Marcelo Viana Estevão de Moraes, integrante da carreira federal de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, pesquisador do Centro de Estudos Avançados de Governo e Administração - CEAG/UnB, Mestre e Doutor em Ciência Sociais (PUC-Rio), com pós-doutorado em Ciência Política (UnB), autor do livro A Construção da América do Sul: o Brasil e a Unasul (Appris, 2021). Foi Secretário de Gestão (2008/2010) e Secretário de Previdência Social (1994/1999) no governo federal
Marcos Alonso Nunes, integrante da carreira federal de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Matemático e Economista (USP), tem trabalhos publicados sobre "gestão voltada para resultados" e "gestão de custos no serviço público"
A recente regulamentação do Programa de Gestão e Desempenho (PGD), pelo atual governo, sinaliza não apenas a continuidade da iniciativa amadurecida nas últimas gestões, mas que o teletrabalho veio para ficar, derrubando alguns pilares tradicionais da cultura burocrática, como o "controle de ponto". O foco da administração pública passa a ser a geração de resultados.
No PGD, as modalidades de trabalho presencial e teletrabalho são articuladas conforme os objetivos programáticos e organizacionais almejados. O grande desafio é conectar o microgerenciamento da força de trabalho com as ações de macrogovernança que constam do Plano Plurianal (PPA), dos demais planos programáticos e dos orçamentos, bem como dos planejamentos estratégicos institucionais, desenvolvendo métricas de aferição da eficiência, da eficácia e da efetividade em diversos níveis: organizacional, equipes de trabalho e individual.
A implementação do programa a partir de agora demandará melhoria contínua por conta da diversidade de maturidade institucional das organizações, necessidade de adaptações normativas em diversos níveis, introdução de inovações tecnológicas e capacitação intensiva para o adequado uso dos novos instrumentos de gestão.
A experiência de teletrabalho durante a pandemia pode ser considerada um êxito, pois não houve solução de continuidade no funcionamento de organizações públicas e privadas. Segundo pesquisas de opinião, a maioria dos empregados e funcionários que foram postos em regime de trabalho remoto, após um estranhamento inicial e uma necessária curva de aprendizagem, aprovaram a nova modalidade. O trabalho remoto parece ter aumentado o grau de autonomia da força de trabalho na organização de suas tarefas, pessoais e profissionais, com a apropriação cotidiana do tempo de deslocamento (moradia-trabalho), e na decisão sobre localização da moradia, com a descentralização espacial da opção residencial. O principal argumento para a defesa do teletrabalho é que não teria havido prejuízo na oferta de serviço prestado. Com parte expressiva da força de trabalho atuando remotamente, houve ainda redução de custos logísticos (potencial ou efetivo).
Em geral, os trabalhadores com maior empregabilidade viram seu poder de barganha aumentar junto às organizações. Esse segmento potencialmente ganhou com maiores e melhores oportunidades. Como o mercado de trabalho é muito heterogêneo, os impactos positivos favoreceram, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), uma parcela específica dos postos de trabalho, com predominância, neste universo, de mulheres, brancos e pessoas de maior escolaridade, que exercem atividades intelectuais nas regiões mais desenvolvidas do país.
Mas há uma dimensão simbólica que gera resistência nos níveis gerenciais, pois o trabalho remoto exige planejamento e gerenciamento mais acurados e na micropolítica corporativa a vigilância de pessoas e espaços é um atributo do exercício de poder.
Trabalhadores também resistem quando há uma intensificação do controle processual do trabalho remoto em regime de home office: o transplante da dinâmica de trabalho do escritório para a residência abole a esfera de proteção doméstica e pode, no limite, levar ao burnout, com efeitos deletérios sobre a produtividade em diversos horizontes temporais. Há também um conflito potencial na residência do servidor, posto que muitas não possuem instalações adequadas, o que confere relevo a iniciativas de criação de espaços de coworking. O investimento em coworking pode ser adotado via parcerias com outras esferas de governo, dentro de uma lógica de melhor planejamento do território urbano.
Cabe ressaltar que é mais fácil propor a "gestão voltada para resultados" do que implementá-la. Os casos de maior complexidade parecem ser aqueles em que os resultados do trabalho não são imediatamente tangíveis. Também há uma "economia política" da resistência ao teletrabalho materializada na queda de demanda para alguns setores econômicos que são fornecedores da administração pública: locação predial, limpeza, segurança, manutenção e atividades conexas. Com a redução da concentração de força de trabalho presencial, há também encolhimento do comércio e dos serviços do entorno. Por fim, a virtualização de serviços deve estar atenta a toda uma clientela usuária que tem baixa inserção no mundo digital.
O novo modelo do PGD não é uma panaceia, mas a perspectiva é promissora, uma verdadeira reforma administrativa, desde que acompanhada de monitoramento e gerenciamento intensivos capazes de antecipar e resolver gargalos normativos e operacionais que inevitavelmente surgirão, mas preservando a diretriz de geração de valor com foco em resultado, conciliando a macrogovernança de políticas e organizações públicas com a microfísica do gerenciamento cotidiano da força de trabalho.
* Esse texto é fruto de parceria entre o Diálogos Públicos, a ANESP e o Gestão, Política & Sociedade.