BRASÍLIA - Preso há 68 dias no Batalhão da Polícia do Exército em Brasília, o tenente-coronel Mauro Cid será confrontado nesta terça-feira, 11, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro com perguntas sobre a sua relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no período em que trabalhou para ele como ajudante de ordens da Presidência. Os parlamentares da base do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) traçaram diferentes estratégias para extrair do militar informações que liguem Bolsonaro aos atos golpistas do início do ano. Alguns senadores e deputados pretendem até elogiar o currículo de Cid para levá-lo a incriminar o antigo chefe. O início da sessão está marcado para às 9h.
Um deputado da base governista disse em conversa reservada que pretende destacar durante o depoimento os mais 20 anos em que Cid trabalhou como oficial do Exército. Os parlamentares adeptos da estratégia de exaltar a carreira militar avaliam que essa abordagem pode ajudar o tenente-coronel a se sensibilizar e pensar em si mesmo em vez de “manchar” a sua trajetória nas Forças Armadas ao se manter fiel a Bolsonaro.
No roteiro elaborado por deputados e senadores governistas consta ainda questionamentos sobre como a família de Cid tem se mantido financeiramente desde que ele foi preso. A ideia é tanto fazê-lo priorizar os parentes em vez de Bolsonaro quanto pegá-lo em eventuais contradições que possam ligar o custeio de seus familiares a financiadores de atos antidemocráticos.
Cid também não escapará de ser questionado sobre o motivo de ter fraudado os cartões de vacinação da família Bolsonaro. Foi a adulteração dos dados do ex-presidente e de seus familiares no sistema de informações do Ministério da Saúde que levou Cid à prisão por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado identificou a fraude enquanto investigava suspeitas de participação do ex-ajudante de ordens em movimentos golpistas.
Os parlamentares governistas da CPMI também vão perguntar a Cid se Bolsonaro - seu chefe direto no momento da fraude - autorizou ou chegou a ser informado sobre as alterações feitas em seu cartão de vacina.
Um deputado petista pretende “surpreender” Cid com perguntas sobre as suspeitas de que ele tenha ligação com milicianos do Rio de Janeiro por ter contado com o apoio de ao menos um servidor da Secretaria de Saúde de Duque de Caixas ao burlar o cartão de vacina de Bolsonaro. Esse mesmo parlamentar quer questioná-lo sobre as mensagens trocadas com Ailton Lucas, outro aliado de Bolsonaro, que dizia ter informações a respeito dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Outra pergunta elencada por diversos deputados e senadores aborda a viagem a Miami (EUA) realizada pelo ex-ajudante de ordens nove dias antes de Bolsonaro embarcar rumo a Orlando (EUA) - as duas cidades ficam localizadas no mesmo Estado norte-americano e estão separadas por 5h30 de viagem de trem. Os dois viajaram aos Estados Unidos em dezembro do ano passado. Cid retornou ao País no dia 20 de janeiro, já Bolsonaro regressou somente no dia 30 de março.
Os deputados e senadores da CPMI querem saber por que Cid decidiu viajar para uma cidade próxima à que Bolsonaro escolheu para passar a sua estadia nos Estados Unidos. Outro fato incontornável nos questionamentos serão as trocas de mensagens de teor golpista identificadas pela Polícia Federal (PF) ao apreender o celular de Cid.
A PF encontrou um rascunho de golpe de Estado no celular de Cid. Também foi identificada a participação do ex-ajudante de ordens em grupos com a presença de militares de alta patente que defendiam o uso distorcido do artigo 142 da Constituição Federal para aplicar um golpe que impedisse a posse de Lula.
Na semana passada, a CPMI ouviu o coronel Jean Lawand que teve trocas de mensagens com Cid identificadas pela PF. Nos diálogos, o militar pedia ao então ajudante de ordens de Bolsonaro que fizesse chegar ao presidente seus apelos para que ele decretasse intervenção das Forças Armadas no País.
“Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele (Bolsonaro) dê a ordem, que o povo está com ele (...) Acaba com o Exército Brasileiro se esses caras não cumprirem a ordem do Comandante Supremo”, escreveu Lewand na troca de mensagens com Cid.
Direito a ficar em silêncio
Apesar da extensa lista de perguntas elaborada pelos parlamentares governistas, é possível que o ex-ajudante de ordens opte pelo silêncio.
Cid apresentou pedido de Habeas Corpus ao STF para não comparecer à CPMI. A ministra Cármen Lúcia negou a demanda do militar e decidiu que ele deve prestar depoimento à comissão, mas com o direito de se manter em silêncio em questões que o incriminem.
Antes da decisão da ministra, o presidente da CPMI, Arthur Maia, chegou a pedir que o STF rejeitasse o pedido do ex-ajudante de ordens para não depor. Cid foi convocado na condição de testemunha, o que o obriga a dizer a verdade perante os parlamentar, porém a sua defesa alegou que o teor do requerimento já indicia que ele será tratado como investigado.
Cármen Lúcia cobrou na decisão que os parlamentares tratem Cid “sem agressividade, truculência ou deboche”. O militar já prestou três depoimentos à Polícia Federal (PF). Em nenhum das ocasiões, prestou informações que comprometessem Bolsonaro.
Caso Cid se mantenha em silêncio, os parlamentares governistas pretendem fazê-lo assinar um documento para “transpor” à CPMI os depoimentos prestados por ele à PF.
Oposição
Entre os parlamentares de oposição ao governo Lula impera o clima de tensão. A avaliação do grupo é de que o depoimento de Cid será explorado pelos governistas para minar a imagem de Bolsonaro. Além disso, os oposicionistas consideram uma incógnita a postura que Cid deve adotar na CPMI. Muitos apostam que ele deve falar em vez de se manter em silêncio, mas há o temor de que ele use os holofotes da comissão para mandar recados.
Diferentemente dos governistas que preparam longas listas de perguntas, os oposicionistas têm dito em conversas reservadas que preferem primeiro ouvir o que Cid tem a falar para depois decidir o que questionar. Um dos poucos parlamentares de oposição que já sabe o que perguntar é o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que quer ouvir do ex-ajudante de ordens o quanto ele sabia sobre o que acontecia nos acampamentos golpistas em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.
A oitiva de Mauro Cid será o único compromisso da CPMI nesta semana. O presidente da comissão cancelou a sessão marcada para quinta-feira e remanejou para o início da sessão desta terça-feira, 10, a votação dos requerimentos de convocação de novas testemunhas.
Quebra de sigilo
A relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), vai pedir na sessão desta terça-feira, 11, votação de requerimento de quebra de sigilo do e-mail institucional utilizado por Mauro Cid no último ano em que exerceu o cargo de ajudante de ordens do governo Jair Bolsonaro.
Eliziane pede que seja encaminhada à CPMI a “cópia integral de todas as mensagens enviadas, recebidas ou armazenadas, incluídas àquelas em rascunhos e lixeira, com todos os seus respectivos anexos”. A relatora argumentou no documento apresentado ao presidente da comissão que “o endereço eletrônico funcional não pode se equiparar às contas pessoais dos agentes públicos, não sendo guardados com mesmo grau de sigilo e direito à intimidade”.