Claudia Yoshinaga, Professora da FGV-EAESP e Coordenadora do Centro de Estudos em Finanças (FGVcef) (E-mail: claudia.yoshinaga@fgv.br)
O open finance (que seria, por definição, mais amplo que o open banking por englobar não só bancos, mas outras instituições do sistema financeiro como seguradoras, fintechs, entre outras) é uma iniciativa que é considerada inovadora e potencialmente revolucionária por levar a um compartilhamento amplo de informações - o grande ativo dos novos tempos - sobre as finanças pessoais dos cidadãos. No artigo publicado na GV-executivo no ano passado, apresentei algumas das preocupações com a implementação do novo sistema, que pouco se comentava.
A inovação começou com o chamado open banking, pois o foco era o compartilhamento de informações entre bancos, sobre o comportamento de pagamento de pessoas físicas e jurídicas. O open banking veio com a promessa de tornar o processo de fornecimento de produtos financeiros mais eficiente para os consumidores, ao permitir que diversos players façam ofertas comerciais usando informações que antes eram restritas ao banco no qual o cliente possui conta.
Essa mudança no acesso ao histórico de cada cliente possibilitaria uma maior entrada de bancos menores e mais novos no sistema, ao permitir que históricos de relacionamentos bancários mais antigos (e, tipicamente, com bancos grandes) fossem liberados para novas instituições também. Além disso, esta mudança parece trazer muitas vantagens às pessoas, pois terão mais opções de produtos e serviços, e experiências diferentes, o que leva a uma competição saudável entre as instituições financeiras. Ainda se deve destacar a exigência do consentimento do proprietário dos dados (você) como parte fundamental do processo - se você não consentir, não há fluxo de informação.
Parece muito interessante e vantajoso. Mas, há riscos? Quero destacar aqui alguns pontos que merecem atenção, dado que as vantagens já vêm sendo amplamente discutidas e divulgadas. Há muita publicidade no movimento do open finance, mas ainda não se sabe muito sobre os seus efeitos. A implementação do PIX, que aconteceu anteriormente ao movimento de open banking, ainda não tem tempo de vida suficiente para se analisar adequadamente os seus impactos na população.
É especialmente importante se discutir os potenciais riscos que existem com esta nova onda de compartilhamento de dados com instituições financeiras, especialmente os relacionados ao aumento de exclusão financeira e proteção de dados.
Compartilhar é mesmo uma escolha?
A base da argumentação do open banking/finance é a autonomia das pessoas em poder escolher se querem ou não compartilhar as suas informações, mas este é um item que pode ser questionado. Será que pode existir um prêmio pela privacidade, uma vez que as instituições podem aplicar taxas, condições e elegibilidade que sejam diferentes àqueles que preferem não compartilhar os seus dados? Isso implicará que mesmo quem não compartilha os dados via open finance pode ser afetado, o que não é uma consequência muito discutida.
Discriminação
Se, por um lado, a oferta customizada ao histórico dos clientes pode ter um aspecto positivo, por outro, devemos nos atentar aos possíveis riscos de discriminação. Considerando que o passado observável de alguém será utilizado para definir os parâmetros de uma proposta de taxa para um empréstimo, por exemplo, como ficam os casos em que não há histórico? Seja porque essa pessoa nunca tomou um empréstimo ou porque nunca teve um pedido de crédito aprovado, isso não deveria necessariamente penalizá-la. O uso de algoritmos e inteligência artificial deve ser cuidadosamente analisado para não incorrer em vieses. Dados passados para parametrizar modelos de precificação podem perpetuar incoerências ao manter comportamentos e repeti-los ao analisar condições de adimplência de correntistas.
Transparência
O conceito de consentimento de acesso aos dados privados é um pilar fundamental do open finance, mas é preciso que as pessoas tenham claro entendimento do uso que as instituições financeiras fazem desses dados, e com qual finalidade. Clientes podem e devem saber o que fazer para reduzir o risco percebido pelo banco, assim como quais boas práticas melhoram o seu score de crédito e tornam as operações de empréstimo mais baratas. Entender para quem está sendo entregue a autorização de uso dos dados também é fundamental para não ter suas informações "voando por aí" inadvertidamente. Além disso, é importante garantir que a maior disponibilidade de informações das pessoas entre diversas instituições leve a decisões que sejam melhores para a vida das pessoas. Outras questões importantes e que nem sempre chamam a atenção dos proprietários dos dados são: quais dados estão sendo compartilhados e com quem? Por quanto tempo estas instituições terão acesso a eles, e como posso revogar o acesso, se eventualmente mudar de ideia? Como estes dados estão sendo protegidos, de forma a evitar vazamentos ou invasões com roubo de informações sensíveis?
Inclusão
A partir do momento em que o fluxo de informação se torna mais difundido entre as diversas partes do sistema financeiro, estariam as instituições financeiras atrás apenas dos melhores clientes do mercado? Haverá algum mecanismo para evitar a exclusão financeira? Caso as pessoas com pior condição financeira não sejam inseridas nesse ecossistema, nunca terão acesso a crédito a taxas adequadas ou a produtos competitivos, estando fadadas a empréstimos com taxas perversas, o que tende a perpetuar esse círculo vicioso. Este ponto é fundamental, se considerarmos que a principal motivação para este sistema é a possibilidade de clientes terem acesso a produtos mais variados, baratos e mais adequados, e que a informação histórica partilhada sirva para as instituições financeiras fazerem ofertas com mais embasamento, para que ajustem taxas e custos conforme o perfil do cliente. Mas, vale lembrar que quem não tiver acesso à internet, estará excluído. Assim como quem não tiver relativamente familiarizado com tecnologia terá muitos problemas na integração.
Lições importantes
Como a base do processo está ligada à autorização de uso de dados por parte do correntista para as instituições financeiras, é fundamental que se tenha muito cuidado e atenção nessa cessão. A implementação do open finance já está em curso, cabe a nós tirarmos proveito do lado positivo e cobrar das instituições e do Banco Central (BACEN) ações de controle desses riscos.
Publicado originalmente como:
Yoshinaga, Claudia. (2021). Open banking: quais são os riscos? GV-executivo, v. 20, n. 3, 43. DOI: https://doi.org/10.12660/gvexec.v20n3.2021.84614