Governo Bolsonaro tenta extinguir Comissão de Mortos e Desaparecidos a um mês da posse de Lula


Órgão recuou da primeira investida em junho após contestação do MPF

Por Marcelo Godoy e Levy Teles
Atualização:

O presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (CEMDP), Marco Vinícius Pereira de Carvalho, convocou uma reunião extraordinária para a próxima quinta-feira, 15, para a análise e votação da extinção do órgão. O governo Jair Bolsonaro propõe a finalização dos trabalhos do colegiado responsável por tratar de crimes cometidos durante a ditadura militar a menos de um mês da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Como o Estadão revelou em junho deste ano, já estava nos planos da atual gestão federal encerrar os trabalhos da CEMDP. O órgão, no entanto, recuou da iniciativa. Após 27 anos de investigação, poucos corpos ainda foram localizados. A decisão de extinguir o colegiado foi adiada no fim daquele mesmo mês após contestação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e do Ministério Público Federal (MPF).

Dimas Antonio Casemiro foi torturado e morto em 1971; o corpo dele foi encontrado em uma vala clandestina pelo Grupo de Trabalho Perus, em 2018. Foto: Acervo da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
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O ex-presidente da Comissão Nacional da Verdade Paulo Abrão disse acreditar que a medida busca gerar desconfortos, sobretudo no período de transição de gestão federal. “Isso (a convocação) tem cheiro do núcleo ideológico do governo querendo gerar algum tipo de intriga ou alguma polêmica totalmente desnecessária no apagar das luzes do governo”, afirmou. A iniciativa pode embaraçar ainda mais a relação de Lula com os militares e intensificar constrangimentos para o presidente eleito.

Segundo Abrão, que também é ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), a finalização dos trabalhos é “incabível”. “Estamos falando de crimes cuja reivindicação de reparação é imprescritível de acordo com as normas internacionais das quais o Brasil tem o dever de seguir”, disse.

A atual gestão do Executivo possui maioria na Comissão. Quem a preside é Marco Vinicius Pereira de Carvalho, um advogado bolsonarista simpatizante do regime militar, que foi nomeado para o cargo pela então ministra Damares. Antes, ele promoveu ações em que tentava impedir a posse de Lula como ministro da Casa Civil, em 2016, e o impeachment do ministro do STF Dias Toffoli. No caso da comissão, a Lei 9.140/95 previa o seu fim quando os trabalhos estivessem concluídos.

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O governo hoje possui maioria na composição da Comissão, com o apoio de quatro do total de sete membros. A equipe é também composta por duas pessoas indicadas pela sociedade civil, uma representante dos familiares de mortos e desaparecidos políticos e três indicações do poder público — uma do MPF, um da Câmara dos Deputados e uma do Ministério da Defesa.

Weslei Maretti e Vital Lima dos Santos são militares que compunham o grupo até esta segunda-feira, 5, quando foram substituídos pelo também militar Jorge Luiz Mendes de Assis, e por Paulo Fernando Melo da Costa, ligado a grupos conservadores em Brasília e que foi assessor parlamentar do senador eleito Magno Malta (PL-ES). O representante da Câmara é o deputado bolsonarista Filipe Barros (PL-PR).

Familiares do operário Manoel Fiel Filho assistem à Conferência Internacional sobre o Direito à Verdade, no auditório da Escola Politécnica da USP. Foto: Sergio Castro/Estadão - 20/10/2009
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Fundada em 1995 no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a comissão foi o resultado de um acordo entre o ministro da Justiça, Nelson Jobim, e o ministro do Exército, Zenildo Lucena. Tratava-se de cumprir o que estava nas disposições transitórias da Constituição de 1988, reconhecendo a responsabilidade do Estado brasileiro no desaparecimento e na morte de presos políticos. Ao mesmo tempo, mantinha-se a Lei de Anistia, de 1979, que impedia a punição dos torturadores e assassinos de prisioneiros sob custódia.

Ao longo do trabalho da comissão, surgiram relatos de militares e de policiais, além de documentos, que ajudaram a esclarecer dezenas de crimes, como o sequestro, a tortura, a morte e o desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva. Também foi possível identificar na vala comum do Cemitério de Perus, em São Paulo, as ossadas de cinco desaparecidos políticos: Dênis Casemiro, Frederico Antonio Mayr, Flávio de Carvalho Molina, Dimas Antonio Casemiro e Aluísio Palhano Ferreira.

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Segundo Abrão, esse trabalho está inconcluso e o seu encerramento é “juridicamente inválido”, uma vez que não houve pleno cumprimento de “sentenças judiciais nacionais que determinam o direito das famílias ao luto e determinam a finalização dos exames de DNA no caso Perus”. “A agenda da Comissão de Mortos e Desaparecidos é uma agenda incompleta, portanto não cabe nenhum tipo de encerramento dos trabalhos”, afirmou.

“O trabalho da CEMPD transcende governos e implica dar cumprimento a obrigações que são próprias do Estado brasileiro, independentemente da vontade do governo do momento”, disse.

Como afirmou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau ao Estadão em setembro deste ano, a extinção do órgão selaria o rompimento de um acordo político, parte do processo de pacificação, que envolveu a Lei da Anistia.

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Comunicado

O comunicado é assinado por Arthur de Souza Casemiro da Silva, coordenador-geral de Desaparecidos. A CEMDP está vinculada à Secretaria Nacional de Proteção Global, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que até março deste ano era comandado pela senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF). Antes, o órgão integrava o Ministério da Justiça.

“Em nome do presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), dr. Marco Vinícius Pereira de Carvalho, convocamos os senhores para a 1.ª Reunião Extraordinária da CEMDP, que será realizada no dia 14 de dezembro de 2022, quarta-feira, às 10h, de forma presencial, na Esplanada dos Ministérios, Bloco A, 4º andar - Bairro Zona Cívico-Administrativa, Brasília”, escreve Silva.

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De acordo com a convocatória, houve a “a conclusão da análise de todos os processos de solicitação de indenizações”. Os casos são tratados com base na Lei 9.140, de 1995, que “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979″.

Instituto Vladimir Herzog publica nota de repúdio sobre decisão do governo

O Instituto Vladimir Herzog, que atua no campo dos direitos humanos, publicou, nesta quarta-feira, 7, uma nota de repúdio sobre a tentativa de extinção da CEMDP. A organização define a ação como “autoritária”. “Para nós do IVH é inaceitável que, ao apagar das luzes, um governo declaradamente contrário à democracia e aos Direitos Humanos, continue impunemente atentando contra os esforços de resgate da memória brasileira e da busca por justiça pelos crimes cometidos contra a humanidade”, disse.

O instituto ainda afirma que adotará “todas as medidas necessárias nas esferas políticas e jurídicas, nacionais e internacionais, para que nenhum ato revisionista e antidemocrático avance”. “Sempre vigilantes, iremos lutar para que a justiça prevaleça e a memória daquelas e daqueles que, como Vladimir Herzog, perderam suas vidas na conquista da democracia, permaneça viva”, conclui o texto.

O presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (CEMDP), Marco Vinícius Pereira de Carvalho, convocou uma reunião extraordinária para a próxima quinta-feira, 15, para a análise e votação da extinção do órgão. O governo Jair Bolsonaro propõe a finalização dos trabalhos do colegiado responsável por tratar de crimes cometidos durante a ditadura militar a menos de um mês da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Como o Estadão revelou em junho deste ano, já estava nos planos da atual gestão federal encerrar os trabalhos da CEMDP. O órgão, no entanto, recuou da iniciativa. Após 27 anos de investigação, poucos corpos ainda foram localizados. A decisão de extinguir o colegiado foi adiada no fim daquele mesmo mês após contestação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e do Ministério Público Federal (MPF).

Dimas Antonio Casemiro foi torturado e morto em 1971; o corpo dele foi encontrado em uma vala clandestina pelo Grupo de Trabalho Perus, em 2018. Foto: Acervo da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

O ex-presidente da Comissão Nacional da Verdade Paulo Abrão disse acreditar que a medida busca gerar desconfortos, sobretudo no período de transição de gestão federal. “Isso (a convocação) tem cheiro do núcleo ideológico do governo querendo gerar algum tipo de intriga ou alguma polêmica totalmente desnecessária no apagar das luzes do governo”, afirmou. A iniciativa pode embaraçar ainda mais a relação de Lula com os militares e intensificar constrangimentos para o presidente eleito.

Segundo Abrão, que também é ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), a finalização dos trabalhos é “incabível”. “Estamos falando de crimes cuja reivindicação de reparação é imprescritível de acordo com as normas internacionais das quais o Brasil tem o dever de seguir”, disse.

A atual gestão do Executivo possui maioria na Comissão. Quem a preside é Marco Vinicius Pereira de Carvalho, um advogado bolsonarista simpatizante do regime militar, que foi nomeado para o cargo pela então ministra Damares. Antes, ele promoveu ações em que tentava impedir a posse de Lula como ministro da Casa Civil, em 2016, e o impeachment do ministro do STF Dias Toffoli. No caso da comissão, a Lei 9.140/95 previa o seu fim quando os trabalhos estivessem concluídos.

O governo hoje possui maioria na composição da Comissão, com o apoio de quatro do total de sete membros. A equipe é também composta por duas pessoas indicadas pela sociedade civil, uma representante dos familiares de mortos e desaparecidos políticos e três indicações do poder público — uma do MPF, um da Câmara dos Deputados e uma do Ministério da Defesa.

Weslei Maretti e Vital Lima dos Santos são militares que compunham o grupo até esta segunda-feira, 5, quando foram substituídos pelo também militar Jorge Luiz Mendes de Assis, e por Paulo Fernando Melo da Costa, ligado a grupos conservadores em Brasília e que foi assessor parlamentar do senador eleito Magno Malta (PL-ES). O representante da Câmara é o deputado bolsonarista Filipe Barros (PL-PR).

Familiares do operário Manoel Fiel Filho assistem à Conferência Internacional sobre o Direito à Verdade, no auditório da Escola Politécnica da USP. Foto: Sergio Castro/Estadão - 20/10/2009

Fundada em 1995 no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a comissão foi o resultado de um acordo entre o ministro da Justiça, Nelson Jobim, e o ministro do Exército, Zenildo Lucena. Tratava-se de cumprir o que estava nas disposições transitórias da Constituição de 1988, reconhecendo a responsabilidade do Estado brasileiro no desaparecimento e na morte de presos políticos. Ao mesmo tempo, mantinha-se a Lei de Anistia, de 1979, que impedia a punição dos torturadores e assassinos de prisioneiros sob custódia.

Ao longo do trabalho da comissão, surgiram relatos de militares e de policiais, além de documentos, que ajudaram a esclarecer dezenas de crimes, como o sequestro, a tortura, a morte e o desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva. Também foi possível identificar na vala comum do Cemitério de Perus, em São Paulo, as ossadas de cinco desaparecidos políticos: Dênis Casemiro, Frederico Antonio Mayr, Flávio de Carvalho Molina, Dimas Antonio Casemiro e Aluísio Palhano Ferreira.

Segundo Abrão, esse trabalho está inconcluso e o seu encerramento é “juridicamente inválido”, uma vez que não houve pleno cumprimento de “sentenças judiciais nacionais que determinam o direito das famílias ao luto e determinam a finalização dos exames de DNA no caso Perus”. “A agenda da Comissão de Mortos e Desaparecidos é uma agenda incompleta, portanto não cabe nenhum tipo de encerramento dos trabalhos”, afirmou.

“O trabalho da CEMPD transcende governos e implica dar cumprimento a obrigações que são próprias do Estado brasileiro, independentemente da vontade do governo do momento”, disse.

Como afirmou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau ao Estadão em setembro deste ano, a extinção do órgão selaria o rompimento de um acordo político, parte do processo de pacificação, que envolveu a Lei da Anistia.

Comunicado

O comunicado é assinado por Arthur de Souza Casemiro da Silva, coordenador-geral de Desaparecidos. A CEMDP está vinculada à Secretaria Nacional de Proteção Global, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que até março deste ano era comandado pela senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF). Antes, o órgão integrava o Ministério da Justiça.

“Em nome do presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), dr. Marco Vinícius Pereira de Carvalho, convocamos os senhores para a 1.ª Reunião Extraordinária da CEMDP, que será realizada no dia 14 de dezembro de 2022, quarta-feira, às 10h, de forma presencial, na Esplanada dos Ministérios, Bloco A, 4º andar - Bairro Zona Cívico-Administrativa, Brasília”, escreve Silva.

De acordo com a convocatória, houve a “a conclusão da análise de todos os processos de solicitação de indenizações”. Os casos são tratados com base na Lei 9.140, de 1995, que “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979″.

Instituto Vladimir Herzog publica nota de repúdio sobre decisão do governo

O Instituto Vladimir Herzog, que atua no campo dos direitos humanos, publicou, nesta quarta-feira, 7, uma nota de repúdio sobre a tentativa de extinção da CEMDP. A organização define a ação como “autoritária”. “Para nós do IVH é inaceitável que, ao apagar das luzes, um governo declaradamente contrário à democracia e aos Direitos Humanos, continue impunemente atentando contra os esforços de resgate da memória brasileira e da busca por justiça pelos crimes cometidos contra a humanidade”, disse.

O instituto ainda afirma que adotará “todas as medidas necessárias nas esferas políticas e jurídicas, nacionais e internacionais, para que nenhum ato revisionista e antidemocrático avance”. “Sempre vigilantes, iremos lutar para que a justiça prevaleça e a memória daquelas e daqueles que, como Vladimir Herzog, perderam suas vidas na conquista da democracia, permaneça viva”, conclui o texto.

O presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (CEMDP), Marco Vinícius Pereira de Carvalho, convocou uma reunião extraordinária para a próxima quinta-feira, 15, para a análise e votação da extinção do órgão. O governo Jair Bolsonaro propõe a finalização dos trabalhos do colegiado responsável por tratar de crimes cometidos durante a ditadura militar a menos de um mês da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Como o Estadão revelou em junho deste ano, já estava nos planos da atual gestão federal encerrar os trabalhos da CEMDP. O órgão, no entanto, recuou da iniciativa. Após 27 anos de investigação, poucos corpos ainda foram localizados. A decisão de extinguir o colegiado foi adiada no fim daquele mesmo mês após contestação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e do Ministério Público Federal (MPF).

Dimas Antonio Casemiro foi torturado e morto em 1971; o corpo dele foi encontrado em uma vala clandestina pelo Grupo de Trabalho Perus, em 2018. Foto: Acervo da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

O ex-presidente da Comissão Nacional da Verdade Paulo Abrão disse acreditar que a medida busca gerar desconfortos, sobretudo no período de transição de gestão federal. “Isso (a convocação) tem cheiro do núcleo ideológico do governo querendo gerar algum tipo de intriga ou alguma polêmica totalmente desnecessária no apagar das luzes do governo”, afirmou. A iniciativa pode embaraçar ainda mais a relação de Lula com os militares e intensificar constrangimentos para o presidente eleito.

Segundo Abrão, que também é ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), a finalização dos trabalhos é “incabível”. “Estamos falando de crimes cuja reivindicação de reparação é imprescritível de acordo com as normas internacionais das quais o Brasil tem o dever de seguir”, disse.

A atual gestão do Executivo possui maioria na Comissão. Quem a preside é Marco Vinicius Pereira de Carvalho, um advogado bolsonarista simpatizante do regime militar, que foi nomeado para o cargo pela então ministra Damares. Antes, ele promoveu ações em que tentava impedir a posse de Lula como ministro da Casa Civil, em 2016, e o impeachment do ministro do STF Dias Toffoli. No caso da comissão, a Lei 9.140/95 previa o seu fim quando os trabalhos estivessem concluídos.

O governo hoje possui maioria na composição da Comissão, com o apoio de quatro do total de sete membros. A equipe é também composta por duas pessoas indicadas pela sociedade civil, uma representante dos familiares de mortos e desaparecidos políticos e três indicações do poder público — uma do MPF, um da Câmara dos Deputados e uma do Ministério da Defesa.

Weslei Maretti e Vital Lima dos Santos são militares que compunham o grupo até esta segunda-feira, 5, quando foram substituídos pelo também militar Jorge Luiz Mendes de Assis, e por Paulo Fernando Melo da Costa, ligado a grupos conservadores em Brasília e que foi assessor parlamentar do senador eleito Magno Malta (PL-ES). O representante da Câmara é o deputado bolsonarista Filipe Barros (PL-PR).

Familiares do operário Manoel Fiel Filho assistem à Conferência Internacional sobre o Direito à Verdade, no auditório da Escola Politécnica da USP. Foto: Sergio Castro/Estadão - 20/10/2009

Fundada em 1995 no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a comissão foi o resultado de um acordo entre o ministro da Justiça, Nelson Jobim, e o ministro do Exército, Zenildo Lucena. Tratava-se de cumprir o que estava nas disposições transitórias da Constituição de 1988, reconhecendo a responsabilidade do Estado brasileiro no desaparecimento e na morte de presos políticos. Ao mesmo tempo, mantinha-se a Lei de Anistia, de 1979, que impedia a punição dos torturadores e assassinos de prisioneiros sob custódia.

Ao longo do trabalho da comissão, surgiram relatos de militares e de policiais, além de documentos, que ajudaram a esclarecer dezenas de crimes, como o sequestro, a tortura, a morte e o desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva. Também foi possível identificar na vala comum do Cemitério de Perus, em São Paulo, as ossadas de cinco desaparecidos políticos: Dênis Casemiro, Frederico Antonio Mayr, Flávio de Carvalho Molina, Dimas Antonio Casemiro e Aluísio Palhano Ferreira.

Segundo Abrão, esse trabalho está inconcluso e o seu encerramento é “juridicamente inválido”, uma vez que não houve pleno cumprimento de “sentenças judiciais nacionais que determinam o direito das famílias ao luto e determinam a finalização dos exames de DNA no caso Perus”. “A agenda da Comissão de Mortos e Desaparecidos é uma agenda incompleta, portanto não cabe nenhum tipo de encerramento dos trabalhos”, afirmou.

“O trabalho da CEMPD transcende governos e implica dar cumprimento a obrigações que são próprias do Estado brasileiro, independentemente da vontade do governo do momento”, disse.

Como afirmou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau ao Estadão em setembro deste ano, a extinção do órgão selaria o rompimento de um acordo político, parte do processo de pacificação, que envolveu a Lei da Anistia.

Comunicado

O comunicado é assinado por Arthur de Souza Casemiro da Silva, coordenador-geral de Desaparecidos. A CEMDP está vinculada à Secretaria Nacional de Proteção Global, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que até março deste ano era comandado pela senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF). Antes, o órgão integrava o Ministério da Justiça.

“Em nome do presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), dr. Marco Vinícius Pereira de Carvalho, convocamos os senhores para a 1.ª Reunião Extraordinária da CEMDP, que será realizada no dia 14 de dezembro de 2022, quarta-feira, às 10h, de forma presencial, na Esplanada dos Ministérios, Bloco A, 4º andar - Bairro Zona Cívico-Administrativa, Brasília”, escreve Silva.

De acordo com a convocatória, houve a “a conclusão da análise de todos os processos de solicitação de indenizações”. Os casos são tratados com base na Lei 9.140, de 1995, que “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979″.

Instituto Vladimir Herzog publica nota de repúdio sobre decisão do governo

O Instituto Vladimir Herzog, que atua no campo dos direitos humanos, publicou, nesta quarta-feira, 7, uma nota de repúdio sobre a tentativa de extinção da CEMDP. A organização define a ação como “autoritária”. “Para nós do IVH é inaceitável que, ao apagar das luzes, um governo declaradamente contrário à democracia e aos Direitos Humanos, continue impunemente atentando contra os esforços de resgate da memória brasileira e da busca por justiça pelos crimes cometidos contra a humanidade”, disse.

O instituto ainda afirma que adotará “todas as medidas necessárias nas esferas políticas e jurídicas, nacionais e internacionais, para que nenhum ato revisionista e antidemocrático avance”. “Sempre vigilantes, iremos lutar para que a justiça prevaleça e a memória daquelas e daqueles que, como Vladimir Herzog, perderam suas vidas na conquista da democracia, permaneça viva”, conclui o texto.

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