Golpistas que invadiram Poderes reproduziram frases literais de Bolsonaro; veja vídeo


Análise de mais de 30 horas de gravações mostra que extremistas repetiram manifestações do ex-presidente

Por Julia Affonso, Daniel Weterman e Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA – A tomada das sedes dos três Poderes por uma horda radical, no último dia 8, seguiu um roteiro de ideias disseminadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao longo de mais de cinco meses. “Deus, Pátria, família, liberdade”, disse Bolsonaro, várias vezes, durante o mandato. “A nossa bandeira jamais será vermelha”. Gritos de guerra como estes, pichações e até vestimentas de golpistas que destruíram prédios públicos ecoaram a voz de Bolsonaro.

O Estadão analisou mais de 30 horas de vídeos gravados e divulgados pelos extremistas no domingo e encontrou, durante os ataques, reproduções literais de mensagens propagadas pelo ex-presidente.

O material disponível nas redes sociais demonstra que o discurso de Bolsonaro na convenção do PL, em 24 de julho, foi o estopim da marcha que resultou nas invasões e destruições de áreas do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).

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Naquele dia, o então presidente se lançou à reeleição e, classificando os apoiadores como “exército”, puxou um juramento. “Repitam aí: ‘Eu juro dar minha vida pela minha liberdade’”, pediu ele. Todos repetiram a mensagem em coro. “Mais uma vez...”, apelou Bolsonaro, incentivando a plateia a falar ainda mais alto.

Da convenção do PL aos atos de violência do último dia 8, um período de cinco meses, Bolsonaro repetiu um roteiro de como questionar o processo eleitoral. A ofensiva estimulou a base radical a intensificar investidas contra as instituições e terminou em atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes.

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Os vídeos mostram que a estratégia de Bolsonaro teve o efeito de inflamar a militância radical. “Se eu não for eleito com 60% dos votos no primeiro turno, algo de errado ocorreu no TSE”, disse ele ao SBT, em 19 de setembro, numa referência ao Tribunal Superior Eleitoral.

A narrativa reverberou no dia 8, durante a tentativa de golpe. “Fomos roubados. Fomos roubados descaradamente”, gritou Fabrizio Cisneros, que invadiu o Supremo usando um boné com o nome do ex-presidente.

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Bolsonaro passou para o segundo turno das eleições em desvantagem. Às vésperas da votação, surgiu com novas denúncias sem lastro contra o TSE. O ataque apontava fraudes em inserções da propaganda eleitoral em rádios. Não era verdade. Em muitos casos, sua própria campanha deixou de enviar os programas no período correto. “Realmente, é um enorme desequilíbrio no tocante às inserções e, obviamente, interfere na quantidade de votos no final da linha”, disse o então presidente, na ocasião.

Nos atos de destruição do último dia 8, o TSE apareceu nos discursos e a versão falsa de “fraude” foi o gatilho incentivador dos ataques. No segundo andar do Palácio do Planalto, extremistas penduraram uma faixa com a seguinte mensagem: “Queremos eleições livres, auditáveis e transparentes.”

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Com a derrota, Bolsonaro mergulhou no silêncio e se isolou de aliados. A partir de 2 de novembro, apoiadores do ex-presidente se mobilizaram em acampamentos, em frente a quartéis do Exército, atraindo caravanas para Brasília. Recluso, Bolsonaro não reprovou discursos golpistas dos manifestantes, o que foi interpretado por apoiadores radicais como incentivo para a ação. Os acampamentos cresceram, houve bloqueios de estradas e ameaça de fechamento de empresas.

Em 9 de dezembro, Bolsonaro rompeu o silêncio e saiu para falar com simpatizantes que se deslocaram do Quartel-General do Exército até o Palácio da Alvorada. “Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vão a Câmara e o Senado são vocês também”, afirmou Bolsonaro.

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Mais uma vez, o recado foi lido como incentivo para o ataque. O discurso foi citado no dia 8 por Ana Priscila Azevedo, uma das golpistas que acabou presa por invadir as sedes dos três Poderes e anunciar a intenção de “sitiar” Brasília.

“Eu postei lá dentro do Telegram um vídeo do presidente Bolsonaro, deve ter mais ou menos uns três minutos. Ele conta que as Forças Armadas nunca vão dar um golpe”, disse Ana Priscila durante o protesto. “Tudo parte do povo. Nós, o povo, é que temos as rédeas, o controle da situação nas nossas mãos. É por isso que vamos sitiar Brasília, porque estão chegando caravanas do Brasil inteiro. Nós vamos cercar os Três Poderes”, anunciou a extremista durante reunião preparatória para os atos.

Ainda naquele 9 de dezembro, Bolsonaro apelou para que seus apoiadores não desistissem e nem criticassem suas próximas ações. “O poder emana do povo” e “Mais importante do que a vida é a liberdade” foram algumas das frases usadas pelo então presidente e repetidas depois por extremistas. Na invasão de 8 de janeiro, os bolsonaristas também recorreram a um verso do Hino da Independência: “Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil”.

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Em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, Bolsonaro voltou a interagir com simpatizantes no Alvorada. Naquele dia, o indígena José Acácio Serere Xavante, que se apresenta como cacique do Povo Xavante, havia sido preso pela Polícia Federal. O episódio provocou uma série de ataques à sede da corporação, em Brasília.

Na última live que fez no Alvorada, em 30 de dezembro, momentos antes de sair do Brasil, Bolsonaro repetiu o discurso dúbio dirigido aos apoiadores. Ao mesmo tempo em que disse não estimular confronto, o então presidente elogiou a empreitada golpista na porta do QG do Exército, em Brasília.

“Tenham certeza, não vai demorar muito tempo, o Brasil vai voltar no eixo da normalidade, da prosperidade, da ordem, do progresso, do respeito, do amor à sua bandeira. O Brasil não sucumbirá”, afirmou Bolsonaro. “Acreditem vocês como foi difícil ficar dois meses calado, trabalhando para buscar alternativas.”

Oficiais-generais ouvidos pelo Estadão relataram que, nos dias que antecederam a viagem de Bolsonaro para os Estados Unidos, ele recebeu inúmeros pedidos para que liderasse uma ruptura, vindos especialmente de deputados, senadores e ex-ministros.

“Você manda”, “Você tem o poder” foram as frases mais ouvidas pelo então presidente. Onix Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e candidato derrotado ao governo gaúcho, e Gilson Machado, ex-presidente da Embratur, que perdeu a disputa para o Senado, também estiveram com Bolsonaro no Alvorada e o incentivaram a questionar o resultado das eleições. O Estadão apurou que após esses encontros, em mais de uma ocasião Bolsonaro reclamou: “Esses caras ficam buzinando na minha cabeça.”

Após fazer a última transmissão nas redes sociais como chefe do Executivo, ele pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e foi para Orlando. No território norte-americano, Bolsonaro continuou se comunicando com apoiadores. Divulgou vídeos nas redes andando pela rua de um condomínio e fazendo compras no supermercado. As atitudes foram recebidas por extremistas como recado para que eles não desistissem do movimento.

Dias antes das cenas de terror em Brasília, Bolsonaro recebeu uma admiradora em Orlando e disse a ela que “o melhor está por vir”. Manifestantes radicais que foram às ruas falavam abertamente na volta de Bolsonaro ao poder. “É isso aí, Jair Messias Bolsonaro. Você vai estar voltando para essa Nação para continuar seu governo”, disse o missionário Felício Quitito, após invadir o plenário do Senado.

Pessoas ligadas a Bolsonaro também participaram do ato extremista. Entre eles, Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, primo dos filhos do ex-presidente; o general da reserva Ridauto Lucio Fernandes, que ocupou uma diretoria do Ministério da Saúde no governo, e a deputada eleita Silvia Waiãpi (PL-AP), investigada por participar de vandalismo.

Depois da invasão e da destruição, Bolsonaro divulgou um vídeo nas redes no qual um procurador fazia a seguinte afirmação: “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e TSE”.

A publicação foi apagada em seguida. No dia 8, um dos extremistas publicou o vídeo da invasão no TikTok com a manifestação de Bolsonaro ao fundo. “Ah, se vocês soubessem o poder que vocês têm, o poder de mudar o mundo e transformar o nosso Brasil”, dizia o ex-presidente.

A frase foi retirada de um discurso do ex-presidente durante um culto com pastores, no Palácio do Planalto, em dezembro de 2019. O mesmo áudio foi compartilhado em manifestações anteriores por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais.

Professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e um dos coordenadores do Observatório da Extrema-Direita, Odilon Caldeira disse que a atuação de Bolsonaro no governo influenciou a tentativa de golpe, no último dia 8.

“É impossível dissociar a existência de uma interface entre mobilizadores e financiadores do processo bolsonarista”, afirmou Caldeira. “Esses grupos têm origem fundamentalmente bolsonarista e foram mobilizados ao longo dos últimos anos. Até semanas atrás, a convocação política era atribuída a Jair Bolsonaro. É necessário tomar isso em conta.”

Veja as frases de Bolsonaro reproduzidas por extremistas:

Bolsonaro: “Todo poder emana do povo”

Golpistas ao invadir o Congresso gritam: “Todo poder emana do povo”

Bolsonaro: “Eu juro dar a vida pela minha liberdade”

Plateia na convenção do PL: “Eu juro dar a vida pela minha liberdade”

Bolsonaro: “Deus, Pátria, Família, Liberdade”

Extremistas na Praça dos Três Poderes e ao tomar o Congresso: “Deus, Pátria, Família, Liberdade”

Bolsonaro: “A nossa bandeira jamais será vermelha!”

Extremistas ao invadir o Planalto: “A nossa bandeira jamais será vermelha!”

Bolsonaro: “Feliz é a Nação cujo Deus é o Senhor”

Golpistas na depredação do Supremo Tribunal Federal: “Feliz é a Nação cujo Deus é o Senhor”

BRASÍLIA – A tomada das sedes dos três Poderes por uma horda radical, no último dia 8, seguiu um roteiro de ideias disseminadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao longo de mais de cinco meses. “Deus, Pátria, família, liberdade”, disse Bolsonaro, várias vezes, durante o mandato. “A nossa bandeira jamais será vermelha”. Gritos de guerra como estes, pichações e até vestimentas de golpistas que destruíram prédios públicos ecoaram a voz de Bolsonaro.

O Estadão analisou mais de 30 horas de vídeos gravados e divulgados pelos extremistas no domingo e encontrou, durante os ataques, reproduções literais de mensagens propagadas pelo ex-presidente.

O material disponível nas redes sociais demonstra que o discurso de Bolsonaro na convenção do PL, em 24 de julho, foi o estopim da marcha que resultou nas invasões e destruições de áreas do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Naquele dia, o então presidente se lançou à reeleição e, classificando os apoiadores como “exército”, puxou um juramento. “Repitam aí: ‘Eu juro dar minha vida pela minha liberdade’”, pediu ele. Todos repetiram a mensagem em coro. “Mais uma vez...”, apelou Bolsonaro, incentivando a plateia a falar ainda mais alto.

Da convenção do PL aos atos de violência do último dia 8, um período de cinco meses, Bolsonaro repetiu um roteiro de como questionar o processo eleitoral. A ofensiva estimulou a base radical a intensificar investidas contra as instituições e terminou em atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes.

Os vídeos mostram que a estratégia de Bolsonaro teve o efeito de inflamar a militância radical. “Se eu não for eleito com 60% dos votos no primeiro turno, algo de errado ocorreu no TSE”, disse ele ao SBT, em 19 de setembro, numa referência ao Tribunal Superior Eleitoral.

A narrativa reverberou no dia 8, durante a tentativa de golpe. “Fomos roubados. Fomos roubados descaradamente”, gritou Fabrizio Cisneros, que invadiu o Supremo usando um boné com o nome do ex-presidente.

Bolsonaro passou para o segundo turno das eleições em desvantagem. Às vésperas da votação, surgiu com novas denúncias sem lastro contra o TSE. O ataque apontava fraudes em inserções da propaganda eleitoral em rádios. Não era verdade. Em muitos casos, sua própria campanha deixou de enviar os programas no período correto. “Realmente, é um enorme desequilíbrio no tocante às inserções e, obviamente, interfere na quantidade de votos no final da linha”, disse o então presidente, na ocasião.

Nos atos de destruição do último dia 8, o TSE apareceu nos discursos e a versão falsa de “fraude” foi o gatilho incentivador dos ataques. No segundo andar do Palácio do Planalto, extremistas penduraram uma faixa com a seguinte mensagem: “Queremos eleições livres, auditáveis e transparentes.”

Com a derrota, Bolsonaro mergulhou no silêncio e se isolou de aliados. A partir de 2 de novembro, apoiadores do ex-presidente se mobilizaram em acampamentos, em frente a quartéis do Exército, atraindo caravanas para Brasília. Recluso, Bolsonaro não reprovou discursos golpistas dos manifestantes, o que foi interpretado por apoiadores radicais como incentivo para a ação. Os acampamentos cresceram, houve bloqueios de estradas e ameaça de fechamento de empresas.

Em 9 de dezembro, Bolsonaro rompeu o silêncio e saiu para falar com simpatizantes que se deslocaram do Quartel-General do Exército até o Palácio da Alvorada. “Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vão a Câmara e o Senado são vocês também”, afirmou Bolsonaro.

Mais uma vez, o recado foi lido como incentivo para o ataque. O discurso foi citado no dia 8 por Ana Priscila Azevedo, uma das golpistas que acabou presa por invadir as sedes dos três Poderes e anunciar a intenção de “sitiar” Brasília.

“Eu postei lá dentro do Telegram um vídeo do presidente Bolsonaro, deve ter mais ou menos uns três minutos. Ele conta que as Forças Armadas nunca vão dar um golpe”, disse Ana Priscila durante o protesto. “Tudo parte do povo. Nós, o povo, é que temos as rédeas, o controle da situação nas nossas mãos. É por isso que vamos sitiar Brasília, porque estão chegando caravanas do Brasil inteiro. Nós vamos cercar os Três Poderes”, anunciou a extremista durante reunião preparatória para os atos.

Ainda naquele 9 de dezembro, Bolsonaro apelou para que seus apoiadores não desistissem e nem criticassem suas próximas ações. “O poder emana do povo” e “Mais importante do que a vida é a liberdade” foram algumas das frases usadas pelo então presidente e repetidas depois por extremistas. Na invasão de 8 de janeiro, os bolsonaristas também recorreram a um verso do Hino da Independência: “Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil”.

Em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, Bolsonaro voltou a interagir com simpatizantes no Alvorada. Naquele dia, o indígena José Acácio Serere Xavante, que se apresenta como cacique do Povo Xavante, havia sido preso pela Polícia Federal. O episódio provocou uma série de ataques à sede da corporação, em Brasília.

Na última live que fez no Alvorada, em 30 de dezembro, momentos antes de sair do Brasil, Bolsonaro repetiu o discurso dúbio dirigido aos apoiadores. Ao mesmo tempo em que disse não estimular confronto, o então presidente elogiou a empreitada golpista na porta do QG do Exército, em Brasília.

“Tenham certeza, não vai demorar muito tempo, o Brasil vai voltar no eixo da normalidade, da prosperidade, da ordem, do progresso, do respeito, do amor à sua bandeira. O Brasil não sucumbirá”, afirmou Bolsonaro. “Acreditem vocês como foi difícil ficar dois meses calado, trabalhando para buscar alternativas.”

Oficiais-generais ouvidos pelo Estadão relataram que, nos dias que antecederam a viagem de Bolsonaro para os Estados Unidos, ele recebeu inúmeros pedidos para que liderasse uma ruptura, vindos especialmente de deputados, senadores e ex-ministros.

“Você manda”, “Você tem o poder” foram as frases mais ouvidas pelo então presidente. Onix Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e candidato derrotado ao governo gaúcho, e Gilson Machado, ex-presidente da Embratur, que perdeu a disputa para o Senado, também estiveram com Bolsonaro no Alvorada e o incentivaram a questionar o resultado das eleições. O Estadão apurou que após esses encontros, em mais de uma ocasião Bolsonaro reclamou: “Esses caras ficam buzinando na minha cabeça.”

Após fazer a última transmissão nas redes sociais como chefe do Executivo, ele pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e foi para Orlando. No território norte-americano, Bolsonaro continuou se comunicando com apoiadores. Divulgou vídeos nas redes andando pela rua de um condomínio e fazendo compras no supermercado. As atitudes foram recebidas por extremistas como recado para que eles não desistissem do movimento.

Dias antes das cenas de terror em Brasília, Bolsonaro recebeu uma admiradora em Orlando e disse a ela que “o melhor está por vir”. Manifestantes radicais que foram às ruas falavam abertamente na volta de Bolsonaro ao poder. “É isso aí, Jair Messias Bolsonaro. Você vai estar voltando para essa Nação para continuar seu governo”, disse o missionário Felício Quitito, após invadir o plenário do Senado.

Pessoas ligadas a Bolsonaro também participaram do ato extremista. Entre eles, Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, primo dos filhos do ex-presidente; o general da reserva Ridauto Lucio Fernandes, que ocupou uma diretoria do Ministério da Saúde no governo, e a deputada eleita Silvia Waiãpi (PL-AP), investigada por participar de vandalismo.

Depois da invasão e da destruição, Bolsonaro divulgou um vídeo nas redes no qual um procurador fazia a seguinte afirmação: “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e TSE”.

A publicação foi apagada em seguida. No dia 8, um dos extremistas publicou o vídeo da invasão no TikTok com a manifestação de Bolsonaro ao fundo. “Ah, se vocês soubessem o poder que vocês têm, o poder de mudar o mundo e transformar o nosso Brasil”, dizia o ex-presidente.

A frase foi retirada de um discurso do ex-presidente durante um culto com pastores, no Palácio do Planalto, em dezembro de 2019. O mesmo áudio foi compartilhado em manifestações anteriores por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais.

Professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e um dos coordenadores do Observatório da Extrema-Direita, Odilon Caldeira disse que a atuação de Bolsonaro no governo influenciou a tentativa de golpe, no último dia 8.

“É impossível dissociar a existência de uma interface entre mobilizadores e financiadores do processo bolsonarista”, afirmou Caldeira. “Esses grupos têm origem fundamentalmente bolsonarista e foram mobilizados ao longo dos últimos anos. Até semanas atrás, a convocação política era atribuída a Jair Bolsonaro. É necessário tomar isso em conta.”

Veja as frases de Bolsonaro reproduzidas por extremistas:

Bolsonaro: “Todo poder emana do povo”

Golpistas ao invadir o Congresso gritam: “Todo poder emana do povo”

Bolsonaro: “Eu juro dar a vida pela minha liberdade”

Plateia na convenção do PL: “Eu juro dar a vida pela minha liberdade”

Bolsonaro: “Deus, Pátria, Família, Liberdade”

Extremistas na Praça dos Três Poderes e ao tomar o Congresso: “Deus, Pátria, Família, Liberdade”

Bolsonaro: “A nossa bandeira jamais será vermelha!”

Extremistas ao invadir o Planalto: “A nossa bandeira jamais será vermelha!”

Bolsonaro: “Feliz é a Nação cujo Deus é o Senhor”

Golpistas na depredação do Supremo Tribunal Federal: “Feliz é a Nação cujo Deus é o Senhor”

BRASÍLIA – A tomada das sedes dos três Poderes por uma horda radical, no último dia 8, seguiu um roteiro de ideias disseminadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao longo de mais de cinco meses. “Deus, Pátria, família, liberdade”, disse Bolsonaro, várias vezes, durante o mandato. “A nossa bandeira jamais será vermelha”. Gritos de guerra como estes, pichações e até vestimentas de golpistas que destruíram prédios públicos ecoaram a voz de Bolsonaro.

O Estadão analisou mais de 30 horas de vídeos gravados e divulgados pelos extremistas no domingo e encontrou, durante os ataques, reproduções literais de mensagens propagadas pelo ex-presidente.

O material disponível nas redes sociais demonstra que o discurso de Bolsonaro na convenção do PL, em 24 de julho, foi o estopim da marcha que resultou nas invasões e destruições de áreas do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Naquele dia, o então presidente se lançou à reeleição e, classificando os apoiadores como “exército”, puxou um juramento. “Repitam aí: ‘Eu juro dar minha vida pela minha liberdade’”, pediu ele. Todos repetiram a mensagem em coro. “Mais uma vez...”, apelou Bolsonaro, incentivando a plateia a falar ainda mais alto.

Da convenção do PL aos atos de violência do último dia 8, um período de cinco meses, Bolsonaro repetiu um roteiro de como questionar o processo eleitoral. A ofensiva estimulou a base radical a intensificar investidas contra as instituições e terminou em atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes.

Os vídeos mostram que a estratégia de Bolsonaro teve o efeito de inflamar a militância radical. “Se eu não for eleito com 60% dos votos no primeiro turno, algo de errado ocorreu no TSE”, disse ele ao SBT, em 19 de setembro, numa referência ao Tribunal Superior Eleitoral.

A narrativa reverberou no dia 8, durante a tentativa de golpe. “Fomos roubados. Fomos roubados descaradamente”, gritou Fabrizio Cisneros, que invadiu o Supremo usando um boné com o nome do ex-presidente.

Bolsonaro passou para o segundo turno das eleições em desvantagem. Às vésperas da votação, surgiu com novas denúncias sem lastro contra o TSE. O ataque apontava fraudes em inserções da propaganda eleitoral em rádios. Não era verdade. Em muitos casos, sua própria campanha deixou de enviar os programas no período correto. “Realmente, é um enorme desequilíbrio no tocante às inserções e, obviamente, interfere na quantidade de votos no final da linha”, disse o então presidente, na ocasião.

Nos atos de destruição do último dia 8, o TSE apareceu nos discursos e a versão falsa de “fraude” foi o gatilho incentivador dos ataques. No segundo andar do Palácio do Planalto, extremistas penduraram uma faixa com a seguinte mensagem: “Queremos eleições livres, auditáveis e transparentes.”

Com a derrota, Bolsonaro mergulhou no silêncio e se isolou de aliados. A partir de 2 de novembro, apoiadores do ex-presidente se mobilizaram em acampamentos, em frente a quartéis do Exército, atraindo caravanas para Brasília. Recluso, Bolsonaro não reprovou discursos golpistas dos manifestantes, o que foi interpretado por apoiadores radicais como incentivo para a ação. Os acampamentos cresceram, houve bloqueios de estradas e ameaça de fechamento de empresas.

Em 9 de dezembro, Bolsonaro rompeu o silêncio e saiu para falar com simpatizantes que se deslocaram do Quartel-General do Exército até o Palácio da Alvorada. “Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vão a Câmara e o Senado são vocês também”, afirmou Bolsonaro.

Mais uma vez, o recado foi lido como incentivo para o ataque. O discurso foi citado no dia 8 por Ana Priscila Azevedo, uma das golpistas que acabou presa por invadir as sedes dos três Poderes e anunciar a intenção de “sitiar” Brasília.

“Eu postei lá dentro do Telegram um vídeo do presidente Bolsonaro, deve ter mais ou menos uns três minutos. Ele conta que as Forças Armadas nunca vão dar um golpe”, disse Ana Priscila durante o protesto. “Tudo parte do povo. Nós, o povo, é que temos as rédeas, o controle da situação nas nossas mãos. É por isso que vamos sitiar Brasília, porque estão chegando caravanas do Brasil inteiro. Nós vamos cercar os Três Poderes”, anunciou a extremista durante reunião preparatória para os atos.

Ainda naquele 9 de dezembro, Bolsonaro apelou para que seus apoiadores não desistissem e nem criticassem suas próximas ações. “O poder emana do povo” e “Mais importante do que a vida é a liberdade” foram algumas das frases usadas pelo então presidente e repetidas depois por extremistas. Na invasão de 8 de janeiro, os bolsonaristas também recorreram a um verso do Hino da Independência: “Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil”.

Em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, Bolsonaro voltou a interagir com simpatizantes no Alvorada. Naquele dia, o indígena José Acácio Serere Xavante, que se apresenta como cacique do Povo Xavante, havia sido preso pela Polícia Federal. O episódio provocou uma série de ataques à sede da corporação, em Brasília.

Na última live que fez no Alvorada, em 30 de dezembro, momentos antes de sair do Brasil, Bolsonaro repetiu o discurso dúbio dirigido aos apoiadores. Ao mesmo tempo em que disse não estimular confronto, o então presidente elogiou a empreitada golpista na porta do QG do Exército, em Brasília.

“Tenham certeza, não vai demorar muito tempo, o Brasil vai voltar no eixo da normalidade, da prosperidade, da ordem, do progresso, do respeito, do amor à sua bandeira. O Brasil não sucumbirá”, afirmou Bolsonaro. “Acreditem vocês como foi difícil ficar dois meses calado, trabalhando para buscar alternativas.”

Oficiais-generais ouvidos pelo Estadão relataram que, nos dias que antecederam a viagem de Bolsonaro para os Estados Unidos, ele recebeu inúmeros pedidos para que liderasse uma ruptura, vindos especialmente de deputados, senadores e ex-ministros.

“Você manda”, “Você tem o poder” foram as frases mais ouvidas pelo então presidente. Onix Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e candidato derrotado ao governo gaúcho, e Gilson Machado, ex-presidente da Embratur, que perdeu a disputa para o Senado, também estiveram com Bolsonaro no Alvorada e o incentivaram a questionar o resultado das eleições. O Estadão apurou que após esses encontros, em mais de uma ocasião Bolsonaro reclamou: “Esses caras ficam buzinando na minha cabeça.”

Após fazer a última transmissão nas redes sociais como chefe do Executivo, ele pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e foi para Orlando. No território norte-americano, Bolsonaro continuou se comunicando com apoiadores. Divulgou vídeos nas redes andando pela rua de um condomínio e fazendo compras no supermercado. As atitudes foram recebidas por extremistas como recado para que eles não desistissem do movimento.

Dias antes das cenas de terror em Brasília, Bolsonaro recebeu uma admiradora em Orlando e disse a ela que “o melhor está por vir”. Manifestantes radicais que foram às ruas falavam abertamente na volta de Bolsonaro ao poder. “É isso aí, Jair Messias Bolsonaro. Você vai estar voltando para essa Nação para continuar seu governo”, disse o missionário Felício Quitito, após invadir o plenário do Senado.

Pessoas ligadas a Bolsonaro também participaram do ato extremista. Entre eles, Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, primo dos filhos do ex-presidente; o general da reserva Ridauto Lucio Fernandes, que ocupou uma diretoria do Ministério da Saúde no governo, e a deputada eleita Silvia Waiãpi (PL-AP), investigada por participar de vandalismo.

Depois da invasão e da destruição, Bolsonaro divulgou um vídeo nas redes no qual um procurador fazia a seguinte afirmação: “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e TSE”.

A publicação foi apagada em seguida. No dia 8, um dos extremistas publicou o vídeo da invasão no TikTok com a manifestação de Bolsonaro ao fundo. “Ah, se vocês soubessem o poder que vocês têm, o poder de mudar o mundo e transformar o nosso Brasil”, dizia o ex-presidente.

A frase foi retirada de um discurso do ex-presidente durante um culto com pastores, no Palácio do Planalto, em dezembro de 2019. O mesmo áudio foi compartilhado em manifestações anteriores por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais.

Professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e um dos coordenadores do Observatório da Extrema-Direita, Odilon Caldeira disse que a atuação de Bolsonaro no governo influenciou a tentativa de golpe, no último dia 8.

“É impossível dissociar a existência de uma interface entre mobilizadores e financiadores do processo bolsonarista”, afirmou Caldeira. “Esses grupos têm origem fundamentalmente bolsonarista e foram mobilizados ao longo dos últimos anos. Até semanas atrás, a convocação política era atribuída a Jair Bolsonaro. É necessário tomar isso em conta.”

Veja as frases de Bolsonaro reproduzidas por extremistas:

Bolsonaro: “Todo poder emana do povo”

Golpistas ao invadir o Congresso gritam: “Todo poder emana do povo”

Bolsonaro: “Eu juro dar a vida pela minha liberdade”

Plateia na convenção do PL: “Eu juro dar a vida pela minha liberdade”

Bolsonaro: “Deus, Pátria, Família, Liberdade”

Extremistas na Praça dos Três Poderes e ao tomar o Congresso: “Deus, Pátria, Família, Liberdade”

Bolsonaro: “A nossa bandeira jamais será vermelha!”

Extremistas ao invadir o Planalto: “A nossa bandeira jamais será vermelha!”

Bolsonaro: “Feliz é a Nação cujo Deus é o Senhor”

Golpistas na depredação do Supremo Tribunal Federal: “Feliz é a Nação cujo Deus é o Senhor”

BRASÍLIA – A tomada das sedes dos três Poderes por uma horda radical, no último dia 8, seguiu um roteiro de ideias disseminadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao longo de mais de cinco meses. “Deus, Pátria, família, liberdade”, disse Bolsonaro, várias vezes, durante o mandato. “A nossa bandeira jamais será vermelha”. Gritos de guerra como estes, pichações e até vestimentas de golpistas que destruíram prédios públicos ecoaram a voz de Bolsonaro.

O Estadão analisou mais de 30 horas de vídeos gravados e divulgados pelos extremistas no domingo e encontrou, durante os ataques, reproduções literais de mensagens propagadas pelo ex-presidente.

O material disponível nas redes sociais demonstra que o discurso de Bolsonaro na convenção do PL, em 24 de julho, foi o estopim da marcha que resultou nas invasões e destruições de áreas do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Naquele dia, o então presidente se lançou à reeleição e, classificando os apoiadores como “exército”, puxou um juramento. “Repitam aí: ‘Eu juro dar minha vida pela minha liberdade’”, pediu ele. Todos repetiram a mensagem em coro. “Mais uma vez...”, apelou Bolsonaro, incentivando a plateia a falar ainda mais alto.

Da convenção do PL aos atos de violência do último dia 8, um período de cinco meses, Bolsonaro repetiu um roteiro de como questionar o processo eleitoral. A ofensiva estimulou a base radical a intensificar investidas contra as instituições e terminou em atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes.

Os vídeos mostram que a estratégia de Bolsonaro teve o efeito de inflamar a militância radical. “Se eu não for eleito com 60% dos votos no primeiro turno, algo de errado ocorreu no TSE”, disse ele ao SBT, em 19 de setembro, numa referência ao Tribunal Superior Eleitoral.

A narrativa reverberou no dia 8, durante a tentativa de golpe. “Fomos roubados. Fomos roubados descaradamente”, gritou Fabrizio Cisneros, que invadiu o Supremo usando um boné com o nome do ex-presidente.

Bolsonaro passou para o segundo turno das eleições em desvantagem. Às vésperas da votação, surgiu com novas denúncias sem lastro contra o TSE. O ataque apontava fraudes em inserções da propaganda eleitoral em rádios. Não era verdade. Em muitos casos, sua própria campanha deixou de enviar os programas no período correto. “Realmente, é um enorme desequilíbrio no tocante às inserções e, obviamente, interfere na quantidade de votos no final da linha”, disse o então presidente, na ocasião.

Nos atos de destruição do último dia 8, o TSE apareceu nos discursos e a versão falsa de “fraude” foi o gatilho incentivador dos ataques. No segundo andar do Palácio do Planalto, extremistas penduraram uma faixa com a seguinte mensagem: “Queremos eleições livres, auditáveis e transparentes.”

Com a derrota, Bolsonaro mergulhou no silêncio e se isolou de aliados. A partir de 2 de novembro, apoiadores do ex-presidente se mobilizaram em acampamentos, em frente a quartéis do Exército, atraindo caravanas para Brasília. Recluso, Bolsonaro não reprovou discursos golpistas dos manifestantes, o que foi interpretado por apoiadores radicais como incentivo para a ação. Os acampamentos cresceram, houve bloqueios de estradas e ameaça de fechamento de empresas.

Em 9 de dezembro, Bolsonaro rompeu o silêncio e saiu para falar com simpatizantes que se deslocaram do Quartel-General do Exército até o Palácio da Alvorada. “Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vão a Câmara e o Senado são vocês também”, afirmou Bolsonaro.

Mais uma vez, o recado foi lido como incentivo para o ataque. O discurso foi citado no dia 8 por Ana Priscila Azevedo, uma das golpistas que acabou presa por invadir as sedes dos três Poderes e anunciar a intenção de “sitiar” Brasília.

“Eu postei lá dentro do Telegram um vídeo do presidente Bolsonaro, deve ter mais ou menos uns três minutos. Ele conta que as Forças Armadas nunca vão dar um golpe”, disse Ana Priscila durante o protesto. “Tudo parte do povo. Nós, o povo, é que temos as rédeas, o controle da situação nas nossas mãos. É por isso que vamos sitiar Brasília, porque estão chegando caravanas do Brasil inteiro. Nós vamos cercar os Três Poderes”, anunciou a extremista durante reunião preparatória para os atos.

Ainda naquele 9 de dezembro, Bolsonaro apelou para que seus apoiadores não desistissem e nem criticassem suas próximas ações. “O poder emana do povo” e “Mais importante do que a vida é a liberdade” foram algumas das frases usadas pelo então presidente e repetidas depois por extremistas. Na invasão de 8 de janeiro, os bolsonaristas também recorreram a um verso do Hino da Independência: “Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil”.

Em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, Bolsonaro voltou a interagir com simpatizantes no Alvorada. Naquele dia, o indígena José Acácio Serere Xavante, que se apresenta como cacique do Povo Xavante, havia sido preso pela Polícia Federal. O episódio provocou uma série de ataques à sede da corporação, em Brasília.

Na última live que fez no Alvorada, em 30 de dezembro, momentos antes de sair do Brasil, Bolsonaro repetiu o discurso dúbio dirigido aos apoiadores. Ao mesmo tempo em que disse não estimular confronto, o então presidente elogiou a empreitada golpista na porta do QG do Exército, em Brasília.

“Tenham certeza, não vai demorar muito tempo, o Brasil vai voltar no eixo da normalidade, da prosperidade, da ordem, do progresso, do respeito, do amor à sua bandeira. O Brasil não sucumbirá”, afirmou Bolsonaro. “Acreditem vocês como foi difícil ficar dois meses calado, trabalhando para buscar alternativas.”

Oficiais-generais ouvidos pelo Estadão relataram que, nos dias que antecederam a viagem de Bolsonaro para os Estados Unidos, ele recebeu inúmeros pedidos para que liderasse uma ruptura, vindos especialmente de deputados, senadores e ex-ministros.

“Você manda”, “Você tem o poder” foram as frases mais ouvidas pelo então presidente. Onix Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e candidato derrotado ao governo gaúcho, e Gilson Machado, ex-presidente da Embratur, que perdeu a disputa para o Senado, também estiveram com Bolsonaro no Alvorada e o incentivaram a questionar o resultado das eleições. O Estadão apurou que após esses encontros, em mais de uma ocasião Bolsonaro reclamou: “Esses caras ficam buzinando na minha cabeça.”

Após fazer a última transmissão nas redes sociais como chefe do Executivo, ele pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e foi para Orlando. No território norte-americano, Bolsonaro continuou se comunicando com apoiadores. Divulgou vídeos nas redes andando pela rua de um condomínio e fazendo compras no supermercado. As atitudes foram recebidas por extremistas como recado para que eles não desistissem do movimento.

Dias antes das cenas de terror em Brasília, Bolsonaro recebeu uma admiradora em Orlando e disse a ela que “o melhor está por vir”. Manifestantes radicais que foram às ruas falavam abertamente na volta de Bolsonaro ao poder. “É isso aí, Jair Messias Bolsonaro. Você vai estar voltando para essa Nação para continuar seu governo”, disse o missionário Felício Quitito, após invadir o plenário do Senado.

Pessoas ligadas a Bolsonaro também participaram do ato extremista. Entre eles, Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, primo dos filhos do ex-presidente; o general da reserva Ridauto Lucio Fernandes, que ocupou uma diretoria do Ministério da Saúde no governo, e a deputada eleita Silvia Waiãpi (PL-AP), investigada por participar de vandalismo.

Depois da invasão e da destruição, Bolsonaro divulgou um vídeo nas redes no qual um procurador fazia a seguinte afirmação: “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e TSE”.

A publicação foi apagada em seguida. No dia 8, um dos extremistas publicou o vídeo da invasão no TikTok com a manifestação de Bolsonaro ao fundo. “Ah, se vocês soubessem o poder que vocês têm, o poder de mudar o mundo e transformar o nosso Brasil”, dizia o ex-presidente.

A frase foi retirada de um discurso do ex-presidente durante um culto com pastores, no Palácio do Planalto, em dezembro de 2019. O mesmo áudio foi compartilhado em manifestações anteriores por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais.

Professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e um dos coordenadores do Observatório da Extrema-Direita, Odilon Caldeira disse que a atuação de Bolsonaro no governo influenciou a tentativa de golpe, no último dia 8.

“É impossível dissociar a existência de uma interface entre mobilizadores e financiadores do processo bolsonarista”, afirmou Caldeira. “Esses grupos têm origem fundamentalmente bolsonarista e foram mobilizados ao longo dos últimos anos. Até semanas atrás, a convocação política era atribuída a Jair Bolsonaro. É necessário tomar isso em conta.”

Veja as frases de Bolsonaro reproduzidas por extremistas:

Bolsonaro: “Todo poder emana do povo”

Golpistas ao invadir o Congresso gritam: “Todo poder emana do povo”

Bolsonaro: “Eu juro dar a vida pela minha liberdade”

Plateia na convenção do PL: “Eu juro dar a vida pela minha liberdade”

Bolsonaro: “Deus, Pátria, Família, Liberdade”

Extremistas na Praça dos Três Poderes e ao tomar o Congresso: “Deus, Pátria, Família, Liberdade”

Bolsonaro: “A nossa bandeira jamais será vermelha!”

Extremistas ao invadir o Planalto: “A nossa bandeira jamais será vermelha!”

Bolsonaro: “Feliz é a Nação cujo Deus é o Senhor”

Golpistas na depredação do Supremo Tribunal Federal: “Feliz é a Nação cujo Deus é o Senhor”

BRASÍLIA – A tomada das sedes dos três Poderes por uma horda radical, no último dia 8, seguiu um roteiro de ideias disseminadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao longo de mais de cinco meses. “Deus, Pátria, família, liberdade”, disse Bolsonaro, várias vezes, durante o mandato. “A nossa bandeira jamais será vermelha”. Gritos de guerra como estes, pichações e até vestimentas de golpistas que destruíram prédios públicos ecoaram a voz de Bolsonaro.

O Estadão analisou mais de 30 horas de vídeos gravados e divulgados pelos extremistas no domingo e encontrou, durante os ataques, reproduções literais de mensagens propagadas pelo ex-presidente.

O material disponível nas redes sociais demonstra que o discurso de Bolsonaro na convenção do PL, em 24 de julho, foi o estopim da marcha que resultou nas invasões e destruições de áreas do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Naquele dia, o então presidente se lançou à reeleição e, classificando os apoiadores como “exército”, puxou um juramento. “Repitam aí: ‘Eu juro dar minha vida pela minha liberdade’”, pediu ele. Todos repetiram a mensagem em coro. “Mais uma vez...”, apelou Bolsonaro, incentivando a plateia a falar ainda mais alto.

Da convenção do PL aos atos de violência do último dia 8, um período de cinco meses, Bolsonaro repetiu um roteiro de como questionar o processo eleitoral. A ofensiva estimulou a base radical a intensificar investidas contra as instituições e terminou em atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes.

Os vídeos mostram que a estratégia de Bolsonaro teve o efeito de inflamar a militância radical. “Se eu não for eleito com 60% dos votos no primeiro turno, algo de errado ocorreu no TSE”, disse ele ao SBT, em 19 de setembro, numa referência ao Tribunal Superior Eleitoral.

A narrativa reverberou no dia 8, durante a tentativa de golpe. “Fomos roubados. Fomos roubados descaradamente”, gritou Fabrizio Cisneros, que invadiu o Supremo usando um boné com o nome do ex-presidente.

Bolsonaro passou para o segundo turno das eleições em desvantagem. Às vésperas da votação, surgiu com novas denúncias sem lastro contra o TSE. O ataque apontava fraudes em inserções da propaganda eleitoral em rádios. Não era verdade. Em muitos casos, sua própria campanha deixou de enviar os programas no período correto. “Realmente, é um enorme desequilíbrio no tocante às inserções e, obviamente, interfere na quantidade de votos no final da linha”, disse o então presidente, na ocasião.

Nos atos de destruição do último dia 8, o TSE apareceu nos discursos e a versão falsa de “fraude” foi o gatilho incentivador dos ataques. No segundo andar do Palácio do Planalto, extremistas penduraram uma faixa com a seguinte mensagem: “Queremos eleições livres, auditáveis e transparentes.”

Com a derrota, Bolsonaro mergulhou no silêncio e se isolou de aliados. A partir de 2 de novembro, apoiadores do ex-presidente se mobilizaram em acampamentos, em frente a quartéis do Exército, atraindo caravanas para Brasília. Recluso, Bolsonaro não reprovou discursos golpistas dos manifestantes, o que foi interpretado por apoiadores radicais como incentivo para a ação. Os acampamentos cresceram, houve bloqueios de estradas e ameaça de fechamento de empresas.

Em 9 de dezembro, Bolsonaro rompeu o silêncio e saiu para falar com simpatizantes que se deslocaram do Quartel-General do Exército até o Palácio da Alvorada. “Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vão a Câmara e o Senado são vocês também”, afirmou Bolsonaro.

Mais uma vez, o recado foi lido como incentivo para o ataque. O discurso foi citado no dia 8 por Ana Priscila Azevedo, uma das golpistas que acabou presa por invadir as sedes dos três Poderes e anunciar a intenção de “sitiar” Brasília.

“Eu postei lá dentro do Telegram um vídeo do presidente Bolsonaro, deve ter mais ou menos uns três minutos. Ele conta que as Forças Armadas nunca vão dar um golpe”, disse Ana Priscila durante o protesto. “Tudo parte do povo. Nós, o povo, é que temos as rédeas, o controle da situação nas nossas mãos. É por isso que vamos sitiar Brasília, porque estão chegando caravanas do Brasil inteiro. Nós vamos cercar os Três Poderes”, anunciou a extremista durante reunião preparatória para os atos.

Ainda naquele 9 de dezembro, Bolsonaro apelou para que seus apoiadores não desistissem e nem criticassem suas próximas ações. “O poder emana do povo” e “Mais importante do que a vida é a liberdade” foram algumas das frases usadas pelo então presidente e repetidas depois por extremistas. Na invasão de 8 de janeiro, os bolsonaristas também recorreram a um verso do Hino da Independência: “Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil”.

Em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, Bolsonaro voltou a interagir com simpatizantes no Alvorada. Naquele dia, o indígena José Acácio Serere Xavante, que se apresenta como cacique do Povo Xavante, havia sido preso pela Polícia Federal. O episódio provocou uma série de ataques à sede da corporação, em Brasília.

Na última live que fez no Alvorada, em 30 de dezembro, momentos antes de sair do Brasil, Bolsonaro repetiu o discurso dúbio dirigido aos apoiadores. Ao mesmo tempo em que disse não estimular confronto, o então presidente elogiou a empreitada golpista na porta do QG do Exército, em Brasília.

“Tenham certeza, não vai demorar muito tempo, o Brasil vai voltar no eixo da normalidade, da prosperidade, da ordem, do progresso, do respeito, do amor à sua bandeira. O Brasil não sucumbirá”, afirmou Bolsonaro. “Acreditem vocês como foi difícil ficar dois meses calado, trabalhando para buscar alternativas.”

Oficiais-generais ouvidos pelo Estadão relataram que, nos dias que antecederam a viagem de Bolsonaro para os Estados Unidos, ele recebeu inúmeros pedidos para que liderasse uma ruptura, vindos especialmente de deputados, senadores e ex-ministros.

“Você manda”, “Você tem o poder” foram as frases mais ouvidas pelo então presidente. Onix Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e candidato derrotado ao governo gaúcho, e Gilson Machado, ex-presidente da Embratur, que perdeu a disputa para o Senado, também estiveram com Bolsonaro no Alvorada e o incentivaram a questionar o resultado das eleições. O Estadão apurou que após esses encontros, em mais de uma ocasião Bolsonaro reclamou: “Esses caras ficam buzinando na minha cabeça.”

Após fazer a última transmissão nas redes sociais como chefe do Executivo, ele pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e foi para Orlando. No território norte-americano, Bolsonaro continuou se comunicando com apoiadores. Divulgou vídeos nas redes andando pela rua de um condomínio e fazendo compras no supermercado. As atitudes foram recebidas por extremistas como recado para que eles não desistissem do movimento.

Dias antes das cenas de terror em Brasília, Bolsonaro recebeu uma admiradora em Orlando e disse a ela que “o melhor está por vir”. Manifestantes radicais que foram às ruas falavam abertamente na volta de Bolsonaro ao poder. “É isso aí, Jair Messias Bolsonaro. Você vai estar voltando para essa Nação para continuar seu governo”, disse o missionário Felício Quitito, após invadir o plenário do Senado.

Pessoas ligadas a Bolsonaro também participaram do ato extremista. Entre eles, Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, primo dos filhos do ex-presidente; o general da reserva Ridauto Lucio Fernandes, que ocupou uma diretoria do Ministério da Saúde no governo, e a deputada eleita Silvia Waiãpi (PL-AP), investigada por participar de vandalismo.

Depois da invasão e da destruição, Bolsonaro divulgou um vídeo nas redes no qual um procurador fazia a seguinte afirmação: “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e TSE”.

A publicação foi apagada em seguida. No dia 8, um dos extremistas publicou o vídeo da invasão no TikTok com a manifestação de Bolsonaro ao fundo. “Ah, se vocês soubessem o poder que vocês têm, o poder de mudar o mundo e transformar o nosso Brasil”, dizia o ex-presidente.

A frase foi retirada de um discurso do ex-presidente durante um culto com pastores, no Palácio do Planalto, em dezembro de 2019. O mesmo áudio foi compartilhado em manifestações anteriores por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais.

Professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e um dos coordenadores do Observatório da Extrema-Direita, Odilon Caldeira disse que a atuação de Bolsonaro no governo influenciou a tentativa de golpe, no último dia 8.

“É impossível dissociar a existência de uma interface entre mobilizadores e financiadores do processo bolsonarista”, afirmou Caldeira. “Esses grupos têm origem fundamentalmente bolsonarista e foram mobilizados ao longo dos últimos anos. Até semanas atrás, a convocação política era atribuída a Jair Bolsonaro. É necessário tomar isso em conta.”

Veja as frases de Bolsonaro reproduzidas por extremistas:

Bolsonaro: “Todo poder emana do povo”

Golpistas ao invadir o Congresso gritam: “Todo poder emana do povo”

Bolsonaro: “Eu juro dar a vida pela minha liberdade”

Plateia na convenção do PL: “Eu juro dar a vida pela minha liberdade”

Bolsonaro: “Deus, Pátria, Família, Liberdade”

Extremistas na Praça dos Três Poderes e ao tomar o Congresso: “Deus, Pátria, Família, Liberdade”

Bolsonaro: “A nossa bandeira jamais será vermelha!”

Extremistas ao invadir o Planalto: “A nossa bandeira jamais será vermelha!”

Bolsonaro: “Feliz é a Nação cujo Deus é o Senhor”

Golpistas na depredação do Supremo Tribunal Federal: “Feliz é a Nação cujo Deus é o Senhor”

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