Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Pesando prós e contras, o controle externo do setor público se justifica?


Por Redação
Imagem: arquivo pessoal.  

Patricia Vieira da Costa, Doutora em Ciência Política (UnB), servidora pública da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), atuando na Secretaria Executiva do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). As opiniões expressas no artigo não representam a posição institucional do MGI

Para impor limites ao poder no setor público, é fundamental que governos democráticos respondam periodicamente aos cidadãos pela via eleitoral, no que se convencionou chamar de "accountability vertical". Mas também é preciso haver mecanismos de "freios e contrapesos" - incluindo a supervisão ininterrupta por agências públicas independentes de controle, também conhecida como "accountability horizontal".

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No final do século XX, a accountability horizontal ainda era incipiente no Brasil. Mas nas últimas décadas o controle externo se fortaleceu, as assimetrias entre controladores e controlados cresceram, e hoje dificilmente uma decisão sobre políticas públicas é tomada ou um programa é implementado sem o envolvimento (e, na prática, o aval) dos órgãos de controle, especialmente no nível federal. Mas quais as principais virtudes e patologias do controle? No que ele impacta dentro do sistema? E o que o justifica?

Para começar, é preciso distinguir accountability no setor público e no setor privado. Os executivos das empresas respondem a acionistas e a consumidores. Por analogia, as autoridades públicas responderiam a pagadores de impostos e a usuários de serviços públicos. Mas isso não seria suficiente. Na accountability democrática, é indispensável responder a todos os cidadãos.

Normalmente, accountability no setor público refere-se a finanças, justiça ou performance. A accountability para finanças é relativa à responsabilidade no uso dos recursos públicos. A accountability para justiça remonta à equidade na provisão de serviços, no trato dos cidadãos, na tributação. Há quem fale também em accountability pelo "uso (ou abuso) do poder", que seria um misto de accountability para finanças e para justiça, no intuito de limitar o exercício do poder discricionário. Por fim, a accountability para performance refere-se à busca de eficiência, eficácia, efetividade e economicidade no setor público (os quatro "Es"), e ao aperfeiçoamento das políticas públicas. Tendo em vista essas vertentes de accountability, os impactos positivos ou "virtudes" do controle externo incluiriam inibição da corrupção e de desvios; atuação mais justa; e melhoria dos quatro "Es" e das políticas públicas.

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Com a disseminação dos preceitos gerencialistas da Nova Gestão Pública a partir dos anos 1980 e 1990, o debate sobre accountability para performance ganhou força, abrindo caminho às auditorias de desempenho, que muitas vezes são usadas como avaliações. Mas, ao contrário da abordagem clássica de avaliação, que é longitudinal e aprofundada, as auditorias de desempenho são muito mais superficiais e simplificadas. Por isso, não seriam o instrumento mais adequado para apoiar a formulação de políticas ou programas.

Nos últimos anos, a comunidade internacional de auditoria externa vem advogando ampliar o escopo de suas atividades para além da função tradicional de conformidade, regularidade e auditorias financeiras, adentrando competências de formulação e tomada de decisões em políticas públicas. Essa incursão em competências do Poder Executivo ocorre justamente com a substituição da avaliação tradicional pela auditoria de desempenho - informando de maneira insatisfatória a formulação e a tomada de decisões.

Ademais, o robustecimento do controle faz com que decisões sobre aferição de desempenho de políticas públicas acabem afastadas da alçada decisória dos gestores encarregados. E é frequente o controlador não levar em conta as características de cada organização ao impor sua visão sobre desempenho e sobre sua medição.

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Outra fonte de ineficiência do controle são as "múltiplas chibatas": uma mesma política pode estar submetida a múltiplas camadas de controle, exercidas por diferentes órgãos controladores autônomos, que não atuam em sintonia, gerando custos transacionais decorrentes de sobreposições desnecessárias para atender exigências múltiplas e desconexas dos órgãos de controle, em um arranjo rígido e em larga medida ineficiente.

Outras distorções geradas pelo controle incluem o aumento de gastos em razão dos custos de conformidade às auditorias; a prevalência de servidores públicos excessivamente cautelosos, que evitam assumir responsabilidades, tomar iniciativas, criar, experimentar; e a fuga de talentos da gestão pública.

 
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Para piorar, não há instâncias de controle dos controladores. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta autoavaliações e revisões interpares como soluções para esse problema. Ou seja, a saída para controlar os controladores seria que eles fiscalizassem a si mesmos e a seus pares, numa visão extremamente esmaecida de accountability.

Dadas todas essas "patologias", ainda assim o controle externo se justifica? De um ponto de vista gerencialista, o que legitimaria o controle externo seria o fato de os ganhos obtidos a partir das auditorias excederem seus custos - e não há evidência inconteste de que este seja o caso. Deveria haver muito mais preocupação dos órgãos de controle com os custos de conformidade e com as possíveis consequências adversas da auditoria. Uma simples análise de custo-benefício já seria um começo, mas há que se considerar a dificuldade de mensurar ganhos intangíveis do controle.

Embora uma abordagem gerencialista de legitimação do controle seja importante, ela é insuficiente, porque privilegia a performance, e não a visão mais abrangente da accountability democrática. Por outro lado, uma abordagem "constitucionalista", promotora da accountability democrática, sob o princípio de que o controle externo é crucial porque as organizações públicas têm o dever de prestar contas e de agir com justiça, tampouco afasta a necessidade de os órgãos de controle prestarem contas.

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Em suma, é difícil separar os aspectos gerencialistas do controle daqueles mais cerimoniais, ligados à visão de legitimidade democrática. O ideal parece ser articular essas duas dimensões, admitindo que o fundamento da atividade emana de ambas. E que o controle externo, ainda que (muito) carente de aperfeiçoamentos, é basilar e imprescindível em um ambiente democrático.

* Esse texto é fruto de parceria entre o Diálogos Públicos, a ANESP e o Gestão, Política & Sociedade.

Imagem: arquivo pessoal.  

Patricia Vieira da Costa, Doutora em Ciência Política (UnB), servidora pública da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), atuando na Secretaria Executiva do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). As opiniões expressas no artigo não representam a posição institucional do MGI

Para impor limites ao poder no setor público, é fundamental que governos democráticos respondam periodicamente aos cidadãos pela via eleitoral, no que se convencionou chamar de "accountability vertical". Mas também é preciso haver mecanismos de "freios e contrapesos" - incluindo a supervisão ininterrupta por agências públicas independentes de controle, também conhecida como "accountability horizontal".

No final do século XX, a accountability horizontal ainda era incipiente no Brasil. Mas nas últimas décadas o controle externo se fortaleceu, as assimetrias entre controladores e controlados cresceram, e hoje dificilmente uma decisão sobre políticas públicas é tomada ou um programa é implementado sem o envolvimento (e, na prática, o aval) dos órgãos de controle, especialmente no nível federal. Mas quais as principais virtudes e patologias do controle? No que ele impacta dentro do sistema? E o que o justifica?

Para começar, é preciso distinguir accountability no setor público e no setor privado. Os executivos das empresas respondem a acionistas e a consumidores. Por analogia, as autoridades públicas responderiam a pagadores de impostos e a usuários de serviços públicos. Mas isso não seria suficiente. Na accountability democrática, é indispensável responder a todos os cidadãos.

Normalmente, accountability no setor público refere-se a finanças, justiça ou performance. A accountability para finanças é relativa à responsabilidade no uso dos recursos públicos. A accountability para justiça remonta à equidade na provisão de serviços, no trato dos cidadãos, na tributação. Há quem fale também em accountability pelo "uso (ou abuso) do poder", que seria um misto de accountability para finanças e para justiça, no intuito de limitar o exercício do poder discricionário. Por fim, a accountability para performance refere-se à busca de eficiência, eficácia, efetividade e economicidade no setor público (os quatro "Es"), e ao aperfeiçoamento das políticas públicas. Tendo em vista essas vertentes de accountability, os impactos positivos ou "virtudes" do controle externo incluiriam inibição da corrupção e de desvios; atuação mais justa; e melhoria dos quatro "Es" e das políticas públicas.

Com a disseminação dos preceitos gerencialistas da Nova Gestão Pública a partir dos anos 1980 e 1990, o debate sobre accountability para performance ganhou força, abrindo caminho às auditorias de desempenho, que muitas vezes são usadas como avaliações. Mas, ao contrário da abordagem clássica de avaliação, que é longitudinal e aprofundada, as auditorias de desempenho são muito mais superficiais e simplificadas. Por isso, não seriam o instrumento mais adequado para apoiar a formulação de políticas ou programas.

Nos últimos anos, a comunidade internacional de auditoria externa vem advogando ampliar o escopo de suas atividades para além da função tradicional de conformidade, regularidade e auditorias financeiras, adentrando competências de formulação e tomada de decisões em políticas públicas. Essa incursão em competências do Poder Executivo ocorre justamente com a substituição da avaliação tradicional pela auditoria de desempenho - informando de maneira insatisfatória a formulação e a tomada de decisões.

Ademais, o robustecimento do controle faz com que decisões sobre aferição de desempenho de políticas públicas acabem afastadas da alçada decisória dos gestores encarregados. E é frequente o controlador não levar em conta as características de cada organização ao impor sua visão sobre desempenho e sobre sua medição.

Outra fonte de ineficiência do controle são as "múltiplas chibatas": uma mesma política pode estar submetida a múltiplas camadas de controle, exercidas por diferentes órgãos controladores autônomos, que não atuam em sintonia, gerando custos transacionais decorrentes de sobreposições desnecessárias para atender exigências múltiplas e desconexas dos órgãos de controle, em um arranjo rígido e em larga medida ineficiente.

Outras distorções geradas pelo controle incluem o aumento de gastos em razão dos custos de conformidade às auditorias; a prevalência de servidores públicos excessivamente cautelosos, que evitam assumir responsabilidades, tomar iniciativas, criar, experimentar; e a fuga de talentos da gestão pública.

 

Para piorar, não há instâncias de controle dos controladores. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta autoavaliações e revisões interpares como soluções para esse problema. Ou seja, a saída para controlar os controladores seria que eles fiscalizassem a si mesmos e a seus pares, numa visão extremamente esmaecida de accountability.

Dadas todas essas "patologias", ainda assim o controle externo se justifica? De um ponto de vista gerencialista, o que legitimaria o controle externo seria o fato de os ganhos obtidos a partir das auditorias excederem seus custos - e não há evidência inconteste de que este seja o caso. Deveria haver muito mais preocupação dos órgãos de controle com os custos de conformidade e com as possíveis consequências adversas da auditoria. Uma simples análise de custo-benefício já seria um começo, mas há que se considerar a dificuldade de mensurar ganhos intangíveis do controle.

Embora uma abordagem gerencialista de legitimação do controle seja importante, ela é insuficiente, porque privilegia a performance, e não a visão mais abrangente da accountability democrática. Por outro lado, uma abordagem "constitucionalista", promotora da accountability democrática, sob o princípio de que o controle externo é crucial porque as organizações públicas têm o dever de prestar contas e de agir com justiça, tampouco afasta a necessidade de os órgãos de controle prestarem contas.

Em suma, é difícil separar os aspectos gerencialistas do controle daqueles mais cerimoniais, ligados à visão de legitimidade democrática. O ideal parece ser articular essas duas dimensões, admitindo que o fundamento da atividade emana de ambas. E que o controle externo, ainda que (muito) carente de aperfeiçoamentos, é basilar e imprescindível em um ambiente democrático.

* Esse texto é fruto de parceria entre o Diálogos Públicos, a ANESP e o Gestão, Política & Sociedade.

Imagem: arquivo pessoal.  

Patricia Vieira da Costa, Doutora em Ciência Política (UnB), servidora pública da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), atuando na Secretaria Executiva do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). As opiniões expressas no artigo não representam a posição institucional do MGI

Para impor limites ao poder no setor público, é fundamental que governos democráticos respondam periodicamente aos cidadãos pela via eleitoral, no que se convencionou chamar de "accountability vertical". Mas também é preciso haver mecanismos de "freios e contrapesos" - incluindo a supervisão ininterrupta por agências públicas independentes de controle, também conhecida como "accountability horizontal".

No final do século XX, a accountability horizontal ainda era incipiente no Brasil. Mas nas últimas décadas o controle externo se fortaleceu, as assimetrias entre controladores e controlados cresceram, e hoje dificilmente uma decisão sobre políticas públicas é tomada ou um programa é implementado sem o envolvimento (e, na prática, o aval) dos órgãos de controle, especialmente no nível federal. Mas quais as principais virtudes e patologias do controle? No que ele impacta dentro do sistema? E o que o justifica?

Para começar, é preciso distinguir accountability no setor público e no setor privado. Os executivos das empresas respondem a acionistas e a consumidores. Por analogia, as autoridades públicas responderiam a pagadores de impostos e a usuários de serviços públicos. Mas isso não seria suficiente. Na accountability democrática, é indispensável responder a todos os cidadãos.

Normalmente, accountability no setor público refere-se a finanças, justiça ou performance. A accountability para finanças é relativa à responsabilidade no uso dos recursos públicos. A accountability para justiça remonta à equidade na provisão de serviços, no trato dos cidadãos, na tributação. Há quem fale também em accountability pelo "uso (ou abuso) do poder", que seria um misto de accountability para finanças e para justiça, no intuito de limitar o exercício do poder discricionário. Por fim, a accountability para performance refere-se à busca de eficiência, eficácia, efetividade e economicidade no setor público (os quatro "Es"), e ao aperfeiçoamento das políticas públicas. Tendo em vista essas vertentes de accountability, os impactos positivos ou "virtudes" do controle externo incluiriam inibição da corrupção e de desvios; atuação mais justa; e melhoria dos quatro "Es" e das políticas públicas.

Com a disseminação dos preceitos gerencialistas da Nova Gestão Pública a partir dos anos 1980 e 1990, o debate sobre accountability para performance ganhou força, abrindo caminho às auditorias de desempenho, que muitas vezes são usadas como avaliações. Mas, ao contrário da abordagem clássica de avaliação, que é longitudinal e aprofundada, as auditorias de desempenho são muito mais superficiais e simplificadas. Por isso, não seriam o instrumento mais adequado para apoiar a formulação de políticas ou programas.

Nos últimos anos, a comunidade internacional de auditoria externa vem advogando ampliar o escopo de suas atividades para além da função tradicional de conformidade, regularidade e auditorias financeiras, adentrando competências de formulação e tomada de decisões em políticas públicas. Essa incursão em competências do Poder Executivo ocorre justamente com a substituição da avaliação tradicional pela auditoria de desempenho - informando de maneira insatisfatória a formulação e a tomada de decisões.

Ademais, o robustecimento do controle faz com que decisões sobre aferição de desempenho de políticas públicas acabem afastadas da alçada decisória dos gestores encarregados. E é frequente o controlador não levar em conta as características de cada organização ao impor sua visão sobre desempenho e sobre sua medição.

Outra fonte de ineficiência do controle são as "múltiplas chibatas": uma mesma política pode estar submetida a múltiplas camadas de controle, exercidas por diferentes órgãos controladores autônomos, que não atuam em sintonia, gerando custos transacionais decorrentes de sobreposições desnecessárias para atender exigências múltiplas e desconexas dos órgãos de controle, em um arranjo rígido e em larga medida ineficiente.

Outras distorções geradas pelo controle incluem o aumento de gastos em razão dos custos de conformidade às auditorias; a prevalência de servidores públicos excessivamente cautelosos, que evitam assumir responsabilidades, tomar iniciativas, criar, experimentar; e a fuga de talentos da gestão pública.

 

Para piorar, não há instâncias de controle dos controladores. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta autoavaliações e revisões interpares como soluções para esse problema. Ou seja, a saída para controlar os controladores seria que eles fiscalizassem a si mesmos e a seus pares, numa visão extremamente esmaecida de accountability.

Dadas todas essas "patologias", ainda assim o controle externo se justifica? De um ponto de vista gerencialista, o que legitimaria o controle externo seria o fato de os ganhos obtidos a partir das auditorias excederem seus custos - e não há evidência inconteste de que este seja o caso. Deveria haver muito mais preocupação dos órgãos de controle com os custos de conformidade e com as possíveis consequências adversas da auditoria. Uma simples análise de custo-benefício já seria um começo, mas há que se considerar a dificuldade de mensurar ganhos intangíveis do controle.

Embora uma abordagem gerencialista de legitimação do controle seja importante, ela é insuficiente, porque privilegia a performance, e não a visão mais abrangente da accountability democrática. Por outro lado, uma abordagem "constitucionalista", promotora da accountability democrática, sob o princípio de que o controle externo é crucial porque as organizações públicas têm o dever de prestar contas e de agir com justiça, tampouco afasta a necessidade de os órgãos de controle prestarem contas.

Em suma, é difícil separar os aspectos gerencialistas do controle daqueles mais cerimoniais, ligados à visão de legitimidade democrática. O ideal parece ser articular essas duas dimensões, admitindo que o fundamento da atividade emana de ambas. E que o controle externo, ainda que (muito) carente de aperfeiçoamentos, é basilar e imprescindível em um ambiente democrático.

* Esse texto é fruto de parceria entre o Diálogos Públicos, a ANESP e o Gestão, Política & Sociedade.

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