BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu blindar vetos que poderiam comprometer as contas públicas em meio às derrotas sofridas no Congresso Nacional. A avaliação de integrantes do Executivo e de parlamentares é que, até o momento, a agenda econômica ficou blindada durante a análise de vetos no Legislativo.
O governo sofreu uma derrota tripla com a análise de vetos na sessão do Congresso na terça-feira, 28: viu o Legislativo proibir as “saidinhas” de presos temporários, vedar a destinação de recursos para ações que estimulem “aborto, transição de gênero e ocupação de terras” e impedir a punição por disseminação de fake news nas eleições.
Propostas que teriam impacto para as contas públicas, aumentando despesas ou comprometendo o arcabouço fiscal, no entanto, ficaram preservadas. O governo avalia que a principal vitória nessa área foi a preservação do veto ao dispositivo que obrigaria o Executivo federal a respeitar um calendário de pagamentos de emendas parlamentares.
O presidente Lula negociou um repasse de verbas antes das eleições, que acabou contemplando o desejo dos parlamentares, mas com uma diferença considerada importante pelo governo: com a negociação, o controle do caixa ainda é do Planalto. Com a derrubada do veto, Lula não mandaria mais nem na chave do cofre.
“Vamos em frente. É pauta aqui que a gente não tem controle (os vetos derrubados), mas no fundamental o governo ganhou”, disse o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), ao Estadão. “No calendário de emendas, nós ganhamos, e a governança é do governo.”
Em meio ao cenário, a visão de articuladores do governo é que a agenda econômica, entre elas a regulamentação da reforma tributária, está preservada e conta com o apoio dos parlamentares, incluindo vários de oposição por envolver interesses de setores econômicos, Estados e municípios.
Outro veto mantido na mesma sessão do Congresso foi ao pagamento de diárias fixadas em 1/30 dos salários de defensores públicos federais pelo acúmulo de serviço e deslocamento, que poderia aumentar as despesas da União.
Na sessão anterior, no dia 9 de maio, uma proposta para isentar o pagamento de Imposto de Renda sobre prêmios obtidos em títulos de capitalização que beneficiam entidades filantrópicas também teve o veto preservado. No mesmo dia, o Congresso manteve outro veto ao aumento à criação de cargos e aumento das funções comissionadas no Ministério Público da União.
Na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o governo conseguiu manter 283 vetos entre 310 dispositivos vetados, barrando, além do calendário de emendas, a obrigação de destinar recursos para ações específicas e a proibição de bloquear a liberação do dinheiro de ações apontadas como prioritárias pelos parlamentares.
Outros vetos com impacto econômico foram adiados e ainda precisam ser analisados. O governo tenta ganhar tempo para negociar e evitar perdas. Há, por exemplo, uma série de vetos à Lei Geral do Esporte que preveem repasses financeiros e isenção tributária para o setor que precisam passar por votação. Além disso, o veto de Bolsonaro ao despacho gratuito de bagagens também segue na fila.
Integrantes da oposição também avisam que aceitam negociar a agenda econômica, mas deixam claro que o governo não tem espaço para disputar a pauta ideológica e de costumes com o Congresso. “Foi muito mais do que vetar as saidinhas. Foi um grito ao governo Lula: não às pautas da esquerda e ouçam o Brasil!”, publicou o senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do PP e ex-ministro de Bolsonaro, nas redes sociais.
Lula assume pessoalmente negociação política diante de ministros e líderes que não conversam
A articulação política do governo no Congresso é apontada como um dos principais problemas para Lula no terceiro mandato. Além da derrubada de vetos, o governo enfrenta problemas para aprovar projetos e até para conversar com a cúpula do Legislativo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela articulação com os parlamentares, não se conversam.
Na terça-feira, 28, mesmo dia em que o Planalto sofria derrotas nos vetos, Lula assumiu pessoalmente a articulação para a aprovação do projeto de lei que cria programa Mover, a nova política de incentivo ao setor automotivo, na Câmara. O presidente chamou o presidente da Câmara para conversar fora da agenda e fechou um acordo para aprovar uma taxação de 20% de imposto de importação sobre as compras internacionais de até US$ 50 incluída no mesmo projeto.
Antes disso, Lula havia anunciado a intenção de vetar a taxação, que seria maior, e desagradou Lira. Nos bastidores, aliados do presidente da Câmara deixaram claro que, se o governo não concordasse com a cobrança de impostos sobre as compras internacionais, uma reivindicação de empresas brasileiras que pressionavam os parlamentares, o Mover não seria votado.
A conversa direta entre Lula e Lira, sem ministros e líderes partidários intermediando, também ocorreu durante a votação da reforma tributária, a aprovação do arcabouço fiscal, a negociação pelo pagamento de emendas e a entrega da presidência da Caixa ao PP, partido do presidente da Câmara.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, foi apontado como um dos responsáveis pelas derrotas no plenário do Congresso. De acordo com parlamentares, Randolfe não tem conversado com líderes da oposição e faz reuniões fechadas e acordos restritos à base aliada, sem segurança de que esses compromissos serão mantidos no plenário.
Em algumas ocasiões, o líder do governo chega a separar uma reunião para a base e outra para a oposição na hora de negociar análise de vetos, o que tem incomodado integrantes da Câmara e do Senado e explicado por que na hora da decisão é Lula quem negocia diretamente com a cúpula do Legislativo. Ao Estadão, o parlamentar defendeu sua atuação. “Eu me reuni dez vezes com os líderes da Câmara. Fiz até jantar em casa”, desabafou, declarando que o veto das saidinhas, por exemplo, “já estava na conta”.