ao cabo de tamanha complexidade, o ônus tributário simplesmente recai sobre o consumidor final.

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Uma das particularidades do ICMS que, para o escopo dessa reflexão não pode deixar de ser mencionada, consiste no fato de o seu montante integrar a sua própria base de cálculo, o que se designa popularmente de cobrança "por dentro". O resultado desse "detalhe" é que a prática de preços do produto é maior do que seria caso fosse adotada a sistemática do cômputo "por fora" [6].

Para ilustrar didaticamente o que afirmamos, usaremos o seguinte exemplo, retirado de Giambiagi e Além (2016): supondo uma alíquota tributária de 50%, incidente sobre um produto que agrega valor a matérias-primas, sem o uso de outros produtos que tenham passado previamente por algum processo de transformação. O valor agregado (VA) por unidade de produto é $100,00. Exemplificamos, por meio do Quadro 1, qual deve ser o preço do produto quando o imposto é calculado: (i) "por dentro"; (ii) "por fora".

Quadro 1. Preço do produto a partir do imposto "por dentro" e "por fora"

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 Foto: Estadão

Fonte: Giambiagi e Além (2016, p. 41).

Ainda que, teoricamente falando, afirme-se que um sistema tributário justo deve onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento, parece fato que algumas características do nosso sistema tributário não favorecem o princípio da equidade. No caso específico dos tributos indiretos sobre combustíveis, como o ICMS, o exemplo acima ilustra bem essa inépcia, pois a matemática utilizada no cálculo inviabiliza a adoção de taxação progressiva, a partir das características de cada contribuinte.

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Resta-nos acompanhar as próximas medidas governamentais para verificar se os motivos que nortearam a Medida Provisória citada no início desse texto permanecerão válidos, bem como o nível de atenção que será dado ao princípio da equidade em favor de suas implicações distributivas.

Notas e Referências

[1] JESUS, C. S. de; SACRAMENTO, A. R. S.; RAUPP, F. M. Mudanças no ICMS-combustível à vista: "E agora, José"? Estadão. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/mudancas-no-icms-combustivel-a-vista-e-agora-jose/ Acesso em: 12 jan. 2023.

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[2] BRASIL. Medida Provisória n° 1157, de 2023. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155654 Acesso em: 12 jan. 2023.

[3] AGÊNCIA SENADO. Medida Provisória prorroga isenção de impostos sobre combustíveis. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/01/02/medida-provisoria-prorroga-isencao-de-impostos-sobre-combustiveis Acesso em: 12 jan. 2023.

[4] BRASIL. Lei Complementar n. 194, de 23 de junho de 2022. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp194.htm Acesso em: 12 jan. 2023.

[5] CONPEG. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2022/06/estados-adi-7195-icms-28-jun-2022.pdf Acesso em: 12 jan. 2023.

[6] GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

 Foto: Estadão

Ana Rita Silva Sacramento, Professora Adjunta da UFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Fabiano Maury Raupp, Professor Associado da UDESC. É líder do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT) e membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

A tributação sobre combustíveis no Brasil é complexa e ultimamente tem sido objeto de medidas econômicas provocadoras de extensas discussões. Inclusive, já argumentamos sobre o assunto neste Blog, visto que qualquer mudança efetiva na forma de tributação desse específico bem influencia a estrutura econômica do país como um todo [1].

No tocante aos tributos federais, tem-se, por exemplo, a recente Medida Provisória 1.157/2023 [2] pela qual o Governo Federal prorrogou a sua desoneração, fazendo com que as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre óleo diesel, biodiesel e gás liquefeito de petróleo permaneçam reduzidas a zero até 31 de dezembro deste ano, e a cobrança desses dois tributos sobre gasolina e álcool permaneça suspensa até 28 de fevereiro. Dentre os motivos apresentados para a urgência da Medida, que precisa ser aprovada até 2 de abril, consta "o expressivo impacto dos preços dos combustíveis sobre os orçamentos das famílias e os custos das empresas, bem como a importância do setor de combustíveis para a economia nacional, cujos preços impactam todos os demais setores" [3].

Já no que diz respeito aos tributos estaduais, sabe-se que, desde a sanção da Lei Complementar Federal 194, de 23 de junho de 2022, que considerou as operações relativas aos referidos bens como essenciais e indispensáveis ao país, esses não mais puderam ser tratados como supérfluos para fins de cobrança do ICMS pelos Estados e Distrito Federal [4]. Alegando a importância dessa particular arrecadação para as receitas estaduais, uma vez que, em 2021, o ICMS representou 86% da arrecadação dos estados, sendo que apenas combustíveis, petróleo, lubrificantes e energia responderam por quase 30% do valor arrecadado com o imposto - bem como a repercussão para as contas públicas dos municípios, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da referida lei foi apresentada por alguns Estados e pelo Distrito Federal e aguarda julgamento pelo STF [5].

Considerando que os tributos citados nessa discussão - PIS, COFINS e ICMS - são classificados como indiretos, e que já existe a expectativa do anúncio de novas medidas econômico-tributárias envolvendo os combustíveis, decidimos, com base no princípio teórico de tributação que trata da equidade como forma para melhorar a distribuição de renda de uma sociedade -  um sistema tributário para ser justo deve onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento - oferecer mais uma reflexão, ainda que breve, sobre as características dessa tipologia de tributos, sendo que a ênfase maior recai sobre o ICMS.

Os tributos indiretos incidem sobre a prestação de serviços ou sobre as operações comerciais de venda e circulação de mercadorias. É pelo fato de serem calculados sobre o faturamento das empresas, e não diretamente sobre a renda ou lucro, que são considerados indiretos. Outra característica que os alocam na tipologia de indiretos é que, ao contrário do que ocorre com os tributos classificados como diretos - p. ex: IRPF, IRPJ, IPTU e IPVA - aqueles não se vinculam diretamente ao CPF ou CNPJ do contribuinte do tributo, situação que introduz outro sujeito passivo tributário no contexto onde se realiza a transação, ao qual o Código Tributário Nacional designa como responsável tributário.

Nessa situação, quem paga, de fato, é o contribuinte. O responsável apenas efetua o repasse do valor pago pelo contribuinte. Portanto, sendo o ICMS um tributo indireto, incidente no consumo, ao fim e ao cabo de tamanha complexidade, o ônus tributário simplesmente recai sobre o consumidor final.

Uma das particularidades do ICMS que, para o escopo dessa reflexão não pode deixar de ser mencionada, consiste no fato de o seu montante integrar a sua própria base de cálculo, o que se designa popularmente de cobrança "por dentro". O resultado desse "detalhe" é que a prática de preços do produto é maior do que seria caso fosse adotada a sistemática do cômputo "por fora" [6].

Para ilustrar didaticamente o que afirmamos, usaremos o seguinte exemplo, retirado de Giambiagi e Além (2016): supondo uma alíquota tributária de 50%, incidente sobre um produto que agrega valor a matérias-primas, sem o uso de outros produtos que tenham passado previamente por algum processo de transformação. O valor agregado (VA) por unidade de produto é $100,00. Exemplificamos, por meio do Quadro 1, qual deve ser o preço do produto quando o imposto é calculado: (i) "por dentro"; (ii) "por fora".

Quadro 1. Preço do produto a partir do imposto "por dentro" e "por fora"

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Fonte: Giambiagi e Além (2016, p. 41).

Ainda que, teoricamente falando, afirme-se que um sistema tributário justo deve onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento, parece fato que algumas características do nosso sistema tributário não favorecem o princípio da equidade. No caso específico dos tributos indiretos sobre combustíveis, como o ICMS, o exemplo acima ilustra bem essa inépcia, pois a matemática utilizada no cálculo inviabiliza a adoção de taxação progressiva, a partir das características de cada contribuinte.

Resta-nos acompanhar as próximas medidas governamentais para verificar se os motivos que nortearam a Medida Provisória citada no início desse texto permanecerão válidos, bem como o nível de atenção que será dado ao princípio da equidade em favor de suas implicações distributivas.

Notas e Referências

[1] JESUS, C. S. de; SACRAMENTO, A. R. S.; RAUPP, F. M. Mudanças no ICMS-combustível à vista: "E agora, José"? Estadão. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/mudancas-no-icms-combustivel-a-vista-e-agora-jose/ Acesso em: 12 jan. 2023.

[2] BRASIL. Medida Provisória n° 1157, de 2023. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155654 Acesso em: 12 jan. 2023.

[3] AGÊNCIA SENADO. Medida Provisória prorroga isenção de impostos sobre combustíveis. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/01/02/medida-provisoria-prorroga-isencao-de-impostos-sobre-combustiveis Acesso em: 12 jan. 2023.

[4] BRASIL. Lei Complementar n. 194, de 23 de junho de 2022. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp194.htm Acesso em: 12 jan. 2023.

[5] CONPEG. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2022/06/estados-adi-7195-icms-28-jun-2022.pdf Acesso em: 12 jan. 2023.

[6] GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

 Foto: Estadão

Ana Rita Silva Sacramento, Professora Adjunta da UFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Fabiano Maury Raupp, Professor Associado da UDESC. É líder do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT) e membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

A tributação sobre combustíveis no Brasil é complexa e ultimamente tem sido objeto de medidas econômicas provocadoras de extensas discussões. Inclusive, já argumentamos sobre o assunto neste Blog, visto que qualquer mudança efetiva na forma de tributação desse específico bem influencia a estrutura econômica do país como um todo [1].

No tocante aos tributos federais, tem-se, por exemplo, a recente Medida Provisória 1.157/2023 [2] pela qual o Governo Federal prorrogou a sua desoneração, fazendo com que as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre óleo diesel, biodiesel e gás liquefeito de petróleo permaneçam reduzidas a zero até 31 de dezembro deste ano, e a cobrança desses dois tributos sobre gasolina e álcool permaneça suspensa até 28 de fevereiro. Dentre os motivos apresentados para a urgência da Medida, que precisa ser aprovada até 2 de abril, consta "o expressivo impacto dos preços dos combustíveis sobre os orçamentos das famílias e os custos das empresas, bem como a importância do setor de combustíveis para a economia nacional, cujos preços impactam todos os demais setores" [3].

Já no que diz respeito aos tributos estaduais, sabe-se que, desde a sanção da Lei Complementar Federal 194, de 23 de junho de 2022, que considerou as operações relativas aos referidos bens como essenciais e indispensáveis ao país, esses não mais puderam ser tratados como supérfluos para fins de cobrança do ICMS pelos Estados e Distrito Federal [4]. Alegando a importância dessa particular arrecadação para as receitas estaduais, uma vez que, em 2021, o ICMS representou 86% da arrecadação dos estados, sendo que apenas combustíveis, petróleo, lubrificantes e energia responderam por quase 30% do valor arrecadado com o imposto - bem como a repercussão para as contas públicas dos municípios, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da referida lei foi apresentada por alguns Estados e pelo Distrito Federal e aguarda julgamento pelo STF [5].

Considerando que os tributos citados nessa discussão - PIS, COFINS e ICMS - são classificados como indiretos, e que já existe a expectativa do anúncio de novas medidas econômico-tributárias envolvendo os combustíveis, decidimos, com base no princípio teórico de tributação que trata da equidade como forma para melhorar a distribuição de renda de uma sociedade -  um sistema tributário para ser justo deve onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento - oferecer mais uma reflexão, ainda que breve, sobre as características dessa tipologia de tributos, sendo que a ênfase maior recai sobre o ICMS.

Os tributos indiretos incidem sobre a prestação de serviços ou sobre as operações comerciais de venda e circulação de mercadorias. É pelo fato de serem calculados sobre o faturamento das empresas, e não diretamente sobre a renda ou lucro, que são considerados indiretos. Outra característica que os alocam na tipologia de indiretos é que, ao contrário do que ocorre com os tributos classificados como diretos - p. ex: IRPF, IRPJ, IPTU e IPVA - aqueles não se vinculam diretamente ao CPF ou CNPJ do contribuinte do tributo, situação que introduz outro sujeito passivo tributário no contexto onde se realiza a transação, ao qual o Código Tributário Nacional designa como responsável tributário.

Nessa situação, quem paga, de fato, é o contribuinte. O responsável apenas efetua o repasse do valor pago pelo contribuinte. Portanto, sendo o ICMS um tributo indireto, incidente no consumo, ao fim e ao cabo de tamanha complexidade, o ônus tributário simplesmente recai sobre o consumidor final.

Uma das particularidades do ICMS que, para o escopo dessa reflexão não pode deixar de ser mencionada, consiste no fato de o seu montante integrar a sua própria base de cálculo, o que se designa popularmente de cobrança "por dentro". O resultado desse "detalhe" é que a prática de preços do produto é maior do que seria caso fosse adotada a sistemática do cômputo "por fora" [6].

Para ilustrar didaticamente o que afirmamos, usaremos o seguinte exemplo, retirado de Giambiagi e Além (2016): supondo uma alíquota tributária de 50%, incidente sobre um produto que agrega valor a matérias-primas, sem o uso de outros produtos que tenham passado previamente por algum processo de transformação. O valor agregado (VA) por unidade de produto é $100,00. Exemplificamos, por meio do Quadro 1, qual deve ser o preço do produto quando o imposto é calculado: (i) "por dentro"; (ii) "por fora".

Quadro 1. Preço do produto a partir do imposto "por dentro" e "por fora"

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Fonte: Giambiagi e Além (2016, p. 41).

Ainda que, teoricamente falando, afirme-se que um sistema tributário justo deve onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento, parece fato que algumas características do nosso sistema tributário não favorecem o princípio da equidade. No caso específico dos tributos indiretos sobre combustíveis, como o ICMS, o exemplo acima ilustra bem essa inépcia, pois a matemática utilizada no cálculo inviabiliza a adoção de taxação progressiva, a partir das características de cada contribuinte.

Resta-nos acompanhar as próximas medidas governamentais para verificar se os motivos que nortearam a Medida Provisória citada no início desse texto permanecerão válidos, bem como o nível de atenção que será dado ao princípio da equidade em favor de suas implicações distributivas.

Notas e Referências

[1] JESUS, C. S. de; SACRAMENTO, A. R. S.; RAUPP, F. M. Mudanças no ICMS-combustível à vista: "E agora, José"? Estadão. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/mudancas-no-icms-combustivel-a-vista-e-agora-jose/ Acesso em: 12 jan. 2023.

[2] BRASIL. Medida Provisória n° 1157, de 2023. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155654 Acesso em: 12 jan. 2023.

[3] AGÊNCIA SENADO. Medida Provisória prorroga isenção de impostos sobre combustíveis. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/01/02/medida-provisoria-prorroga-isencao-de-impostos-sobre-combustiveis Acesso em: 12 jan. 2023.

[4] BRASIL. Lei Complementar n. 194, de 23 de junho de 2022. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp194.htm Acesso em: 12 jan. 2023.

[5] CONPEG. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2022/06/estados-adi-7195-icms-28-jun-2022.pdf Acesso em: 12 jan. 2023.

[6] GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

 Foto: Estadão

Ana Rita Silva Sacramento, Professora Adjunta da UFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Fabiano Maury Raupp, Professor Associado da UDESC. É líder do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT) e membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

A tributação sobre combustíveis no Brasil é complexa e ultimamente tem sido objeto de medidas econômicas provocadoras de extensas discussões. Inclusive, já argumentamos sobre o assunto neste Blog, visto que qualquer mudança efetiva na forma de tributação desse específico bem influencia a estrutura econômica do país como um todo [1].

No tocante aos tributos federais, tem-se, por exemplo, a recente Medida Provisória 1.157/2023 [2] pela qual o Governo Federal prorrogou a sua desoneração, fazendo com que as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre óleo diesel, biodiesel e gás liquefeito de petróleo permaneçam reduzidas a zero até 31 de dezembro deste ano, e a cobrança desses dois tributos sobre gasolina e álcool permaneça suspensa até 28 de fevereiro. Dentre os motivos apresentados para a urgência da Medida, que precisa ser aprovada até 2 de abril, consta "o expressivo impacto dos preços dos combustíveis sobre os orçamentos das famílias e os custos das empresas, bem como a importância do setor de combustíveis para a economia nacional, cujos preços impactam todos os demais setores" [3].

Já no que diz respeito aos tributos estaduais, sabe-se que, desde a sanção da Lei Complementar Federal 194, de 23 de junho de 2022, que considerou as operações relativas aos referidos bens como essenciais e indispensáveis ao país, esses não mais puderam ser tratados como supérfluos para fins de cobrança do ICMS pelos Estados e Distrito Federal [4]. Alegando a importância dessa particular arrecadação para as receitas estaduais, uma vez que, em 2021, o ICMS representou 86% da arrecadação dos estados, sendo que apenas combustíveis, petróleo, lubrificantes e energia responderam por quase 30% do valor arrecadado com o imposto - bem como a repercussão para as contas públicas dos municípios, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da referida lei foi apresentada por alguns Estados e pelo Distrito Federal e aguarda julgamento pelo STF [5].

Considerando que os tributos citados nessa discussão - PIS, COFINS e ICMS - são classificados como indiretos, e que já existe a expectativa do anúncio de novas medidas econômico-tributárias envolvendo os combustíveis, decidimos, com base no princípio teórico de tributação que trata da equidade como forma para melhorar a distribuição de renda de uma sociedade -  um sistema tributário para ser justo deve onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento - oferecer mais uma reflexão, ainda que breve, sobre as características dessa tipologia de tributos, sendo que a ênfase maior recai sobre o ICMS.

Os tributos indiretos incidem sobre a prestação de serviços ou sobre as operações comerciais de venda e circulação de mercadorias. É pelo fato de serem calculados sobre o faturamento das empresas, e não diretamente sobre a renda ou lucro, que são considerados indiretos. Outra característica que os alocam na tipologia de indiretos é que, ao contrário do que ocorre com os tributos classificados como diretos - p. ex: IRPF, IRPJ, IPTU e IPVA - aqueles não se vinculam diretamente ao CPF ou CNPJ do contribuinte do tributo, situação que introduz outro sujeito passivo tributário no contexto onde se realiza a transação, ao qual o Código Tributário Nacional designa como responsável tributário.

Nessa situação, quem paga, de fato, é o contribuinte. O responsável apenas efetua o repasse do valor pago pelo contribuinte. Portanto, sendo o ICMS um tributo indireto, incidente no consumo, ao fim e ao cabo de tamanha complexidade, o ônus tributário simplesmente recai sobre o consumidor final.

Uma das particularidades do ICMS que, para o escopo dessa reflexão não pode deixar de ser mencionada, consiste no fato de o seu montante integrar a sua própria base de cálculo, o que se designa popularmente de cobrança "por dentro". O resultado desse "detalhe" é que a prática de preços do produto é maior do que seria caso fosse adotada a sistemática do cômputo "por fora" [6].

Para ilustrar didaticamente o que afirmamos, usaremos o seguinte exemplo, retirado de Giambiagi e Além (2016): supondo uma alíquota tributária de 50%, incidente sobre um produto que agrega valor a matérias-primas, sem o uso de outros produtos que tenham passado previamente por algum processo de transformação. O valor agregado (VA) por unidade de produto é $100,00. Exemplificamos, por meio do Quadro 1, qual deve ser o preço do produto quando o imposto é calculado: (i) "por dentro"; (ii) "por fora".

Quadro 1. Preço do produto a partir do imposto "por dentro" e "por fora"

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Fonte: Giambiagi e Além (2016, p. 41).

Ainda que, teoricamente falando, afirme-se que um sistema tributário justo deve onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento, parece fato que algumas características do nosso sistema tributário não favorecem o princípio da equidade. No caso específico dos tributos indiretos sobre combustíveis, como o ICMS, o exemplo acima ilustra bem essa inépcia, pois a matemática utilizada no cálculo inviabiliza a adoção de taxação progressiva, a partir das características de cada contribuinte.

Resta-nos acompanhar as próximas medidas governamentais para verificar se os motivos que nortearam a Medida Provisória citada no início desse texto permanecerão válidos, bem como o nível de atenção que será dado ao princípio da equidade em favor de suas implicações distributivas.

Notas e Referências

[1] JESUS, C. S. de; SACRAMENTO, A. R. S.; RAUPP, F. M. Mudanças no ICMS-combustível à vista: "E agora, José"? Estadão. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/mudancas-no-icms-combustivel-a-vista-e-agora-jose/ Acesso em: 12 jan. 2023.

[2] BRASIL. Medida Provisória n° 1157, de 2023. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155654 Acesso em: 12 jan. 2023.

[3] AGÊNCIA SENADO. Medida Provisória prorroga isenção de impostos sobre combustíveis. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/01/02/medida-provisoria-prorroga-isencao-de-impostos-sobre-combustiveis Acesso em: 12 jan. 2023.

[4] BRASIL. Lei Complementar n. 194, de 23 de junho de 2022. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp194.htm Acesso em: 12 jan. 2023.

[5] CONPEG. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2022/06/estados-adi-7195-icms-28-jun-2022.pdf Acesso em: 12 jan. 2023.

[6] GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

 Foto: Estadão

Ana Rita Silva Sacramento, Professora Adjunta da UFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

Fabiano Maury Raupp, Professor Associado da UDESC. É líder do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT) e membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP)

A tributação sobre combustíveis no Brasil é complexa e ultimamente tem sido objeto de medidas econômicas provocadoras de extensas discussões. Inclusive, já argumentamos sobre o assunto neste Blog, visto que qualquer mudança efetiva na forma de tributação desse específico bem influencia a estrutura econômica do país como um todo [1].

No tocante aos tributos federais, tem-se, por exemplo, a recente Medida Provisória 1.157/2023 [2] pela qual o Governo Federal prorrogou a sua desoneração, fazendo com que as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre óleo diesel, biodiesel e gás liquefeito de petróleo permaneçam reduzidas a zero até 31 de dezembro deste ano, e a cobrança desses dois tributos sobre gasolina e álcool permaneça suspensa até 28 de fevereiro. Dentre os motivos apresentados para a urgência da Medida, que precisa ser aprovada até 2 de abril, consta "o expressivo impacto dos preços dos combustíveis sobre os orçamentos das famílias e os custos das empresas, bem como a importância do setor de combustíveis para a economia nacional, cujos preços impactam todos os demais setores" [3].

Já no que diz respeito aos tributos estaduais, sabe-se que, desde a sanção da Lei Complementar Federal 194, de 23 de junho de 2022, que considerou as operações relativas aos referidos bens como essenciais e indispensáveis ao país, esses não mais puderam ser tratados como supérfluos para fins de cobrança do ICMS pelos Estados e Distrito Federal [4]. Alegando a importância dessa particular arrecadação para as receitas estaduais, uma vez que, em 2021, o ICMS representou 86% da arrecadação dos estados, sendo que apenas combustíveis, petróleo, lubrificantes e energia responderam por quase 30% do valor arrecadado com o imposto - bem como a repercussão para as contas públicas dos municípios, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da referida lei foi apresentada por alguns Estados e pelo Distrito Federal e aguarda julgamento pelo STF [5].

Considerando que os tributos citados nessa discussão - PIS, COFINS e ICMS - são classificados como indiretos, e que já existe a expectativa do anúncio de novas medidas econômico-tributárias envolvendo os combustíveis, decidimos, com base no princípio teórico de tributação que trata da equidade como forma para melhorar a distribuição de renda de uma sociedade -  um sistema tributário para ser justo deve onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento - oferecer mais uma reflexão, ainda que breve, sobre as características dessa tipologia de tributos, sendo que a ênfase maior recai sobre o ICMS.

Os tributos indiretos incidem sobre a prestação de serviços ou sobre as operações comerciais de venda e circulação de mercadorias. É pelo fato de serem calculados sobre o faturamento das empresas, e não diretamente sobre a renda ou lucro, que são considerados indiretos. Outra característica que os alocam na tipologia de indiretos é que, ao contrário do que ocorre com os tributos classificados como diretos - p. ex: IRPF, IRPJ, IPTU e IPVA - aqueles não se vinculam diretamente ao CPF ou CNPJ do contribuinte do tributo, situação que introduz outro sujeito passivo tributário no contexto onde se realiza a transação, ao qual o Código Tributário Nacional designa como responsável tributário.

Nessa situação, quem paga, de fato, é o contribuinte. O responsável apenas efetua o repasse do valor pago pelo contribuinte. Portanto, sendo o ICMS um tributo indireto, incidente no consumo, ao fim e ao cabo de tamanha complexidade, o ônus tributário simplesmente recai sobre o consumidor final.

Uma das particularidades do ICMS que, para o escopo dessa reflexão não pode deixar de ser mencionada, consiste no fato de o seu montante integrar a sua própria base de cálculo, o que se designa popularmente de cobrança "por dentro". O resultado desse "detalhe" é que a prática de preços do produto é maior do que seria caso fosse adotada a sistemática do cômputo "por fora" [6].

Para ilustrar didaticamente o que afirmamos, usaremos o seguinte exemplo, retirado de Giambiagi e Além (2016): supondo uma alíquota tributária de 50%, incidente sobre um produto que agrega valor a matérias-primas, sem o uso de outros produtos que tenham passado previamente por algum processo de transformação. O valor agregado (VA) por unidade de produto é $100,00. Exemplificamos, por meio do Quadro 1, qual deve ser o preço do produto quando o imposto é calculado: (i) "por dentro"; (ii) "por fora".

Quadro 1. Preço do produto a partir do imposto "por dentro" e "por fora"

 Foto: Estadão

Fonte: Giambiagi e Além (2016, p. 41).

Ainda que, teoricamente falando, afirme-se que um sistema tributário justo deve onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento, parece fato que algumas características do nosso sistema tributário não favorecem o princípio da equidade. No caso específico dos tributos indiretos sobre combustíveis, como o ICMS, o exemplo acima ilustra bem essa inépcia, pois a matemática utilizada no cálculo inviabiliza a adoção de taxação progressiva, a partir das características de cada contribuinte.

Resta-nos acompanhar as próximas medidas governamentais para verificar se os motivos que nortearam a Medida Provisória citada no início desse texto permanecerão válidos, bem como o nível de atenção que será dado ao princípio da equidade em favor de suas implicações distributivas.

Notas e Referências

[1] JESUS, C. S. de; SACRAMENTO, A. R. S.; RAUPP, F. M. Mudanças no ICMS-combustível à vista: "E agora, José"? Estadão. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/mudancas-no-icms-combustivel-a-vista-e-agora-jose/ Acesso em: 12 jan. 2023.

[2] BRASIL. Medida Provisória n° 1157, de 2023. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155654 Acesso em: 12 jan. 2023.

[3] AGÊNCIA SENADO. Medida Provisória prorroga isenção de impostos sobre combustíveis. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/01/02/medida-provisoria-prorroga-isencao-de-impostos-sobre-combustiveis Acesso em: 12 jan. 2023.

[4] BRASIL. Lei Complementar n. 194, de 23 de junho de 2022. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp194.htm Acesso em: 12 jan. 2023.

[5] CONPEG. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2022/06/estados-adi-7195-icms-28-jun-2022.pdf Acesso em: 12 jan. 2023.

[6] GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

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