BRASÍLIA – O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) autorizou gastos de até R$ 25 bilhões em emendas parlamentares antes das eleições de outubro. Decreto publicado na última sexta-feira estabelece que quase metade desses recursos sairá do orçamento secreto. O volume de despesas indicadas por deputados e senadores e que receberam o aval do presidente para gasto até setembro é o maior na gestão Bolsonaro, permitindo irrigar redutos dos políticos antes das disputas eleitorais.
Em 2020, foram pagos R$ 16,6 bilhões antes das eleições municipais, na soma de todas as emendas de parlamentares ao orçamento da União. No ano passado, foram R$ 15,3 bilhões até setembro. Neste ano em que políticos voltam a pedir votos para se reeleger ou ocupar um novo cargo político, o governo terá de lidar com uma pressão política e com uma conta que ainda “não fecha”, na avaliação de técnicos. O Orçamento de 2022 prevê um total de R$ 33,8 bilhões em emendas parlamentares, recursos indicados por congressistas para turbinar obras de interesse eleitoral, mas há uma fatura de R$ 36 bilhões em recursos aprovados em anos anteriores que ainda não foram pagos e disputarão o mesmo espaço.
O decreto que autorizou os gastos de R$ 25 bilhões até setembro impôs um limite para a execução das verbas oriundas das chamadas emendas de relator, instrumento que vinha sendo usado pelo Congresso para esconder os verdadeiros responsáveis pela indicação dos gastos, como revelou o Estadão ao noticiar o orçamento secreto. Segundo o texto, até março deste ano poderão ser gastos R$ 2,7 bilhões do orçamento secreto. Até setembro esse montante pode chegar a R$ 11,9 bilhões. Os R$ 13,1 bilhões restantes que poderão ser liberados até setembro virão de recursos das chamadas emendas impositivas, aquelas indicadas individualmente por deputados e senadores e pelas bancadas estaduais do Congresso, e das emendas aprovadas pelas comissões do Legislativo, que ficaram com menos recursos.
Com a autorização via decreto, o governo passa a ser objeto de pressão para que os recursos sejam efetivamente gastos. De um lado, os aliados cobram a liberação da maior parte dos recursos antes do pleito de outubro, para usarem como bandeira política nas eleições. De outro, o Ministério da Economia passou a indicar a necessidade de segurar os gastos diante da incerteza sobre a arrecadação de impostos, em um ano de baixo crescimento econômico, e da necessidade de garantir o pagamento das despesas obrigatórias, que incluem salários e aposentadorias.
Valores autorizados por Bolsonaro passam pela Casa Civil
No fim das contas, a escolha dos limites para abrir o cofre e pagar os valores que Bolsonaro autorizar gastar dependerá de aval da Casa Civil, comandada pelo ministro Ciro Nogueira, um dos caciques do Centrão. Mas a equipe econômica pode tentar segurar a liberação de verbas na boca do caixa na tentativa de não comprometer o orçamento. A ameaça de derrubada de vetos de Bolsonaro ao Orçamento de 2022, a movimentação por reajustes salariais e a demanda de setores por mais recursos, como é o caso do agronegócio, adicionaram uma pressão a mais no Executivo.
Apesar dos impasses que acendem um alerta nas contas do governo, aliados de Bolsonaro no Congresso pressionam pela garantia de que os recursos serão, de fato, liberados antes das eleições. Os limites passarão pelo crivo de Ciro Nogueira. No momento, o Executivo deve aguardar até março para reavaliar o cenário de acordo com a arrecadação de recursos. Se as receitas não se comportarem como o esperado, cortes poderão ser feitos. “O governo deve liberar a maior parte antes das eleições, ainda no primeiro semestre. A princípio todos são iguais, mas, do jeito que eles são, vão trabalhar para isso (priorizar aliados)”, afirmou o deputado Hildo Rocha (MDB-MA).
Na prática, os recursos de maior interesse dos parlamentares devem ser liberados antes. Além da necessidade de cuidar das despesas para cumprir os gastos obrigatórios, há uma preocupação adicional do governo neste ano: a legislação eleitoral. O Executivo é proibido de liberar recursos nos três meses anteriores ao pleito, com exceção daqueles gastos destinados a obras em andamento.
“Não há outra opção para o Tesouro. É melhor segurar o gasto para ter margem de manobra no segundo semestre”, afirma o economista Leonardo Ribeiro, analista do Senado e ex-servidor da Secretaria de Orçamento Federal (SOF). “De um lado, teremos pressão para aumento de gastos obrigatórios (subsídios e reajustes), do outro lado políticos famintos pelas emendas, que vão tentar abrir as torneiras do gasto o quanto antes.”
A escolha dos beneficiários finais das emendas (governos estaduais ou municipais) e da ordem de prioridade de pagamento caberá aos parlamentares, que informaram essa relação ao governo. A limitação do orçamento secreto aumenta o poder do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e de Ciro Nogueira para definir quais aliados ficarão na frente da fila. Os dois são apontados hoje como os “donos do cofre”.
Procurado, o Ministério da Economia afirmou que o decreto “reflete a necessidade de uma maior prudência na execução das despesas primárias discricionárias no início do exercício financeiro”, até uma nova avaliação do comportamento das despesas e da arrecadação no primeiro bimestre do ano. “Ela (a medida) visa conferir maior segurança frente aos limites impostos pelas regras fiscais vigentes”, diz a pasta, pontuando que os limites serão revistos a cada dois meses.
“O governo coloca um freio no empenho das emendas de imediato porque avalia que pode precisar realizar bloqueios até março e, então, realocar recursos”, diz consultor de Orçamento da Câmara Ricardo Volpe. O decreto assinado por Bolsonaro, de acordo com o especialista, indica que o Executivo deve contingenciar - ou seja, segurar a liberação até verificar aumento de arrecadação - cerca de R$ 16 bilhões em verbas a partir de março, ou até mais a depender de reestimativas, quando divulgará o Relatório Bimestral de Avaliação das Receitas e Despesas Primárias.
Em meio à entrega de recursos federais ao Centrão, o presidente Jair Bolsonaro vem mostrando otimismo com a liberação de emendas parlamentares. Na tentativa de reeleição em outubro e sem favoritismo nas pesquisas de intenção de voto, o Planalto tem apostado no aumento de gastos para irrigar redutos eleitorais de aliados. No mês passado, o presidente afirmou que o Congresso está “muito bem atendido” com as emendas e deu poder à Casa Civil, de Ciro Nogueira, para autorizar e barrar as decisões do Ministério da Economia na gestão dos recursos federais.
Ao priorizar o orçamento secreto e as verbas de aliados diretos, o governo deixou de lado as emendas aprovadas pelas comissões da Câmara e do Senado. Após vetar R$ 1,4 bilhão de recursos carimbados por esses colegiados no Orçamento, o governo agora prevê pagar R$ 577,8 milhões das emendas dos R$ 2,3 bilhões que sobraram. O Ministério da Economia afirmou que o restante está garantido. Mas pode, na prática, não ser executado, pois está reservado ao reajuste salarial de policiais federais, que motivou reação de outras categorias. Há um movimento no Congresso para recompor as verbas indicadas pelas comissões, mas a articulação ainda não conta com apoio da cúpula do Legislativo.
Conforme o Broadcast Político revelou, Bolsonaro blindou cinco comissões dos cortes e vetou mais de 95% das emendas aprovadas por outros 28 colegiados. O tratamento atraiu críticas ao chefe da Casa Civil. “Eu só consegui trazer muito recurso para o Piauí quando o Ciro não era ministro. Agora que ele está na Casa Civil, ele não deixa. E aí, está prejudicando o Estado e a prefeitura de Teresina. Isso é muito grave”, afirmou o senador Marcelo Castro (MDB-PI), presidente da Comissão de Educação do Senado, um dos grupos alvos do corte.