Governo Lula faz ‘jogo de empurra’ sobre Comissão de Mortos da Ditadura e trava recriação


Recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos na Ditadura é defendida há mais de um ano por Silvio Almeida; Casa Civil alega que o tema precisa passar por diferentes “fases de discussão”

Por Weslley Galzo
Atualização:

BRASÍLIA - Era março de 2023, fazia pouco mais de dois meses que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha tomado posse, quando o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se reuniu com cerca de 150 familiares de pessoas que foram vítimas da ditadura militar. Na ocasião, ele disse às famílias que já havia deliberado sobre a recriação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e que faltava apenas a decisão de Lula. Quase um ano depois, a situação segue inalterada e não há perspectivas de que o colegiado volte a funcionar no curto prazo.

A Comissão, criada em 1995 com o objetivo de reconhecer pessoas mortas ou desaparecidas durante a ditadura e despachar sobre pedidos de indenização de familiares, foi extinta no final do governo Jair Bolsonaro (PL), quando faltavam 15 dias para o ex-presidente deixar o Palácio do Planalto. Com a chegada de Lula ao governo, Almeida anunciou que a recriação do colegiado era uma das principais metas da sua gestão. Mas, com o passar do tempo, a proposta elaborada pela pasta dos Direitos Humanos travou na Esplanada dos Ministérios, onde ministros atribuem uns aos outros a responsabilidade pela inexistência do órgão. Procurada, a Casa Civil alegou que processo precisa passar por diferentes fases de discussão.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversa com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e José Múcio Monteiro (Defesa) durante reunião ministerial no Palácio do Planalto. Foto: Wilton Junior
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O Ministério dos Direitos Humanos elaborou uma minuta de decreto que estabelece “as medidas administrativas e jurídicas para o restabelecimento” da Comissão. O texto foi submetido à análise técnica da Advocacia-Geral da União (AGU) e dos ministérios da Defesa e da Justiça ainda em 2023. A proposta elaborada pela equipe de Almeida colheu pareceres favoráveis das três pastas. Nem mesmo a área ligada aos militares apresentou resistência: “A análise do mérito apontou que não há impedimentos jurídicos para a reativação do grupo”, atestou a Defesa. Mesmo assim, o projeto empacou na Casa Civil.

A área chefiada pelo ministro Rui Costa não explicou o que impediu a instalação do colegiado no primeiro ano do governo Lula e ainda atribuiu a paralisia do processo a um fato ocorrido somente em 2024. De acordo com a Casa Civil, o parecer elaborado pelo Ministério da Justiça durante a gestão do ex-ministro Flávio Dino não vale mais. “É necessário aguardar o pronunciamento do novo titular do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Ricardo Lewandowski) acerca da concordância com o conteúdo proposto”, alegou a pasta em resposta à reportagem. O atual ministro tomou posse no dia 1º de fevereiro deste ano.

A pasta ligada à Presidência ainda disse que será feito um “balanço interno dos atos desenvolvidos previamente pela Comissão, até a sua extinção”. Segundo a Casa Civil, o procedimento visa “auxiliar no desenvolvimento de um plano de ação que pudesse, eventualmente, orientar possíveis futuros trabalhos da Comissão”.

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Ato de familiares de vítimas da ditadura coincide com ensaio militar na Praça dos Três Poderes Foto: Leonêncio Nossa / Estadão

“Qualquer matéria em discussão no governo tem seu rito procedimental e precisa passar por diferentes fases de discussão. Diante disso, é incorreto supor que uma proposta ao chegar na Casa Civil será automaticamente aceita sem que seja garantida a possiblidade de ampla manifestação de todos os atores envolvidos”, disse a Casa Civil sobre a necessidade de novo parecer da Justiça.

O Ministério dos Direitos Humanos só foi informado na última quarta-feira, 13, pela Casa Civil de que deveria colher o parecer de Lewandowski. Um funcionário com acesso às áreas deliberativas da pasta da Justiça relatou que a atual gestão não tinha conhecimento da necessidade de uma nova manifestação sobre o tema. Além disso, a Justiça informou em nota que “ainda não recebeu a minuta do decreto que recria a Comissão” para ser analisada.

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A pasta chefiada por Silvio Almeida vai enviar nesta semana a minuta para que seja analisado por Lewandowski. A equipe dos Direitos Humanos quer mostrar que fez tudo ao seu alcance para destravar o Comissão.

Funcionários de diferentes pastas envolvidas neste processo atribuem a paralisia à Casa Civil. Contudo, também há a avaliação de que a recriação da CEMDP funciona, na prática, como um “jogo de empurra” entre as diferentes áreas do governo.

A Comissão causa apreensão em Lula. O presidente tem apostado numa política de conciliação com as Forças Armadas. Um exemplo dessa estratégia de apaziguamento foi a ordem dada pelo petista na semana passada para cancelar todos os atos alusivos aos 60 anos do golpe militar. O Ministério dos Direitos Humanos, por exemplo, teve que desfazer os preparativos de um evento que aconteceria no dia 1º de abril no Museu Nacional da República.

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O posicionamento recente do petista nos temas relacionados à ditadura é alvo de críticas de familiares das vítimas. Ivo Herzog, filho do jornalista assassinado pelos militares Vladmir Herzog, classificou como “vergonhosa e desrespeitosa com as famílias” a paralisia do governo no processo de retomada da Comissão. Para ele, o movimento dos ministros de terceirizar a responsabilidade sobre o tema não esconde que “o principal responsável é o presidente Lula”.

“Se um dos seus ministros não está fazendo o suficiente, ele tem poder para trocar esse ministro”, disse. “São famílias que esperam justiça há muitas décadas, portanto tem vários familiares com idades muito avançadas. Isso demonstra uma total falta de respeito humano por parte do governo e governo é um só, o qual quem lidera é o presidente Lula. Então, a responsabilidade é dele e de ninguém mais”, prosseguiu.

“A pergunta que tem que ser feita ao presidente Lula é: por que ele quer dar segmento a uma política de Estado do governo Bolsonaro de desrespeito à Justiça e aos mortos e desaparecidos?”, questionou. “Se até o Ministério da Defesa dá um parecer favorável do ponto de vista técnico e jurídico, é uma questão de caráter pessoal do presidente Lula essa oposição ao processo”, enfatizou.

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Não são só os familiares das vítimas que provocam o governo Lula pela retomada da Comissão. O Ministério Público Federal (MPF) apresentou no último dia 7 de março uma recomendação ao Ministério dos Direitos Humanos para que o colegiado seja recriado no prazo máximo de 60 dias. “Os trabalhos da CEMDP devem prosseguir para permitir a perfeita execução das condenações impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil”, diz o documento.

O MPF declara que a extinção do colegiado pelo governo Bolsonaro ocorreu de forma prematura, o que impediu o cumprimento integral dos seus objetivos, como o recolhimento dos restos mortais de integrantes da Guerrilha do Araguaia. O órgão ainda recomendou que sejam destinados recursos financeiros e humanos para que o restabelecimento dos trabalhos seja efetivo.

Alguns integrantes da equipe de Silvio Almeida veem a provocação do MPF como uma oportunidade de demonstrar que a letargia para recriar a CEMDP não partiu do Ministério. A pasta dos Direitos Humanos vai produzir um longo relatório com a descrição de todas as idas e vindas, assim como de tudo que foi feito, desde o ano passado. A Comissão foi criada na gestão Fernando Henrique Cardoso com o propósito de apresentar respostas para as mortes e desaparecimentos ocorridos entre 1961 e 1979.

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Lula, no entanto, declarou em entrevista no mês passado à RedeTV que não quer “ficar remoendo o passado”. O presidente se referia à efeméride de 60 anos anos do golpe, que acontecerá nos dias 31 deste mês e 1º de abril. Ele argumentou na ocasião que o golpe de 1964 “faz parte” do passado”, que “quer tocar o País para frente” e que se preocupa mais com a tentativa de golpe ocorrida em janeiro de 2023 do que com a efetivada décadas atrás.

O petista ecoa declarações recentes de militares, como o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Joseli Parente Camelo. Em entrevista ao jornal O Globo, ele afirmou que a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos é “completamente desnecessária” e seria equivalente a “olhar para o retrovisor”.

Para Ivo Herzog, “só aquelas pessoas que não têm orgulho do seu passado querem que as histórias não sejam contadas”. “Se as pessoas têm orgulho do seu passado e não devem nada, elas deveriam apoiar que a nossa história fosse contada”, disse.

BRASÍLIA - Era março de 2023, fazia pouco mais de dois meses que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha tomado posse, quando o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se reuniu com cerca de 150 familiares de pessoas que foram vítimas da ditadura militar. Na ocasião, ele disse às famílias que já havia deliberado sobre a recriação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e que faltava apenas a decisão de Lula. Quase um ano depois, a situação segue inalterada e não há perspectivas de que o colegiado volte a funcionar no curto prazo.

A Comissão, criada em 1995 com o objetivo de reconhecer pessoas mortas ou desaparecidas durante a ditadura e despachar sobre pedidos de indenização de familiares, foi extinta no final do governo Jair Bolsonaro (PL), quando faltavam 15 dias para o ex-presidente deixar o Palácio do Planalto. Com a chegada de Lula ao governo, Almeida anunciou que a recriação do colegiado era uma das principais metas da sua gestão. Mas, com o passar do tempo, a proposta elaborada pela pasta dos Direitos Humanos travou na Esplanada dos Ministérios, onde ministros atribuem uns aos outros a responsabilidade pela inexistência do órgão. Procurada, a Casa Civil alegou que processo precisa passar por diferentes fases de discussão.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversa com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e José Múcio Monteiro (Defesa) durante reunião ministerial no Palácio do Planalto. Foto: Wilton Junior

O Ministério dos Direitos Humanos elaborou uma minuta de decreto que estabelece “as medidas administrativas e jurídicas para o restabelecimento” da Comissão. O texto foi submetido à análise técnica da Advocacia-Geral da União (AGU) e dos ministérios da Defesa e da Justiça ainda em 2023. A proposta elaborada pela equipe de Almeida colheu pareceres favoráveis das três pastas. Nem mesmo a área ligada aos militares apresentou resistência: “A análise do mérito apontou que não há impedimentos jurídicos para a reativação do grupo”, atestou a Defesa. Mesmo assim, o projeto empacou na Casa Civil.

A área chefiada pelo ministro Rui Costa não explicou o que impediu a instalação do colegiado no primeiro ano do governo Lula e ainda atribuiu a paralisia do processo a um fato ocorrido somente em 2024. De acordo com a Casa Civil, o parecer elaborado pelo Ministério da Justiça durante a gestão do ex-ministro Flávio Dino não vale mais. “É necessário aguardar o pronunciamento do novo titular do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Ricardo Lewandowski) acerca da concordância com o conteúdo proposto”, alegou a pasta em resposta à reportagem. O atual ministro tomou posse no dia 1º de fevereiro deste ano.

A pasta ligada à Presidência ainda disse que será feito um “balanço interno dos atos desenvolvidos previamente pela Comissão, até a sua extinção”. Segundo a Casa Civil, o procedimento visa “auxiliar no desenvolvimento de um plano de ação que pudesse, eventualmente, orientar possíveis futuros trabalhos da Comissão”.

Ato de familiares de vítimas da ditadura coincide com ensaio militar na Praça dos Três Poderes Foto: Leonêncio Nossa / Estadão

“Qualquer matéria em discussão no governo tem seu rito procedimental e precisa passar por diferentes fases de discussão. Diante disso, é incorreto supor que uma proposta ao chegar na Casa Civil será automaticamente aceita sem que seja garantida a possiblidade de ampla manifestação de todos os atores envolvidos”, disse a Casa Civil sobre a necessidade de novo parecer da Justiça.

O Ministério dos Direitos Humanos só foi informado na última quarta-feira, 13, pela Casa Civil de que deveria colher o parecer de Lewandowski. Um funcionário com acesso às áreas deliberativas da pasta da Justiça relatou que a atual gestão não tinha conhecimento da necessidade de uma nova manifestação sobre o tema. Além disso, a Justiça informou em nota que “ainda não recebeu a minuta do decreto que recria a Comissão” para ser analisada.

A pasta chefiada por Silvio Almeida vai enviar nesta semana a minuta para que seja analisado por Lewandowski. A equipe dos Direitos Humanos quer mostrar que fez tudo ao seu alcance para destravar o Comissão.

Funcionários de diferentes pastas envolvidas neste processo atribuem a paralisia à Casa Civil. Contudo, também há a avaliação de que a recriação da CEMDP funciona, na prática, como um “jogo de empurra” entre as diferentes áreas do governo.

A Comissão causa apreensão em Lula. O presidente tem apostado numa política de conciliação com as Forças Armadas. Um exemplo dessa estratégia de apaziguamento foi a ordem dada pelo petista na semana passada para cancelar todos os atos alusivos aos 60 anos do golpe militar. O Ministério dos Direitos Humanos, por exemplo, teve que desfazer os preparativos de um evento que aconteceria no dia 1º de abril no Museu Nacional da República.

O posicionamento recente do petista nos temas relacionados à ditadura é alvo de críticas de familiares das vítimas. Ivo Herzog, filho do jornalista assassinado pelos militares Vladmir Herzog, classificou como “vergonhosa e desrespeitosa com as famílias” a paralisia do governo no processo de retomada da Comissão. Para ele, o movimento dos ministros de terceirizar a responsabilidade sobre o tema não esconde que “o principal responsável é o presidente Lula”.

“Se um dos seus ministros não está fazendo o suficiente, ele tem poder para trocar esse ministro”, disse. “São famílias que esperam justiça há muitas décadas, portanto tem vários familiares com idades muito avançadas. Isso demonstra uma total falta de respeito humano por parte do governo e governo é um só, o qual quem lidera é o presidente Lula. Então, a responsabilidade é dele e de ninguém mais”, prosseguiu.

“A pergunta que tem que ser feita ao presidente Lula é: por que ele quer dar segmento a uma política de Estado do governo Bolsonaro de desrespeito à Justiça e aos mortos e desaparecidos?”, questionou. “Se até o Ministério da Defesa dá um parecer favorável do ponto de vista técnico e jurídico, é uma questão de caráter pessoal do presidente Lula essa oposição ao processo”, enfatizou.

Não são só os familiares das vítimas que provocam o governo Lula pela retomada da Comissão. O Ministério Público Federal (MPF) apresentou no último dia 7 de março uma recomendação ao Ministério dos Direitos Humanos para que o colegiado seja recriado no prazo máximo de 60 dias. “Os trabalhos da CEMDP devem prosseguir para permitir a perfeita execução das condenações impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil”, diz o documento.

O MPF declara que a extinção do colegiado pelo governo Bolsonaro ocorreu de forma prematura, o que impediu o cumprimento integral dos seus objetivos, como o recolhimento dos restos mortais de integrantes da Guerrilha do Araguaia. O órgão ainda recomendou que sejam destinados recursos financeiros e humanos para que o restabelecimento dos trabalhos seja efetivo.

Alguns integrantes da equipe de Silvio Almeida veem a provocação do MPF como uma oportunidade de demonstrar que a letargia para recriar a CEMDP não partiu do Ministério. A pasta dos Direitos Humanos vai produzir um longo relatório com a descrição de todas as idas e vindas, assim como de tudo que foi feito, desde o ano passado. A Comissão foi criada na gestão Fernando Henrique Cardoso com o propósito de apresentar respostas para as mortes e desaparecimentos ocorridos entre 1961 e 1979.

Lula, no entanto, declarou em entrevista no mês passado à RedeTV que não quer “ficar remoendo o passado”. O presidente se referia à efeméride de 60 anos anos do golpe, que acontecerá nos dias 31 deste mês e 1º de abril. Ele argumentou na ocasião que o golpe de 1964 “faz parte” do passado”, que “quer tocar o País para frente” e que se preocupa mais com a tentativa de golpe ocorrida em janeiro de 2023 do que com a efetivada décadas atrás.

O petista ecoa declarações recentes de militares, como o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Joseli Parente Camelo. Em entrevista ao jornal O Globo, ele afirmou que a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos é “completamente desnecessária” e seria equivalente a “olhar para o retrovisor”.

Para Ivo Herzog, “só aquelas pessoas que não têm orgulho do seu passado querem que as histórias não sejam contadas”. “Se as pessoas têm orgulho do seu passado e não devem nada, elas deveriam apoiar que a nossa história fosse contada”, disse.

BRASÍLIA - Era março de 2023, fazia pouco mais de dois meses que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha tomado posse, quando o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se reuniu com cerca de 150 familiares de pessoas que foram vítimas da ditadura militar. Na ocasião, ele disse às famílias que já havia deliberado sobre a recriação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e que faltava apenas a decisão de Lula. Quase um ano depois, a situação segue inalterada e não há perspectivas de que o colegiado volte a funcionar no curto prazo.

A Comissão, criada em 1995 com o objetivo de reconhecer pessoas mortas ou desaparecidas durante a ditadura e despachar sobre pedidos de indenização de familiares, foi extinta no final do governo Jair Bolsonaro (PL), quando faltavam 15 dias para o ex-presidente deixar o Palácio do Planalto. Com a chegada de Lula ao governo, Almeida anunciou que a recriação do colegiado era uma das principais metas da sua gestão. Mas, com o passar do tempo, a proposta elaborada pela pasta dos Direitos Humanos travou na Esplanada dos Ministérios, onde ministros atribuem uns aos outros a responsabilidade pela inexistência do órgão. Procurada, a Casa Civil alegou que processo precisa passar por diferentes fases de discussão.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversa com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e José Múcio Monteiro (Defesa) durante reunião ministerial no Palácio do Planalto. Foto: Wilton Junior

O Ministério dos Direitos Humanos elaborou uma minuta de decreto que estabelece “as medidas administrativas e jurídicas para o restabelecimento” da Comissão. O texto foi submetido à análise técnica da Advocacia-Geral da União (AGU) e dos ministérios da Defesa e da Justiça ainda em 2023. A proposta elaborada pela equipe de Almeida colheu pareceres favoráveis das três pastas. Nem mesmo a área ligada aos militares apresentou resistência: “A análise do mérito apontou que não há impedimentos jurídicos para a reativação do grupo”, atestou a Defesa. Mesmo assim, o projeto empacou na Casa Civil.

A área chefiada pelo ministro Rui Costa não explicou o que impediu a instalação do colegiado no primeiro ano do governo Lula e ainda atribuiu a paralisia do processo a um fato ocorrido somente em 2024. De acordo com a Casa Civil, o parecer elaborado pelo Ministério da Justiça durante a gestão do ex-ministro Flávio Dino não vale mais. “É necessário aguardar o pronunciamento do novo titular do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Ricardo Lewandowski) acerca da concordância com o conteúdo proposto”, alegou a pasta em resposta à reportagem. O atual ministro tomou posse no dia 1º de fevereiro deste ano.

A pasta ligada à Presidência ainda disse que será feito um “balanço interno dos atos desenvolvidos previamente pela Comissão, até a sua extinção”. Segundo a Casa Civil, o procedimento visa “auxiliar no desenvolvimento de um plano de ação que pudesse, eventualmente, orientar possíveis futuros trabalhos da Comissão”.

Ato de familiares de vítimas da ditadura coincide com ensaio militar na Praça dos Três Poderes Foto: Leonêncio Nossa / Estadão

“Qualquer matéria em discussão no governo tem seu rito procedimental e precisa passar por diferentes fases de discussão. Diante disso, é incorreto supor que uma proposta ao chegar na Casa Civil será automaticamente aceita sem que seja garantida a possiblidade de ampla manifestação de todos os atores envolvidos”, disse a Casa Civil sobre a necessidade de novo parecer da Justiça.

O Ministério dos Direitos Humanos só foi informado na última quarta-feira, 13, pela Casa Civil de que deveria colher o parecer de Lewandowski. Um funcionário com acesso às áreas deliberativas da pasta da Justiça relatou que a atual gestão não tinha conhecimento da necessidade de uma nova manifestação sobre o tema. Além disso, a Justiça informou em nota que “ainda não recebeu a minuta do decreto que recria a Comissão” para ser analisada.

A pasta chefiada por Silvio Almeida vai enviar nesta semana a minuta para que seja analisado por Lewandowski. A equipe dos Direitos Humanos quer mostrar que fez tudo ao seu alcance para destravar o Comissão.

Funcionários de diferentes pastas envolvidas neste processo atribuem a paralisia à Casa Civil. Contudo, também há a avaliação de que a recriação da CEMDP funciona, na prática, como um “jogo de empurra” entre as diferentes áreas do governo.

A Comissão causa apreensão em Lula. O presidente tem apostado numa política de conciliação com as Forças Armadas. Um exemplo dessa estratégia de apaziguamento foi a ordem dada pelo petista na semana passada para cancelar todos os atos alusivos aos 60 anos do golpe militar. O Ministério dos Direitos Humanos, por exemplo, teve que desfazer os preparativos de um evento que aconteceria no dia 1º de abril no Museu Nacional da República.

O posicionamento recente do petista nos temas relacionados à ditadura é alvo de críticas de familiares das vítimas. Ivo Herzog, filho do jornalista assassinado pelos militares Vladmir Herzog, classificou como “vergonhosa e desrespeitosa com as famílias” a paralisia do governo no processo de retomada da Comissão. Para ele, o movimento dos ministros de terceirizar a responsabilidade sobre o tema não esconde que “o principal responsável é o presidente Lula”.

“Se um dos seus ministros não está fazendo o suficiente, ele tem poder para trocar esse ministro”, disse. “São famílias que esperam justiça há muitas décadas, portanto tem vários familiares com idades muito avançadas. Isso demonstra uma total falta de respeito humano por parte do governo e governo é um só, o qual quem lidera é o presidente Lula. Então, a responsabilidade é dele e de ninguém mais”, prosseguiu.

“A pergunta que tem que ser feita ao presidente Lula é: por que ele quer dar segmento a uma política de Estado do governo Bolsonaro de desrespeito à Justiça e aos mortos e desaparecidos?”, questionou. “Se até o Ministério da Defesa dá um parecer favorável do ponto de vista técnico e jurídico, é uma questão de caráter pessoal do presidente Lula essa oposição ao processo”, enfatizou.

Não são só os familiares das vítimas que provocam o governo Lula pela retomada da Comissão. O Ministério Público Federal (MPF) apresentou no último dia 7 de março uma recomendação ao Ministério dos Direitos Humanos para que o colegiado seja recriado no prazo máximo de 60 dias. “Os trabalhos da CEMDP devem prosseguir para permitir a perfeita execução das condenações impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil”, diz o documento.

O MPF declara que a extinção do colegiado pelo governo Bolsonaro ocorreu de forma prematura, o que impediu o cumprimento integral dos seus objetivos, como o recolhimento dos restos mortais de integrantes da Guerrilha do Araguaia. O órgão ainda recomendou que sejam destinados recursos financeiros e humanos para que o restabelecimento dos trabalhos seja efetivo.

Alguns integrantes da equipe de Silvio Almeida veem a provocação do MPF como uma oportunidade de demonstrar que a letargia para recriar a CEMDP não partiu do Ministério. A pasta dos Direitos Humanos vai produzir um longo relatório com a descrição de todas as idas e vindas, assim como de tudo que foi feito, desde o ano passado. A Comissão foi criada na gestão Fernando Henrique Cardoso com o propósito de apresentar respostas para as mortes e desaparecimentos ocorridos entre 1961 e 1979.

Lula, no entanto, declarou em entrevista no mês passado à RedeTV que não quer “ficar remoendo o passado”. O presidente se referia à efeméride de 60 anos anos do golpe, que acontecerá nos dias 31 deste mês e 1º de abril. Ele argumentou na ocasião que o golpe de 1964 “faz parte” do passado”, que “quer tocar o País para frente” e que se preocupa mais com a tentativa de golpe ocorrida em janeiro de 2023 do que com a efetivada décadas atrás.

O petista ecoa declarações recentes de militares, como o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Joseli Parente Camelo. Em entrevista ao jornal O Globo, ele afirmou que a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos é “completamente desnecessária” e seria equivalente a “olhar para o retrovisor”.

Para Ivo Herzog, “só aquelas pessoas que não têm orgulho do seu passado querem que as histórias não sejam contadas”. “Se as pessoas têm orgulho do seu passado e não devem nada, elas deveriam apoiar que a nossa história fosse contada”, disse.

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