Lucas dos Santos Clemente, Graduando em Administração Pública e Consultor na Empresa Júnior da FGV EAESP
A segurança pública se estampa na garantia da proteção aos direitos individuais dos cidadãos. Em uma sociedade, para que o indivíduo possa conviver de maneira civilizada e possa usufruir de seus prazeres e direitos pessoais, o Estado se responsabiliza pela salvaguarda da preservação do tecido social, através do monopólio legítimo do uso da força. Por meio dessa definição, exposta por Max Weber, o emprego da coerção é uma função de competência reservada aos agentes estatais e não às entidades ou organizações sociais.
Apesar da prerrogativa weberiana que é implementada no corpo civil brasileiro, o sentimento de insegurança paira de maneira recorrente no dia a dia, enriquecendo um cenário indesejado, com altos índices de homicídios, furtos e violências das mais diversas naturezas. Para legitimar essa alegação, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cerca de um a cada cinco homicídios no mundo são praticados dentro do território brasileiro, enquanto o número de roubos em residências, instituições financeiras e estabelecimentos comerciais, durante o período de 2021, ainda se assentou em patamares elevados.
Tendo em vista essa problemática estrutural do Estado brasileiro, a sensação de insegurança nos grandes centros urbanos, a depredação do espaço público, a ineficiência preventiva das instituições responsáveis, superlotação dos presídios, rebeliões e a morosidade judicial surgem como afluentes do problema da segurança. Nessa perspectiva, serão analisados os programas utilizados para inibir a crescente vulnerabilidade social da população frente ao crime e à violência dos governos Lula e Bolsonaro.
No cenário eleitoral de 2018, o debate da segurança pública se tornou um dos principais agentes para a campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro. Dentro da conjuntura apontada pelo candidato, a força policial deveria ser colocada em pé de igualdade com o poderio do crime organizado. Em seu futuro plano de governo, foram apresentadas diversas medidas para reduzir os homicídios, estupros, roubos e outros crimes, que incluíam o investimento em equipamentos de tecnologia, inteligência e capacidade investigativa do corpo policial, o fim das progressões de penas e saídas sazonais, a redução da maioridade penal para a idade mínima de 16 anos e a reformulação do Estatuto do Desarmamento, cujo desígnio elementar se resumia na garantia do direito do cidadão à legítima defesa pessoal e de seus familiares.
A implementação desse pacote de medidas ainda teria um longo caminho pela frente, com exceção da ampliação do acesso às armas de fogo, carregando a principal confluência entre os elementos de projeto de governo propostos na campanha eleitoral e a sua prática efetiva.
Foram mais de trinta atos normativos que permitiram, além do acesso facilitado ao porte de armas, a ampliação na quantidade de armas de fogo que os cidadãos comuns poderiam adquirir e a progressão nos calibres liberados para os CACs.
Também, dando andamento às implementações ofertadas durante sua campanha eleitoral, o governo encaminhou ao Congresso Nacional o chamado Projeto de Lei Anticrime. Da maneira como foi aprovado pelo corpo parlamentar, o projeto continha uma série de medidas que visavam combater de maneira assídua o crime organizado, o tráfico de drogas, a atuação das milícias privadas e os crimes hediondos, igualmente incrementando a investigação criminal. Apesar de trazer à tona uma parte do projeto de governo bolsonarista, houve uma ligeira desidratação da proposta encaminhada inicialmente.
Ainda ocupando o cargo de Ministro da Justiça na época, Sérgio Moro relatou que itens considerados elementares no pacote foram retirados do texto, como a condenação em segunda instância, o chamado excludente de ilicitude, que exclui a culpabilidade dos agentes policiais em condutas tidas como ilegais em determinadas circunstâncias, e a licença para a gravação das conversas entre detentos e advogados. Cabe salientar que a Câmara também aprovou a criação da figura do "juiz de garantia", que passava a ser o responsável pelo controle da legalidade na investigação criminal e pela salvaguarda das investigações, da garantia da legalidade no processo e do cumprimento dos direitos dos suspeitos ou réus.
Se, por um lado, o projeto aprovado pelo Parlamento diluiu o fio ideológico que o texto trazia consigo, por outro, o número de homicídios vem caindo no país nesses últimos anos. Ao ser estabelecido como referencial internacional para avaliar os valores da violência e criminalidade, a taxa de homicídios brasileira, entre 2019 e 2021, entrou em uma tendência de queda, cujo início já se apresentava no último trimestre de 2018. Mesmo com leves crescimentos em 2020, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública afirma que o número de homicídios em 2021 caiu em sete pontos percentuais frente ao ano anterior.
Entretanto, segundo um consenso dos pesquisadores da área, esse recorte nos índices não traz uma conexão com as movimentações federais. Os fatores que intervieram diretamente nessa redução são diversos e incluem as ações conduzidas pelos Estados e Distrito Federal e, principalmente, as modificações na dinâmica da criminalidade organizada, sugestionada pela redução da conflituosidade entre as facções com maior controle dentro do crime organizado brasileiro: o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital.
Na tentativa de retomar uma parte do seu projeto instaurado em 2007, o atual governo Lula lançou uma segunda edição do Pronasci, o qual, segundo o Ministro Flávio Dino, visa a combater a violência contra mulheres, o racismo estrutural, apoiar as vítimas de violências, formular novas políticas para presos e pessoas privadas de liberdade e, por fim, fortificar a atuação nos territórios, na busca da garantia da paz e cidadania.
Essa atualização do Pronasci, na perspectiva do governo, fomenta políticas de segurança com um viés de cidadania, na tentativa de incluir presos e egressos nas formas de ensino formal e no trabalho profissionalizante, além do suporte às vítimas da criminalidade e do combate ao racismo estrutural.
O que se constata no escopo de atuação do programa é uma abstração frente às terminologias utilizadas e aos campos de atuação que as medidas serão destinadas. No projeto, não são mencionadas questões como o combate ao crime organizado, direcionando, inclusive, uma crítica substancial ao corpo policial.
A desconsideração de uma estratégia direta de combate, que parte da repreensão armada aos grupos criminosos, foi um dos elementos de crítica de Sérgio Moro, antigo Ministro da Justiça. Segundo ele, o Pronasci não teria trazido resultados efetivos à segurança pública no passado, pois o regime de conciliação entre os Estados e municípios, que arquitetava uma conexão no combate ao crime organizado, não observou problemas crônicos da segurança pública nacional.
Na contramão, o Secretário Nacional de Segurança Pública, Antonio Carlos Biscaia, reforçou os avanços obtidos dentro do processo de integração no planejamento das medidas de prevenção, de gestão de programas de inteligência e na formação dos policiais. Mesmo com esse argumento de credibilidade produzido pela implementação do programa no passado, a proposta de incremento do Pronasci no presente não passa uma mensagem clara sobre os mecanismos que serão utilizados no combate à violência urbana e ao crime organizado, em especial ao tráfico de drogas.