Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Pobreza menstrual: desdobramentos, retrocessos e necessidade de reversão do quadro atual


Por Redação

Nathália Araújo Vieira Bruni, Graduada em Administração Pública (FGV - EAESP) e ingressante avulsa no Mestrado em Administração Pública e Governo (CMAPG)

Segundo dados levantados em 2020, 26% das meninas brasileiras são afetadas diariamente pela pobreza menstrual, definição dada para falta de acesso a absorventes higiênicos [1]. Não obstante, de acordo com um estudo realizado pelo Banco Mundial em 2018, pelo menos 500 milhões de meninas e mulheres no mundo não dispõem de instalações adequadas para a higiene no período menstrual[2]. Em pesquisa realizada pela Always no Brasil, marca de cuidado íntimo, foi observado que mais de uma em cada quatro jovens (29%) revelou não ter tido dinheiro para comprar produtos higiênicos para o período menstrual em algum momento de suas vidas[3]. Nas classes DE, esse índice é ainda maior (33%).

Esse é, portanto, um problema sério, que apresenta consequências severas para saúde física e mental de mulheres, não apenas no Brasil. Mas, é preciso nos atentarmos às disparidades de realidade vividas por meninas e mulheres, uma vez que fatores como a desigualdade e, consequentemente, o poder aquisitivo, que varia dentro do próprio Brasil, refletem na qualidade de vida de mulheres de diferentes formas. No caso das regiões e cidades mais pobres, são ainda mais impactadas pelo quadro de escassez de saúde básica e íntima.

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Por se tratar de um problema que afeta parcela significativa da população feminina, desde 2014 a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos[4]. O que se explica pelo fato de os desdobramentos da escassez de produtos para higiene menstrual afetarem diretamente outros campos da vida de meninas e mulheres como o da saúde - dando origem à infecções e outros problemas graves, e o da educação, por privar meninas a seguirem de forma segura com seus estudos, uma vez que a falta do absorvente afeta diretamente o desempenho escolar de estudantes e, como consequência, restringe o desenvolvimento de seu potencial na vida adulta[5].

Se a falta de produtos para higiene já resulta em um quadro alarmante em nossa sociedade - principalmente quando pensamos na realidade do Brasil, vale destacar que o tema da menstruação por si só é tido como um tabu. De modo que, tal como destacado pela antropóloga Mirian Goldenberg, uma em cada quatro meninas no Brasil faltam à aula por não possuírem absorventes, e destas 50% nunca falaram sobre o assunto na escola.[6] O que resulta em um cenário ameaçador para saúde mental de meninas que enfrentam quadros de insegurança e solidão com relação à menstruação e o modo pelo qual lidam com o tema. Segundo Adriana Bukowski, idealizadora e criadora do Coletivo de Igualdade Menstrual, muitas mulheres não possuem educação menstrual adequada e acabam sofrendo com o tabu que se criou em torno do assunto[7].

De fato, ações por parte da sociedade civil vêm sendo tomadas para ressaltar a importância do Estado enquanto ente que tem o dever não apenas de de zelar, mas também de assegurar direitos e garantias fundamentais.Por isso, quanto maior o número de medidas tomadas em torno de reversão do atual quadro, maior a conscientização sobre o tema e maior o amparo que as mulheres receberão. Entretanto, diferentemente do caminho que vinha sendo percorrido por mulheres e organizações da sociedade civil na luta pela atenuação do quadro de pobreza menstrual, na última quinta feira (7/10), o Brasil vivenciou o veto do atual presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade.[8] Fato este que destacou mais uma vez a dificuldade que o país tem em promover políticas públicas para mulheres e, especificamente, em relação a estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade.

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Cabendo destacar que o projeto previa a beneficiação de estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; pessoas em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; pessoas apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e pessoas internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. O que não será mais possível pois, se mantido o veto, pois, segundo Bolsonaro, o texto do projeto não estabelece fonte de custeio que deveria vir dos recursos destinados pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS) - e, no caso das presidiárias, do Fundo Penitenciário Nacional.[9]

Como destacado como Gabriela Prioli, o projeto tem como intuito o combate à precariedade menstrual, ou seja, tem como objetivo dar acesso a itens fundamentais e imprescindíveis da realidade de milhares de mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade. Não obstante, na medida em que os itens não são distribuídos pelo SUS, ela aponta que a concessão de absorventes poderia soar como um "privilégio sem motivos", o que caminha contra o quadro de extrema pobreza e vulnerabilidade vivido por grande parte da população.

Vale ressaltar, como bem exposto por Marília Arraes (PT), autora do projeto de lei aprovado, a decisão de Jair Bolsonaro destaca que este fez do projeto uma disputa política e ideológica, quando na verdade o intuito do projeto era de unir o Parlamento e o país em torno de uma causa que é importante para todas as mulheres e meninas do Brasil.[10] Logo, como forma de acentuar o quadro, destaca-se a essencialidade que é de medidas para reversão do quadro continuarem sendo parte da luta por direitos de meninas e mulheres uma vez que a pobreza no período é um problema generalizado.

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De acordo com a representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant, a ausência de condições sanitárias mínimas para que as pessoas possam gerenciar sua menstruação é uma violação de direitos humanos e uma condição que distancia o país do alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 3, relacionado à saúde e ao bem-estar[11]. Por isso, acrescenta, a menstruação é uma condição perfeitamente natural que deve ser mais seriamente encarada pelo poder público e as políticas de saúde.

Quando não permitimos que uma menina possa passar por esse período de forma adequada, estamos violando sua dignidade. Consequentemente, retiramos o seu direito de ter acesso ao que lhe é básico e fundamental: o estudo, a saúde e sua emancipação como menina, mulher e ser humano.

Notas

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[1] Pobreza Menstrual no Brasil. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/emais.estadao.com.br/blogs/kids/26-de-meninas-brasileiras-nao-tem-dinheiro-para-comprar-absorvente/%3famp > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[2] Porcentagem de adolescentes em Pobreza Menstrual. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods3/pobreza-menstrual-25-das-adolescentes-nao-tem-acesso-a-absorventes/?amp=1 > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[3] Always, cuidado íntimo. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/exame.com/marketing/always1-a-cada-4-mulheres-faltou-a-aula-por-nao-poder-comprar-absorvente/amp/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

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[4] Senado: Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[5]Senado: Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[6] Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www.politize.com.br/pobreza-menstrual/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

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[7] Communicare. Disponível em: https://www.portalcomunicare.com.br/sociedade-civil-e-poder-publico-discutem-politicas-de-combate-a-pobreza-menstrual-em-curitiba/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[8] Veto de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/07/veto-de-bolsonaro-a-distribuicao-de-absorventes-expoe-pobreza-menstrual-entenda-o-conceito-e-o-que-esta-em-jogo.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[9] Veto de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/07/veto-de-bolsonaro-a-distribuicao-de-absorventes-expoe-pobreza-menstrual-entenda-o-conceito-e-o-que-esta-em-jogo.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[10] Disputa Política e Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2021/10/08/presidente-fez-disso-uma-disputa-politica-diz-deputada-marilia-arraes-autora-do-projeto-para-distribuir-absorvente-vetado-por-bolsonaro.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[11] UNICEF. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/no-brasil-milhoes-de-meninas-carecem-de-infraestrutura-e-itens-basicos-para-cuidados-menstruais > Acesso em 11 de outubro de 2021.

Nathália Araújo Vieira Bruni, Graduada em Administração Pública (FGV - EAESP) e ingressante avulsa no Mestrado em Administração Pública e Governo (CMAPG)

Segundo dados levantados em 2020, 26% das meninas brasileiras são afetadas diariamente pela pobreza menstrual, definição dada para falta de acesso a absorventes higiênicos [1]. Não obstante, de acordo com um estudo realizado pelo Banco Mundial em 2018, pelo menos 500 milhões de meninas e mulheres no mundo não dispõem de instalações adequadas para a higiene no período menstrual[2]. Em pesquisa realizada pela Always no Brasil, marca de cuidado íntimo, foi observado que mais de uma em cada quatro jovens (29%) revelou não ter tido dinheiro para comprar produtos higiênicos para o período menstrual em algum momento de suas vidas[3]. Nas classes DE, esse índice é ainda maior (33%).

Esse é, portanto, um problema sério, que apresenta consequências severas para saúde física e mental de mulheres, não apenas no Brasil. Mas, é preciso nos atentarmos às disparidades de realidade vividas por meninas e mulheres, uma vez que fatores como a desigualdade e, consequentemente, o poder aquisitivo, que varia dentro do próprio Brasil, refletem na qualidade de vida de mulheres de diferentes formas. No caso das regiões e cidades mais pobres, são ainda mais impactadas pelo quadro de escassez de saúde básica e íntima.

Por se tratar de um problema que afeta parcela significativa da população feminina, desde 2014 a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos[4]. O que se explica pelo fato de os desdobramentos da escassez de produtos para higiene menstrual afetarem diretamente outros campos da vida de meninas e mulheres como o da saúde - dando origem à infecções e outros problemas graves, e o da educação, por privar meninas a seguirem de forma segura com seus estudos, uma vez que a falta do absorvente afeta diretamente o desempenho escolar de estudantes e, como consequência, restringe o desenvolvimento de seu potencial na vida adulta[5].

Se a falta de produtos para higiene já resulta em um quadro alarmante em nossa sociedade - principalmente quando pensamos na realidade do Brasil, vale destacar que o tema da menstruação por si só é tido como um tabu. De modo que, tal como destacado pela antropóloga Mirian Goldenberg, uma em cada quatro meninas no Brasil faltam à aula por não possuírem absorventes, e destas 50% nunca falaram sobre o assunto na escola.[6] O que resulta em um cenário ameaçador para saúde mental de meninas que enfrentam quadros de insegurança e solidão com relação à menstruação e o modo pelo qual lidam com o tema. Segundo Adriana Bukowski, idealizadora e criadora do Coletivo de Igualdade Menstrual, muitas mulheres não possuem educação menstrual adequada e acabam sofrendo com o tabu que se criou em torno do assunto[7].

De fato, ações por parte da sociedade civil vêm sendo tomadas para ressaltar a importância do Estado enquanto ente que tem o dever não apenas de de zelar, mas também de assegurar direitos e garantias fundamentais.Por isso, quanto maior o número de medidas tomadas em torno de reversão do atual quadro, maior a conscientização sobre o tema e maior o amparo que as mulheres receberão. Entretanto, diferentemente do caminho que vinha sendo percorrido por mulheres e organizações da sociedade civil na luta pela atenuação do quadro de pobreza menstrual, na última quinta feira (7/10), o Brasil vivenciou o veto do atual presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade.[8] Fato este que destacou mais uma vez a dificuldade que o país tem em promover políticas públicas para mulheres e, especificamente, em relação a estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade.

Cabendo destacar que o projeto previa a beneficiação de estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; pessoas em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; pessoas apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e pessoas internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. O que não será mais possível pois, se mantido o veto, pois, segundo Bolsonaro, o texto do projeto não estabelece fonte de custeio que deveria vir dos recursos destinados pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS) - e, no caso das presidiárias, do Fundo Penitenciário Nacional.[9]

Como destacado como Gabriela Prioli, o projeto tem como intuito o combate à precariedade menstrual, ou seja, tem como objetivo dar acesso a itens fundamentais e imprescindíveis da realidade de milhares de mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade. Não obstante, na medida em que os itens não são distribuídos pelo SUS, ela aponta que a concessão de absorventes poderia soar como um "privilégio sem motivos", o que caminha contra o quadro de extrema pobreza e vulnerabilidade vivido por grande parte da população.

Vale ressaltar, como bem exposto por Marília Arraes (PT), autora do projeto de lei aprovado, a decisão de Jair Bolsonaro destaca que este fez do projeto uma disputa política e ideológica, quando na verdade o intuito do projeto era de unir o Parlamento e o país em torno de uma causa que é importante para todas as mulheres e meninas do Brasil.[10] Logo, como forma de acentuar o quadro, destaca-se a essencialidade que é de medidas para reversão do quadro continuarem sendo parte da luta por direitos de meninas e mulheres uma vez que a pobreza no período é um problema generalizado.

De acordo com a representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant, a ausência de condições sanitárias mínimas para que as pessoas possam gerenciar sua menstruação é uma violação de direitos humanos e uma condição que distancia o país do alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 3, relacionado à saúde e ao bem-estar[11]. Por isso, acrescenta, a menstruação é uma condição perfeitamente natural que deve ser mais seriamente encarada pelo poder público e as políticas de saúde.

Quando não permitimos que uma menina possa passar por esse período de forma adequada, estamos violando sua dignidade. Consequentemente, retiramos o seu direito de ter acesso ao que lhe é básico e fundamental: o estudo, a saúde e sua emancipação como menina, mulher e ser humano.

Notas

[1] Pobreza Menstrual no Brasil. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/emais.estadao.com.br/blogs/kids/26-de-meninas-brasileiras-nao-tem-dinheiro-para-comprar-absorvente/%3famp > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[2] Porcentagem de adolescentes em Pobreza Menstrual. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods3/pobreza-menstrual-25-das-adolescentes-nao-tem-acesso-a-absorventes/?amp=1 > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[3] Always, cuidado íntimo. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/exame.com/marketing/always1-a-cada-4-mulheres-faltou-a-aula-por-nao-poder-comprar-absorvente/amp/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[4] Senado: Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[5]Senado: Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[6] Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www.politize.com.br/pobreza-menstrual/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[7] Communicare. Disponível em: https://www.portalcomunicare.com.br/sociedade-civil-e-poder-publico-discutem-politicas-de-combate-a-pobreza-menstrual-em-curitiba/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[8] Veto de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/07/veto-de-bolsonaro-a-distribuicao-de-absorventes-expoe-pobreza-menstrual-entenda-o-conceito-e-o-que-esta-em-jogo.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[9] Veto de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/07/veto-de-bolsonaro-a-distribuicao-de-absorventes-expoe-pobreza-menstrual-entenda-o-conceito-e-o-que-esta-em-jogo.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[10] Disputa Política e Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2021/10/08/presidente-fez-disso-uma-disputa-politica-diz-deputada-marilia-arraes-autora-do-projeto-para-distribuir-absorvente-vetado-por-bolsonaro.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[11] UNICEF. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/no-brasil-milhoes-de-meninas-carecem-de-infraestrutura-e-itens-basicos-para-cuidados-menstruais > Acesso em 11 de outubro de 2021.

Nathália Araújo Vieira Bruni, Graduada em Administração Pública (FGV - EAESP) e ingressante avulsa no Mestrado em Administração Pública e Governo (CMAPG)

Segundo dados levantados em 2020, 26% das meninas brasileiras são afetadas diariamente pela pobreza menstrual, definição dada para falta de acesso a absorventes higiênicos [1]. Não obstante, de acordo com um estudo realizado pelo Banco Mundial em 2018, pelo menos 500 milhões de meninas e mulheres no mundo não dispõem de instalações adequadas para a higiene no período menstrual[2]. Em pesquisa realizada pela Always no Brasil, marca de cuidado íntimo, foi observado que mais de uma em cada quatro jovens (29%) revelou não ter tido dinheiro para comprar produtos higiênicos para o período menstrual em algum momento de suas vidas[3]. Nas classes DE, esse índice é ainda maior (33%).

Esse é, portanto, um problema sério, que apresenta consequências severas para saúde física e mental de mulheres, não apenas no Brasil. Mas, é preciso nos atentarmos às disparidades de realidade vividas por meninas e mulheres, uma vez que fatores como a desigualdade e, consequentemente, o poder aquisitivo, que varia dentro do próprio Brasil, refletem na qualidade de vida de mulheres de diferentes formas. No caso das regiões e cidades mais pobres, são ainda mais impactadas pelo quadro de escassez de saúde básica e íntima.

Por se tratar de um problema que afeta parcela significativa da população feminina, desde 2014 a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos[4]. O que se explica pelo fato de os desdobramentos da escassez de produtos para higiene menstrual afetarem diretamente outros campos da vida de meninas e mulheres como o da saúde - dando origem à infecções e outros problemas graves, e o da educação, por privar meninas a seguirem de forma segura com seus estudos, uma vez que a falta do absorvente afeta diretamente o desempenho escolar de estudantes e, como consequência, restringe o desenvolvimento de seu potencial na vida adulta[5].

Se a falta de produtos para higiene já resulta em um quadro alarmante em nossa sociedade - principalmente quando pensamos na realidade do Brasil, vale destacar que o tema da menstruação por si só é tido como um tabu. De modo que, tal como destacado pela antropóloga Mirian Goldenberg, uma em cada quatro meninas no Brasil faltam à aula por não possuírem absorventes, e destas 50% nunca falaram sobre o assunto na escola.[6] O que resulta em um cenário ameaçador para saúde mental de meninas que enfrentam quadros de insegurança e solidão com relação à menstruação e o modo pelo qual lidam com o tema. Segundo Adriana Bukowski, idealizadora e criadora do Coletivo de Igualdade Menstrual, muitas mulheres não possuem educação menstrual adequada e acabam sofrendo com o tabu que se criou em torno do assunto[7].

De fato, ações por parte da sociedade civil vêm sendo tomadas para ressaltar a importância do Estado enquanto ente que tem o dever não apenas de de zelar, mas também de assegurar direitos e garantias fundamentais.Por isso, quanto maior o número de medidas tomadas em torno de reversão do atual quadro, maior a conscientização sobre o tema e maior o amparo que as mulheres receberão. Entretanto, diferentemente do caminho que vinha sendo percorrido por mulheres e organizações da sociedade civil na luta pela atenuação do quadro de pobreza menstrual, na última quinta feira (7/10), o Brasil vivenciou o veto do atual presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade.[8] Fato este que destacou mais uma vez a dificuldade que o país tem em promover políticas públicas para mulheres e, especificamente, em relação a estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade.

Cabendo destacar que o projeto previa a beneficiação de estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; pessoas em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; pessoas apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e pessoas internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. O que não será mais possível pois, se mantido o veto, pois, segundo Bolsonaro, o texto do projeto não estabelece fonte de custeio que deveria vir dos recursos destinados pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS) - e, no caso das presidiárias, do Fundo Penitenciário Nacional.[9]

Como destacado como Gabriela Prioli, o projeto tem como intuito o combate à precariedade menstrual, ou seja, tem como objetivo dar acesso a itens fundamentais e imprescindíveis da realidade de milhares de mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade. Não obstante, na medida em que os itens não são distribuídos pelo SUS, ela aponta que a concessão de absorventes poderia soar como um "privilégio sem motivos", o que caminha contra o quadro de extrema pobreza e vulnerabilidade vivido por grande parte da população.

Vale ressaltar, como bem exposto por Marília Arraes (PT), autora do projeto de lei aprovado, a decisão de Jair Bolsonaro destaca que este fez do projeto uma disputa política e ideológica, quando na verdade o intuito do projeto era de unir o Parlamento e o país em torno de uma causa que é importante para todas as mulheres e meninas do Brasil.[10] Logo, como forma de acentuar o quadro, destaca-se a essencialidade que é de medidas para reversão do quadro continuarem sendo parte da luta por direitos de meninas e mulheres uma vez que a pobreza no período é um problema generalizado.

De acordo com a representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant, a ausência de condições sanitárias mínimas para que as pessoas possam gerenciar sua menstruação é uma violação de direitos humanos e uma condição que distancia o país do alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 3, relacionado à saúde e ao bem-estar[11]. Por isso, acrescenta, a menstruação é uma condição perfeitamente natural que deve ser mais seriamente encarada pelo poder público e as políticas de saúde.

Quando não permitimos que uma menina possa passar por esse período de forma adequada, estamos violando sua dignidade. Consequentemente, retiramos o seu direito de ter acesso ao que lhe é básico e fundamental: o estudo, a saúde e sua emancipação como menina, mulher e ser humano.

Notas

[1] Pobreza Menstrual no Brasil. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/emais.estadao.com.br/blogs/kids/26-de-meninas-brasileiras-nao-tem-dinheiro-para-comprar-absorvente/%3famp > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[2] Porcentagem de adolescentes em Pobreza Menstrual. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods3/pobreza-menstrual-25-das-adolescentes-nao-tem-acesso-a-absorventes/?amp=1 > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[3] Always, cuidado íntimo. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/exame.com/marketing/always1-a-cada-4-mulheres-faltou-a-aula-por-nao-poder-comprar-absorvente/amp/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[4] Senado: Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[5]Senado: Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[6] Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www.politize.com.br/pobreza-menstrual/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[7] Communicare. Disponível em: https://www.portalcomunicare.com.br/sociedade-civil-e-poder-publico-discutem-politicas-de-combate-a-pobreza-menstrual-em-curitiba/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[8] Veto de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/07/veto-de-bolsonaro-a-distribuicao-de-absorventes-expoe-pobreza-menstrual-entenda-o-conceito-e-o-que-esta-em-jogo.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[9] Veto de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/07/veto-de-bolsonaro-a-distribuicao-de-absorventes-expoe-pobreza-menstrual-entenda-o-conceito-e-o-que-esta-em-jogo.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[10] Disputa Política e Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2021/10/08/presidente-fez-disso-uma-disputa-politica-diz-deputada-marilia-arraes-autora-do-projeto-para-distribuir-absorvente-vetado-por-bolsonaro.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[11] UNICEF. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/no-brasil-milhoes-de-meninas-carecem-de-infraestrutura-e-itens-basicos-para-cuidados-menstruais > Acesso em 11 de outubro de 2021.

Nathália Araújo Vieira Bruni, Graduada em Administração Pública (FGV - EAESP) e ingressante avulsa no Mestrado em Administração Pública e Governo (CMAPG)

Segundo dados levantados em 2020, 26% das meninas brasileiras são afetadas diariamente pela pobreza menstrual, definição dada para falta de acesso a absorventes higiênicos [1]. Não obstante, de acordo com um estudo realizado pelo Banco Mundial em 2018, pelo menos 500 milhões de meninas e mulheres no mundo não dispõem de instalações adequadas para a higiene no período menstrual[2]. Em pesquisa realizada pela Always no Brasil, marca de cuidado íntimo, foi observado que mais de uma em cada quatro jovens (29%) revelou não ter tido dinheiro para comprar produtos higiênicos para o período menstrual em algum momento de suas vidas[3]. Nas classes DE, esse índice é ainda maior (33%).

Esse é, portanto, um problema sério, que apresenta consequências severas para saúde física e mental de mulheres, não apenas no Brasil. Mas, é preciso nos atentarmos às disparidades de realidade vividas por meninas e mulheres, uma vez que fatores como a desigualdade e, consequentemente, o poder aquisitivo, que varia dentro do próprio Brasil, refletem na qualidade de vida de mulheres de diferentes formas. No caso das regiões e cidades mais pobres, são ainda mais impactadas pelo quadro de escassez de saúde básica e íntima.

Por se tratar de um problema que afeta parcela significativa da população feminina, desde 2014 a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos[4]. O que se explica pelo fato de os desdobramentos da escassez de produtos para higiene menstrual afetarem diretamente outros campos da vida de meninas e mulheres como o da saúde - dando origem à infecções e outros problemas graves, e o da educação, por privar meninas a seguirem de forma segura com seus estudos, uma vez que a falta do absorvente afeta diretamente o desempenho escolar de estudantes e, como consequência, restringe o desenvolvimento de seu potencial na vida adulta[5].

Se a falta de produtos para higiene já resulta em um quadro alarmante em nossa sociedade - principalmente quando pensamos na realidade do Brasil, vale destacar que o tema da menstruação por si só é tido como um tabu. De modo que, tal como destacado pela antropóloga Mirian Goldenberg, uma em cada quatro meninas no Brasil faltam à aula por não possuírem absorventes, e destas 50% nunca falaram sobre o assunto na escola.[6] O que resulta em um cenário ameaçador para saúde mental de meninas que enfrentam quadros de insegurança e solidão com relação à menstruação e o modo pelo qual lidam com o tema. Segundo Adriana Bukowski, idealizadora e criadora do Coletivo de Igualdade Menstrual, muitas mulheres não possuem educação menstrual adequada e acabam sofrendo com o tabu que se criou em torno do assunto[7].

De fato, ações por parte da sociedade civil vêm sendo tomadas para ressaltar a importância do Estado enquanto ente que tem o dever não apenas de de zelar, mas também de assegurar direitos e garantias fundamentais.Por isso, quanto maior o número de medidas tomadas em torno de reversão do atual quadro, maior a conscientização sobre o tema e maior o amparo que as mulheres receberão. Entretanto, diferentemente do caminho que vinha sendo percorrido por mulheres e organizações da sociedade civil na luta pela atenuação do quadro de pobreza menstrual, na última quinta feira (7/10), o Brasil vivenciou o veto do atual presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade.[8] Fato este que destacou mais uma vez a dificuldade que o país tem em promover políticas públicas para mulheres e, especificamente, em relação a estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade.

Cabendo destacar que o projeto previa a beneficiação de estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; pessoas em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; pessoas apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e pessoas internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. O que não será mais possível pois, se mantido o veto, pois, segundo Bolsonaro, o texto do projeto não estabelece fonte de custeio que deveria vir dos recursos destinados pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS) - e, no caso das presidiárias, do Fundo Penitenciário Nacional.[9]

Como destacado como Gabriela Prioli, o projeto tem como intuito o combate à precariedade menstrual, ou seja, tem como objetivo dar acesso a itens fundamentais e imprescindíveis da realidade de milhares de mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade. Não obstante, na medida em que os itens não são distribuídos pelo SUS, ela aponta que a concessão de absorventes poderia soar como um "privilégio sem motivos", o que caminha contra o quadro de extrema pobreza e vulnerabilidade vivido por grande parte da população.

Vale ressaltar, como bem exposto por Marília Arraes (PT), autora do projeto de lei aprovado, a decisão de Jair Bolsonaro destaca que este fez do projeto uma disputa política e ideológica, quando na verdade o intuito do projeto era de unir o Parlamento e o país em torno de uma causa que é importante para todas as mulheres e meninas do Brasil.[10] Logo, como forma de acentuar o quadro, destaca-se a essencialidade que é de medidas para reversão do quadro continuarem sendo parte da luta por direitos de meninas e mulheres uma vez que a pobreza no período é um problema generalizado.

De acordo com a representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant, a ausência de condições sanitárias mínimas para que as pessoas possam gerenciar sua menstruação é uma violação de direitos humanos e uma condição que distancia o país do alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 3, relacionado à saúde e ao bem-estar[11]. Por isso, acrescenta, a menstruação é uma condição perfeitamente natural que deve ser mais seriamente encarada pelo poder público e as políticas de saúde.

Quando não permitimos que uma menina possa passar por esse período de forma adequada, estamos violando sua dignidade. Consequentemente, retiramos o seu direito de ter acesso ao que lhe é básico e fundamental: o estudo, a saúde e sua emancipação como menina, mulher e ser humano.

Notas

[1] Pobreza Menstrual no Brasil. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/emais.estadao.com.br/blogs/kids/26-de-meninas-brasileiras-nao-tem-dinheiro-para-comprar-absorvente/%3famp > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[2] Porcentagem de adolescentes em Pobreza Menstrual. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods3/pobreza-menstrual-25-das-adolescentes-nao-tem-acesso-a-absorventes/?amp=1 > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[3] Always, cuidado íntimo. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/exame.com/marketing/always1-a-cada-4-mulheres-faltou-a-aula-por-nao-poder-comprar-absorvente/amp/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[4] Senado: Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[5]Senado: Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[6] Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www.politize.com.br/pobreza-menstrual/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[7] Communicare. Disponível em: https://www.portalcomunicare.com.br/sociedade-civil-e-poder-publico-discutem-politicas-de-combate-a-pobreza-menstrual-em-curitiba/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[8] Veto de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/07/veto-de-bolsonaro-a-distribuicao-de-absorventes-expoe-pobreza-menstrual-entenda-o-conceito-e-o-que-esta-em-jogo.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[9] Veto de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/07/veto-de-bolsonaro-a-distribuicao-de-absorventes-expoe-pobreza-menstrual-entenda-o-conceito-e-o-que-esta-em-jogo.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[10] Disputa Política e Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2021/10/08/presidente-fez-disso-uma-disputa-politica-diz-deputada-marilia-arraes-autora-do-projeto-para-distribuir-absorvente-vetado-por-bolsonaro.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[11] UNICEF. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/no-brasil-milhoes-de-meninas-carecem-de-infraestrutura-e-itens-basicos-para-cuidados-menstruais > Acesso em 11 de outubro de 2021.

Nathália Araújo Vieira Bruni, Graduada em Administração Pública (FGV - EAESP) e ingressante avulsa no Mestrado em Administração Pública e Governo (CMAPG)

Segundo dados levantados em 2020, 26% das meninas brasileiras são afetadas diariamente pela pobreza menstrual, definição dada para falta de acesso a absorventes higiênicos [1]. Não obstante, de acordo com um estudo realizado pelo Banco Mundial em 2018, pelo menos 500 milhões de meninas e mulheres no mundo não dispõem de instalações adequadas para a higiene no período menstrual[2]. Em pesquisa realizada pela Always no Brasil, marca de cuidado íntimo, foi observado que mais de uma em cada quatro jovens (29%) revelou não ter tido dinheiro para comprar produtos higiênicos para o período menstrual em algum momento de suas vidas[3]. Nas classes DE, esse índice é ainda maior (33%).

Esse é, portanto, um problema sério, que apresenta consequências severas para saúde física e mental de mulheres, não apenas no Brasil. Mas, é preciso nos atentarmos às disparidades de realidade vividas por meninas e mulheres, uma vez que fatores como a desigualdade e, consequentemente, o poder aquisitivo, que varia dentro do próprio Brasil, refletem na qualidade de vida de mulheres de diferentes formas. No caso das regiões e cidades mais pobres, são ainda mais impactadas pelo quadro de escassez de saúde básica e íntima.

Por se tratar de um problema que afeta parcela significativa da população feminina, desde 2014 a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos[4]. O que se explica pelo fato de os desdobramentos da escassez de produtos para higiene menstrual afetarem diretamente outros campos da vida de meninas e mulheres como o da saúde - dando origem à infecções e outros problemas graves, e o da educação, por privar meninas a seguirem de forma segura com seus estudos, uma vez que a falta do absorvente afeta diretamente o desempenho escolar de estudantes e, como consequência, restringe o desenvolvimento de seu potencial na vida adulta[5].

Se a falta de produtos para higiene já resulta em um quadro alarmante em nossa sociedade - principalmente quando pensamos na realidade do Brasil, vale destacar que o tema da menstruação por si só é tido como um tabu. De modo que, tal como destacado pela antropóloga Mirian Goldenberg, uma em cada quatro meninas no Brasil faltam à aula por não possuírem absorventes, e destas 50% nunca falaram sobre o assunto na escola.[6] O que resulta em um cenário ameaçador para saúde mental de meninas que enfrentam quadros de insegurança e solidão com relação à menstruação e o modo pelo qual lidam com o tema. Segundo Adriana Bukowski, idealizadora e criadora do Coletivo de Igualdade Menstrual, muitas mulheres não possuem educação menstrual adequada e acabam sofrendo com o tabu que se criou em torno do assunto[7].

De fato, ações por parte da sociedade civil vêm sendo tomadas para ressaltar a importância do Estado enquanto ente que tem o dever não apenas de de zelar, mas também de assegurar direitos e garantias fundamentais.Por isso, quanto maior o número de medidas tomadas em torno de reversão do atual quadro, maior a conscientização sobre o tema e maior o amparo que as mulheres receberão. Entretanto, diferentemente do caminho que vinha sendo percorrido por mulheres e organizações da sociedade civil na luta pela atenuação do quadro de pobreza menstrual, na última quinta feira (7/10), o Brasil vivenciou o veto do atual presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade.[8] Fato este que destacou mais uma vez a dificuldade que o país tem em promover políticas públicas para mulheres e, especificamente, em relação a estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade.

Cabendo destacar que o projeto previa a beneficiação de estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; pessoas em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; pessoas apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e pessoas internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. O que não será mais possível pois, se mantido o veto, pois, segundo Bolsonaro, o texto do projeto não estabelece fonte de custeio que deveria vir dos recursos destinados pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS) - e, no caso das presidiárias, do Fundo Penitenciário Nacional.[9]

Como destacado como Gabriela Prioli, o projeto tem como intuito o combate à precariedade menstrual, ou seja, tem como objetivo dar acesso a itens fundamentais e imprescindíveis da realidade de milhares de mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade. Não obstante, na medida em que os itens não são distribuídos pelo SUS, ela aponta que a concessão de absorventes poderia soar como um "privilégio sem motivos", o que caminha contra o quadro de extrema pobreza e vulnerabilidade vivido por grande parte da população.

Vale ressaltar, como bem exposto por Marília Arraes (PT), autora do projeto de lei aprovado, a decisão de Jair Bolsonaro destaca que este fez do projeto uma disputa política e ideológica, quando na verdade o intuito do projeto era de unir o Parlamento e o país em torno de uma causa que é importante para todas as mulheres e meninas do Brasil.[10] Logo, como forma de acentuar o quadro, destaca-se a essencialidade que é de medidas para reversão do quadro continuarem sendo parte da luta por direitos de meninas e mulheres uma vez que a pobreza no período é um problema generalizado.

De acordo com a representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant, a ausência de condições sanitárias mínimas para que as pessoas possam gerenciar sua menstruação é uma violação de direitos humanos e uma condição que distancia o país do alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 3, relacionado à saúde e ao bem-estar[11]. Por isso, acrescenta, a menstruação é uma condição perfeitamente natural que deve ser mais seriamente encarada pelo poder público e as políticas de saúde.

Quando não permitimos que uma menina possa passar por esse período de forma adequada, estamos violando sua dignidade. Consequentemente, retiramos o seu direito de ter acesso ao que lhe é básico e fundamental: o estudo, a saúde e sua emancipação como menina, mulher e ser humano.

Notas

[1] Pobreza Menstrual no Brasil. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/emais.estadao.com.br/blogs/kids/26-de-meninas-brasileiras-nao-tem-dinheiro-para-comprar-absorvente/%3famp > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[2] Porcentagem de adolescentes em Pobreza Menstrual. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods3/pobreza-menstrual-25-das-adolescentes-nao-tem-acesso-a-absorventes/?amp=1 > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[3] Always, cuidado íntimo. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/exame.com/marketing/always1-a-cada-4-mulheres-faltou-a-aula-por-nao-poder-comprar-absorvente/amp/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[4] Senado: Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[5]Senado: Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[6] Pobreza Menstrual. Disponível em: https://www.politize.com.br/pobreza-menstrual/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[7] Communicare. Disponível em: https://www.portalcomunicare.com.br/sociedade-civil-e-poder-publico-discutem-politicas-de-combate-a-pobreza-menstrual-em-curitiba/ > Acesso em 10 de outubro de 2021.

[8] Veto de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/07/veto-de-bolsonaro-a-distribuicao-de-absorventes-expoe-pobreza-menstrual-entenda-o-conceito-e-o-que-esta-em-jogo.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[9] Veto de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/10/07/veto-de-bolsonaro-a-distribuicao-de-absorventes-expoe-pobreza-menstrual-entenda-o-conceito-e-o-que-esta-em-jogo.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[10] Disputa Política e Jair Bolsonaro. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2021/10/08/presidente-fez-disso-uma-disputa-politica-diz-deputada-marilia-arraes-autora-do-projeto-para-distribuir-absorvente-vetado-por-bolsonaro.ghtml > Acesso em 11 de outubro de 2021.

[11] UNICEF. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/no-brasil-milhoes-de-meninas-carecem-de-infraestrutura-e-itens-basicos-para-cuidados-menstruais > Acesso em 11 de outubro de 2021.

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