BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu incluir o restauro da Praça dos Três Poderes, em Brasília, entre os 105 projetos de preservação do patrimônio histórico que serão custeados pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Com isso, o Executivo federal tirou do governo do Distrito Federal a atribuição de planejar a reforma. A decisão foi consolidada com o aval da Casa Civil após a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, reclamar publicamente da conservação do espaço cívico. A previsão é a de que o projeto custe cerca de R$ 800 mil.
O chamado PAC Seleções, lançado em setembro para selecionar projetos de restauração de interesse de estados e municípios, recebeu pedidos até novembro do ano passado. O governo de Ibaneis Rocha (MDB) não submeteu a proposta porque já tentava consolidar desde 2022, por meio de uma empresa contratada, um projeto de restauro junto à superintendência local do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Janja visitou a Praça no dia 5 de janeiro e reclamou da situação em que se encontra.
Janja da Silva, primeira-dama, em declaração a jornalistas no dia 5 de janeiro
Em resposta às críticas da primeira-dama, a Secretaria de Cultura do DF divulgou nota à imprensa na qual dizia trabalhar para providenciar as adequações pedidas pelo Iphan e apresentar um novo projeto para análise o quanto antes. “A secretaria segue ativamente em monitoramento dos danos e tão logo apresentará o projeto adequado para iniciar a reforma”, disse, na ocasião. Procurado, o Planalto não se manifestou.
O Iphan declarou que assumiu a tarefa depois de “constante diálogo” com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) do DF. A pasta, por sua vez, destacou que “todas as críticas e observações são importantes”, mas que as tratativas sobre o restauro da praça vêm de anos.
O procedimento interno que tratava da restauração, aberto desde 2022, estava parado há quase cinco meses na coordenação técnica do Iphan-DF. Seis dias depois das críticas de Janja, foi “reaberto” no setor. O último andamento, de 28 de agosto, indicava “conclusão do processo na unidade”.
Em seguida, o governo federal confirmou que assumiu a elaboração do projeto. O edital da disputa licitatória para contratação de uma empresa para elaboração do projeto deve ser lançada ainda neste mês de março. “Após constante diálogo com a secretaria de Cultura do DF, ficou acordado que o governo federal, por meio do Iphan, viabilizará a contratação do projeto de requalificação da Praça dos Três Poderes, para que possa acompanhar e orientar sua elaboração.”, disse o Iphan, em nota enviada ao Estadão, em 28 de fevereiro.
O edital encerrará um vaivém que se arrasta há quase dois anos, com quatro versões apresentadas pela secretaria de Cultura do governo do DF. O Iphan fez ressalvas aos projetos e um plano para as melhorias não chegou a ser concluído. Até Janja fazer a queixa pública não havia uma solução encaminhada.
Segundo o presidente nacional do Iphan, Leandro Grass, houve um “acordo com o aval da Casa Civil” para que o projeto da Praça fosse incluído, como “projeto extra” no PAC Seleções, mesmo após o vencimento dos prazos.
“Já tínhamos conversado lá atrás sobre a possibilidade de a praça entrar no PAC. Como havia muita indefinição por parte do governo do DF, se haveria troca da empresa que fez o projeto ou aditamento do contrato vigente, o que a gente acordou foi que traríamos essa obra para o PAC, mesmo depois do prazo, com o aval da Casa Civil. A Casa civil acatou que a gente pudesse incluir alguns projetos extras”, disse.
Grass confirmou que a pressão da primeira-dama foi importante para o tema ganhar a relevância que merece, mas disse que ela não foi determinante.
Leandro Grass, presidente do Iphan
O atual presidente do Iphan foi candidato ao governo local pelo PV em 2022, é um dos principais nomes da oposição ao governador Ibaneis Rocha e tem o apoio de setores do PT. No último dia 5, o Tribunal Regional Eleitoral do DF decidiu, por 4 votos a 2, tornar Leandro Grass inelegível por oito anos por considerar que ele praticou abuso dos meios de comunicação na campanha de 2022. Ainda cabe recurso. O julgamento começou com 5 votos favoráveis a Grass. Após um pedido de vista, três magistrados mudaram de posição e o placar terminou desfavorável ao político.
Praça tem pedras soltas e mato alto
A Praça dos Três Poderes faz parte do projeto original de Brasília, elaborado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. É tombada, ou seja, possui características especiais em termos de legislação, preservação e manutenção.
A restauração será a primeira, desde a inauguração de Brasília em abril de 1960, que levará em conta todas as instalações arquitetônicas e os aspectos históricos do espaço cívico.
A praça tem pedras soltas, mato crescido, estruturas quebradas e áreas manchadas. Ela fica na parte central de uma área triangular, nascida dos riscos de Lúcia Costa, onde estão, em cada ponta, os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal.
Agora, ao governo distrital caberá somente contratar a empresa que vai fazer a obra a partir do projeto que será viabilizado no âmbito do Iphan. O governo distrital destacou que a secretaria de Cultura “sempre trabalhou em proximidade com o Iphan” e disse confiar que o órgão “certamente elaborará um projeto de restauro nos mais altos índices de excelência”.
A crítica de Niemeyer à ‘mediocridade’ alheia
A Praça dos Três Poderes faz parte do projeto original de Brasília, elaborado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. A existência de uma praça e a posição dela, no centro de uma disposição triangular das sedes dos Poderes foram planos de Lúcio Costa na concepção de Brasília.
“No meu espírito, quando tive essa intenção de marcar a posição da Praça era, em parte, com o objetivo de acentuar o contraste da parte civilizada, de comando do País, com a natureza agreste do cerrado. Propunha que esta viesse ao encontro do arrimo triangular que caracterizava a Praça dos Três Poderes”, descreveu o engenheiro, conforme o livro “Lúcio Costa”, de Guilherme Wisnik, de 2001.
A concepção da praça em si, com poucos bancos e nenhuma árvore, bem como a dos edifícios ao redor dela, é de Oscar Niemeyer. A ideia até hoje desperta paixões e repúdios de candangos e turistas frequentadores da praça.
Faltam bancos e árvores, de forma que cruzá-la é desconfortável especialmente nos dias de sol forte em Brasília. No documentário “A vida é um sopro”, de Fabiano Maciel, de 2007, Oscar Niemeyer explicou o motivo para a falta de componentes na praça. A resposta surgiu ao estilo que marcou a maneira como ele lidava com as críticas ao projeto para Brasília.
“O comum, quando você quer realçar a arquitetura de uma praça, é deixar a praça limpa, sem nada. Então, você olha e vê os diversos edifícios, vê a relação de um com o outro, sente a importância da praça. E no Brasil às vezes, o lado medíocre das pessoas fica reclamando: ‘mas por que a Praça dos Três Poderes não tem vegetação? Por que tanto sol?’ E a gente tem que explicar isso, que é tão intuitivo. É porque ali é uma praça cívica, é diferente. Tem que valorizar a arquitetura. Imagina você na Praça de São Marcos (Veneza) se enchêssemos ela de árvore. Tinha mais sombra, mas ela tinha desaparecido. É uma coisa de arte. E a gente tem que explicar isso, que é tão intuitivo. É porque ali é uma praça cívica, é diferente. Tem que valorizar a arquitetura. Tudo tem que dar uma explicação. Mediocridade ativa é uma m...!”, disse.