Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Procurando o início do bolsonarismo e especulando seu futuro


Por REDAÇÃO

 

 Foto: Estadão

José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado pela Escola de Administração da UFBA. Pesquisador FGV EAESP

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Uma pergunta recorrente tem sido a seguinte: como é que chegamos a esta situação de eleger Jair Bolsonaro? O que aconteceu na sociedade brasileira nos últimos anos para levar esse ex-capitão ao poder? Mais ainda, como é que, concorrendo à reeleição, alcança incríveis 49% dos votos? Esta última parece ser a questão mais fácil, ou menos difícil: Bolsonaro descaradamente manipulou a grande massa de eleitores, pobres e carentes, decisivos em qualquer eleição, barateando artificialmente o preço dos combustíveis, implantando vergonhosamente o crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil (uma trapaça do mesmo nível de vender um bilhete de loteria corrido).

Contou também com uma forte rejeição ao PT, que foi alimentada em seu mandato. Mas uma pergunta está à procura de  resposta: como é que, após um governo desastroso, nada tendo oferecido à sociedade brasileira, ainda termina o mandato com inacreditáveis 39% de aprovação (segundo o Datafolha)? A resposta, aqui, parece residir na existência de um bolsonarismo que se incrustou na sociedade brasileira na configuração de uma seita.

Objetivando responder a essas questões em aberto, vamos abrir algumas frentes de investigação. Antes disso, é pertinente definir o que é o bolsonarismo, matéria também não pacífica.  Tentativamente, podemos pensar em um movimento de extrema-direita assentado no chassi de um país latino-americano, mais especificamente o Brasil, com uma história relativamente recente de uma ditadura civil-militar. Com a redemocratização, ainda mais com a nova Constituição de 1988,  o tônus ultradireitista da ordem anterior aparentemente se desmanchou, mas reaparece agora com um militar reformado.

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Cabe arrolar aqui dois pontos de virada nesse processo de redemocratização: 1) o Presidente Geisel demite o seu Ministro do Exército, Sylvio Frota, em 12/10/1977, que conspirava contra seu projeto de distensão política, comportando, inclusive, uma invasão ao Palácio do Planalto. Registre-se que Frota tenta uma resistência, sendo um de seus apoiadores o Tenente-Coronel Brilhante Ustra, que viria a ser o ídolo de Bolsonaro.

De forma bem sumarizada, Geisel fez seu sucessor, General Figueiredo, que assumiu em março de 1979, já comprometido com a Abertura;  2) no entanto, os seguidores de Frota e contrários ao processo de redemocratização não desistiram, realizando uma série de atentados ao longo de 1980, culminando naquele com bombas no Riocentro, durante um espetáculo de música comemorando o 1o de maio, com 20 mil pessoas. O atentado, caso tivesse logrado êxito, produziria uma carnificina. A redemocratização seguiu seu curso, mas ficava o alerta de que os saudosistas do Estado de exceção não tinham se calado.

Os Presidentes e candidatos de direita no período 1985/2018: o objetivo agora é compreender o perfil e comportamento da direita nesse período acima, que abarca o início da retomada da democracia e a eleição de Bolsonaro. Como se sabe, com a morte de Tancredo Neves, José Sarney sucedeu Figueiredo após a derrota da Emenda das Diretas Já, no Congresso. Novamente, de forma bem sintética, vale dizer que Sarney, figura de escol da ditadura e de cepa conservadora, constrói, junto com outros políticos, uma dissidência no regime através do PFL. Governou de forma fiel aos compromissos de Tancredo, não havendo nenhum retrocesso do ponto de vista democrático, muito pelo contrário, é promulgada a Constituição de 1988.

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Então, chegamos à esperada eleição direta, ocorrida em novembro de 1989, sendo vencida por Fernando Collor de Melo, vindo de uma família tradicional da política brasileira e defensor de valores conservadores. Metendo os pés pelas mãos, cometeu erros políticos crassos que o levaram a sofrer impeachment. Esse processo correu dentro dos trâmites legais adequados, não ocorrendo nenhuma tentativa de interferência por parte dos militares ou de qualquer outro agente político. Sucedeu-o o vice, Itamar Franco, que conduziu o restante do mandato de forma íntegra e democrática,  apesar do volume imenso de sérios problemas. Assim, nem a morte de Tancredo, nem o impeachment de Collor, derrubaram o caminho da democracia.

De 1994 a 2014, as eleições presidenciais foram marcadas, sem exceção, por uma polarização entre PT e PSDB, sendo que, em 1998, inaugurou-se o instrumento da reeleição. As duas primeiras, 1994 e 1998, foram vencidas por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, de perfil mais de centro. As duas seguintes foram vencidas por Lula, candidato derrotado nas três eleições anteriores, mas sempre posicionado em segundo lugar.

O PT chegava finalmente ao poder, o partido mais à esquerda a ocupar o cargo de Presidente, desde a redemocratização. Nas eleições seguintes, 2010 e 2014, o PT manteve o poder com Dilma Rousseff, mas em 31/08/2016, a Presidente sofreu impeachment pelo Congresso, em decisão polêmica, sendo substituída pelo seu vice, Michel Temer (PMDB).

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Agora podemos mobilizar uma matéria-prima para expor nosso ponto neste breve artigo. Defendemos que nenhum dos presidentes de esquerda (Lula e Dilma) ou de centro (FHC e Itamar) representaram qualquer ameaça à ordem democrática do país. Mas nosso foco é perscrutar a Direita. Pegando os eleitos e candidatos nas eleições, de 1985 até 2018, da direita ou centro-direita, temos os seguintes políticos: Sarney, Collor, Maluf, Afif, Aureliano, Caiado, Enéas, Quércia, Amin, Alckmin, Amoedo, Aécio, Temer, Álvaro Dias, Eymael e outros com votação inexpressiva, defendemos que nenhum deles constituíram risco real ou potencial à democracia, não seguiram nenhuma agenda de extrema-direita. No entanto, certo é que se pode pensar que os que não chegaram ao poder não tiveram a oportunidade de revelar suas entranhas.

Antes de passarmos para o próximo tópico, o próprio Bolsonaro, cabe um comentário a respeito do candidato Enéas Camargo, postulante à Presidência por três vezes: 1989, com um desempenho pífio, 1994, quando alcança a 3a posição, com 7,38% dos votos, e 1998, retornando a desempenho minúsculo. Não tendo sido bem-sucedido nessas investidas, Enéas concorre à Câmara Federal em 2002 pelo PRONA (SP), obtendo mais de 1,57 milhão de votos, o 2o maior número de votos em todas as eleições para deputado federal.

Talvez Enéas possa ser considerado um político de extrema-direita, embora ele próprio se definisse como nacionalista. Poderia ser classificado como um conservador ortodoxo, mas não parecia meter medo no establishment nacional. Um outro aspecto deve ser considerado, Enéas era um intelectual. Esses 7,38% de votos seria o tamanho de uma extrema-direita no Brasil de meados da década de 1990, mas colhidos em um segmento muito restrito do eleitorado.

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A trajetória de Jair Bolsonaro como Deputado Federal até chegar à Presidência: de forma bem sintética, vamos descrever essa trajetória recolhendo elementos para sustentar nosso argumento do surgimento do bolsonarismo. Depois de uma saída turbulenta do Exército na patente de capitão, em 1988, Bolsonaro inicia sua carreira política elegendo-se Vereador pelo Rio de Janeiro nesse mesmo ano, dedicando-se a causas de interesse dos militares. Fica apenas dois anos como Vereador, partindo, em seguida, para a carreira de Deputado Federal pelo RJ, no qual acumulou sete mandatos. Nessas eleições, sempre teve uma votação intermediária, em torno de 100 mil votos.

Nos anos mais recentes, começou a frequentar programas de televisão de caráter apelativo defendendo agressivamente teses conservadoras e polêmicas. Na última eleição, 2014, alcançou a 1a posição de mais votado no RJ , com mais de 464 mil votos. No entanto, nunca alcançou ou chegou perto dos campeões de voto, com cerca de ou mais de 1 milhão de votos no conjunto nacional.  Pode-se arriscar dizer que, aqui, surge um esboço do bolsonarismo, em que seu mentor passa a ter uma visibilidade além do Rio de Janeiro.

Essa votação em 2014 certamente animou o candidato a dar um salto mais alto, e o cenário, de modo geral favorável, levou-o a concorrer à Presidência, um político que não havia passado por nenhum cargo no Executivo e cujo portfólio como parlamentar era desalentador. Mas, parece que o eleitorado não estava muito preocupado com isso, pesando na decisão do voto fatores de ordem moral e de costumes, "praia" de Bolsonaro. Se Enéas Camargo era um direitista intelectual, Bolsonaro era chulo, tosco, violento, macho, homofóbico, misógino e outras qualidades depreciativas. Porém, atraía um outro público conservador muito amplo que convergia com suas ideias.

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Fatores extra-candidatos tiveram um peso decisivo na subida da aceitação de Jair Bolsonaro. A fadiga de material experimentada pelo PT, a retirada de Lula do jogo eleitoral com a prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro facilitaram as coisas para o ex-capitão. O golpe final foi o atentado à faca sofrido pelo Messias há poucas semanas da eleição, que catapultou o candidato nas pesquisas eleitorais, reforçada pela ausência aos debates pelo candidato do PSL. A vitimização causada pelo atentado sofrido só reforçou o epíteto de mito, identificando-o como o salvador da pátria.

Postulamos que aqui se dá o segundo passo de construção do bolsonarismo. Vencido o 1o turno e depois o 2o turno, Bolsonaro, sentado na cadeira presidencial, começa a alargar o bolsonarismo pensando na ordem dos seus sonhos (e nossos pesadelos), ou seja, um arranjo antidemocrático, destruindo as instituições democráticas com a presença de militares no comando, e ele à frente.  Seu comportamento, sua oratória, toda ela convergia para um governo de ultradireita, posição nunca mais praticada desde o fim da ditadura de 1964/85.

O bolsonarismo com Bolsonaro fora do poder: concorrendo à reeleição, o ex-capitão foi fazendo tudo o que estava a seu alcance, atropelando a Constituição, para lograr êxito em seus planos, já que o golpe imaginado, ou autogolpe, não tinha acontecido. Bolsonaro consegue o 2o lugar no 1o turno, sendo derrotado no 2o turno por uma magra margem de votos, por Lula da Silva. No entanto, praticamente não reconhece o resultado, voltando a bater na tecla das eleições fraudadas. Incentiva veladamente os atos terroristas ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro e outros, como a explosão de um caminhão de combustível, saindo da retórica e passando para a ação, ainda que com atos praticados por outros.

O futuro do bolsonarismo e do próprio Bolsonaro, está em aberto neste momento, e surgem várias perguntas. Bolsonaro será chamado a responder por seus atos? Será condenado? A Justiça administrará uma pena compatível com seus crimes, principalmente depois das ações de invasão dos prédios dos Três Poderes? Evidentemente, tudo isso está ainda na fase de investigação. O que restará do bolsonarismo sem o poder? O que se tem verificado é uma espécie de diáspora de muitos bolsonaristas, que  começam a rever suas posições, principalmente os que foram eleitos, seja para cargos executivos, seja para o Legislativo. Irão explorar o espólio de Bolsonaro se isso lhes convier ou se afastar dele.

A tendência é o bolsonarismo não passar desse movimento de extrema-direita de curta duração, em uma visão histórica, mas com efeitos destrutivos dantescos. Para isso, faz-se necessário o firme posicionamento da Justiça, principalmente para punir os terroristas do 8 de janeiro, seus financiadores e apoiadores. Também, parcela de alta responsabilidade cabe ao governo do Presidente Lula, para evitar que brasas adormecidas do bolsonarismo possam ser sopradas produzindo fagulhas e incêndios dos quais a Nação quer distância.

Também no terreno especulativo, dada a tradição brasileira de um posicionamento mais de centro, a direita mais tradicional deve se reestruturar a partir de figuras políticas como o próprio Alckmin, Simone Tebet, Eduardo Leite. Caso sobreviva, a extrema-direita terá como possíveis nomes o ex-vice, Hamilton Mourão ou até mesmo Bolsonaro, caso tenha dobrado as barras da Justiça. O caminho de Romeu Zema ainda parece cedo para afirmar qualquer coisa, mas deverá se situar entre a direita e a extrema-direita, o que será avaliado recorrentemente. A reestruturação da direita pode representar uma puxada de tapete na extrema-direita. Esse repositório todo de votos de Bolsonaro no 2o turno causa espanto, mas um novo Bolsonaro será um candidato fora do poder, provavelmente com o mesmo discurso, nada muda o "cavalão", um discurso que pode ser visto como esfarrapado, de um alucinado autoritário.

 

 Foto: Estadão

José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado pela Escola de Administração da UFBA. Pesquisador FGV EAESP

Uma pergunta recorrente tem sido a seguinte: como é que chegamos a esta situação de eleger Jair Bolsonaro? O que aconteceu na sociedade brasileira nos últimos anos para levar esse ex-capitão ao poder? Mais ainda, como é que, concorrendo à reeleição, alcança incríveis 49% dos votos? Esta última parece ser a questão mais fácil, ou menos difícil: Bolsonaro descaradamente manipulou a grande massa de eleitores, pobres e carentes, decisivos em qualquer eleição, barateando artificialmente o preço dos combustíveis, implantando vergonhosamente o crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil (uma trapaça do mesmo nível de vender um bilhete de loteria corrido).

Contou também com uma forte rejeição ao PT, que foi alimentada em seu mandato. Mas uma pergunta está à procura de  resposta: como é que, após um governo desastroso, nada tendo oferecido à sociedade brasileira, ainda termina o mandato com inacreditáveis 39% de aprovação (segundo o Datafolha)? A resposta, aqui, parece residir na existência de um bolsonarismo que se incrustou na sociedade brasileira na configuração de uma seita.

Objetivando responder a essas questões em aberto, vamos abrir algumas frentes de investigação. Antes disso, é pertinente definir o que é o bolsonarismo, matéria também não pacífica.  Tentativamente, podemos pensar em um movimento de extrema-direita assentado no chassi de um país latino-americano, mais especificamente o Brasil, com uma história relativamente recente de uma ditadura civil-militar. Com a redemocratização, ainda mais com a nova Constituição de 1988,  o tônus ultradireitista da ordem anterior aparentemente se desmanchou, mas reaparece agora com um militar reformado.

Cabe arrolar aqui dois pontos de virada nesse processo de redemocratização: 1) o Presidente Geisel demite o seu Ministro do Exército, Sylvio Frota, em 12/10/1977, que conspirava contra seu projeto de distensão política, comportando, inclusive, uma invasão ao Palácio do Planalto. Registre-se que Frota tenta uma resistência, sendo um de seus apoiadores o Tenente-Coronel Brilhante Ustra, que viria a ser o ídolo de Bolsonaro.

De forma bem sumarizada, Geisel fez seu sucessor, General Figueiredo, que assumiu em março de 1979, já comprometido com a Abertura;  2) no entanto, os seguidores de Frota e contrários ao processo de redemocratização não desistiram, realizando uma série de atentados ao longo de 1980, culminando naquele com bombas no Riocentro, durante um espetáculo de música comemorando o 1o de maio, com 20 mil pessoas. O atentado, caso tivesse logrado êxito, produziria uma carnificina. A redemocratização seguiu seu curso, mas ficava o alerta de que os saudosistas do Estado de exceção não tinham se calado.

Os Presidentes e candidatos de direita no período 1985/2018: o objetivo agora é compreender o perfil e comportamento da direita nesse período acima, que abarca o início da retomada da democracia e a eleição de Bolsonaro. Como se sabe, com a morte de Tancredo Neves, José Sarney sucedeu Figueiredo após a derrota da Emenda das Diretas Já, no Congresso. Novamente, de forma bem sintética, vale dizer que Sarney, figura de escol da ditadura e de cepa conservadora, constrói, junto com outros políticos, uma dissidência no regime através do PFL. Governou de forma fiel aos compromissos de Tancredo, não havendo nenhum retrocesso do ponto de vista democrático, muito pelo contrário, é promulgada a Constituição de 1988.

Então, chegamos à esperada eleição direta, ocorrida em novembro de 1989, sendo vencida por Fernando Collor de Melo, vindo de uma família tradicional da política brasileira e defensor de valores conservadores. Metendo os pés pelas mãos, cometeu erros políticos crassos que o levaram a sofrer impeachment. Esse processo correu dentro dos trâmites legais adequados, não ocorrendo nenhuma tentativa de interferência por parte dos militares ou de qualquer outro agente político. Sucedeu-o o vice, Itamar Franco, que conduziu o restante do mandato de forma íntegra e democrática,  apesar do volume imenso de sérios problemas. Assim, nem a morte de Tancredo, nem o impeachment de Collor, derrubaram o caminho da democracia.

De 1994 a 2014, as eleições presidenciais foram marcadas, sem exceção, por uma polarização entre PT e PSDB, sendo que, em 1998, inaugurou-se o instrumento da reeleição. As duas primeiras, 1994 e 1998, foram vencidas por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, de perfil mais de centro. As duas seguintes foram vencidas por Lula, candidato derrotado nas três eleições anteriores, mas sempre posicionado em segundo lugar.

O PT chegava finalmente ao poder, o partido mais à esquerda a ocupar o cargo de Presidente, desde a redemocratização. Nas eleições seguintes, 2010 e 2014, o PT manteve o poder com Dilma Rousseff, mas em 31/08/2016, a Presidente sofreu impeachment pelo Congresso, em decisão polêmica, sendo substituída pelo seu vice, Michel Temer (PMDB).

Agora podemos mobilizar uma matéria-prima para expor nosso ponto neste breve artigo. Defendemos que nenhum dos presidentes de esquerda (Lula e Dilma) ou de centro (FHC e Itamar) representaram qualquer ameaça à ordem democrática do país. Mas nosso foco é perscrutar a Direita. Pegando os eleitos e candidatos nas eleições, de 1985 até 2018, da direita ou centro-direita, temos os seguintes políticos: Sarney, Collor, Maluf, Afif, Aureliano, Caiado, Enéas, Quércia, Amin, Alckmin, Amoedo, Aécio, Temer, Álvaro Dias, Eymael e outros com votação inexpressiva, defendemos que nenhum deles constituíram risco real ou potencial à democracia, não seguiram nenhuma agenda de extrema-direita. No entanto, certo é que se pode pensar que os que não chegaram ao poder não tiveram a oportunidade de revelar suas entranhas.

Antes de passarmos para o próximo tópico, o próprio Bolsonaro, cabe um comentário a respeito do candidato Enéas Camargo, postulante à Presidência por três vezes: 1989, com um desempenho pífio, 1994, quando alcança a 3a posição, com 7,38% dos votos, e 1998, retornando a desempenho minúsculo. Não tendo sido bem-sucedido nessas investidas, Enéas concorre à Câmara Federal em 2002 pelo PRONA (SP), obtendo mais de 1,57 milhão de votos, o 2o maior número de votos em todas as eleições para deputado federal.

Talvez Enéas possa ser considerado um político de extrema-direita, embora ele próprio se definisse como nacionalista. Poderia ser classificado como um conservador ortodoxo, mas não parecia meter medo no establishment nacional. Um outro aspecto deve ser considerado, Enéas era um intelectual. Esses 7,38% de votos seria o tamanho de uma extrema-direita no Brasil de meados da década de 1990, mas colhidos em um segmento muito restrito do eleitorado.

A trajetória de Jair Bolsonaro como Deputado Federal até chegar à Presidência: de forma bem sintética, vamos descrever essa trajetória recolhendo elementos para sustentar nosso argumento do surgimento do bolsonarismo. Depois de uma saída turbulenta do Exército na patente de capitão, em 1988, Bolsonaro inicia sua carreira política elegendo-se Vereador pelo Rio de Janeiro nesse mesmo ano, dedicando-se a causas de interesse dos militares. Fica apenas dois anos como Vereador, partindo, em seguida, para a carreira de Deputado Federal pelo RJ, no qual acumulou sete mandatos. Nessas eleições, sempre teve uma votação intermediária, em torno de 100 mil votos.

Nos anos mais recentes, começou a frequentar programas de televisão de caráter apelativo defendendo agressivamente teses conservadoras e polêmicas. Na última eleição, 2014, alcançou a 1a posição de mais votado no RJ , com mais de 464 mil votos. No entanto, nunca alcançou ou chegou perto dos campeões de voto, com cerca de ou mais de 1 milhão de votos no conjunto nacional.  Pode-se arriscar dizer que, aqui, surge um esboço do bolsonarismo, em que seu mentor passa a ter uma visibilidade além do Rio de Janeiro.

Essa votação em 2014 certamente animou o candidato a dar um salto mais alto, e o cenário, de modo geral favorável, levou-o a concorrer à Presidência, um político que não havia passado por nenhum cargo no Executivo e cujo portfólio como parlamentar era desalentador. Mas, parece que o eleitorado não estava muito preocupado com isso, pesando na decisão do voto fatores de ordem moral e de costumes, "praia" de Bolsonaro. Se Enéas Camargo era um direitista intelectual, Bolsonaro era chulo, tosco, violento, macho, homofóbico, misógino e outras qualidades depreciativas. Porém, atraía um outro público conservador muito amplo que convergia com suas ideias.

Fatores extra-candidatos tiveram um peso decisivo na subida da aceitação de Jair Bolsonaro. A fadiga de material experimentada pelo PT, a retirada de Lula do jogo eleitoral com a prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro facilitaram as coisas para o ex-capitão. O golpe final foi o atentado à faca sofrido pelo Messias há poucas semanas da eleição, que catapultou o candidato nas pesquisas eleitorais, reforçada pela ausência aos debates pelo candidato do PSL. A vitimização causada pelo atentado sofrido só reforçou o epíteto de mito, identificando-o como o salvador da pátria.

Postulamos que aqui se dá o segundo passo de construção do bolsonarismo. Vencido o 1o turno e depois o 2o turno, Bolsonaro, sentado na cadeira presidencial, começa a alargar o bolsonarismo pensando na ordem dos seus sonhos (e nossos pesadelos), ou seja, um arranjo antidemocrático, destruindo as instituições democráticas com a presença de militares no comando, e ele à frente.  Seu comportamento, sua oratória, toda ela convergia para um governo de ultradireita, posição nunca mais praticada desde o fim da ditadura de 1964/85.

O bolsonarismo com Bolsonaro fora do poder: concorrendo à reeleição, o ex-capitão foi fazendo tudo o que estava a seu alcance, atropelando a Constituição, para lograr êxito em seus planos, já que o golpe imaginado, ou autogolpe, não tinha acontecido. Bolsonaro consegue o 2o lugar no 1o turno, sendo derrotado no 2o turno por uma magra margem de votos, por Lula da Silva. No entanto, praticamente não reconhece o resultado, voltando a bater na tecla das eleições fraudadas. Incentiva veladamente os atos terroristas ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro e outros, como a explosão de um caminhão de combustível, saindo da retórica e passando para a ação, ainda que com atos praticados por outros.

O futuro do bolsonarismo e do próprio Bolsonaro, está em aberto neste momento, e surgem várias perguntas. Bolsonaro será chamado a responder por seus atos? Será condenado? A Justiça administrará uma pena compatível com seus crimes, principalmente depois das ações de invasão dos prédios dos Três Poderes? Evidentemente, tudo isso está ainda na fase de investigação. O que restará do bolsonarismo sem o poder? O que se tem verificado é uma espécie de diáspora de muitos bolsonaristas, que  começam a rever suas posições, principalmente os que foram eleitos, seja para cargos executivos, seja para o Legislativo. Irão explorar o espólio de Bolsonaro se isso lhes convier ou se afastar dele.

A tendência é o bolsonarismo não passar desse movimento de extrema-direita de curta duração, em uma visão histórica, mas com efeitos destrutivos dantescos. Para isso, faz-se necessário o firme posicionamento da Justiça, principalmente para punir os terroristas do 8 de janeiro, seus financiadores e apoiadores. Também, parcela de alta responsabilidade cabe ao governo do Presidente Lula, para evitar que brasas adormecidas do bolsonarismo possam ser sopradas produzindo fagulhas e incêndios dos quais a Nação quer distância.

Também no terreno especulativo, dada a tradição brasileira de um posicionamento mais de centro, a direita mais tradicional deve se reestruturar a partir de figuras políticas como o próprio Alckmin, Simone Tebet, Eduardo Leite. Caso sobreviva, a extrema-direita terá como possíveis nomes o ex-vice, Hamilton Mourão ou até mesmo Bolsonaro, caso tenha dobrado as barras da Justiça. O caminho de Romeu Zema ainda parece cedo para afirmar qualquer coisa, mas deverá se situar entre a direita e a extrema-direita, o que será avaliado recorrentemente. A reestruturação da direita pode representar uma puxada de tapete na extrema-direita. Esse repositório todo de votos de Bolsonaro no 2o turno causa espanto, mas um novo Bolsonaro será um candidato fora do poder, provavelmente com o mesmo discurso, nada muda o "cavalão", um discurso que pode ser visto como esfarrapado, de um alucinado autoritário.

 

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José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado pela Escola de Administração da UFBA. Pesquisador FGV EAESP

Uma pergunta recorrente tem sido a seguinte: como é que chegamos a esta situação de eleger Jair Bolsonaro? O que aconteceu na sociedade brasileira nos últimos anos para levar esse ex-capitão ao poder? Mais ainda, como é que, concorrendo à reeleição, alcança incríveis 49% dos votos? Esta última parece ser a questão mais fácil, ou menos difícil: Bolsonaro descaradamente manipulou a grande massa de eleitores, pobres e carentes, decisivos em qualquer eleição, barateando artificialmente o preço dos combustíveis, implantando vergonhosamente o crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil (uma trapaça do mesmo nível de vender um bilhete de loteria corrido).

Contou também com uma forte rejeição ao PT, que foi alimentada em seu mandato. Mas uma pergunta está à procura de  resposta: como é que, após um governo desastroso, nada tendo oferecido à sociedade brasileira, ainda termina o mandato com inacreditáveis 39% de aprovação (segundo o Datafolha)? A resposta, aqui, parece residir na existência de um bolsonarismo que se incrustou na sociedade brasileira na configuração de uma seita.

Objetivando responder a essas questões em aberto, vamos abrir algumas frentes de investigação. Antes disso, é pertinente definir o que é o bolsonarismo, matéria também não pacífica.  Tentativamente, podemos pensar em um movimento de extrema-direita assentado no chassi de um país latino-americano, mais especificamente o Brasil, com uma história relativamente recente de uma ditadura civil-militar. Com a redemocratização, ainda mais com a nova Constituição de 1988,  o tônus ultradireitista da ordem anterior aparentemente se desmanchou, mas reaparece agora com um militar reformado.

Cabe arrolar aqui dois pontos de virada nesse processo de redemocratização: 1) o Presidente Geisel demite o seu Ministro do Exército, Sylvio Frota, em 12/10/1977, que conspirava contra seu projeto de distensão política, comportando, inclusive, uma invasão ao Palácio do Planalto. Registre-se que Frota tenta uma resistência, sendo um de seus apoiadores o Tenente-Coronel Brilhante Ustra, que viria a ser o ídolo de Bolsonaro.

De forma bem sumarizada, Geisel fez seu sucessor, General Figueiredo, que assumiu em março de 1979, já comprometido com a Abertura;  2) no entanto, os seguidores de Frota e contrários ao processo de redemocratização não desistiram, realizando uma série de atentados ao longo de 1980, culminando naquele com bombas no Riocentro, durante um espetáculo de música comemorando o 1o de maio, com 20 mil pessoas. O atentado, caso tivesse logrado êxito, produziria uma carnificina. A redemocratização seguiu seu curso, mas ficava o alerta de que os saudosistas do Estado de exceção não tinham se calado.

Os Presidentes e candidatos de direita no período 1985/2018: o objetivo agora é compreender o perfil e comportamento da direita nesse período acima, que abarca o início da retomada da democracia e a eleição de Bolsonaro. Como se sabe, com a morte de Tancredo Neves, José Sarney sucedeu Figueiredo após a derrota da Emenda das Diretas Já, no Congresso. Novamente, de forma bem sintética, vale dizer que Sarney, figura de escol da ditadura e de cepa conservadora, constrói, junto com outros políticos, uma dissidência no regime através do PFL. Governou de forma fiel aos compromissos de Tancredo, não havendo nenhum retrocesso do ponto de vista democrático, muito pelo contrário, é promulgada a Constituição de 1988.

Então, chegamos à esperada eleição direta, ocorrida em novembro de 1989, sendo vencida por Fernando Collor de Melo, vindo de uma família tradicional da política brasileira e defensor de valores conservadores. Metendo os pés pelas mãos, cometeu erros políticos crassos que o levaram a sofrer impeachment. Esse processo correu dentro dos trâmites legais adequados, não ocorrendo nenhuma tentativa de interferência por parte dos militares ou de qualquer outro agente político. Sucedeu-o o vice, Itamar Franco, que conduziu o restante do mandato de forma íntegra e democrática,  apesar do volume imenso de sérios problemas. Assim, nem a morte de Tancredo, nem o impeachment de Collor, derrubaram o caminho da democracia.

De 1994 a 2014, as eleições presidenciais foram marcadas, sem exceção, por uma polarização entre PT e PSDB, sendo que, em 1998, inaugurou-se o instrumento da reeleição. As duas primeiras, 1994 e 1998, foram vencidas por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, de perfil mais de centro. As duas seguintes foram vencidas por Lula, candidato derrotado nas três eleições anteriores, mas sempre posicionado em segundo lugar.

O PT chegava finalmente ao poder, o partido mais à esquerda a ocupar o cargo de Presidente, desde a redemocratização. Nas eleições seguintes, 2010 e 2014, o PT manteve o poder com Dilma Rousseff, mas em 31/08/2016, a Presidente sofreu impeachment pelo Congresso, em decisão polêmica, sendo substituída pelo seu vice, Michel Temer (PMDB).

Agora podemos mobilizar uma matéria-prima para expor nosso ponto neste breve artigo. Defendemos que nenhum dos presidentes de esquerda (Lula e Dilma) ou de centro (FHC e Itamar) representaram qualquer ameaça à ordem democrática do país. Mas nosso foco é perscrutar a Direita. Pegando os eleitos e candidatos nas eleições, de 1985 até 2018, da direita ou centro-direita, temos os seguintes políticos: Sarney, Collor, Maluf, Afif, Aureliano, Caiado, Enéas, Quércia, Amin, Alckmin, Amoedo, Aécio, Temer, Álvaro Dias, Eymael e outros com votação inexpressiva, defendemos que nenhum deles constituíram risco real ou potencial à democracia, não seguiram nenhuma agenda de extrema-direita. No entanto, certo é que se pode pensar que os que não chegaram ao poder não tiveram a oportunidade de revelar suas entranhas.

Antes de passarmos para o próximo tópico, o próprio Bolsonaro, cabe um comentário a respeito do candidato Enéas Camargo, postulante à Presidência por três vezes: 1989, com um desempenho pífio, 1994, quando alcança a 3a posição, com 7,38% dos votos, e 1998, retornando a desempenho minúsculo. Não tendo sido bem-sucedido nessas investidas, Enéas concorre à Câmara Federal em 2002 pelo PRONA (SP), obtendo mais de 1,57 milhão de votos, o 2o maior número de votos em todas as eleições para deputado federal.

Talvez Enéas possa ser considerado um político de extrema-direita, embora ele próprio se definisse como nacionalista. Poderia ser classificado como um conservador ortodoxo, mas não parecia meter medo no establishment nacional. Um outro aspecto deve ser considerado, Enéas era um intelectual. Esses 7,38% de votos seria o tamanho de uma extrema-direita no Brasil de meados da década de 1990, mas colhidos em um segmento muito restrito do eleitorado.

A trajetória de Jair Bolsonaro como Deputado Federal até chegar à Presidência: de forma bem sintética, vamos descrever essa trajetória recolhendo elementos para sustentar nosso argumento do surgimento do bolsonarismo. Depois de uma saída turbulenta do Exército na patente de capitão, em 1988, Bolsonaro inicia sua carreira política elegendo-se Vereador pelo Rio de Janeiro nesse mesmo ano, dedicando-se a causas de interesse dos militares. Fica apenas dois anos como Vereador, partindo, em seguida, para a carreira de Deputado Federal pelo RJ, no qual acumulou sete mandatos. Nessas eleições, sempre teve uma votação intermediária, em torno de 100 mil votos.

Nos anos mais recentes, começou a frequentar programas de televisão de caráter apelativo defendendo agressivamente teses conservadoras e polêmicas. Na última eleição, 2014, alcançou a 1a posição de mais votado no RJ , com mais de 464 mil votos. No entanto, nunca alcançou ou chegou perto dos campeões de voto, com cerca de ou mais de 1 milhão de votos no conjunto nacional.  Pode-se arriscar dizer que, aqui, surge um esboço do bolsonarismo, em que seu mentor passa a ter uma visibilidade além do Rio de Janeiro.

Essa votação em 2014 certamente animou o candidato a dar um salto mais alto, e o cenário, de modo geral favorável, levou-o a concorrer à Presidência, um político que não havia passado por nenhum cargo no Executivo e cujo portfólio como parlamentar era desalentador. Mas, parece que o eleitorado não estava muito preocupado com isso, pesando na decisão do voto fatores de ordem moral e de costumes, "praia" de Bolsonaro. Se Enéas Camargo era um direitista intelectual, Bolsonaro era chulo, tosco, violento, macho, homofóbico, misógino e outras qualidades depreciativas. Porém, atraía um outro público conservador muito amplo que convergia com suas ideias.

Fatores extra-candidatos tiveram um peso decisivo na subida da aceitação de Jair Bolsonaro. A fadiga de material experimentada pelo PT, a retirada de Lula do jogo eleitoral com a prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro facilitaram as coisas para o ex-capitão. O golpe final foi o atentado à faca sofrido pelo Messias há poucas semanas da eleição, que catapultou o candidato nas pesquisas eleitorais, reforçada pela ausência aos debates pelo candidato do PSL. A vitimização causada pelo atentado sofrido só reforçou o epíteto de mito, identificando-o como o salvador da pátria.

Postulamos que aqui se dá o segundo passo de construção do bolsonarismo. Vencido o 1o turno e depois o 2o turno, Bolsonaro, sentado na cadeira presidencial, começa a alargar o bolsonarismo pensando na ordem dos seus sonhos (e nossos pesadelos), ou seja, um arranjo antidemocrático, destruindo as instituições democráticas com a presença de militares no comando, e ele à frente.  Seu comportamento, sua oratória, toda ela convergia para um governo de ultradireita, posição nunca mais praticada desde o fim da ditadura de 1964/85.

O bolsonarismo com Bolsonaro fora do poder: concorrendo à reeleição, o ex-capitão foi fazendo tudo o que estava a seu alcance, atropelando a Constituição, para lograr êxito em seus planos, já que o golpe imaginado, ou autogolpe, não tinha acontecido. Bolsonaro consegue o 2o lugar no 1o turno, sendo derrotado no 2o turno por uma magra margem de votos, por Lula da Silva. No entanto, praticamente não reconhece o resultado, voltando a bater na tecla das eleições fraudadas. Incentiva veladamente os atos terroristas ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro e outros, como a explosão de um caminhão de combustível, saindo da retórica e passando para a ação, ainda que com atos praticados por outros.

O futuro do bolsonarismo e do próprio Bolsonaro, está em aberto neste momento, e surgem várias perguntas. Bolsonaro será chamado a responder por seus atos? Será condenado? A Justiça administrará uma pena compatível com seus crimes, principalmente depois das ações de invasão dos prédios dos Três Poderes? Evidentemente, tudo isso está ainda na fase de investigação. O que restará do bolsonarismo sem o poder? O que se tem verificado é uma espécie de diáspora de muitos bolsonaristas, que  começam a rever suas posições, principalmente os que foram eleitos, seja para cargos executivos, seja para o Legislativo. Irão explorar o espólio de Bolsonaro se isso lhes convier ou se afastar dele.

A tendência é o bolsonarismo não passar desse movimento de extrema-direita de curta duração, em uma visão histórica, mas com efeitos destrutivos dantescos. Para isso, faz-se necessário o firme posicionamento da Justiça, principalmente para punir os terroristas do 8 de janeiro, seus financiadores e apoiadores. Também, parcela de alta responsabilidade cabe ao governo do Presidente Lula, para evitar que brasas adormecidas do bolsonarismo possam ser sopradas produzindo fagulhas e incêndios dos quais a Nação quer distância.

Também no terreno especulativo, dada a tradição brasileira de um posicionamento mais de centro, a direita mais tradicional deve se reestruturar a partir de figuras políticas como o próprio Alckmin, Simone Tebet, Eduardo Leite. Caso sobreviva, a extrema-direita terá como possíveis nomes o ex-vice, Hamilton Mourão ou até mesmo Bolsonaro, caso tenha dobrado as barras da Justiça. O caminho de Romeu Zema ainda parece cedo para afirmar qualquer coisa, mas deverá se situar entre a direita e a extrema-direita, o que será avaliado recorrentemente. A reestruturação da direita pode representar uma puxada de tapete na extrema-direita. Esse repositório todo de votos de Bolsonaro no 2o turno causa espanto, mas um novo Bolsonaro será um candidato fora do poder, provavelmente com o mesmo discurso, nada muda o "cavalão", um discurso que pode ser visto como esfarrapado, de um alucinado autoritário.

 

 Foto: Estadão

José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado pela Escola de Administração da UFBA. Pesquisador FGV EAESP

Uma pergunta recorrente tem sido a seguinte: como é que chegamos a esta situação de eleger Jair Bolsonaro? O que aconteceu na sociedade brasileira nos últimos anos para levar esse ex-capitão ao poder? Mais ainda, como é que, concorrendo à reeleição, alcança incríveis 49% dos votos? Esta última parece ser a questão mais fácil, ou menos difícil: Bolsonaro descaradamente manipulou a grande massa de eleitores, pobres e carentes, decisivos em qualquer eleição, barateando artificialmente o preço dos combustíveis, implantando vergonhosamente o crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil (uma trapaça do mesmo nível de vender um bilhete de loteria corrido).

Contou também com uma forte rejeição ao PT, que foi alimentada em seu mandato. Mas uma pergunta está à procura de  resposta: como é que, após um governo desastroso, nada tendo oferecido à sociedade brasileira, ainda termina o mandato com inacreditáveis 39% de aprovação (segundo o Datafolha)? A resposta, aqui, parece residir na existência de um bolsonarismo que se incrustou na sociedade brasileira na configuração de uma seita.

Objetivando responder a essas questões em aberto, vamos abrir algumas frentes de investigação. Antes disso, é pertinente definir o que é o bolsonarismo, matéria também não pacífica.  Tentativamente, podemos pensar em um movimento de extrema-direita assentado no chassi de um país latino-americano, mais especificamente o Brasil, com uma história relativamente recente de uma ditadura civil-militar. Com a redemocratização, ainda mais com a nova Constituição de 1988,  o tônus ultradireitista da ordem anterior aparentemente se desmanchou, mas reaparece agora com um militar reformado.

Cabe arrolar aqui dois pontos de virada nesse processo de redemocratização: 1) o Presidente Geisel demite o seu Ministro do Exército, Sylvio Frota, em 12/10/1977, que conspirava contra seu projeto de distensão política, comportando, inclusive, uma invasão ao Palácio do Planalto. Registre-se que Frota tenta uma resistência, sendo um de seus apoiadores o Tenente-Coronel Brilhante Ustra, que viria a ser o ídolo de Bolsonaro.

De forma bem sumarizada, Geisel fez seu sucessor, General Figueiredo, que assumiu em março de 1979, já comprometido com a Abertura;  2) no entanto, os seguidores de Frota e contrários ao processo de redemocratização não desistiram, realizando uma série de atentados ao longo de 1980, culminando naquele com bombas no Riocentro, durante um espetáculo de música comemorando o 1o de maio, com 20 mil pessoas. O atentado, caso tivesse logrado êxito, produziria uma carnificina. A redemocratização seguiu seu curso, mas ficava o alerta de que os saudosistas do Estado de exceção não tinham se calado.

Os Presidentes e candidatos de direita no período 1985/2018: o objetivo agora é compreender o perfil e comportamento da direita nesse período acima, que abarca o início da retomada da democracia e a eleição de Bolsonaro. Como se sabe, com a morte de Tancredo Neves, José Sarney sucedeu Figueiredo após a derrota da Emenda das Diretas Já, no Congresso. Novamente, de forma bem sintética, vale dizer que Sarney, figura de escol da ditadura e de cepa conservadora, constrói, junto com outros políticos, uma dissidência no regime através do PFL. Governou de forma fiel aos compromissos de Tancredo, não havendo nenhum retrocesso do ponto de vista democrático, muito pelo contrário, é promulgada a Constituição de 1988.

Então, chegamos à esperada eleição direta, ocorrida em novembro de 1989, sendo vencida por Fernando Collor de Melo, vindo de uma família tradicional da política brasileira e defensor de valores conservadores. Metendo os pés pelas mãos, cometeu erros políticos crassos que o levaram a sofrer impeachment. Esse processo correu dentro dos trâmites legais adequados, não ocorrendo nenhuma tentativa de interferência por parte dos militares ou de qualquer outro agente político. Sucedeu-o o vice, Itamar Franco, que conduziu o restante do mandato de forma íntegra e democrática,  apesar do volume imenso de sérios problemas. Assim, nem a morte de Tancredo, nem o impeachment de Collor, derrubaram o caminho da democracia.

De 1994 a 2014, as eleições presidenciais foram marcadas, sem exceção, por uma polarização entre PT e PSDB, sendo que, em 1998, inaugurou-se o instrumento da reeleição. As duas primeiras, 1994 e 1998, foram vencidas por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, de perfil mais de centro. As duas seguintes foram vencidas por Lula, candidato derrotado nas três eleições anteriores, mas sempre posicionado em segundo lugar.

O PT chegava finalmente ao poder, o partido mais à esquerda a ocupar o cargo de Presidente, desde a redemocratização. Nas eleições seguintes, 2010 e 2014, o PT manteve o poder com Dilma Rousseff, mas em 31/08/2016, a Presidente sofreu impeachment pelo Congresso, em decisão polêmica, sendo substituída pelo seu vice, Michel Temer (PMDB).

Agora podemos mobilizar uma matéria-prima para expor nosso ponto neste breve artigo. Defendemos que nenhum dos presidentes de esquerda (Lula e Dilma) ou de centro (FHC e Itamar) representaram qualquer ameaça à ordem democrática do país. Mas nosso foco é perscrutar a Direita. Pegando os eleitos e candidatos nas eleições, de 1985 até 2018, da direita ou centro-direita, temos os seguintes políticos: Sarney, Collor, Maluf, Afif, Aureliano, Caiado, Enéas, Quércia, Amin, Alckmin, Amoedo, Aécio, Temer, Álvaro Dias, Eymael e outros com votação inexpressiva, defendemos que nenhum deles constituíram risco real ou potencial à democracia, não seguiram nenhuma agenda de extrema-direita. No entanto, certo é que se pode pensar que os que não chegaram ao poder não tiveram a oportunidade de revelar suas entranhas.

Antes de passarmos para o próximo tópico, o próprio Bolsonaro, cabe um comentário a respeito do candidato Enéas Camargo, postulante à Presidência por três vezes: 1989, com um desempenho pífio, 1994, quando alcança a 3a posição, com 7,38% dos votos, e 1998, retornando a desempenho minúsculo. Não tendo sido bem-sucedido nessas investidas, Enéas concorre à Câmara Federal em 2002 pelo PRONA (SP), obtendo mais de 1,57 milhão de votos, o 2o maior número de votos em todas as eleições para deputado federal.

Talvez Enéas possa ser considerado um político de extrema-direita, embora ele próprio se definisse como nacionalista. Poderia ser classificado como um conservador ortodoxo, mas não parecia meter medo no establishment nacional. Um outro aspecto deve ser considerado, Enéas era um intelectual. Esses 7,38% de votos seria o tamanho de uma extrema-direita no Brasil de meados da década de 1990, mas colhidos em um segmento muito restrito do eleitorado.

A trajetória de Jair Bolsonaro como Deputado Federal até chegar à Presidência: de forma bem sintética, vamos descrever essa trajetória recolhendo elementos para sustentar nosso argumento do surgimento do bolsonarismo. Depois de uma saída turbulenta do Exército na patente de capitão, em 1988, Bolsonaro inicia sua carreira política elegendo-se Vereador pelo Rio de Janeiro nesse mesmo ano, dedicando-se a causas de interesse dos militares. Fica apenas dois anos como Vereador, partindo, em seguida, para a carreira de Deputado Federal pelo RJ, no qual acumulou sete mandatos. Nessas eleições, sempre teve uma votação intermediária, em torno de 100 mil votos.

Nos anos mais recentes, começou a frequentar programas de televisão de caráter apelativo defendendo agressivamente teses conservadoras e polêmicas. Na última eleição, 2014, alcançou a 1a posição de mais votado no RJ , com mais de 464 mil votos. No entanto, nunca alcançou ou chegou perto dos campeões de voto, com cerca de ou mais de 1 milhão de votos no conjunto nacional.  Pode-se arriscar dizer que, aqui, surge um esboço do bolsonarismo, em que seu mentor passa a ter uma visibilidade além do Rio de Janeiro.

Essa votação em 2014 certamente animou o candidato a dar um salto mais alto, e o cenário, de modo geral favorável, levou-o a concorrer à Presidência, um político que não havia passado por nenhum cargo no Executivo e cujo portfólio como parlamentar era desalentador. Mas, parece que o eleitorado não estava muito preocupado com isso, pesando na decisão do voto fatores de ordem moral e de costumes, "praia" de Bolsonaro. Se Enéas Camargo era um direitista intelectual, Bolsonaro era chulo, tosco, violento, macho, homofóbico, misógino e outras qualidades depreciativas. Porém, atraía um outro público conservador muito amplo que convergia com suas ideias.

Fatores extra-candidatos tiveram um peso decisivo na subida da aceitação de Jair Bolsonaro. A fadiga de material experimentada pelo PT, a retirada de Lula do jogo eleitoral com a prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro facilitaram as coisas para o ex-capitão. O golpe final foi o atentado à faca sofrido pelo Messias há poucas semanas da eleição, que catapultou o candidato nas pesquisas eleitorais, reforçada pela ausência aos debates pelo candidato do PSL. A vitimização causada pelo atentado sofrido só reforçou o epíteto de mito, identificando-o como o salvador da pátria.

Postulamos que aqui se dá o segundo passo de construção do bolsonarismo. Vencido o 1o turno e depois o 2o turno, Bolsonaro, sentado na cadeira presidencial, começa a alargar o bolsonarismo pensando na ordem dos seus sonhos (e nossos pesadelos), ou seja, um arranjo antidemocrático, destruindo as instituições democráticas com a presença de militares no comando, e ele à frente.  Seu comportamento, sua oratória, toda ela convergia para um governo de ultradireita, posição nunca mais praticada desde o fim da ditadura de 1964/85.

O bolsonarismo com Bolsonaro fora do poder: concorrendo à reeleição, o ex-capitão foi fazendo tudo o que estava a seu alcance, atropelando a Constituição, para lograr êxito em seus planos, já que o golpe imaginado, ou autogolpe, não tinha acontecido. Bolsonaro consegue o 2o lugar no 1o turno, sendo derrotado no 2o turno por uma magra margem de votos, por Lula da Silva. No entanto, praticamente não reconhece o resultado, voltando a bater na tecla das eleições fraudadas. Incentiva veladamente os atos terroristas ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro e outros, como a explosão de um caminhão de combustível, saindo da retórica e passando para a ação, ainda que com atos praticados por outros.

O futuro do bolsonarismo e do próprio Bolsonaro, está em aberto neste momento, e surgem várias perguntas. Bolsonaro será chamado a responder por seus atos? Será condenado? A Justiça administrará uma pena compatível com seus crimes, principalmente depois das ações de invasão dos prédios dos Três Poderes? Evidentemente, tudo isso está ainda na fase de investigação. O que restará do bolsonarismo sem o poder? O que se tem verificado é uma espécie de diáspora de muitos bolsonaristas, que  começam a rever suas posições, principalmente os que foram eleitos, seja para cargos executivos, seja para o Legislativo. Irão explorar o espólio de Bolsonaro se isso lhes convier ou se afastar dele.

A tendência é o bolsonarismo não passar desse movimento de extrema-direita de curta duração, em uma visão histórica, mas com efeitos destrutivos dantescos. Para isso, faz-se necessário o firme posicionamento da Justiça, principalmente para punir os terroristas do 8 de janeiro, seus financiadores e apoiadores. Também, parcela de alta responsabilidade cabe ao governo do Presidente Lula, para evitar que brasas adormecidas do bolsonarismo possam ser sopradas produzindo fagulhas e incêndios dos quais a Nação quer distância.

Também no terreno especulativo, dada a tradição brasileira de um posicionamento mais de centro, a direita mais tradicional deve se reestruturar a partir de figuras políticas como o próprio Alckmin, Simone Tebet, Eduardo Leite. Caso sobreviva, a extrema-direita terá como possíveis nomes o ex-vice, Hamilton Mourão ou até mesmo Bolsonaro, caso tenha dobrado as barras da Justiça. O caminho de Romeu Zema ainda parece cedo para afirmar qualquer coisa, mas deverá se situar entre a direita e a extrema-direita, o que será avaliado recorrentemente. A reestruturação da direita pode representar uma puxada de tapete na extrema-direita. Esse repositório todo de votos de Bolsonaro no 2o turno causa espanto, mas um novo Bolsonaro será um candidato fora do poder, provavelmente com o mesmo discurso, nada muda o "cavalão", um discurso que pode ser visto como esfarrapado, de um alucinado autoritário.

 

 Foto: Estadão

José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado pela Escola de Administração da UFBA. Pesquisador FGV EAESP

Uma pergunta recorrente tem sido a seguinte: como é que chegamos a esta situação de eleger Jair Bolsonaro? O que aconteceu na sociedade brasileira nos últimos anos para levar esse ex-capitão ao poder? Mais ainda, como é que, concorrendo à reeleição, alcança incríveis 49% dos votos? Esta última parece ser a questão mais fácil, ou menos difícil: Bolsonaro descaradamente manipulou a grande massa de eleitores, pobres e carentes, decisivos em qualquer eleição, barateando artificialmente o preço dos combustíveis, implantando vergonhosamente o crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil (uma trapaça do mesmo nível de vender um bilhete de loteria corrido).

Contou também com uma forte rejeição ao PT, que foi alimentada em seu mandato. Mas uma pergunta está à procura de  resposta: como é que, após um governo desastroso, nada tendo oferecido à sociedade brasileira, ainda termina o mandato com inacreditáveis 39% de aprovação (segundo o Datafolha)? A resposta, aqui, parece residir na existência de um bolsonarismo que se incrustou na sociedade brasileira na configuração de uma seita.

Objetivando responder a essas questões em aberto, vamos abrir algumas frentes de investigação. Antes disso, é pertinente definir o que é o bolsonarismo, matéria também não pacífica.  Tentativamente, podemos pensar em um movimento de extrema-direita assentado no chassi de um país latino-americano, mais especificamente o Brasil, com uma história relativamente recente de uma ditadura civil-militar. Com a redemocratização, ainda mais com a nova Constituição de 1988,  o tônus ultradireitista da ordem anterior aparentemente se desmanchou, mas reaparece agora com um militar reformado.

Cabe arrolar aqui dois pontos de virada nesse processo de redemocratização: 1) o Presidente Geisel demite o seu Ministro do Exército, Sylvio Frota, em 12/10/1977, que conspirava contra seu projeto de distensão política, comportando, inclusive, uma invasão ao Palácio do Planalto. Registre-se que Frota tenta uma resistência, sendo um de seus apoiadores o Tenente-Coronel Brilhante Ustra, que viria a ser o ídolo de Bolsonaro.

De forma bem sumarizada, Geisel fez seu sucessor, General Figueiredo, que assumiu em março de 1979, já comprometido com a Abertura;  2) no entanto, os seguidores de Frota e contrários ao processo de redemocratização não desistiram, realizando uma série de atentados ao longo de 1980, culminando naquele com bombas no Riocentro, durante um espetáculo de música comemorando o 1o de maio, com 20 mil pessoas. O atentado, caso tivesse logrado êxito, produziria uma carnificina. A redemocratização seguiu seu curso, mas ficava o alerta de que os saudosistas do Estado de exceção não tinham se calado.

Os Presidentes e candidatos de direita no período 1985/2018: o objetivo agora é compreender o perfil e comportamento da direita nesse período acima, que abarca o início da retomada da democracia e a eleição de Bolsonaro. Como se sabe, com a morte de Tancredo Neves, José Sarney sucedeu Figueiredo após a derrota da Emenda das Diretas Já, no Congresso. Novamente, de forma bem sintética, vale dizer que Sarney, figura de escol da ditadura e de cepa conservadora, constrói, junto com outros políticos, uma dissidência no regime através do PFL. Governou de forma fiel aos compromissos de Tancredo, não havendo nenhum retrocesso do ponto de vista democrático, muito pelo contrário, é promulgada a Constituição de 1988.

Então, chegamos à esperada eleição direta, ocorrida em novembro de 1989, sendo vencida por Fernando Collor de Melo, vindo de uma família tradicional da política brasileira e defensor de valores conservadores. Metendo os pés pelas mãos, cometeu erros políticos crassos que o levaram a sofrer impeachment. Esse processo correu dentro dos trâmites legais adequados, não ocorrendo nenhuma tentativa de interferência por parte dos militares ou de qualquer outro agente político. Sucedeu-o o vice, Itamar Franco, que conduziu o restante do mandato de forma íntegra e democrática,  apesar do volume imenso de sérios problemas. Assim, nem a morte de Tancredo, nem o impeachment de Collor, derrubaram o caminho da democracia.

De 1994 a 2014, as eleições presidenciais foram marcadas, sem exceção, por uma polarização entre PT e PSDB, sendo que, em 1998, inaugurou-se o instrumento da reeleição. As duas primeiras, 1994 e 1998, foram vencidas por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, de perfil mais de centro. As duas seguintes foram vencidas por Lula, candidato derrotado nas três eleições anteriores, mas sempre posicionado em segundo lugar.

O PT chegava finalmente ao poder, o partido mais à esquerda a ocupar o cargo de Presidente, desde a redemocratização. Nas eleições seguintes, 2010 e 2014, o PT manteve o poder com Dilma Rousseff, mas em 31/08/2016, a Presidente sofreu impeachment pelo Congresso, em decisão polêmica, sendo substituída pelo seu vice, Michel Temer (PMDB).

Agora podemos mobilizar uma matéria-prima para expor nosso ponto neste breve artigo. Defendemos que nenhum dos presidentes de esquerda (Lula e Dilma) ou de centro (FHC e Itamar) representaram qualquer ameaça à ordem democrática do país. Mas nosso foco é perscrutar a Direita. Pegando os eleitos e candidatos nas eleições, de 1985 até 2018, da direita ou centro-direita, temos os seguintes políticos: Sarney, Collor, Maluf, Afif, Aureliano, Caiado, Enéas, Quércia, Amin, Alckmin, Amoedo, Aécio, Temer, Álvaro Dias, Eymael e outros com votação inexpressiva, defendemos que nenhum deles constituíram risco real ou potencial à democracia, não seguiram nenhuma agenda de extrema-direita. No entanto, certo é que se pode pensar que os que não chegaram ao poder não tiveram a oportunidade de revelar suas entranhas.

Antes de passarmos para o próximo tópico, o próprio Bolsonaro, cabe um comentário a respeito do candidato Enéas Camargo, postulante à Presidência por três vezes: 1989, com um desempenho pífio, 1994, quando alcança a 3a posição, com 7,38% dos votos, e 1998, retornando a desempenho minúsculo. Não tendo sido bem-sucedido nessas investidas, Enéas concorre à Câmara Federal em 2002 pelo PRONA (SP), obtendo mais de 1,57 milhão de votos, o 2o maior número de votos em todas as eleições para deputado federal.

Talvez Enéas possa ser considerado um político de extrema-direita, embora ele próprio se definisse como nacionalista. Poderia ser classificado como um conservador ortodoxo, mas não parecia meter medo no establishment nacional. Um outro aspecto deve ser considerado, Enéas era um intelectual. Esses 7,38% de votos seria o tamanho de uma extrema-direita no Brasil de meados da década de 1990, mas colhidos em um segmento muito restrito do eleitorado.

A trajetória de Jair Bolsonaro como Deputado Federal até chegar à Presidência: de forma bem sintética, vamos descrever essa trajetória recolhendo elementos para sustentar nosso argumento do surgimento do bolsonarismo. Depois de uma saída turbulenta do Exército na patente de capitão, em 1988, Bolsonaro inicia sua carreira política elegendo-se Vereador pelo Rio de Janeiro nesse mesmo ano, dedicando-se a causas de interesse dos militares. Fica apenas dois anos como Vereador, partindo, em seguida, para a carreira de Deputado Federal pelo RJ, no qual acumulou sete mandatos. Nessas eleições, sempre teve uma votação intermediária, em torno de 100 mil votos.

Nos anos mais recentes, começou a frequentar programas de televisão de caráter apelativo defendendo agressivamente teses conservadoras e polêmicas. Na última eleição, 2014, alcançou a 1a posição de mais votado no RJ , com mais de 464 mil votos. No entanto, nunca alcançou ou chegou perto dos campeões de voto, com cerca de ou mais de 1 milhão de votos no conjunto nacional.  Pode-se arriscar dizer que, aqui, surge um esboço do bolsonarismo, em que seu mentor passa a ter uma visibilidade além do Rio de Janeiro.

Essa votação em 2014 certamente animou o candidato a dar um salto mais alto, e o cenário, de modo geral favorável, levou-o a concorrer à Presidência, um político que não havia passado por nenhum cargo no Executivo e cujo portfólio como parlamentar era desalentador. Mas, parece que o eleitorado não estava muito preocupado com isso, pesando na decisão do voto fatores de ordem moral e de costumes, "praia" de Bolsonaro. Se Enéas Camargo era um direitista intelectual, Bolsonaro era chulo, tosco, violento, macho, homofóbico, misógino e outras qualidades depreciativas. Porém, atraía um outro público conservador muito amplo que convergia com suas ideias.

Fatores extra-candidatos tiveram um peso decisivo na subida da aceitação de Jair Bolsonaro. A fadiga de material experimentada pelo PT, a retirada de Lula do jogo eleitoral com a prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro facilitaram as coisas para o ex-capitão. O golpe final foi o atentado à faca sofrido pelo Messias há poucas semanas da eleição, que catapultou o candidato nas pesquisas eleitorais, reforçada pela ausência aos debates pelo candidato do PSL. A vitimização causada pelo atentado sofrido só reforçou o epíteto de mito, identificando-o como o salvador da pátria.

Postulamos que aqui se dá o segundo passo de construção do bolsonarismo. Vencido o 1o turno e depois o 2o turno, Bolsonaro, sentado na cadeira presidencial, começa a alargar o bolsonarismo pensando na ordem dos seus sonhos (e nossos pesadelos), ou seja, um arranjo antidemocrático, destruindo as instituições democráticas com a presença de militares no comando, e ele à frente.  Seu comportamento, sua oratória, toda ela convergia para um governo de ultradireita, posição nunca mais praticada desde o fim da ditadura de 1964/85.

O bolsonarismo com Bolsonaro fora do poder: concorrendo à reeleição, o ex-capitão foi fazendo tudo o que estava a seu alcance, atropelando a Constituição, para lograr êxito em seus planos, já que o golpe imaginado, ou autogolpe, não tinha acontecido. Bolsonaro consegue o 2o lugar no 1o turno, sendo derrotado no 2o turno por uma magra margem de votos, por Lula da Silva. No entanto, praticamente não reconhece o resultado, voltando a bater na tecla das eleições fraudadas. Incentiva veladamente os atos terroristas ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro e outros, como a explosão de um caminhão de combustível, saindo da retórica e passando para a ação, ainda que com atos praticados por outros.

O futuro do bolsonarismo e do próprio Bolsonaro, está em aberto neste momento, e surgem várias perguntas. Bolsonaro será chamado a responder por seus atos? Será condenado? A Justiça administrará uma pena compatível com seus crimes, principalmente depois das ações de invasão dos prédios dos Três Poderes? Evidentemente, tudo isso está ainda na fase de investigação. O que restará do bolsonarismo sem o poder? O que se tem verificado é uma espécie de diáspora de muitos bolsonaristas, que  começam a rever suas posições, principalmente os que foram eleitos, seja para cargos executivos, seja para o Legislativo. Irão explorar o espólio de Bolsonaro se isso lhes convier ou se afastar dele.

A tendência é o bolsonarismo não passar desse movimento de extrema-direita de curta duração, em uma visão histórica, mas com efeitos destrutivos dantescos. Para isso, faz-se necessário o firme posicionamento da Justiça, principalmente para punir os terroristas do 8 de janeiro, seus financiadores e apoiadores. Também, parcela de alta responsabilidade cabe ao governo do Presidente Lula, para evitar que brasas adormecidas do bolsonarismo possam ser sopradas produzindo fagulhas e incêndios dos quais a Nação quer distância.

Também no terreno especulativo, dada a tradição brasileira de um posicionamento mais de centro, a direita mais tradicional deve se reestruturar a partir de figuras políticas como o próprio Alckmin, Simone Tebet, Eduardo Leite. Caso sobreviva, a extrema-direita terá como possíveis nomes o ex-vice, Hamilton Mourão ou até mesmo Bolsonaro, caso tenha dobrado as barras da Justiça. O caminho de Romeu Zema ainda parece cedo para afirmar qualquer coisa, mas deverá se situar entre a direita e a extrema-direita, o que será avaliado recorrentemente. A reestruturação da direita pode representar uma puxada de tapete na extrema-direita. Esse repositório todo de votos de Bolsonaro no 2o turno causa espanto, mas um novo Bolsonaro será um candidato fora do poder, provavelmente com o mesmo discurso, nada muda o "cavalão", um discurso que pode ser visto como esfarrapado, de um alucinado autoritário.

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