Governistas tentam tirar punição por fake news eleitoral da nova Lei de Segurança Nacional


Grupo também pressiona relatora a manter trecho que criminaliza ato de caluniar ou difamar presidente, sob argumento de que seria carta branca para chamar Bolsonaro de ‘genocida’; Câmara aprova urgência para revisar LSN

Por Camila Turtelli

BRASÍLIA – Deputados governistas tentam barrar uma mudança na Lei de Segurança Nacional que prevê prisão de até cinco anos para quem espalhar fake news durante as eleições. A medida está em uma versão inicial do relatório da deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI), que prepara texto para substituir a atual legislação, criada na ditadura militar.

O grupo também pressiona a relatora para que ela não retire da lei a punição que hoje existe para quem caluniar ou difamar o presidente da República, sob o argumento de que seria uma “carta branca” para Jair Bolsonaro ser chamado de “genocida”. O governo tem usado a regra para tentar intimidar opositores e calar críticos.

O novo projeto, batizado de Lei do Estado Democrático de Direito, tem apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Por 386 votos a 57, a maioria dos parlamentares aprovou nesta terça-feira, 20, dar urgência à proposta, o que permitirá uma votação expressa, sem precisar passar por comissões da Casa. Apenas PSL e PSOL se manifestaram contra acelerar a análise da medida.

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Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília Foto: Dida Sampaio / Estadão

Margarete tem ouvido tanto parlamentares aliados ao governo Bolsonaro quanto de oposição para chegar a um texto de consenso, para evitar polêmicas que travem a votação no plenário. A relatora tem como base projeto apresentado, em 2002, pelo então ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, que prevê punições para práticas como incitar guerra civil, insurreição, espionagem e até golpe de estado. Procurada, ela disse que ainda avalia os pedidos de alterações em seu relatório.

Ao se manifestar contra a urgência na sessão desta terça-feira, o líder do PSL, Major Vitor Hugo (GO), disse que a relatora acolheu algumas das sugestões do partido no que diz respeito à proteção das Forças Armadas, do território e da soberania nacional. Por outro lado, segundo ele, também aceitou sugestões da oposição que preocupavam o PSL. “Então, nesse sentido, nós não vemos porque votar a urgência nesse momento, acreditando que poderíamos votar o projeto mais para frente, com a urgência também sendo aprovada mais para frente”, disse.

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Na versão mais recente, há um capítulo intitulado “comunicação enganosa em massa”, que trata como crime o ato de “promover, ofertar, constituir, financiar, ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, ação para disseminar conteúdo passível de sanção criminal ou fatos que sabe inverídicos, nos termos da lei, capazes de colocar em risco a higidez do processo eleitoral”. A pena prevista é detenção de um a cinco anos, além de multa.

Bolsonaro é alvo de ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investigam, justamente, a contratação de empresas de tecnologia para disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp durante a campanha que o elegeu, em 2018. Adversário do presidente na disputa eleitoral, o petista Fernando Haddad alega que a prática é irregular e por isso pede a cassação da chapa eleita. O tribunal já rejeitou outros processos semelhantes de autoria da coligação do ex-candidato Ciro Gomes (PDT) por falta de provas. 

“Essas questões de eleições não achamos ser prudente estar em uma lei sobre o Estado Democrático. É mais prudente que isso seja feito numa reforma eleitoral”, disse ao Estadão/Broadcast Político o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), aliado do presidente. Um projeto que combate a disseminação de conteúdo falso nas redes sociais chegou a ser aprovado no ano passado pelo Senado, mas nunca avançou na Câmara.

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O capítulo questionado pelos governistas prevê ainda a prisão de quatro a seis anos para quem “impedir ou perturbar eleição ou a determinação de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral”. O trecho foi incluído após a ação de hackers, na véspera das disputas municipais do ano passado. O episódio foi usado por bolsonaristas nas redes sociais para questionar a lisura da votação.

“Essa parte é bem complexa. Pode haver a interpretação de que essa lei está tornando crime o simples fato de o cidadão questionar o resultado de uma eleição”, afirmou a deputada Alê Silva (PSL-MG), da “tropa de choque” bolsonarista na Câmara. Bolsonaro já afirmou por diversas ocasiões que houve fraude na disputa de 2018 e prometeu apresentar provas, o que nunca fez. 

‘Genocida’

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 A intenção de Lira ao promover as mudanças na Lei de Segurança Nacional é se antecipar a uma possível decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que limite o alcance da legislação atual. Ao menos cinco ações de partidos políticos, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, questionam trechos da regra em vigor, e magistrados já indicaram ver inconstitucionalidades.

Um dos trechos contestados é justamente o que prevê pena de até quatro anos de prisão para quem difamar o chefe do Executivo, atribuindo a ele fato “definido como crime ou ofensivo à reputação”. A intenção de Margarete é revogar esse artigo, o que motivou preocupação dos bolsonaristas.

“Essa lei a princípio teria sido criada para revogar a Lei de Segurança Nacional, mas na realidade ela repete tudo o que está na LSN e revoga apenas uma pequena parte na qual o interesse de revogar é apenas para permitir que o PT, por exemplo, chame o presidente de genocida”, disse Alê Silva. No começo do mês, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Bia Kicis (PSL-DF), provocou polêmica ao mandar apagar dos registros a palavra “genocida” da ata da reunião do colegiado.

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O Estadão mostrou, em março, que o número de procedimentos abertos pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, na comparação com o mesmo período das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer. Houve um total de 20 inquéritos entre 2015 e 2016. Já entre 2019 e 2020, foram 77 investigações.

A lei serviu, por exemplo, para a Polícia Civil do Rio intimar o youtuber Felipe Neto (após o influenciador digital chamar Bolsonaro de “genocida”) e para o Ministério da Justiça pedir a investigação da publicação de uma charge na qual Bolsonaro aparece transformando a cruz vermelha (símbolo de hospitais) na suástica nazista. O Ministério da Justiça também solicitou abertura de inquérito contra o colunista Hélio Schwartsman por ele ter escrito artigo no jornal Folha de S.Paulo intitulado “Por que torço para que Bolsonaro morra”.

Embora ministros do Supremo critiquem a atual legislação, a Lei de Segurança Nacional já foi utilizada não só pelo governo Bolsonaro, mas também pela própria Corte. A regra serviu, por exemplo, para fundamentar a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), após o parlamentar gravar um vídeo com ameaças e insultos a magistrados e fazer apologia ao Ato Institucional número 5 (AI-5), o instrumento mais duro de repressão do governo militar.

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A Lei de Segurança Nacional também foi usada para fechar o cerco à militância digital bolsonarista em outro inquérito que atormenta o Planalto: o dos atos antidemocráticos. “Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, escreveu Augusto Aras, ao solicitar a abertura de investigação sobre a organização e o financiamento das manifestações que pediam intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF.

Oposição ​

Na oposição, também há resistências à proposta. A intenção de líderes de siglas de esquerda, como o PSOL e PT, é blindar movimentos sociais para que a nova versão da Lei de Segurança Nacional não possa ser usada para puni-los. Parlamentares temem a criminalização dos grupos em trecho do texto que trata sobre crimes contra instituições democráticas. 

“Embora haja um esforço por parte da relatora, o texto ainda mantém alguns aspectos nocivos à democracia. Alguns tipos penais são ainda muito abertos e podem criminalizar movimentos sociais”, afirmou a líder do PSOL na Câmara, Talíria Petrone (RJ).

A última versão do projeto prevê prisão de até oito anos para quem empregar "violência ou grave ameaça" a fim de “impedir ou dificultar o exercício do poder legitimamente constituído", o que, na visão de deputados da oposição, pode incluir manifestações.

Após ouvir as queixas de parlamentares de esquerda, a relatora acrescentou uma ressalva para resguardar a atos críticos aos poderes e reivindicação de direitos por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política. No entanto, para integrantes da oposição, o artigo ainda carece de mais mudanças. 

BRASÍLIA – Deputados governistas tentam barrar uma mudança na Lei de Segurança Nacional que prevê prisão de até cinco anos para quem espalhar fake news durante as eleições. A medida está em uma versão inicial do relatório da deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI), que prepara texto para substituir a atual legislação, criada na ditadura militar.

O grupo também pressiona a relatora para que ela não retire da lei a punição que hoje existe para quem caluniar ou difamar o presidente da República, sob o argumento de que seria uma “carta branca” para Jair Bolsonaro ser chamado de “genocida”. O governo tem usado a regra para tentar intimidar opositores e calar críticos.

O novo projeto, batizado de Lei do Estado Democrático de Direito, tem apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Por 386 votos a 57, a maioria dos parlamentares aprovou nesta terça-feira, 20, dar urgência à proposta, o que permitirá uma votação expressa, sem precisar passar por comissões da Casa. Apenas PSL e PSOL se manifestaram contra acelerar a análise da medida.

Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília Foto: Dida Sampaio / Estadão

Margarete tem ouvido tanto parlamentares aliados ao governo Bolsonaro quanto de oposição para chegar a um texto de consenso, para evitar polêmicas que travem a votação no plenário. A relatora tem como base projeto apresentado, em 2002, pelo então ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, que prevê punições para práticas como incitar guerra civil, insurreição, espionagem e até golpe de estado. Procurada, ela disse que ainda avalia os pedidos de alterações em seu relatório.

Ao se manifestar contra a urgência na sessão desta terça-feira, o líder do PSL, Major Vitor Hugo (GO), disse que a relatora acolheu algumas das sugestões do partido no que diz respeito à proteção das Forças Armadas, do território e da soberania nacional. Por outro lado, segundo ele, também aceitou sugestões da oposição que preocupavam o PSL. “Então, nesse sentido, nós não vemos porque votar a urgência nesse momento, acreditando que poderíamos votar o projeto mais para frente, com a urgência também sendo aprovada mais para frente”, disse.

Na versão mais recente, há um capítulo intitulado “comunicação enganosa em massa”, que trata como crime o ato de “promover, ofertar, constituir, financiar, ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, ação para disseminar conteúdo passível de sanção criminal ou fatos que sabe inverídicos, nos termos da lei, capazes de colocar em risco a higidez do processo eleitoral”. A pena prevista é detenção de um a cinco anos, além de multa.

Bolsonaro é alvo de ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investigam, justamente, a contratação de empresas de tecnologia para disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp durante a campanha que o elegeu, em 2018. Adversário do presidente na disputa eleitoral, o petista Fernando Haddad alega que a prática é irregular e por isso pede a cassação da chapa eleita. O tribunal já rejeitou outros processos semelhantes de autoria da coligação do ex-candidato Ciro Gomes (PDT) por falta de provas. 

“Essas questões de eleições não achamos ser prudente estar em uma lei sobre o Estado Democrático. É mais prudente que isso seja feito numa reforma eleitoral”, disse ao Estadão/Broadcast Político o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), aliado do presidente. Um projeto que combate a disseminação de conteúdo falso nas redes sociais chegou a ser aprovado no ano passado pelo Senado, mas nunca avançou na Câmara.

O capítulo questionado pelos governistas prevê ainda a prisão de quatro a seis anos para quem “impedir ou perturbar eleição ou a determinação de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral”. O trecho foi incluído após a ação de hackers, na véspera das disputas municipais do ano passado. O episódio foi usado por bolsonaristas nas redes sociais para questionar a lisura da votação.

“Essa parte é bem complexa. Pode haver a interpretação de que essa lei está tornando crime o simples fato de o cidadão questionar o resultado de uma eleição”, afirmou a deputada Alê Silva (PSL-MG), da “tropa de choque” bolsonarista na Câmara. Bolsonaro já afirmou por diversas ocasiões que houve fraude na disputa de 2018 e prometeu apresentar provas, o que nunca fez. 

‘Genocida’

 A intenção de Lira ao promover as mudanças na Lei de Segurança Nacional é se antecipar a uma possível decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que limite o alcance da legislação atual. Ao menos cinco ações de partidos políticos, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, questionam trechos da regra em vigor, e magistrados já indicaram ver inconstitucionalidades.

Um dos trechos contestados é justamente o que prevê pena de até quatro anos de prisão para quem difamar o chefe do Executivo, atribuindo a ele fato “definido como crime ou ofensivo à reputação”. A intenção de Margarete é revogar esse artigo, o que motivou preocupação dos bolsonaristas.

“Essa lei a princípio teria sido criada para revogar a Lei de Segurança Nacional, mas na realidade ela repete tudo o que está na LSN e revoga apenas uma pequena parte na qual o interesse de revogar é apenas para permitir que o PT, por exemplo, chame o presidente de genocida”, disse Alê Silva. No começo do mês, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Bia Kicis (PSL-DF), provocou polêmica ao mandar apagar dos registros a palavra “genocida” da ata da reunião do colegiado.

O Estadão mostrou, em março, que o número de procedimentos abertos pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, na comparação com o mesmo período das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer. Houve um total de 20 inquéritos entre 2015 e 2016. Já entre 2019 e 2020, foram 77 investigações.

A lei serviu, por exemplo, para a Polícia Civil do Rio intimar o youtuber Felipe Neto (após o influenciador digital chamar Bolsonaro de “genocida”) e para o Ministério da Justiça pedir a investigação da publicação de uma charge na qual Bolsonaro aparece transformando a cruz vermelha (símbolo de hospitais) na suástica nazista. O Ministério da Justiça também solicitou abertura de inquérito contra o colunista Hélio Schwartsman por ele ter escrito artigo no jornal Folha de S.Paulo intitulado “Por que torço para que Bolsonaro morra”.

Embora ministros do Supremo critiquem a atual legislação, a Lei de Segurança Nacional já foi utilizada não só pelo governo Bolsonaro, mas também pela própria Corte. A regra serviu, por exemplo, para fundamentar a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), após o parlamentar gravar um vídeo com ameaças e insultos a magistrados e fazer apologia ao Ato Institucional número 5 (AI-5), o instrumento mais duro de repressão do governo militar.

A Lei de Segurança Nacional também foi usada para fechar o cerco à militância digital bolsonarista em outro inquérito que atormenta o Planalto: o dos atos antidemocráticos. “Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, escreveu Augusto Aras, ao solicitar a abertura de investigação sobre a organização e o financiamento das manifestações que pediam intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF.

Oposição ​

Na oposição, também há resistências à proposta. A intenção de líderes de siglas de esquerda, como o PSOL e PT, é blindar movimentos sociais para que a nova versão da Lei de Segurança Nacional não possa ser usada para puni-los. Parlamentares temem a criminalização dos grupos em trecho do texto que trata sobre crimes contra instituições democráticas. 

“Embora haja um esforço por parte da relatora, o texto ainda mantém alguns aspectos nocivos à democracia. Alguns tipos penais são ainda muito abertos e podem criminalizar movimentos sociais”, afirmou a líder do PSOL na Câmara, Talíria Petrone (RJ).

A última versão do projeto prevê prisão de até oito anos para quem empregar "violência ou grave ameaça" a fim de “impedir ou dificultar o exercício do poder legitimamente constituído", o que, na visão de deputados da oposição, pode incluir manifestações.

Após ouvir as queixas de parlamentares de esquerda, a relatora acrescentou uma ressalva para resguardar a atos críticos aos poderes e reivindicação de direitos por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política. No entanto, para integrantes da oposição, o artigo ainda carece de mais mudanças. 

BRASÍLIA – Deputados governistas tentam barrar uma mudança na Lei de Segurança Nacional que prevê prisão de até cinco anos para quem espalhar fake news durante as eleições. A medida está em uma versão inicial do relatório da deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI), que prepara texto para substituir a atual legislação, criada na ditadura militar.

O grupo também pressiona a relatora para que ela não retire da lei a punição que hoje existe para quem caluniar ou difamar o presidente da República, sob o argumento de que seria uma “carta branca” para Jair Bolsonaro ser chamado de “genocida”. O governo tem usado a regra para tentar intimidar opositores e calar críticos.

O novo projeto, batizado de Lei do Estado Democrático de Direito, tem apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Por 386 votos a 57, a maioria dos parlamentares aprovou nesta terça-feira, 20, dar urgência à proposta, o que permitirá uma votação expressa, sem precisar passar por comissões da Casa. Apenas PSL e PSOL se manifestaram contra acelerar a análise da medida.

Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília Foto: Dida Sampaio / Estadão

Margarete tem ouvido tanto parlamentares aliados ao governo Bolsonaro quanto de oposição para chegar a um texto de consenso, para evitar polêmicas que travem a votação no plenário. A relatora tem como base projeto apresentado, em 2002, pelo então ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, que prevê punições para práticas como incitar guerra civil, insurreição, espionagem e até golpe de estado. Procurada, ela disse que ainda avalia os pedidos de alterações em seu relatório.

Ao se manifestar contra a urgência na sessão desta terça-feira, o líder do PSL, Major Vitor Hugo (GO), disse que a relatora acolheu algumas das sugestões do partido no que diz respeito à proteção das Forças Armadas, do território e da soberania nacional. Por outro lado, segundo ele, também aceitou sugestões da oposição que preocupavam o PSL. “Então, nesse sentido, nós não vemos porque votar a urgência nesse momento, acreditando que poderíamos votar o projeto mais para frente, com a urgência também sendo aprovada mais para frente”, disse.

Na versão mais recente, há um capítulo intitulado “comunicação enganosa em massa”, que trata como crime o ato de “promover, ofertar, constituir, financiar, ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, ação para disseminar conteúdo passível de sanção criminal ou fatos que sabe inverídicos, nos termos da lei, capazes de colocar em risco a higidez do processo eleitoral”. A pena prevista é detenção de um a cinco anos, além de multa.

Bolsonaro é alvo de ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investigam, justamente, a contratação de empresas de tecnologia para disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp durante a campanha que o elegeu, em 2018. Adversário do presidente na disputa eleitoral, o petista Fernando Haddad alega que a prática é irregular e por isso pede a cassação da chapa eleita. O tribunal já rejeitou outros processos semelhantes de autoria da coligação do ex-candidato Ciro Gomes (PDT) por falta de provas. 

“Essas questões de eleições não achamos ser prudente estar em uma lei sobre o Estado Democrático. É mais prudente que isso seja feito numa reforma eleitoral”, disse ao Estadão/Broadcast Político o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), aliado do presidente. Um projeto que combate a disseminação de conteúdo falso nas redes sociais chegou a ser aprovado no ano passado pelo Senado, mas nunca avançou na Câmara.

O capítulo questionado pelos governistas prevê ainda a prisão de quatro a seis anos para quem “impedir ou perturbar eleição ou a determinação de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral”. O trecho foi incluído após a ação de hackers, na véspera das disputas municipais do ano passado. O episódio foi usado por bolsonaristas nas redes sociais para questionar a lisura da votação.

“Essa parte é bem complexa. Pode haver a interpretação de que essa lei está tornando crime o simples fato de o cidadão questionar o resultado de uma eleição”, afirmou a deputada Alê Silva (PSL-MG), da “tropa de choque” bolsonarista na Câmara. Bolsonaro já afirmou por diversas ocasiões que houve fraude na disputa de 2018 e prometeu apresentar provas, o que nunca fez. 

‘Genocida’

 A intenção de Lira ao promover as mudanças na Lei de Segurança Nacional é se antecipar a uma possível decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que limite o alcance da legislação atual. Ao menos cinco ações de partidos políticos, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, questionam trechos da regra em vigor, e magistrados já indicaram ver inconstitucionalidades.

Um dos trechos contestados é justamente o que prevê pena de até quatro anos de prisão para quem difamar o chefe do Executivo, atribuindo a ele fato “definido como crime ou ofensivo à reputação”. A intenção de Margarete é revogar esse artigo, o que motivou preocupação dos bolsonaristas.

“Essa lei a princípio teria sido criada para revogar a Lei de Segurança Nacional, mas na realidade ela repete tudo o que está na LSN e revoga apenas uma pequena parte na qual o interesse de revogar é apenas para permitir que o PT, por exemplo, chame o presidente de genocida”, disse Alê Silva. No começo do mês, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Bia Kicis (PSL-DF), provocou polêmica ao mandar apagar dos registros a palavra “genocida” da ata da reunião do colegiado.

O Estadão mostrou, em março, que o número de procedimentos abertos pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, na comparação com o mesmo período das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer. Houve um total de 20 inquéritos entre 2015 e 2016. Já entre 2019 e 2020, foram 77 investigações.

A lei serviu, por exemplo, para a Polícia Civil do Rio intimar o youtuber Felipe Neto (após o influenciador digital chamar Bolsonaro de “genocida”) e para o Ministério da Justiça pedir a investigação da publicação de uma charge na qual Bolsonaro aparece transformando a cruz vermelha (símbolo de hospitais) na suástica nazista. O Ministério da Justiça também solicitou abertura de inquérito contra o colunista Hélio Schwartsman por ele ter escrito artigo no jornal Folha de S.Paulo intitulado “Por que torço para que Bolsonaro morra”.

Embora ministros do Supremo critiquem a atual legislação, a Lei de Segurança Nacional já foi utilizada não só pelo governo Bolsonaro, mas também pela própria Corte. A regra serviu, por exemplo, para fundamentar a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), após o parlamentar gravar um vídeo com ameaças e insultos a magistrados e fazer apologia ao Ato Institucional número 5 (AI-5), o instrumento mais duro de repressão do governo militar.

A Lei de Segurança Nacional também foi usada para fechar o cerco à militância digital bolsonarista em outro inquérito que atormenta o Planalto: o dos atos antidemocráticos. “Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, escreveu Augusto Aras, ao solicitar a abertura de investigação sobre a organização e o financiamento das manifestações que pediam intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF.

Oposição ​

Na oposição, também há resistências à proposta. A intenção de líderes de siglas de esquerda, como o PSOL e PT, é blindar movimentos sociais para que a nova versão da Lei de Segurança Nacional não possa ser usada para puni-los. Parlamentares temem a criminalização dos grupos em trecho do texto que trata sobre crimes contra instituições democráticas. 

“Embora haja um esforço por parte da relatora, o texto ainda mantém alguns aspectos nocivos à democracia. Alguns tipos penais são ainda muito abertos e podem criminalizar movimentos sociais”, afirmou a líder do PSOL na Câmara, Talíria Petrone (RJ).

A última versão do projeto prevê prisão de até oito anos para quem empregar "violência ou grave ameaça" a fim de “impedir ou dificultar o exercício do poder legitimamente constituído", o que, na visão de deputados da oposição, pode incluir manifestações.

Após ouvir as queixas de parlamentares de esquerda, a relatora acrescentou uma ressalva para resguardar a atos críticos aos poderes e reivindicação de direitos por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política. No entanto, para integrantes da oposição, o artigo ainda carece de mais mudanças. 

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