Paulo Guaragna - Auditor fiscal Rio Grande do Sul, possui graduação em Administração de Empresas, especialização em Gestão de Políticas Públicas pela ESAPERGS, em direito e economia Internacional pela ESAF-União Europeia.
Sara Félix - Auditora fiscal do Estado de Minas Gerais. Possui formação direito, com especialização em administração pública e em direito tributário. É vice-presidente da Associação dos Funcionários Fiscais do Estado de Minas Gerais (Affemg).
Rodrigo Spada - Auditor fiscal do Estado de São Paulo, presidente da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e da Afresp (Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo). É formado em engenharia de produção pela UFSCAR, em Direito pela UNESP e possui título em Gestão Empresarial pela FIA.
A pandemia da covid-19 tornou urgente alterações no ICMS, para torná-lo um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) moderno, neutro, simples, progressivo e atraente ao investimento.
No Brasil esse imposto surgiu com uma alíquota e poucas isenções. Para combater a regressividade[1] ocasionada pela tributação uniforme isentou-se bens[2] da "cesta básica".
Essa "solução universal", além de beneficiar itens fora do consumo dos carentes (filés, cafés gourmets, etc), permite que os abastados se apropriem da maior parte do benefício, pois consomem mais todos os bens beneficiados.
Conforme a Figura 1[3], os 30% mais pobres receberam menos de 14% (R$489 milhões) dos benefícios, enquanto os 30% mais ricos ficaram com 50% (R$1.784 milhões).
Figura 1 - RENÚNCIAS FISCAIS DO ICMS - RIO GRANDE DO SUL (2015)
Fonte: Padilha, G. (2017).
Com as isenções e para manter a receita necessária à prestação de serviços públicos, implantou-se várias alíquotas.
Ocorre que no IVA a multiplicidade de alíquotas é prática em desuso no mundo[4], pois aumenta custos para contribuintes e Administração Tributária[5], e provoca divergências na interpretação da legislação, fomentando a insegurança e o contencioso.
As isenções também mitigam o tratamento diferenciado dado às micro e pequenas empresas[6] e impõem às demais o estorno do crédito do imposto cobrado na etapa anterior, redundando em cumulatividade e custos.
Ainda, a vedação aos créditos de material de uso e consumo e o parcelamento do crédito de bens destinados ao ativo permanente desestimula investimentos.
Esses fatores tornam urgente e necessária disrupção no modelo do ICMS, na linha do IVA moderno - poucas alíquotas e isenções mais crédito financeiro -, e incorporando a personalização do ICMS (ICMS-P).
Assim, propõe-se medidas que dependam de normas infraconstitucionais e resolvam três dos principais problemas do ICMS:
- Problema: multiplicidade de alíquotas e de isenções.
Solução: redução das isenções e alíquotas.
Devem ser eliminadas isenções tipo "solução universal", permitidas as direcionadas a determinadas pessoas físicas e jurídicas.
Embora o ideal seja só uma alíquota, face à dificuldade de conciliar receitas e despesas públicas propõe-se duas alíquotas, a superior aplicada a lista exaustiva de operações e prestações e a inferior aos demais casos. As alíquotas deverão ser calibradas, em cada unidade estado, para manter a arrecadação atual do imposto.
- Problema: vedação ao crédito de material de uso e consumo e parcelamento do crédito de bens adquiridos para o ativo permanente.
Solução: reconhecimento do crédito imediato "crédito financeiro".
O crédito imediato (parcela única) relativo a bem do ativo permanente e a material de uso e consumo incentiva investimento e produção, tão necessários, ainda mais no pós pandemia, além de reduzir vários litígios atualmente existentes.
- Problema: regressividade do imposto e renúncia fiscal desfocada do seu objetivo.
Solução: Personalização do ICMS (ICMS-P).
A "personalização" do ICMS consiste na desoneração, mediante "devolução", de todo ou parte do imposto associado ao consumo de determinados contribuintes.
Enquanto na "solução universal" o benefício é direcionado às empresas no pressuposto de que estas o repassarão ao preço, a "personalização" entrega o benefício DIRETAMENTE à população alvo.
A "personalização" está incorporada em todas as propostas de reforma da tributação sobre o consumo em tramitação no Congresso Nacional[7] [8].
Essa devolução focalizada varia inversamente proporcional à renda da família beneficiada, devendo-se adotar valor máximo mensal para evitar eventuais desvios.
Conforme a Figura 2, o ICMS-P diminui a alíquota real para famílias mais pobres (média de 80% nos 3 primeiros estratos), com pouco incremento para os mais ricos (média de 0,62% nos 5 estratos superiores), conforme simulação.
Figura 2 - PRESSÃO FISCAL DO ICMS-P - RIO GRANDE DO SUL (2015)
Fonte: Padilha, G. (2017).
Portanto, a "personalização" mais do que mitigar a regressividade, promove a progressividade do ICMS e vai ao encontro do comando constitucional de que os impostos tenham caráter pessoal e progressivo.
A urgência das alterações
Embora existam propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional, que poderão resolver os citados problemas, essas reformas demandam alterações constitucionais que a economia e as desigualdades sociais não poderão esperar.
Um ICMS moderno e disruptivo é possível. Ele será neutro, simples, progressivo e atraente ao investimento.
[1] A carga tributária recai em maior proporção sobre as famílias mais pobres.
[2] Essa medida de concessão de isenções integrais ou parciais aplicáveis a determinadas mercadorias, independentemente da situação do consumidor, é conhecida como "solução universal".
[3] Padilha, G. (2017). ICMS Personalizado (ICMS-P): un IVA moderno, eficiente y equitativo. Tesis doctoral. Universidad de Alcalá. Alcalá de Henares. (2017). Com uso de microssimulação estática, tendo por base a estrutura de consumo da população do Estado do Rio Grande do Sul.
[4] O International Tax Dialogue (2013) informa que 45% dos países que possuíam IVA em 2013, utilizavam uma única alíquota positiva, enquanto 25% optaram por utilizar duas; e apenas 8% utilizavam quatro ou mais. Também se constatou que 80% dos IVA instituídos ou reformados nos anos de 1992 a 2013 utilizavam alíquota única.
[5] Ebrill et al. (2001) informam que o tempo consumido para auditar empresas quando o IVA possui múltiplas alíquotas é 30% a 40% superior ao exigido no caso de alíquota única.
[6] Já que as isenções alcançam as operações realizadas por todos os contribuintes, independente do seu porte.
[7] O Brasil, com a disseminação dos documentos fiscais eletrônicos e do Cadastro Único, reúne as condições necessárias para implantar o ICMS - P.
[8] A "personalização", inaugurada pelo Japão e Canadá, é recomendada por economistas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).