Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Política macroeconômica e democracias


Por Redação

Simone Deos, Professora Associada do IE Unicamp. Pesquisadora Senior do CEBRI e Presidente do Conselho do IFFD

Rogerio Studart, Senior Fellow do CEBRI e ex-Diretor do Grupo Banco Mundial e do BID

Em sua mais recente reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC) decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano. Informou que a decisão baseou-se em projeções de que a inflação deverá desacelerar - de 5,8% em 2022, para 4,8% em 2023 e 2,9% em 2024 - e convergir para a meta. Não obstante, sinalizou que monitora um conjunto de riscos que estariam colocados para o horizonte relevante (18 meses), e avalia que um aumento dos gastos do governo de forma permanente, bem como a incerteza quanto à sua trajetória futura, podem deteriorar as expectativas, o que poderia exigir novos aumentos de juros.

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Em evento recente no qual comentou esta decisão, o diretor de política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, foi questionado sobre o tamanho do "waiver" fiscal que a autoridade monetária aceitaria. Fernandes não respondeu, preferindo recontar o caso ocorrido na Inglaterra com o governo de Liz Truss, que permaneceu no poder por apenas 44 dias. Para o diretor, o governo Truss foi punido pois o mercado não aceitou uma política econômica que, em sua opinião, agravaria a situação fiscal do país. A punição se deu sob a forma de instabilidade financeira: desvalorização da libra, queda nos preços de ações e desvalorização abrupta - de 23%, sendo esse o epicentro da crise - dos títulos da dívida pública inglesa (gilts) negociados no mercado. No momento em que o presidente eleito do Brasil negocia com o Congresso a melhor forma de compatibilizar o orçamento fiscal de 2023 com os compromissos assumidos em sua campanha, o ocorrido na Grã Bretanha pede efetivamente uma discussão mais profunda.

Antes um "disclaimer". Não defendemos aqui as medidas de política econômica apresentadas pela ex-primeira-ministra, centradas na ideia de que um corte de impostos - sobretudo dos mais ricos -  deveria acelerar o crescimento. Pelo contrário, por razões que um dos autores já discutiu em outro artigo, frente à crescente, "self-reinforcing" e imoral desigualdade de renda e riqueza observada internacionalmente, medidas regressivas no âmbito tributário são indesejáveis e geram esgarçamento do tecido social. Adicionalmente, são muitas as evidências da ineficácia das chamadas políticas de supply side para acelerar o crescimento.

Mas voltemos à versão de que o governo de Liz Truss caiu porque foi punido pelo mercado. Evidentemente, esta não é a única interpretação dos acontecimentos, que já vêm sendo escrutinados. Em artigo recente intitulado "Não foram os mercados que derrubaram Truss. Foi o Banco Central Inglês (BOE)", o economista Narayana Kocherlakota, professor na Universidade de Rochester e ex-presidente do Fed Mineápolis, profundo conhecedor do tema, afirma que a crise na Inglaterra se associa a duas enormes falhas do seu banco central.

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Para Kocherlakota, o BoE foi um regulador ineficaz dos mercados ao apenas observar, sem nada fazer, o rápido aumento das operações especulativas dos fundos de pensão ingleses, que se endividaram no curto prazo para comprar títulos da dívida pública de longo prazo. Quando o preço destes começou a cair, o descasamento de prazos no balanço dos fundos obrigou a venda massiva dos gilts em carteira, para atender às chamadas de margem, o que levou ao agravamento do quadro. Já a segunda, e decisiva, falha do Banco Central da Inglaterra foi no enfrentamento dessa instabilidade. Após ter feito uma necessária intervenção no mercado comprando títulos e sustentando os preços, anunciou que sua intervenção seria por um período limitado, determinando o dia em que terminaria. A sobreposição destes dois erros terminou por provocar uma crise grave com o enfraquecimento político do gabinete, que inviabilizou o governo recém empossado. Tendo sido questionado frontalmente pela imprensa acerca do papel do Bank of England na queda de Liz Truss, seu presidente, Andrew Bailey, defendeu-se. Mas o caso está longe de ser encerrado.

Como no Brasil são frequentemente vocalizados os temores de que desequilíbrios fiscais podem deteriorar as expectativas inflacionárias e levar a uma trajetória insustentável da dívida, e são feitos paralelos com o que aconteceu na Inglaterra, é imperativo discutir o seu embasamento. O debate internacional em macroeconomia avançou, tanto na academia quanto na imprensa especializada. Está longe de haver consenso acerca da existência de uma relação de causalidade entre crescimento do endividamento e aceleração da inflação. Sua aceitação acrítica no país deve-se ao fato de que se transformaram em um conjunto de crenças, - sem sustentação empírica -  que dominao debate econômico nacional e impede a discussão de questões substantivas.

A primeira, talvez a mais importante dessas crenças, é que o principal empecilho ao crescimento é o tamanho do Estado. A segunda é a  "austeridade expansionista", isto é, acreditar que a redução do gasto do Estado, além de ser a garantia de inflação baixa e estável, é a saída para a retomada do investimento, do crescimento e para a redução do desemprego e da desigualdade. Acredita-se ainda que para garantir a austeridade de forma definitiva é preciso aprisionar o "Leviatã", argumento que deu base ao teto constitucional dos gastos.

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O Brasil vive uma profunda crise social: a fome atinge 33 milhões de pessoas, enquanto 61 milhões de brasileiros enfrentam a insegurança alimentar, segundo dados da FAO. E não podemos esquecer que nossa democracia tem estado sob ameaças. É imperativo enfrentar estas duas crises com uma recuperação inclusiva e robusta do crescimento.É urgente estruturar projetos -  em infraestrutura, logística, agricultura e reindustrialização verde - que poderão ser o germe de uma nova onda de investimentos públicos e privados. Estes são os desafios e as questões que deveriam pautar o debate. Eventuais solavancos financeiros podem ser perfeitamente gerenciados por um Banco Central responsável por zelar pelo bom funcionamento dos mercados financeiros no país.

Simone Deos, Professora Associada do IE Unicamp. Pesquisadora Senior do CEBRI e Presidente do Conselho do IFFD

Rogerio Studart, Senior Fellow do CEBRI e ex-Diretor do Grupo Banco Mundial e do BID

Em sua mais recente reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC) decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano. Informou que a decisão baseou-se em projeções de que a inflação deverá desacelerar - de 5,8% em 2022, para 4,8% em 2023 e 2,9% em 2024 - e convergir para a meta. Não obstante, sinalizou que monitora um conjunto de riscos que estariam colocados para o horizonte relevante (18 meses), e avalia que um aumento dos gastos do governo de forma permanente, bem como a incerteza quanto à sua trajetória futura, podem deteriorar as expectativas, o que poderia exigir novos aumentos de juros.

Em evento recente no qual comentou esta decisão, o diretor de política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, foi questionado sobre o tamanho do "waiver" fiscal que a autoridade monetária aceitaria. Fernandes não respondeu, preferindo recontar o caso ocorrido na Inglaterra com o governo de Liz Truss, que permaneceu no poder por apenas 44 dias. Para o diretor, o governo Truss foi punido pois o mercado não aceitou uma política econômica que, em sua opinião, agravaria a situação fiscal do país. A punição se deu sob a forma de instabilidade financeira: desvalorização da libra, queda nos preços de ações e desvalorização abrupta - de 23%, sendo esse o epicentro da crise - dos títulos da dívida pública inglesa (gilts) negociados no mercado. No momento em que o presidente eleito do Brasil negocia com o Congresso a melhor forma de compatibilizar o orçamento fiscal de 2023 com os compromissos assumidos em sua campanha, o ocorrido na Grã Bretanha pede efetivamente uma discussão mais profunda.

Antes um "disclaimer". Não defendemos aqui as medidas de política econômica apresentadas pela ex-primeira-ministra, centradas na ideia de que um corte de impostos - sobretudo dos mais ricos -  deveria acelerar o crescimento. Pelo contrário, por razões que um dos autores já discutiu em outro artigo, frente à crescente, "self-reinforcing" e imoral desigualdade de renda e riqueza observada internacionalmente, medidas regressivas no âmbito tributário são indesejáveis e geram esgarçamento do tecido social. Adicionalmente, são muitas as evidências da ineficácia das chamadas políticas de supply side para acelerar o crescimento.

Mas voltemos à versão de que o governo de Liz Truss caiu porque foi punido pelo mercado. Evidentemente, esta não é a única interpretação dos acontecimentos, que já vêm sendo escrutinados. Em artigo recente intitulado "Não foram os mercados que derrubaram Truss. Foi o Banco Central Inglês (BOE)", o economista Narayana Kocherlakota, professor na Universidade de Rochester e ex-presidente do Fed Mineápolis, profundo conhecedor do tema, afirma que a crise na Inglaterra se associa a duas enormes falhas do seu banco central.

Para Kocherlakota, o BoE foi um regulador ineficaz dos mercados ao apenas observar, sem nada fazer, o rápido aumento das operações especulativas dos fundos de pensão ingleses, que se endividaram no curto prazo para comprar títulos da dívida pública de longo prazo. Quando o preço destes começou a cair, o descasamento de prazos no balanço dos fundos obrigou a venda massiva dos gilts em carteira, para atender às chamadas de margem, o que levou ao agravamento do quadro. Já a segunda, e decisiva, falha do Banco Central da Inglaterra foi no enfrentamento dessa instabilidade. Após ter feito uma necessária intervenção no mercado comprando títulos e sustentando os preços, anunciou que sua intervenção seria por um período limitado, determinando o dia em que terminaria. A sobreposição destes dois erros terminou por provocar uma crise grave com o enfraquecimento político do gabinete, que inviabilizou o governo recém empossado. Tendo sido questionado frontalmente pela imprensa acerca do papel do Bank of England na queda de Liz Truss, seu presidente, Andrew Bailey, defendeu-se. Mas o caso está longe de ser encerrado.

Como no Brasil são frequentemente vocalizados os temores de que desequilíbrios fiscais podem deteriorar as expectativas inflacionárias e levar a uma trajetória insustentável da dívida, e são feitos paralelos com o que aconteceu na Inglaterra, é imperativo discutir o seu embasamento. O debate internacional em macroeconomia avançou, tanto na academia quanto na imprensa especializada. Está longe de haver consenso acerca da existência de uma relação de causalidade entre crescimento do endividamento e aceleração da inflação. Sua aceitação acrítica no país deve-se ao fato de que se transformaram em um conjunto de crenças, - sem sustentação empírica -  que dominao debate econômico nacional e impede a discussão de questões substantivas.

A primeira, talvez a mais importante dessas crenças, é que o principal empecilho ao crescimento é o tamanho do Estado. A segunda é a  "austeridade expansionista", isto é, acreditar que a redução do gasto do Estado, além de ser a garantia de inflação baixa e estável, é a saída para a retomada do investimento, do crescimento e para a redução do desemprego e da desigualdade. Acredita-se ainda que para garantir a austeridade de forma definitiva é preciso aprisionar o "Leviatã", argumento que deu base ao teto constitucional dos gastos.

O Brasil vive uma profunda crise social: a fome atinge 33 milhões de pessoas, enquanto 61 milhões de brasileiros enfrentam a insegurança alimentar, segundo dados da FAO. E não podemos esquecer que nossa democracia tem estado sob ameaças. É imperativo enfrentar estas duas crises com uma recuperação inclusiva e robusta do crescimento.É urgente estruturar projetos -  em infraestrutura, logística, agricultura e reindustrialização verde - que poderão ser o germe de uma nova onda de investimentos públicos e privados. Estes são os desafios e as questões que deveriam pautar o debate. Eventuais solavancos financeiros podem ser perfeitamente gerenciados por um Banco Central responsável por zelar pelo bom funcionamento dos mercados financeiros no país.

Simone Deos, Professora Associada do IE Unicamp. Pesquisadora Senior do CEBRI e Presidente do Conselho do IFFD

Rogerio Studart, Senior Fellow do CEBRI e ex-Diretor do Grupo Banco Mundial e do BID

Em sua mais recente reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC) decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano. Informou que a decisão baseou-se em projeções de que a inflação deverá desacelerar - de 5,8% em 2022, para 4,8% em 2023 e 2,9% em 2024 - e convergir para a meta. Não obstante, sinalizou que monitora um conjunto de riscos que estariam colocados para o horizonte relevante (18 meses), e avalia que um aumento dos gastos do governo de forma permanente, bem como a incerteza quanto à sua trajetória futura, podem deteriorar as expectativas, o que poderia exigir novos aumentos de juros.

Em evento recente no qual comentou esta decisão, o diretor de política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, foi questionado sobre o tamanho do "waiver" fiscal que a autoridade monetária aceitaria. Fernandes não respondeu, preferindo recontar o caso ocorrido na Inglaterra com o governo de Liz Truss, que permaneceu no poder por apenas 44 dias. Para o diretor, o governo Truss foi punido pois o mercado não aceitou uma política econômica que, em sua opinião, agravaria a situação fiscal do país. A punição se deu sob a forma de instabilidade financeira: desvalorização da libra, queda nos preços de ações e desvalorização abrupta - de 23%, sendo esse o epicentro da crise - dos títulos da dívida pública inglesa (gilts) negociados no mercado. No momento em que o presidente eleito do Brasil negocia com o Congresso a melhor forma de compatibilizar o orçamento fiscal de 2023 com os compromissos assumidos em sua campanha, o ocorrido na Grã Bretanha pede efetivamente uma discussão mais profunda.

Antes um "disclaimer". Não defendemos aqui as medidas de política econômica apresentadas pela ex-primeira-ministra, centradas na ideia de que um corte de impostos - sobretudo dos mais ricos -  deveria acelerar o crescimento. Pelo contrário, por razões que um dos autores já discutiu em outro artigo, frente à crescente, "self-reinforcing" e imoral desigualdade de renda e riqueza observada internacionalmente, medidas regressivas no âmbito tributário são indesejáveis e geram esgarçamento do tecido social. Adicionalmente, são muitas as evidências da ineficácia das chamadas políticas de supply side para acelerar o crescimento.

Mas voltemos à versão de que o governo de Liz Truss caiu porque foi punido pelo mercado. Evidentemente, esta não é a única interpretação dos acontecimentos, que já vêm sendo escrutinados. Em artigo recente intitulado "Não foram os mercados que derrubaram Truss. Foi o Banco Central Inglês (BOE)", o economista Narayana Kocherlakota, professor na Universidade de Rochester e ex-presidente do Fed Mineápolis, profundo conhecedor do tema, afirma que a crise na Inglaterra se associa a duas enormes falhas do seu banco central.

Para Kocherlakota, o BoE foi um regulador ineficaz dos mercados ao apenas observar, sem nada fazer, o rápido aumento das operações especulativas dos fundos de pensão ingleses, que se endividaram no curto prazo para comprar títulos da dívida pública de longo prazo. Quando o preço destes começou a cair, o descasamento de prazos no balanço dos fundos obrigou a venda massiva dos gilts em carteira, para atender às chamadas de margem, o que levou ao agravamento do quadro. Já a segunda, e decisiva, falha do Banco Central da Inglaterra foi no enfrentamento dessa instabilidade. Após ter feito uma necessária intervenção no mercado comprando títulos e sustentando os preços, anunciou que sua intervenção seria por um período limitado, determinando o dia em que terminaria. A sobreposição destes dois erros terminou por provocar uma crise grave com o enfraquecimento político do gabinete, que inviabilizou o governo recém empossado. Tendo sido questionado frontalmente pela imprensa acerca do papel do Bank of England na queda de Liz Truss, seu presidente, Andrew Bailey, defendeu-se. Mas o caso está longe de ser encerrado.

Como no Brasil são frequentemente vocalizados os temores de que desequilíbrios fiscais podem deteriorar as expectativas inflacionárias e levar a uma trajetória insustentável da dívida, e são feitos paralelos com o que aconteceu na Inglaterra, é imperativo discutir o seu embasamento. O debate internacional em macroeconomia avançou, tanto na academia quanto na imprensa especializada. Está longe de haver consenso acerca da existência de uma relação de causalidade entre crescimento do endividamento e aceleração da inflação. Sua aceitação acrítica no país deve-se ao fato de que se transformaram em um conjunto de crenças, - sem sustentação empírica -  que dominao debate econômico nacional e impede a discussão de questões substantivas.

A primeira, talvez a mais importante dessas crenças, é que o principal empecilho ao crescimento é o tamanho do Estado. A segunda é a  "austeridade expansionista", isto é, acreditar que a redução do gasto do Estado, além de ser a garantia de inflação baixa e estável, é a saída para a retomada do investimento, do crescimento e para a redução do desemprego e da desigualdade. Acredita-se ainda que para garantir a austeridade de forma definitiva é preciso aprisionar o "Leviatã", argumento que deu base ao teto constitucional dos gastos.

O Brasil vive uma profunda crise social: a fome atinge 33 milhões de pessoas, enquanto 61 milhões de brasileiros enfrentam a insegurança alimentar, segundo dados da FAO. E não podemos esquecer que nossa democracia tem estado sob ameaças. É imperativo enfrentar estas duas crises com uma recuperação inclusiva e robusta do crescimento.É urgente estruturar projetos -  em infraestrutura, logística, agricultura e reindustrialização verde - que poderão ser o germe de uma nova onda de investimentos públicos e privados. Estes são os desafios e as questões que deveriam pautar o debate. Eventuais solavancos financeiros podem ser perfeitamente gerenciados por um Banco Central responsável por zelar pelo bom funcionamento dos mercados financeiros no país.

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