BRASÍLIA – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes afirmou que declarações do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a minuta que supostamente decretaria um golpe no Brasil em 2022 “parece” uma confissão de que ele sabia da existência do documento.
No domingo, 25, em manifestação convocada por Bolsonaro na Avenida Paulista, o ex-presidente negou que tenha ocorrido uma tentativa de golpe de Estado e citou o documento, encontrado nas investigações da Polícia Federal (PF). “Agora o golpe é porque tem uma minuta de um decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição?”, questionou Bolsonaro. O ex-chefe do Executivo ainda disse que é “o Parlamento que decide se o presidente pode ou não editar um decreto de estado de sítio”.
Questionado pelo Estadão/Broadcast, se via a declaração como uma confissão, Mendes respondeu: “Parece que sim. Que todos sabiam”. Ele também falou sobre a repactuação dos acordos de leniência e as mudanças no marco temporal feitas pelo Congresso.
Na avaliação do ministro, o ex-presidente saiu de uma situação de “possível autor intelectual para pretenso autor material” da tentativa de golpe de Estado. “Temos esses dados e por isso talvez ele decidiu fazer esse movimento, para mostrar que tem apoio popular, que continua relevante na opinião pública. Isso não muda uma linha em relação às investigações, nem muda qualquer juízo ou entendimento do STF”, afirmou.
O ministro acrescentou que há elementos “severos que indicam intuitos golpistas” e que precisam ser aprofundados. “Tenho certeza de que, no momento em que estamos falando, a Polícia Federal está muito avante”, completou.
Anistia pelo 8 de Janeiro ‘não faz menor sentido’
Sobre a proposta de anistia para os investigados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, defendida por Bolsonaro na Paulista, Gilmar disse que a discussão “não faz o menor sentido”. “Estamos falando da ameaça mais grave à democracia em todos esses anos pós-ditadura. Aqueles que tiveram participação menor no evento já foram consagrados com medidas muito mais leves. A maioria dessas pessoas foi liberada. Essa dosimetria a Justiça já está fazendo”, disse o ministro.
Gilmar Mendes, ministro do STF
O Senado realiza uma consulta pública sobre um projeto de lei de autoria do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) que concede o perdão aos envolvidos no ato. Há quase 1 milhão de votos e maioria apertada contra a anistia.
MPF tinha ‘elemento de coerção perfeito’ na Lava Jato
O ministro do Supremo disse também que o Ministério Público Federal (MPF) tinha o “elemento de coerção perfeito” para firmar os acordos de leniência no âmbito da Lava Jato: “eles tinham delação e podiam prender”. De acordo com Gilmar Mendes, o ambiente para a pactuação dos acordos era “muito promíscuo, muito ruim, e, claro, havia uma ambiência de coerção”.
O ministro voltou a dizer que o MPF não tem competência para pactuar esse tipo de acordo. “Se formos rigorosos, os acordos com o Ministério Público não subsistem.” Ele avalia, contudo, que “há acúmulos” de acordos com outras instituições, como Controladoria-Geral da União (CGU) e Advocacia-Geral da União (AGU), que podem ser mantidos.
“Se o MPF faz um acordo de R$ 1,2 bilhão e a CGU e a AGU fazem acordos de R$ 800 milhões, não temos soma. Ao final, fica R$ 1,2 bilhão como teto do acordo”, explicou.
No caso dos acordos com CGU e AGU, o ministro disse que esse debate ainda vai ser aprofundado pelo Supremo. Ele avalia que a Corte está “tendo uma rara oportunidade de discutir essa questão com profundidade” a partir das decisões dos ministros Dias Toffoli e André Mendonça de suspender o pagamento das multas impostas às empresas e autorizar a renegociação dos pactos firmados no âmbito da Lava Jato.
Decisão do STF sobre marco temporal vai prevalecer ‘sem dúvida nenhuma’
Para Gilmar Mendes, “sem dúvida nenhuma” vai prevalecer a decisão da Corte que invalidou a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Mas o ministro ponderou que outros trechos da lei aprovada no Congresso sobre o marco temporal podem ser mantidos.
“Recentemente, o Tribunal já firmou a invalidade do marco temporal, mas ali há outras normas procedimentais que estão sendo questionadas. Isso é o que chamamos de diálogo institucional. O Congresso deu avanços, também, em relação aos procedimentos de demarcação”, afirmou.
Gilmar é relator de três ações que têm como objeto o projeto de lei que institui o marco temporal. De acordo com a tese, só poderiam ser demarcadas as terras que estavam ocupadas por povos indígenas na data da promulgação da Constituição, em 1988.
Gilmar Mendes, ministro do STF
O Congresso aprovou o texto uma semana após o STF se manifestar pela inconstitucionalidade do marco temporal. Depois, partidos voltaram a acionar o Supremo para questionar ou pedir a validação da lei.
Duas das ações, propostas por uma entidade indígena e partidos de esquerda, pedem que a Corte reafirme seu entendimento sobre a inconstitucionalidade da tese. Também há uma ação proposta por PL, PP e Republicanos que pede para o Supremo declarar a validade da lei do marco temporal.