Eduardo B. Andrade, professor da FGV EBAPE Guilherme Ramos e Yan Vieites, alunos de doutorado da FGV EBAPE Jorge Jacob, pesquisador em pós-doutorado da Columbia University
Entre os dias 24 e 27 de março, conduzimos uma pesquisa sobre a prática do isolamento social no combate ao novo coronavírus. Obtivemos 774 respostas válidas. Aos participantes perguntamos (a) com que rigor o governo brasileiro deveria agir para conter a possível propagação do novo coronavírus e (b) o quanto o respondente apoiaria a prática do isolamento social por cerca de um mês.
Para a maioria (em torno de 2/3), o isolamento social rigoroso, seja como política de governo ou como comportamento individual, representa uma medida necessária. Mas como de costume, há variância. A ausência de consenso traz consigo uma série de questionamentos sobre o porquê da divergência de opiniões. Será que a visão das pessoas varia em função da idade, profissão, gênero, classe social, religião, entre outros? Na maioria dos casos, a resposta é "não" ou "muito pouco". Um aspecto, entretanto, chama a atenção: a orientação política. Aqueles que se identificam como "claramente de direita" são bem menos propensos a apoiar medidas de isolamento social rigorosas do que aqueles mais ao centro, e ainda menos quanto comparados àqueles que se veem como "claramente de esquerda". O impacto da orientação política, entretanto, não se traduz na simples defesa de interesses financeiros individuais, como alguns podem crer. Estar mais à direita ou à esquerda no espectro político-ideológico mantém uma forte relação com as opiniões sobre o isolamento social independentemente da expectativa de como essas medidas afetarão próprio bolso.
O "fla-flu" não está restrito à opiniões sobre isolamento social. A um subgrupo dos participantes, pedimos que estimassem o número de mortes pela COVID-19 no Brasil nos próximos 5 ou 10 dias. A orientação política também afetou essas estimativas. A esquerda mostrou-se mais pessimista do que a direita, prevendo um efeito exponencial do número de mortes mais acentuado no décimo dia. O curioso foi notar que, no agregado, as previsões parecem bem realistas (um padrão exponencial similar ao observado nos EUA, por exemplo). Em outras palavras, juntos eles parecem prever as consequências da pandemia melhor que separados. Por fim, informamos que doaríamos R$500 a uma causa social voltada para o combate ao coronavírus. Demos aos participantes duas opções: doar para uma causa que ameniza os impactos do novo Coronavírus (a) "na economia" ou (b) "na saúde". A maioria escolheu a saúde. Mas a orientação política também afetou essa escolha. Três quartos dos mais alinhados com a esquerda escolheram a opção b. Já entre os que fortemente se identificam com a direita, esse percentual caiu para 57%.
Infelizmente, a polarização que vivemos no Brasil há alguns anos persiste em tempos de COVID-19. Como a nossa pesquisa mostra, ela afeta opiniões, previsões e escolhas. Tal desunião traz consequências sérias, pois vem de cima. Não há dúvidas que a coordenação de gestão e comunicação dos diversos entes públicos fará diferença. Economia e saúde não competem, se complementam em busca de um objetivo maior, o bem-estar da população. O colapso do sistema de saúde levará ao colapso da economia, e vice-versa. O diabo, claro, mora nos detalhes. Mas as incongruências de comunicação e gestão entre as esferas de poder, e até dentro de uma mesma esfera, são enormes, alimentando divisões na administração pública e na sociedade.
É possível mudar de direção? Sem dúvida. Há alguns dias, um de nós participava de um encontro (virtual, como haveria de ser) com um grupo de pesquisadores dos EUA. Um desses pesquisadores descrevia com relativa surpresa os resultados preliminares de seu estudo. A orientação política, que tanto divide a opinião americana, parece estar perdendo força quando o tópico é o combate ao novo coronavírus. A polarização está reduzindo, em parte pela imposição dos fatos, e em parte, por uma radical mudança de postura do governo federal, que entendeu os riscos e agora busca unir o país. À nação e, claro, aos seus eleitores, Trump apresentou o problema como uma guerra a ser vencida. O inimigo é único e todos terão que fazer a sua parte, inclusive a iniciativa privada. Só que ao invés de armamento, a indústria terá de ajudar na fabricação de respiradores, equipamentos de proteção, hospitais de campanha, e demais itens de uma quase interminável lista de necessidades urgentes. A vida em primeiro lugar, disse o presidente. Com um discurso uníssono, que soou bem aos ouvidos das duas principais tribos do país, ganhou o governo, e sobretudo, a população americana.
Algo similar pode ocorrer por aqui. Mas os embates na administração pública persistem e os efeitos serão sentidos por todos nós. Como diz o provérbio africano: Quando dois elefantes brigam, quem sofre é a grama.
Agradecemos imensamente aos quase oitocentos brasileiros e brasileiras que em menos de três dias completaram nossa pesquisa, independentemente de orientação política. Ah! Doamos R$1.000,00 para o Fundo Emergencial para a Saúde.
Eduardo B. Andrade, professor da FGV EBAPE Guilherme Ramos e Yan Vieites, alunos de doutorado da FGV EBAPE Jorge Jacob, pesquisador em pós-doutorado da Columbia University