Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Reflexões sobre a efetividade de um Censo em plena pandemia


Por Redação

Eduardo de Rezende Francisco, Professor de GeoAnalytics e Data Science da FGV - EAESP, Pesquisador do FGV Analytics e fundador do GisBI

Rubens de Almeida, Engenheiro e jornalista, dedicado a temas urbanos e organização de dados sobre mapas digitais e fundador do GisBI

Roberto Olinto Ramos, Ex-presidente do IBGE e pesquisador associado do FGV - IBRE

continua após a publicidade

O calendário é, às vezes, implacável com a realização de ações periódicas, sobretudo com aquelas que geram informações ritmadas e que constroem uma linha do tempo de informações que, necessariamente, precisam ser comparáveis e sistemáticas. É assim com a edição de uma revista ou jornal, por exemplo. Se a nova edição não estiver pronta no dia certo e no momento certo, os leitores ficam no mínimo vendidos, já que aquela informação que consumiam não chegou na hora que esperavam.

A Internet rompeu com essa expectativa rítmica das notícias e hoje, com o reforço das redes sociais, qualquer hora é hora de receber notícias. Mas há uma certa nostalgia da prática cotidiana de abrir o jornal ou esperar a hora do Jornal da TV para se sentir devidamente informado sobre o que passa em seu país e no mundo. A publicação alucinante de fatos e notícias tem nos levado, inclusive, a uma certa ojeriza da informação, ainda que sejamos obrigados a prestar atenção a elas, se quisermos participar minimamente da vida e dos debates sociais.

Já com os dados estatísticos, a publicação sistemática de informações sobre a inflação ou sobre o PIB, por exemplo, continua fundamental para que analistas formem suas visões sobre o andamento da economia de uma região ou país. Sem essas informações os agentes econômicos perdem suas referências e não sabem mais se devem ou não iniciar um novo negócio, se haverá mercado para seus produtos ou mesmo se o preço do crédito para desenvolver sua ideia será maior ou menor que a sua capacidade de faturamento.

continua após a publicidade

Os problemas do atraso dos levantamentos do Censo Demográfico Brasileiro enquadram-se nesta categoria. Marcado para ser efetivado no ano passado, a certeza da realização do Censo 2020 vinha sofrendo com dúvidas metodológicas desde 2019, após a ascensão ao poder federal do governo Bolsonaro, reconhecidamente desorganizado e com pouco interesse no levantamento de dados confiáveis.

A presidência do IBGE, instituição responsável pela sua realização, já nessa época mostrava-se omissa e não defendia o Censo 2020 dos cortes orçamentários propostos pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, que falava que o levantamento de dados - fundamental para todos os municípios do país definirem seu quinhão de recursos - estaria vinculado a "desperdícios" e poderia ser "muito mais" barato do que os R$ 3,6 bilhões então previstos.

Neste cenário, surgiu a tese de que uma redução do questionário traria maior qualidade aos resultados, ignorando-se os vários anos de debates para a construção do questionário proposto, um desrespeito aos especialistas que se dedicaram à tarefa. A tese era defendida por poucos e surgira, convenientemente, dentro do contexto de redução orçamentária. Os efeitos desta redução foram fartamente discutidos e anunciados por especialistas e usuários dos censos sem que fossem sequer ouvidos. E, ainda, diretores do instituto, servidores experientes e de carreira, foram exonerados, por razões que demonstravam desajustes de objetivos entre a instituição e sua nova direção.

continua após a publicidade

Outra justificativa para a redução do questionário foi a de que a informação suprimida poderia ser obtida por registros administrativos. Se assim fosse, teríamos que contar, por exemplo, com os registros utilizados para pagar o auxílio emergencial, que se demonstraram não tão bem estruturados assim. Além disso, para serem censitários, os registros administrativos deveriam cobrir toda a população, uma base de dados que infelizmente não existe no país, a menos do Censo. Alguns países já substituíram parte de seus censos demográficos por registros administrativos, mas, primeiro, tiveram que desenvolver bases de dados confiáveis, abrangentes e únicas. Em geral países muito pequenos e homogêneos, realidade distante da maioria dos países do mundo.

Chegamos a 2020 e a pandemia impediu a realização do Censo. As condições eram realmente desfavoráveis, os recursos pareciam comprometidos, a inapetência da diretoria da instituição em defendê-lo integralmente levou-nos a permanecer imóveis, embora em muitos ambientes a insegurança quanto à sua realização completa tenha motivado denúncias contra o que parecia ser a intenção de descontruir institucionalmente o Censo decenal, o que poderia agravar ainda mais o desconhecimento que hoje temos dos detalhes e da composição de renda, saúde, trabalho e educação dos brasileiros, onze anos depois do Censo de 2010.

Vale destacar que nosso entendimento e desejo é que o Censo pudesse ser realizado em 2021 com um instrumento adequado, condições de aplicação suficientes, amplo debate em 2020 para reafirmação do desejo coletivo e, enfim, coleta. Tivemos um ano inteiro para fazê-lo e o papel histórico e institucional do IBGE de realizar essa discussão e preparação seria facilmente aceito pelos envolvidos.

continua após a publicidade

No entanto, é facilmente observável que a pandemia trouxe uma mudança trágica na sociedade, sem que se tenha noção, ainda, de quanto destruiu e transformou a vida das pessoas. Ou seja, a realização do Censo 2020 impõe que os levantamentos sejam capazes de identificar esta nova realidade e qualquer mudança na série histórica de dados poderá vir a ser uma calamidade.Se a intenção das reduções propostas fosse séria, por que, então, não se fez nenhuma discussão aberta sobre o Censo 2020? Nada. Teria sido fundamental aproveitar o ano do atraso para reformular o Censo, retomar e aprofundar discussões com a sociedade civil, especialistas e usuários. Poderia perfeitamente ter sido feita pelo Zoom. Até agora, nada. É óbvio que haveremos de incorporar ao Censo questões sobre o impacto da pandemia sobre a população e seus impactos na vida econômica, escolar e familiar, além, é claro, da avaliação da nova infraestrutura da saúde.

Mas, como dissemos no início deste artigo, o tempo é implacável com ações que precisam ser ritmadas. A falta de dados e informações providas pelos censos periódicos começa a fazer falta e a impedir análises mínimas sobre as populações, os processos migratórios, a queda do emprego, o empobrecimento da renda e as imprecisões sobre a capacidade de consumo dos brasileiros. A situação de falta de referência é grave para os próprios governos mas também para os investimentos privados, já que todos perdemos a noção sobre as reais condições da sociedade em termos de educação, acesso à saúde e ao trabalho, tamanho das famílias e muitas outras informações fundamentais para o planejamento do país.

Há os que defendem que as PNADs (Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar) poderiam suprir a falta do Censo, mas quem é do ramo sabe da impossibilidade de se obter dados cobrindo todo o país a partir de uma pesquisa por amostragem. E mais um ponto é esquecido, a amostra da PNADC (PNAD Contínua) foi definida a partir da base de dados do Censo 2010 e é, fundamental, que se tenha um novo censo para se ter uma amostra atualizada. Dentro da lógica de um sistema estatístico não é possível eliminar uma pesquisa que forneça um cadastro de onde se possa extrair as amostras.

continua após a publicidade

A crise de 2016, as consequências do processo de impeachment da presidente Dilma, os anos críticos e escandalosos (do ponto de vista político e empresarial) sob o comando do Temer e os desajustes evidentes da condução econômica da equipe do Bolsonaro são impossíveis de serem compreendidos em seus impactos sobre a população, se não fizermos novamente um levantamento extensivo de informações sobre a qualidade de vida, a administração urbana e todos os outros dados que nos ajudam a enxergar se estamos sendo capazes de considerar as reais necessidades em cada município do Brasil.

2021 não facilitou essa decisão. Continuamos sob as incertezas da pandemia. As famílias estão instáveis e confundidas pelas mortes e internações dos parentes, a necessidade de isolamento social, a vacinação em ritmo lento, o debacle econômico, as dúvidas do cenário político, os absurdos proferidos continuamente pelo líder da nação. E, pior, mais de um ano depois de precisar acionar o exército de recenseadores por todo o país, o IBGE mantém-se pouco transparente com relação ao planejamento e execução do Censo 2020 (!) (ora 2021), não promoveu uma discussão com a sociedade sobre a nova realidade e não esclarece o que a redução dos recursos colocados à disposição do trabalho poderá ocasionar na qualidade e abrangência do levantamento.

A manutenção do ritmo de coleta e publicação dos dados censitários é fundamental para basear o processo de planejamento e gestão da sociedade nos seus mais diversos âmbitos. Mas ele pressupõe que o momento da coleta represente seu instante e o período decenal (ou um pouco estendido, em nosso caso) que o antecedeu, estável minimamente para promover a visão histórica que gostaríamos. Porém, o que a pandemia do COVID-19 trouxe e principalmente seu momento atual, de crise sanitária, econômica, política e institucional, é sem precedentes e é óbvio que as condições pioraram muito, no contexto social, para um levantamento demográfico tão importante.

continua após a publicidade

O fato é que a realização do Censo em uma situação como a atual, com mais uma redução em seu orçamento, poderá ser pior do que a sua não efetivação. A pandemia transformou os domicílios. Há separação de familiares, migrações levando a uma forte mudança na distribuição da população das cidades, desesperos econômicos por um lado, boom imobiliário em pequenas regiões por outro, e a impossibilidade de avaliação das rendas familiares com as ajudas do tipo vaga-lume oferecidas pelo governo federal para aliviar a situação das famílias. Sem falar do cenário econômico catastrófico, dos reajustes escandalosos de preços básicos da economia e da lerdeza dos indicadores diários em refletir o caos social em que o Brasil se transformou.

A foto de hoje, no olho do furacão, não nos permitirá obter todos os dados que permitam uma visão clara e atualizada do que precisamos para planejar o país para os próximos anos. Em agosto de 2022 a vacinação em duas doses terá atingido parcela suficiente da população para que a dinâmica social e econômica tenha sido retomada, mesmo com os graves problemas logísticos que vivenciamos, e assim poderemos retomar uma coleta com excelência, como o passado do IBGE sempre consagrou.

Esta reflexão sugere uma proposta de posicionamento em prol de um novo adiamento do Censo Demográfico, para 2022. Com a abertura imediata de discussões amplas sobre o que mais deveria ser considerado no primeiro Censo em condições de pós pandemia.

Eduardo de Rezende Francisco, Professor de GeoAnalytics e Data Science da FGV - EAESP, Pesquisador do FGV Analytics e fundador do GisBI

Rubens de Almeida, Engenheiro e jornalista, dedicado a temas urbanos e organização de dados sobre mapas digitais e fundador do GisBI

Roberto Olinto Ramos, Ex-presidente do IBGE e pesquisador associado do FGV - IBRE

O calendário é, às vezes, implacável com a realização de ações periódicas, sobretudo com aquelas que geram informações ritmadas e que constroem uma linha do tempo de informações que, necessariamente, precisam ser comparáveis e sistemáticas. É assim com a edição de uma revista ou jornal, por exemplo. Se a nova edição não estiver pronta no dia certo e no momento certo, os leitores ficam no mínimo vendidos, já que aquela informação que consumiam não chegou na hora que esperavam.

A Internet rompeu com essa expectativa rítmica das notícias e hoje, com o reforço das redes sociais, qualquer hora é hora de receber notícias. Mas há uma certa nostalgia da prática cotidiana de abrir o jornal ou esperar a hora do Jornal da TV para se sentir devidamente informado sobre o que passa em seu país e no mundo. A publicação alucinante de fatos e notícias tem nos levado, inclusive, a uma certa ojeriza da informação, ainda que sejamos obrigados a prestar atenção a elas, se quisermos participar minimamente da vida e dos debates sociais.

Já com os dados estatísticos, a publicação sistemática de informações sobre a inflação ou sobre o PIB, por exemplo, continua fundamental para que analistas formem suas visões sobre o andamento da economia de uma região ou país. Sem essas informações os agentes econômicos perdem suas referências e não sabem mais se devem ou não iniciar um novo negócio, se haverá mercado para seus produtos ou mesmo se o preço do crédito para desenvolver sua ideia será maior ou menor que a sua capacidade de faturamento.

Os problemas do atraso dos levantamentos do Censo Demográfico Brasileiro enquadram-se nesta categoria. Marcado para ser efetivado no ano passado, a certeza da realização do Censo 2020 vinha sofrendo com dúvidas metodológicas desde 2019, após a ascensão ao poder federal do governo Bolsonaro, reconhecidamente desorganizado e com pouco interesse no levantamento de dados confiáveis.

A presidência do IBGE, instituição responsável pela sua realização, já nessa época mostrava-se omissa e não defendia o Censo 2020 dos cortes orçamentários propostos pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, que falava que o levantamento de dados - fundamental para todos os municípios do país definirem seu quinhão de recursos - estaria vinculado a "desperdícios" e poderia ser "muito mais" barato do que os R$ 3,6 bilhões então previstos.

Neste cenário, surgiu a tese de que uma redução do questionário traria maior qualidade aos resultados, ignorando-se os vários anos de debates para a construção do questionário proposto, um desrespeito aos especialistas que se dedicaram à tarefa. A tese era defendida por poucos e surgira, convenientemente, dentro do contexto de redução orçamentária. Os efeitos desta redução foram fartamente discutidos e anunciados por especialistas e usuários dos censos sem que fossem sequer ouvidos. E, ainda, diretores do instituto, servidores experientes e de carreira, foram exonerados, por razões que demonstravam desajustes de objetivos entre a instituição e sua nova direção.

Outra justificativa para a redução do questionário foi a de que a informação suprimida poderia ser obtida por registros administrativos. Se assim fosse, teríamos que contar, por exemplo, com os registros utilizados para pagar o auxílio emergencial, que se demonstraram não tão bem estruturados assim. Além disso, para serem censitários, os registros administrativos deveriam cobrir toda a população, uma base de dados que infelizmente não existe no país, a menos do Censo. Alguns países já substituíram parte de seus censos demográficos por registros administrativos, mas, primeiro, tiveram que desenvolver bases de dados confiáveis, abrangentes e únicas. Em geral países muito pequenos e homogêneos, realidade distante da maioria dos países do mundo.

Chegamos a 2020 e a pandemia impediu a realização do Censo. As condições eram realmente desfavoráveis, os recursos pareciam comprometidos, a inapetência da diretoria da instituição em defendê-lo integralmente levou-nos a permanecer imóveis, embora em muitos ambientes a insegurança quanto à sua realização completa tenha motivado denúncias contra o que parecia ser a intenção de descontruir institucionalmente o Censo decenal, o que poderia agravar ainda mais o desconhecimento que hoje temos dos detalhes e da composição de renda, saúde, trabalho e educação dos brasileiros, onze anos depois do Censo de 2010.

Vale destacar que nosso entendimento e desejo é que o Censo pudesse ser realizado em 2021 com um instrumento adequado, condições de aplicação suficientes, amplo debate em 2020 para reafirmação do desejo coletivo e, enfim, coleta. Tivemos um ano inteiro para fazê-lo e o papel histórico e institucional do IBGE de realizar essa discussão e preparação seria facilmente aceito pelos envolvidos.

No entanto, é facilmente observável que a pandemia trouxe uma mudança trágica na sociedade, sem que se tenha noção, ainda, de quanto destruiu e transformou a vida das pessoas. Ou seja, a realização do Censo 2020 impõe que os levantamentos sejam capazes de identificar esta nova realidade e qualquer mudança na série histórica de dados poderá vir a ser uma calamidade.Se a intenção das reduções propostas fosse séria, por que, então, não se fez nenhuma discussão aberta sobre o Censo 2020? Nada. Teria sido fundamental aproveitar o ano do atraso para reformular o Censo, retomar e aprofundar discussões com a sociedade civil, especialistas e usuários. Poderia perfeitamente ter sido feita pelo Zoom. Até agora, nada. É óbvio que haveremos de incorporar ao Censo questões sobre o impacto da pandemia sobre a população e seus impactos na vida econômica, escolar e familiar, além, é claro, da avaliação da nova infraestrutura da saúde.

Mas, como dissemos no início deste artigo, o tempo é implacável com ações que precisam ser ritmadas. A falta de dados e informações providas pelos censos periódicos começa a fazer falta e a impedir análises mínimas sobre as populações, os processos migratórios, a queda do emprego, o empobrecimento da renda e as imprecisões sobre a capacidade de consumo dos brasileiros. A situação de falta de referência é grave para os próprios governos mas também para os investimentos privados, já que todos perdemos a noção sobre as reais condições da sociedade em termos de educação, acesso à saúde e ao trabalho, tamanho das famílias e muitas outras informações fundamentais para o planejamento do país.

Há os que defendem que as PNADs (Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar) poderiam suprir a falta do Censo, mas quem é do ramo sabe da impossibilidade de se obter dados cobrindo todo o país a partir de uma pesquisa por amostragem. E mais um ponto é esquecido, a amostra da PNADC (PNAD Contínua) foi definida a partir da base de dados do Censo 2010 e é, fundamental, que se tenha um novo censo para se ter uma amostra atualizada. Dentro da lógica de um sistema estatístico não é possível eliminar uma pesquisa que forneça um cadastro de onde se possa extrair as amostras.

A crise de 2016, as consequências do processo de impeachment da presidente Dilma, os anos críticos e escandalosos (do ponto de vista político e empresarial) sob o comando do Temer e os desajustes evidentes da condução econômica da equipe do Bolsonaro são impossíveis de serem compreendidos em seus impactos sobre a população, se não fizermos novamente um levantamento extensivo de informações sobre a qualidade de vida, a administração urbana e todos os outros dados que nos ajudam a enxergar se estamos sendo capazes de considerar as reais necessidades em cada município do Brasil.

2021 não facilitou essa decisão. Continuamos sob as incertezas da pandemia. As famílias estão instáveis e confundidas pelas mortes e internações dos parentes, a necessidade de isolamento social, a vacinação em ritmo lento, o debacle econômico, as dúvidas do cenário político, os absurdos proferidos continuamente pelo líder da nação. E, pior, mais de um ano depois de precisar acionar o exército de recenseadores por todo o país, o IBGE mantém-se pouco transparente com relação ao planejamento e execução do Censo 2020 (!) (ora 2021), não promoveu uma discussão com a sociedade sobre a nova realidade e não esclarece o que a redução dos recursos colocados à disposição do trabalho poderá ocasionar na qualidade e abrangência do levantamento.

A manutenção do ritmo de coleta e publicação dos dados censitários é fundamental para basear o processo de planejamento e gestão da sociedade nos seus mais diversos âmbitos. Mas ele pressupõe que o momento da coleta represente seu instante e o período decenal (ou um pouco estendido, em nosso caso) que o antecedeu, estável minimamente para promover a visão histórica que gostaríamos. Porém, o que a pandemia do COVID-19 trouxe e principalmente seu momento atual, de crise sanitária, econômica, política e institucional, é sem precedentes e é óbvio que as condições pioraram muito, no contexto social, para um levantamento demográfico tão importante.

O fato é que a realização do Censo em uma situação como a atual, com mais uma redução em seu orçamento, poderá ser pior do que a sua não efetivação. A pandemia transformou os domicílios. Há separação de familiares, migrações levando a uma forte mudança na distribuição da população das cidades, desesperos econômicos por um lado, boom imobiliário em pequenas regiões por outro, e a impossibilidade de avaliação das rendas familiares com as ajudas do tipo vaga-lume oferecidas pelo governo federal para aliviar a situação das famílias. Sem falar do cenário econômico catastrófico, dos reajustes escandalosos de preços básicos da economia e da lerdeza dos indicadores diários em refletir o caos social em que o Brasil se transformou.

A foto de hoje, no olho do furacão, não nos permitirá obter todos os dados que permitam uma visão clara e atualizada do que precisamos para planejar o país para os próximos anos. Em agosto de 2022 a vacinação em duas doses terá atingido parcela suficiente da população para que a dinâmica social e econômica tenha sido retomada, mesmo com os graves problemas logísticos que vivenciamos, e assim poderemos retomar uma coleta com excelência, como o passado do IBGE sempre consagrou.

Esta reflexão sugere uma proposta de posicionamento em prol de um novo adiamento do Censo Demográfico, para 2022. Com a abertura imediata de discussões amplas sobre o que mais deveria ser considerado no primeiro Censo em condições de pós pandemia.

Eduardo de Rezende Francisco, Professor de GeoAnalytics e Data Science da FGV - EAESP, Pesquisador do FGV Analytics e fundador do GisBI

Rubens de Almeida, Engenheiro e jornalista, dedicado a temas urbanos e organização de dados sobre mapas digitais e fundador do GisBI

Roberto Olinto Ramos, Ex-presidente do IBGE e pesquisador associado do FGV - IBRE

O calendário é, às vezes, implacável com a realização de ações periódicas, sobretudo com aquelas que geram informações ritmadas e que constroem uma linha do tempo de informações que, necessariamente, precisam ser comparáveis e sistemáticas. É assim com a edição de uma revista ou jornal, por exemplo. Se a nova edição não estiver pronta no dia certo e no momento certo, os leitores ficam no mínimo vendidos, já que aquela informação que consumiam não chegou na hora que esperavam.

A Internet rompeu com essa expectativa rítmica das notícias e hoje, com o reforço das redes sociais, qualquer hora é hora de receber notícias. Mas há uma certa nostalgia da prática cotidiana de abrir o jornal ou esperar a hora do Jornal da TV para se sentir devidamente informado sobre o que passa em seu país e no mundo. A publicação alucinante de fatos e notícias tem nos levado, inclusive, a uma certa ojeriza da informação, ainda que sejamos obrigados a prestar atenção a elas, se quisermos participar minimamente da vida e dos debates sociais.

Já com os dados estatísticos, a publicação sistemática de informações sobre a inflação ou sobre o PIB, por exemplo, continua fundamental para que analistas formem suas visões sobre o andamento da economia de uma região ou país. Sem essas informações os agentes econômicos perdem suas referências e não sabem mais se devem ou não iniciar um novo negócio, se haverá mercado para seus produtos ou mesmo se o preço do crédito para desenvolver sua ideia será maior ou menor que a sua capacidade de faturamento.

Os problemas do atraso dos levantamentos do Censo Demográfico Brasileiro enquadram-se nesta categoria. Marcado para ser efetivado no ano passado, a certeza da realização do Censo 2020 vinha sofrendo com dúvidas metodológicas desde 2019, após a ascensão ao poder federal do governo Bolsonaro, reconhecidamente desorganizado e com pouco interesse no levantamento de dados confiáveis.

A presidência do IBGE, instituição responsável pela sua realização, já nessa época mostrava-se omissa e não defendia o Censo 2020 dos cortes orçamentários propostos pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, que falava que o levantamento de dados - fundamental para todos os municípios do país definirem seu quinhão de recursos - estaria vinculado a "desperdícios" e poderia ser "muito mais" barato do que os R$ 3,6 bilhões então previstos.

Neste cenário, surgiu a tese de que uma redução do questionário traria maior qualidade aos resultados, ignorando-se os vários anos de debates para a construção do questionário proposto, um desrespeito aos especialistas que se dedicaram à tarefa. A tese era defendida por poucos e surgira, convenientemente, dentro do contexto de redução orçamentária. Os efeitos desta redução foram fartamente discutidos e anunciados por especialistas e usuários dos censos sem que fossem sequer ouvidos. E, ainda, diretores do instituto, servidores experientes e de carreira, foram exonerados, por razões que demonstravam desajustes de objetivos entre a instituição e sua nova direção.

Outra justificativa para a redução do questionário foi a de que a informação suprimida poderia ser obtida por registros administrativos. Se assim fosse, teríamos que contar, por exemplo, com os registros utilizados para pagar o auxílio emergencial, que se demonstraram não tão bem estruturados assim. Além disso, para serem censitários, os registros administrativos deveriam cobrir toda a população, uma base de dados que infelizmente não existe no país, a menos do Censo. Alguns países já substituíram parte de seus censos demográficos por registros administrativos, mas, primeiro, tiveram que desenvolver bases de dados confiáveis, abrangentes e únicas. Em geral países muito pequenos e homogêneos, realidade distante da maioria dos países do mundo.

Chegamos a 2020 e a pandemia impediu a realização do Censo. As condições eram realmente desfavoráveis, os recursos pareciam comprometidos, a inapetência da diretoria da instituição em defendê-lo integralmente levou-nos a permanecer imóveis, embora em muitos ambientes a insegurança quanto à sua realização completa tenha motivado denúncias contra o que parecia ser a intenção de descontruir institucionalmente o Censo decenal, o que poderia agravar ainda mais o desconhecimento que hoje temos dos detalhes e da composição de renda, saúde, trabalho e educação dos brasileiros, onze anos depois do Censo de 2010.

Vale destacar que nosso entendimento e desejo é que o Censo pudesse ser realizado em 2021 com um instrumento adequado, condições de aplicação suficientes, amplo debate em 2020 para reafirmação do desejo coletivo e, enfim, coleta. Tivemos um ano inteiro para fazê-lo e o papel histórico e institucional do IBGE de realizar essa discussão e preparação seria facilmente aceito pelos envolvidos.

No entanto, é facilmente observável que a pandemia trouxe uma mudança trágica na sociedade, sem que se tenha noção, ainda, de quanto destruiu e transformou a vida das pessoas. Ou seja, a realização do Censo 2020 impõe que os levantamentos sejam capazes de identificar esta nova realidade e qualquer mudança na série histórica de dados poderá vir a ser uma calamidade.Se a intenção das reduções propostas fosse séria, por que, então, não se fez nenhuma discussão aberta sobre o Censo 2020? Nada. Teria sido fundamental aproveitar o ano do atraso para reformular o Censo, retomar e aprofundar discussões com a sociedade civil, especialistas e usuários. Poderia perfeitamente ter sido feita pelo Zoom. Até agora, nada. É óbvio que haveremos de incorporar ao Censo questões sobre o impacto da pandemia sobre a população e seus impactos na vida econômica, escolar e familiar, além, é claro, da avaliação da nova infraestrutura da saúde.

Mas, como dissemos no início deste artigo, o tempo é implacável com ações que precisam ser ritmadas. A falta de dados e informações providas pelos censos periódicos começa a fazer falta e a impedir análises mínimas sobre as populações, os processos migratórios, a queda do emprego, o empobrecimento da renda e as imprecisões sobre a capacidade de consumo dos brasileiros. A situação de falta de referência é grave para os próprios governos mas também para os investimentos privados, já que todos perdemos a noção sobre as reais condições da sociedade em termos de educação, acesso à saúde e ao trabalho, tamanho das famílias e muitas outras informações fundamentais para o planejamento do país.

Há os que defendem que as PNADs (Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar) poderiam suprir a falta do Censo, mas quem é do ramo sabe da impossibilidade de se obter dados cobrindo todo o país a partir de uma pesquisa por amostragem. E mais um ponto é esquecido, a amostra da PNADC (PNAD Contínua) foi definida a partir da base de dados do Censo 2010 e é, fundamental, que se tenha um novo censo para se ter uma amostra atualizada. Dentro da lógica de um sistema estatístico não é possível eliminar uma pesquisa que forneça um cadastro de onde se possa extrair as amostras.

A crise de 2016, as consequências do processo de impeachment da presidente Dilma, os anos críticos e escandalosos (do ponto de vista político e empresarial) sob o comando do Temer e os desajustes evidentes da condução econômica da equipe do Bolsonaro são impossíveis de serem compreendidos em seus impactos sobre a população, se não fizermos novamente um levantamento extensivo de informações sobre a qualidade de vida, a administração urbana e todos os outros dados que nos ajudam a enxergar se estamos sendo capazes de considerar as reais necessidades em cada município do Brasil.

2021 não facilitou essa decisão. Continuamos sob as incertezas da pandemia. As famílias estão instáveis e confundidas pelas mortes e internações dos parentes, a necessidade de isolamento social, a vacinação em ritmo lento, o debacle econômico, as dúvidas do cenário político, os absurdos proferidos continuamente pelo líder da nação. E, pior, mais de um ano depois de precisar acionar o exército de recenseadores por todo o país, o IBGE mantém-se pouco transparente com relação ao planejamento e execução do Censo 2020 (!) (ora 2021), não promoveu uma discussão com a sociedade sobre a nova realidade e não esclarece o que a redução dos recursos colocados à disposição do trabalho poderá ocasionar na qualidade e abrangência do levantamento.

A manutenção do ritmo de coleta e publicação dos dados censitários é fundamental para basear o processo de planejamento e gestão da sociedade nos seus mais diversos âmbitos. Mas ele pressupõe que o momento da coleta represente seu instante e o período decenal (ou um pouco estendido, em nosso caso) que o antecedeu, estável minimamente para promover a visão histórica que gostaríamos. Porém, o que a pandemia do COVID-19 trouxe e principalmente seu momento atual, de crise sanitária, econômica, política e institucional, é sem precedentes e é óbvio que as condições pioraram muito, no contexto social, para um levantamento demográfico tão importante.

O fato é que a realização do Censo em uma situação como a atual, com mais uma redução em seu orçamento, poderá ser pior do que a sua não efetivação. A pandemia transformou os domicílios. Há separação de familiares, migrações levando a uma forte mudança na distribuição da população das cidades, desesperos econômicos por um lado, boom imobiliário em pequenas regiões por outro, e a impossibilidade de avaliação das rendas familiares com as ajudas do tipo vaga-lume oferecidas pelo governo federal para aliviar a situação das famílias. Sem falar do cenário econômico catastrófico, dos reajustes escandalosos de preços básicos da economia e da lerdeza dos indicadores diários em refletir o caos social em que o Brasil se transformou.

A foto de hoje, no olho do furacão, não nos permitirá obter todos os dados que permitam uma visão clara e atualizada do que precisamos para planejar o país para os próximos anos. Em agosto de 2022 a vacinação em duas doses terá atingido parcela suficiente da população para que a dinâmica social e econômica tenha sido retomada, mesmo com os graves problemas logísticos que vivenciamos, e assim poderemos retomar uma coleta com excelência, como o passado do IBGE sempre consagrou.

Esta reflexão sugere uma proposta de posicionamento em prol de um novo adiamento do Censo Demográfico, para 2022. Com a abertura imediata de discussões amplas sobre o que mais deveria ser considerado no primeiro Censo em condições de pós pandemia.

Eduardo de Rezende Francisco, Professor de GeoAnalytics e Data Science da FGV - EAESP, Pesquisador do FGV Analytics e fundador do GisBI

Rubens de Almeida, Engenheiro e jornalista, dedicado a temas urbanos e organização de dados sobre mapas digitais e fundador do GisBI

Roberto Olinto Ramos, Ex-presidente do IBGE e pesquisador associado do FGV - IBRE

O calendário é, às vezes, implacável com a realização de ações periódicas, sobretudo com aquelas que geram informações ritmadas e que constroem uma linha do tempo de informações que, necessariamente, precisam ser comparáveis e sistemáticas. É assim com a edição de uma revista ou jornal, por exemplo. Se a nova edição não estiver pronta no dia certo e no momento certo, os leitores ficam no mínimo vendidos, já que aquela informação que consumiam não chegou na hora que esperavam.

A Internet rompeu com essa expectativa rítmica das notícias e hoje, com o reforço das redes sociais, qualquer hora é hora de receber notícias. Mas há uma certa nostalgia da prática cotidiana de abrir o jornal ou esperar a hora do Jornal da TV para se sentir devidamente informado sobre o que passa em seu país e no mundo. A publicação alucinante de fatos e notícias tem nos levado, inclusive, a uma certa ojeriza da informação, ainda que sejamos obrigados a prestar atenção a elas, se quisermos participar minimamente da vida e dos debates sociais.

Já com os dados estatísticos, a publicação sistemática de informações sobre a inflação ou sobre o PIB, por exemplo, continua fundamental para que analistas formem suas visões sobre o andamento da economia de uma região ou país. Sem essas informações os agentes econômicos perdem suas referências e não sabem mais se devem ou não iniciar um novo negócio, se haverá mercado para seus produtos ou mesmo se o preço do crédito para desenvolver sua ideia será maior ou menor que a sua capacidade de faturamento.

Os problemas do atraso dos levantamentos do Censo Demográfico Brasileiro enquadram-se nesta categoria. Marcado para ser efetivado no ano passado, a certeza da realização do Censo 2020 vinha sofrendo com dúvidas metodológicas desde 2019, após a ascensão ao poder federal do governo Bolsonaro, reconhecidamente desorganizado e com pouco interesse no levantamento de dados confiáveis.

A presidência do IBGE, instituição responsável pela sua realização, já nessa época mostrava-se omissa e não defendia o Censo 2020 dos cortes orçamentários propostos pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, que falava que o levantamento de dados - fundamental para todos os municípios do país definirem seu quinhão de recursos - estaria vinculado a "desperdícios" e poderia ser "muito mais" barato do que os R$ 3,6 bilhões então previstos.

Neste cenário, surgiu a tese de que uma redução do questionário traria maior qualidade aos resultados, ignorando-se os vários anos de debates para a construção do questionário proposto, um desrespeito aos especialistas que se dedicaram à tarefa. A tese era defendida por poucos e surgira, convenientemente, dentro do contexto de redução orçamentária. Os efeitos desta redução foram fartamente discutidos e anunciados por especialistas e usuários dos censos sem que fossem sequer ouvidos. E, ainda, diretores do instituto, servidores experientes e de carreira, foram exonerados, por razões que demonstravam desajustes de objetivos entre a instituição e sua nova direção.

Outra justificativa para a redução do questionário foi a de que a informação suprimida poderia ser obtida por registros administrativos. Se assim fosse, teríamos que contar, por exemplo, com os registros utilizados para pagar o auxílio emergencial, que se demonstraram não tão bem estruturados assim. Além disso, para serem censitários, os registros administrativos deveriam cobrir toda a população, uma base de dados que infelizmente não existe no país, a menos do Censo. Alguns países já substituíram parte de seus censos demográficos por registros administrativos, mas, primeiro, tiveram que desenvolver bases de dados confiáveis, abrangentes e únicas. Em geral países muito pequenos e homogêneos, realidade distante da maioria dos países do mundo.

Chegamos a 2020 e a pandemia impediu a realização do Censo. As condições eram realmente desfavoráveis, os recursos pareciam comprometidos, a inapetência da diretoria da instituição em defendê-lo integralmente levou-nos a permanecer imóveis, embora em muitos ambientes a insegurança quanto à sua realização completa tenha motivado denúncias contra o que parecia ser a intenção de descontruir institucionalmente o Censo decenal, o que poderia agravar ainda mais o desconhecimento que hoje temos dos detalhes e da composição de renda, saúde, trabalho e educação dos brasileiros, onze anos depois do Censo de 2010.

Vale destacar que nosso entendimento e desejo é que o Censo pudesse ser realizado em 2021 com um instrumento adequado, condições de aplicação suficientes, amplo debate em 2020 para reafirmação do desejo coletivo e, enfim, coleta. Tivemos um ano inteiro para fazê-lo e o papel histórico e institucional do IBGE de realizar essa discussão e preparação seria facilmente aceito pelos envolvidos.

No entanto, é facilmente observável que a pandemia trouxe uma mudança trágica na sociedade, sem que se tenha noção, ainda, de quanto destruiu e transformou a vida das pessoas. Ou seja, a realização do Censo 2020 impõe que os levantamentos sejam capazes de identificar esta nova realidade e qualquer mudança na série histórica de dados poderá vir a ser uma calamidade.Se a intenção das reduções propostas fosse séria, por que, então, não se fez nenhuma discussão aberta sobre o Censo 2020? Nada. Teria sido fundamental aproveitar o ano do atraso para reformular o Censo, retomar e aprofundar discussões com a sociedade civil, especialistas e usuários. Poderia perfeitamente ter sido feita pelo Zoom. Até agora, nada. É óbvio que haveremos de incorporar ao Censo questões sobre o impacto da pandemia sobre a população e seus impactos na vida econômica, escolar e familiar, além, é claro, da avaliação da nova infraestrutura da saúde.

Mas, como dissemos no início deste artigo, o tempo é implacável com ações que precisam ser ritmadas. A falta de dados e informações providas pelos censos periódicos começa a fazer falta e a impedir análises mínimas sobre as populações, os processos migratórios, a queda do emprego, o empobrecimento da renda e as imprecisões sobre a capacidade de consumo dos brasileiros. A situação de falta de referência é grave para os próprios governos mas também para os investimentos privados, já que todos perdemos a noção sobre as reais condições da sociedade em termos de educação, acesso à saúde e ao trabalho, tamanho das famílias e muitas outras informações fundamentais para o planejamento do país.

Há os que defendem que as PNADs (Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar) poderiam suprir a falta do Censo, mas quem é do ramo sabe da impossibilidade de se obter dados cobrindo todo o país a partir de uma pesquisa por amostragem. E mais um ponto é esquecido, a amostra da PNADC (PNAD Contínua) foi definida a partir da base de dados do Censo 2010 e é, fundamental, que se tenha um novo censo para se ter uma amostra atualizada. Dentro da lógica de um sistema estatístico não é possível eliminar uma pesquisa que forneça um cadastro de onde se possa extrair as amostras.

A crise de 2016, as consequências do processo de impeachment da presidente Dilma, os anos críticos e escandalosos (do ponto de vista político e empresarial) sob o comando do Temer e os desajustes evidentes da condução econômica da equipe do Bolsonaro são impossíveis de serem compreendidos em seus impactos sobre a população, se não fizermos novamente um levantamento extensivo de informações sobre a qualidade de vida, a administração urbana e todos os outros dados que nos ajudam a enxergar se estamos sendo capazes de considerar as reais necessidades em cada município do Brasil.

2021 não facilitou essa decisão. Continuamos sob as incertezas da pandemia. As famílias estão instáveis e confundidas pelas mortes e internações dos parentes, a necessidade de isolamento social, a vacinação em ritmo lento, o debacle econômico, as dúvidas do cenário político, os absurdos proferidos continuamente pelo líder da nação. E, pior, mais de um ano depois de precisar acionar o exército de recenseadores por todo o país, o IBGE mantém-se pouco transparente com relação ao planejamento e execução do Censo 2020 (!) (ora 2021), não promoveu uma discussão com a sociedade sobre a nova realidade e não esclarece o que a redução dos recursos colocados à disposição do trabalho poderá ocasionar na qualidade e abrangência do levantamento.

A manutenção do ritmo de coleta e publicação dos dados censitários é fundamental para basear o processo de planejamento e gestão da sociedade nos seus mais diversos âmbitos. Mas ele pressupõe que o momento da coleta represente seu instante e o período decenal (ou um pouco estendido, em nosso caso) que o antecedeu, estável minimamente para promover a visão histórica que gostaríamos. Porém, o que a pandemia do COVID-19 trouxe e principalmente seu momento atual, de crise sanitária, econômica, política e institucional, é sem precedentes e é óbvio que as condições pioraram muito, no contexto social, para um levantamento demográfico tão importante.

O fato é que a realização do Censo em uma situação como a atual, com mais uma redução em seu orçamento, poderá ser pior do que a sua não efetivação. A pandemia transformou os domicílios. Há separação de familiares, migrações levando a uma forte mudança na distribuição da população das cidades, desesperos econômicos por um lado, boom imobiliário em pequenas regiões por outro, e a impossibilidade de avaliação das rendas familiares com as ajudas do tipo vaga-lume oferecidas pelo governo federal para aliviar a situação das famílias. Sem falar do cenário econômico catastrófico, dos reajustes escandalosos de preços básicos da economia e da lerdeza dos indicadores diários em refletir o caos social em que o Brasil se transformou.

A foto de hoje, no olho do furacão, não nos permitirá obter todos os dados que permitam uma visão clara e atualizada do que precisamos para planejar o país para os próximos anos. Em agosto de 2022 a vacinação em duas doses terá atingido parcela suficiente da população para que a dinâmica social e econômica tenha sido retomada, mesmo com os graves problemas logísticos que vivenciamos, e assim poderemos retomar uma coleta com excelência, como o passado do IBGE sempre consagrou.

Esta reflexão sugere uma proposta de posicionamento em prol de um novo adiamento do Censo Demográfico, para 2022. Com a abertura imediata de discussões amplas sobre o que mais deveria ser considerado no primeiro Censo em condições de pós pandemia.

Eduardo de Rezende Francisco, Professor de GeoAnalytics e Data Science da FGV - EAESP, Pesquisador do FGV Analytics e fundador do GisBI

Rubens de Almeida, Engenheiro e jornalista, dedicado a temas urbanos e organização de dados sobre mapas digitais e fundador do GisBI

Roberto Olinto Ramos, Ex-presidente do IBGE e pesquisador associado do FGV - IBRE

O calendário é, às vezes, implacável com a realização de ações periódicas, sobretudo com aquelas que geram informações ritmadas e que constroem uma linha do tempo de informações que, necessariamente, precisam ser comparáveis e sistemáticas. É assim com a edição de uma revista ou jornal, por exemplo. Se a nova edição não estiver pronta no dia certo e no momento certo, os leitores ficam no mínimo vendidos, já que aquela informação que consumiam não chegou na hora que esperavam.

A Internet rompeu com essa expectativa rítmica das notícias e hoje, com o reforço das redes sociais, qualquer hora é hora de receber notícias. Mas há uma certa nostalgia da prática cotidiana de abrir o jornal ou esperar a hora do Jornal da TV para se sentir devidamente informado sobre o que passa em seu país e no mundo. A publicação alucinante de fatos e notícias tem nos levado, inclusive, a uma certa ojeriza da informação, ainda que sejamos obrigados a prestar atenção a elas, se quisermos participar minimamente da vida e dos debates sociais.

Já com os dados estatísticos, a publicação sistemática de informações sobre a inflação ou sobre o PIB, por exemplo, continua fundamental para que analistas formem suas visões sobre o andamento da economia de uma região ou país. Sem essas informações os agentes econômicos perdem suas referências e não sabem mais se devem ou não iniciar um novo negócio, se haverá mercado para seus produtos ou mesmo se o preço do crédito para desenvolver sua ideia será maior ou menor que a sua capacidade de faturamento.

Os problemas do atraso dos levantamentos do Censo Demográfico Brasileiro enquadram-se nesta categoria. Marcado para ser efetivado no ano passado, a certeza da realização do Censo 2020 vinha sofrendo com dúvidas metodológicas desde 2019, após a ascensão ao poder federal do governo Bolsonaro, reconhecidamente desorganizado e com pouco interesse no levantamento de dados confiáveis.

A presidência do IBGE, instituição responsável pela sua realização, já nessa época mostrava-se omissa e não defendia o Censo 2020 dos cortes orçamentários propostos pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, que falava que o levantamento de dados - fundamental para todos os municípios do país definirem seu quinhão de recursos - estaria vinculado a "desperdícios" e poderia ser "muito mais" barato do que os R$ 3,6 bilhões então previstos.

Neste cenário, surgiu a tese de que uma redução do questionário traria maior qualidade aos resultados, ignorando-se os vários anos de debates para a construção do questionário proposto, um desrespeito aos especialistas que se dedicaram à tarefa. A tese era defendida por poucos e surgira, convenientemente, dentro do contexto de redução orçamentária. Os efeitos desta redução foram fartamente discutidos e anunciados por especialistas e usuários dos censos sem que fossem sequer ouvidos. E, ainda, diretores do instituto, servidores experientes e de carreira, foram exonerados, por razões que demonstravam desajustes de objetivos entre a instituição e sua nova direção.

Outra justificativa para a redução do questionário foi a de que a informação suprimida poderia ser obtida por registros administrativos. Se assim fosse, teríamos que contar, por exemplo, com os registros utilizados para pagar o auxílio emergencial, que se demonstraram não tão bem estruturados assim. Além disso, para serem censitários, os registros administrativos deveriam cobrir toda a população, uma base de dados que infelizmente não existe no país, a menos do Censo. Alguns países já substituíram parte de seus censos demográficos por registros administrativos, mas, primeiro, tiveram que desenvolver bases de dados confiáveis, abrangentes e únicas. Em geral países muito pequenos e homogêneos, realidade distante da maioria dos países do mundo.

Chegamos a 2020 e a pandemia impediu a realização do Censo. As condições eram realmente desfavoráveis, os recursos pareciam comprometidos, a inapetência da diretoria da instituição em defendê-lo integralmente levou-nos a permanecer imóveis, embora em muitos ambientes a insegurança quanto à sua realização completa tenha motivado denúncias contra o que parecia ser a intenção de descontruir institucionalmente o Censo decenal, o que poderia agravar ainda mais o desconhecimento que hoje temos dos detalhes e da composição de renda, saúde, trabalho e educação dos brasileiros, onze anos depois do Censo de 2010.

Vale destacar que nosso entendimento e desejo é que o Censo pudesse ser realizado em 2021 com um instrumento adequado, condições de aplicação suficientes, amplo debate em 2020 para reafirmação do desejo coletivo e, enfim, coleta. Tivemos um ano inteiro para fazê-lo e o papel histórico e institucional do IBGE de realizar essa discussão e preparação seria facilmente aceito pelos envolvidos.

No entanto, é facilmente observável que a pandemia trouxe uma mudança trágica na sociedade, sem que se tenha noção, ainda, de quanto destruiu e transformou a vida das pessoas. Ou seja, a realização do Censo 2020 impõe que os levantamentos sejam capazes de identificar esta nova realidade e qualquer mudança na série histórica de dados poderá vir a ser uma calamidade.Se a intenção das reduções propostas fosse séria, por que, então, não se fez nenhuma discussão aberta sobre o Censo 2020? Nada. Teria sido fundamental aproveitar o ano do atraso para reformular o Censo, retomar e aprofundar discussões com a sociedade civil, especialistas e usuários. Poderia perfeitamente ter sido feita pelo Zoom. Até agora, nada. É óbvio que haveremos de incorporar ao Censo questões sobre o impacto da pandemia sobre a população e seus impactos na vida econômica, escolar e familiar, além, é claro, da avaliação da nova infraestrutura da saúde.

Mas, como dissemos no início deste artigo, o tempo é implacável com ações que precisam ser ritmadas. A falta de dados e informações providas pelos censos periódicos começa a fazer falta e a impedir análises mínimas sobre as populações, os processos migratórios, a queda do emprego, o empobrecimento da renda e as imprecisões sobre a capacidade de consumo dos brasileiros. A situação de falta de referência é grave para os próprios governos mas também para os investimentos privados, já que todos perdemos a noção sobre as reais condições da sociedade em termos de educação, acesso à saúde e ao trabalho, tamanho das famílias e muitas outras informações fundamentais para o planejamento do país.

Há os que defendem que as PNADs (Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar) poderiam suprir a falta do Censo, mas quem é do ramo sabe da impossibilidade de se obter dados cobrindo todo o país a partir de uma pesquisa por amostragem. E mais um ponto é esquecido, a amostra da PNADC (PNAD Contínua) foi definida a partir da base de dados do Censo 2010 e é, fundamental, que se tenha um novo censo para se ter uma amostra atualizada. Dentro da lógica de um sistema estatístico não é possível eliminar uma pesquisa que forneça um cadastro de onde se possa extrair as amostras.

A crise de 2016, as consequências do processo de impeachment da presidente Dilma, os anos críticos e escandalosos (do ponto de vista político e empresarial) sob o comando do Temer e os desajustes evidentes da condução econômica da equipe do Bolsonaro são impossíveis de serem compreendidos em seus impactos sobre a população, se não fizermos novamente um levantamento extensivo de informações sobre a qualidade de vida, a administração urbana e todos os outros dados que nos ajudam a enxergar se estamos sendo capazes de considerar as reais necessidades em cada município do Brasil.

2021 não facilitou essa decisão. Continuamos sob as incertezas da pandemia. As famílias estão instáveis e confundidas pelas mortes e internações dos parentes, a necessidade de isolamento social, a vacinação em ritmo lento, o debacle econômico, as dúvidas do cenário político, os absurdos proferidos continuamente pelo líder da nação. E, pior, mais de um ano depois de precisar acionar o exército de recenseadores por todo o país, o IBGE mantém-se pouco transparente com relação ao planejamento e execução do Censo 2020 (!) (ora 2021), não promoveu uma discussão com a sociedade sobre a nova realidade e não esclarece o que a redução dos recursos colocados à disposição do trabalho poderá ocasionar na qualidade e abrangência do levantamento.

A manutenção do ritmo de coleta e publicação dos dados censitários é fundamental para basear o processo de planejamento e gestão da sociedade nos seus mais diversos âmbitos. Mas ele pressupõe que o momento da coleta represente seu instante e o período decenal (ou um pouco estendido, em nosso caso) que o antecedeu, estável minimamente para promover a visão histórica que gostaríamos. Porém, o que a pandemia do COVID-19 trouxe e principalmente seu momento atual, de crise sanitária, econômica, política e institucional, é sem precedentes e é óbvio que as condições pioraram muito, no contexto social, para um levantamento demográfico tão importante.

O fato é que a realização do Censo em uma situação como a atual, com mais uma redução em seu orçamento, poderá ser pior do que a sua não efetivação. A pandemia transformou os domicílios. Há separação de familiares, migrações levando a uma forte mudança na distribuição da população das cidades, desesperos econômicos por um lado, boom imobiliário em pequenas regiões por outro, e a impossibilidade de avaliação das rendas familiares com as ajudas do tipo vaga-lume oferecidas pelo governo federal para aliviar a situação das famílias. Sem falar do cenário econômico catastrófico, dos reajustes escandalosos de preços básicos da economia e da lerdeza dos indicadores diários em refletir o caos social em que o Brasil se transformou.

A foto de hoje, no olho do furacão, não nos permitirá obter todos os dados que permitam uma visão clara e atualizada do que precisamos para planejar o país para os próximos anos. Em agosto de 2022 a vacinação em duas doses terá atingido parcela suficiente da população para que a dinâmica social e econômica tenha sido retomada, mesmo com os graves problemas logísticos que vivenciamos, e assim poderemos retomar uma coleta com excelência, como o passado do IBGE sempre consagrou.

Esta reflexão sugere uma proposta de posicionamento em prol de um novo adiamento do Censo Demográfico, para 2022. Com a abertura imediata de discussões amplas sobre o que mais deveria ser considerado no primeiro Censo em condições de pós pandemia.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.