Governo Lula fecha contratos de R$ 14 milhões com empresa ré por garimpo ilegal na Amazônia


Garimpo fica dentro de reserva biológica e família de fundador enriqueceu sob a ilegalidade, segundo a PF; Ministério da Saúde diz que romperá contrato se a empresa for condenada e o advogado da companhia não se manifestou

Por Tácio Lorran
Atualização:

BRASÍLIA – Sob a gestão de Nísia Trindade, o Ministério da Saúde firmou dois contratos em 2023, no valor total de R$ 14,4 milhões, com uma empresa de táxi aéreo que responde na Justiça por garimpo de ouro ilegal em uma reserva biológica (Rebio) na Amazônia.

A Piquiatuba Táxi Aéreo tem sede em Santarém (PA) e é acusada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) de usar aeronaves para auxiliar um garimpo dentro da Reserva Biológica Maicuru, no norte do Pará, e próximo a indígenas isolados. O fundador do garimpo é pai dos sócios da Piquiatuba e construiu o grupo empresarial da família a partir da extração ilegal de ouro. A denúncia foi aceita pela Justiça Federal, e a empresa responde ao processo em primeira instância.

Procurado, o Ministério da Saúde disse que não compactua com o garimpo ilegal e informou que vai suspender os contratos com a Piquiatuba somente se a empresa for condenada na Justiça. O advogado da companhia não se manifestou.

continua após a publicidade

Os contratos foram firmados em junho e agosto do ano passado pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) de Tapajós e de Kaiapó Redenção, vinculados ao Ministério da Saúde, ambos no Pará, para serviço de fretamento de aeronaves nas regiões. Esses aviões são usados em missões de equipes de saúde para atendimento em comunidades indígenas. A denúncia do MPF foi aceita pela Justiça Federal em maio de 2021, ou seja, os contratos firmados com o governo Lula ocorreram depois disso.

Os acordos feitos pelo Ministério da Saúde vão na contramão da política ambiental anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que prometeu tolerância zero contra o garimpo ilegal e que tem usado a defesa da Amazônia como pauta internacional.

continua após a publicidade

A relação da Piquiatuba com a gestão pública, porém, não é de agora. Desde 2014, quando assinou o primeiro contrato, durante a gestão de Dilma Rousseff, a empresa ganhou R$ 181,7 milhões do governo federal, segundo dados do Portal da Transparência. Desse total, R$ 24,9 milhões foram repassados pela atual gestão petista.

Além dos dois novos contratos, o Ministério de Nísia Trindade renovou outros dois acordos com a empresa denunciada. Um deles foi feito com o DSEI Amapá e Norte do Pará. A região, inclusive, abrange o garimpo ilegal de onde a companhia extraiu ouro de forma criminosa, segundo Ministério Público Federal e a Polícia Federal. O outro foi renovado com o distrito de Guamá-Tocantins.

Garimpeiro construiu maior empresa de táxi aéreo do Norte e Nordeste com a extração ilegal de ouro

continua após a publicidade

A Piquiatuba e seus dois sócios, Edson Barros da Silva e Patrick Paiva da Silva, foram denunciados pelo MPF em maio de 2021 por atuarem na extração ilegal de ouro numa região conhecida como Garimpo do Limão, que fica a 10 quilômetros do território indígena Rio Paru d’Este. A terra abrange os povos Aparai, Wayana e isolados do alto Rio Ipitinga.

De acordo com a denúncia, a Piquiatuba usou seus aviões para auxiliar o empreendimento criminoso. A empresa realizou entre 2015 e 2018 cerca de 200 voos para o Garimpo do Limão. Nesse mesmo período, Armando Amâncio da Silva vendeu e esquentou ao menos R$ 13,4 milhões de ouro ilegal, segundo os investigadores.

Edson Barros da Silva, Armando Amâncio da Silva e Patrick Paiva da Silva, da esquerda para a direita Foto: @Edson7777 via Instagram e @patrickpaiva via Facebook
continua após a publicidade

Armando é fundador da Piquiatuba e pai dos atuais sócios da empresa. Ele morreu em outubro de 2020, três semanas depois de ter sido alvo da operação Ouro Frio, da Polícia Federal. Os investigadores encontraram 44,9 quilogramas de ouro ilegal na casa do empresário.

Armando nasceu em Gilbués, no sul do Piauí, e foi um dos milhares de nordestinos que se mudaram para a Amazônia atrás de ouro, na década de 1970. O garimpo fundado por ele, segundo a Polícia Federal, jamais teve autorização para extrair o minério.

O único jeito possível para acessar o Garimpo do Limão é por via aérea. Armando comprou seu primeiro monomotor logo na década de 1980. A partir daí, criou uma empresa de aviação – ao mesmo tempo em que extraía ouro de forma ilegal. Hoje, a Piquiatuba é a maior empresa de táxi aéreo do Norte e do Nordeste do País, com uma frota de 23 aeronaves e mais de 15 mil decolagens, segundo números publicados pela própria companhia.

continua após a publicidade

Armando teve a punibilidade extinta em 2020 devido ao seu óbito. A ação penal se manteve, no entanto, contra a Piquiatuba e os irmãos Edson e Patrick.

Edson é piloto de avião, assim como o pai, e casado com a vereadora de Santarém Adriana Almeida (União Brasil), aliada do ministro do Turismo, Celso Sabino (União Brasil). Patrick é responsável pelo setor de recursos humanos da companhia.

Empresa de táxi aéreo causou ‘ampla gama de danos’ à Amazônia, segundo denúncia

continua após a publicidade

Além da ação penal em curso, o MPF apresentou uma ação civil pública contra a Piquiatuba. A Procuradoria pede que a empresa seja condenada a pagar R$ 395,4 milhões por venda ilegal de ouro, danos ambientais e danos coletivos aos povos indígenas da terra Paru D’Este.

“Fora identificada uma ampla gama de danos à unidade de conservação, que vão desde o emprego absolutamente inadequado de substâncias tóxicas à saúde e altamente poluentes ao meio ambiente – no caso, mercúrio e cianeto –, ao revolvimento do solo e supressão vegetal, todos estes danos diretamente relacionados à atuação dos denunciados”, diz o MPF.

Garimpo do Limão fica dentro de uma reserva biológica no norte do Pará e ao lado de uma pista de pouso usada pela Piquiatuba Táxi Aéreo Foto: Reprodução/ MPF
Trecho da ação civil pública ofertada pelo MPF contra a Piquiatuba e seus dois sócios Foto: Reprodução

A Controladoria-Geral da União (CGU) também já apontou um favorecimento da Piquiatuba Táxi Aéreo durante uma licitação feita em 2019 pelo governo Jair Bolsonaro para atendimento na região da Terra Indígena Yanomami. O relatório de auditoria identificou que a escolha da empresa durante o pregão ocorreu antes mesmo da elaboração do projeto básico, o que reforça a tese de direcionamento. O caso é investigado pela Polícia Federal.

Já em março do ano passado, a CGU levantou uma série de irregularidades na execução do contrato do DSEI Guamá-Tocantins com a Piquiatuba. Os prejuízos somam mais de R$ 790 mil. Esse foi um dos acordos renovados pela gestão de Nísia Trindade.

Ministério da Saúde diz que não compactua com garimpo ilegal

Em nota ao Estadão, o Ministério da Saúde ressaltou que não compactua com ações de garimpo ilegal e informou que vai aplicar “rigorosamente a legislação cabível no sentido de suspender imediatamente quaisquer relações com empresas comprovadamente envolvidas com atividades ilegais”.

A pasta relatou acompanhar com atenção a conclusão dos inquéritos conduzidos e disse estar à disposição para colaborar com os órgãos de controle e autoridades judiciais.

O Ministério destacou que o fretamento de aeronaves é de fundamental importância para a condução das ações de atenção à saúde dos povos indígenas, já que em várias aldeias o acesso é realizado apenas por via aérea.

“Sem esses serviços, os profissionais de saúde que prestam assistência aos indígenas ficam impossibilitados de acessar as aldeias nos territórios, além de resgates para remoção de indígenas que precisam de atendimento especializado. A contratação desses serviços segue o rito legal e os procedimentos administrativos regulares, e o Ministério adotará as medidas cabíveis assim que tomar conhecimento das decisões judiciais”, informou a nota.

BRASÍLIA – Sob a gestão de Nísia Trindade, o Ministério da Saúde firmou dois contratos em 2023, no valor total de R$ 14,4 milhões, com uma empresa de táxi aéreo que responde na Justiça por garimpo de ouro ilegal em uma reserva biológica (Rebio) na Amazônia.

A Piquiatuba Táxi Aéreo tem sede em Santarém (PA) e é acusada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) de usar aeronaves para auxiliar um garimpo dentro da Reserva Biológica Maicuru, no norte do Pará, e próximo a indígenas isolados. O fundador do garimpo é pai dos sócios da Piquiatuba e construiu o grupo empresarial da família a partir da extração ilegal de ouro. A denúncia foi aceita pela Justiça Federal, e a empresa responde ao processo em primeira instância.

Procurado, o Ministério da Saúde disse que não compactua com o garimpo ilegal e informou que vai suspender os contratos com a Piquiatuba somente se a empresa for condenada na Justiça. O advogado da companhia não se manifestou.

Os contratos foram firmados em junho e agosto do ano passado pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) de Tapajós e de Kaiapó Redenção, vinculados ao Ministério da Saúde, ambos no Pará, para serviço de fretamento de aeronaves nas regiões. Esses aviões são usados em missões de equipes de saúde para atendimento em comunidades indígenas. A denúncia do MPF foi aceita pela Justiça Federal em maio de 2021, ou seja, os contratos firmados com o governo Lula ocorreram depois disso.

Os acordos feitos pelo Ministério da Saúde vão na contramão da política ambiental anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que prometeu tolerância zero contra o garimpo ilegal e que tem usado a defesa da Amazônia como pauta internacional.

A relação da Piquiatuba com a gestão pública, porém, não é de agora. Desde 2014, quando assinou o primeiro contrato, durante a gestão de Dilma Rousseff, a empresa ganhou R$ 181,7 milhões do governo federal, segundo dados do Portal da Transparência. Desse total, R$ 24,9 milhões foram repassados pela atual gestão petista.

Além dos dois novos contratos, o Ministério de Nísia Trindade renovou outros dois acordos com a empresa denunciada. Um deles foi feito com o DSEI Amapá e Norte do Pará. A região, inclusive, abrange o garimpo ilegal de onde a companhia extraiu ouro de forma criminosa, segundo Ministério Público Federal e a Polícia Federal. O outro foi renovado com o distrito de Guamá-Tocantins.

Garimpeiro construiu maior empresa de táxi aéreo do Norte e Nordeste com a extração ilegal de ouro

A Piquiatuba e seus dois sócios, Edson Barros da Silva e Patrick Paiva da Silva, foram denunciados pelo MPF em maio de 2021 por atuarem na extração ilegal de ouro numa região conhecida como Garimpo do Limão, que fica a 10 quilômetros do território indígena Rio Paru d’Este. A terra abrange os povos Aparai, Wayana e isolados do alto Rio Ipitinga.

De acordo com a denúncia, a Piquiatuba usou seus aviões para auxiliar o empreendimento criminoso. A empresa realizou entre 2015 e 2018 cerca de 200 voos para o Garimpo do Limão. Nesse mesmo período, Armando Amâncio da Silva vendeu e esquentou ao menos R$ 13,4 milhões de ouro ilegal, segundo os investigadores.

Edson Barros da Silva, Armando Amâncio da Silva e Patrick Paiva da Silva, da esquerda para a direita Foto: @Edson7777 via Instagram e @patrickpaiva via Facebook

Armando é fundador da Piquiatuba e pai dos atuais sócios da empresa. Ele morreu em outubro de 2020, três semanas depois de ter sido alvo da operação Ouro Frio, da Polícia Federal. Os investigadores encontraram 44,9 quilogramas de ouro ilegal na casa do empresário.

Armando nasceu em Gilbués, no sul do Piauí, e foi um dos milhares de nordestinos que se mudaram para a Amazônia atrás de ouro, na década de 1970. O garimpo fundado por ele, segundo a Polícia Federal, jamais teve autorização para extrair o minério.

O único jeito possível para acessar o Garimpo do Limão é por via aérea. Armando comprou seu primeiro monomotor logo na década de 1980. A partir daí, criou uma empresa de aviação – ao mesmo tempo em que extraía ouro de forma ilegal. Hoje, a Piquiatuba é a maior empresa de táxi aéreo do Norte e do Nordeste do País, com uma frota de 23 aeronaves e mais de 15 mil decolagens, segundo números publicados pela própria companhia.

Armando teve a punibilidade extinta em 2020 devido ao seu óbito. A ação penal se manteve, no entanto, contra a Piquiatuba e os irmãos Edson e Patrick.

Edson é piloto de avião, assim como o pai, e casado com a vereadora de Santarém Adriana Almeida (União Brasil), aliada do ministro do Turismo, Celso Sabino (União Brasil). Patrick é responsável pelo setor de recursos humanos da companhia.

Empresa de táxi aéreo causou ‘ampla gama de danos’ à Amazônia, segundo denúncia

Além da ação penal em curso, o MPF apresentou uma ação civil pública contra a Piquiatuba. A Procuradoria pede que a empresa seja condenada a pagar R$ 395,4 milhões por venda ilegal de ouro, danos ambientais e danos coletivos aos povos indígenas da terra Paru D’Este.

“Fora identificada uma ampla gama de danos à unidade de conservação, que vão desde o emprego absolutamente inadequado de substâncias tóxicas à saúde e altamente poluentes ao meio ambiente – no caso, mercúrio e cianeto –, ao revolvimento do solo e supressão vegetal, todos estes danos diretamente relacionados à atuação dos denunciados”, diz o MPF.

Garimpo do Limão fica dentro de uma reserva biológica no norte do Pará e ao lado de uma pista de pouso usada pela Piquiatuba Táxi Aéreo Foto: Reprodução/ MPF
Trecho da ação civil pública ofertada pelo MPF contra a Piquiatuba e seus dois sócios Foto: Reprodução

A Controladoria-Geral da União (CGU) também já apontou um favorecimento da Piquiatuba Táxi Aéreo durante uma licitação feita em 2019 pelo governo Jair Bolsonaro para atendimento na região da Terra Indígena Yanomami. O relatório de auditoria identificou que a escolha da empresa durante o pregão ocorreu antes mesmo da elaboração do projeto básico, o que reforça a tese de direcionamento. O caso é investigado pela Polícia Federal.

Já em março do ano passado, a CGU levantou uma série de irregularidades na execução do contrato do DSEI Guamá-Tocantins com a Piquiatuba. Os prejuízos somam mais de R$ 790 mil. Esse foi um dos acordos renovados pela gestão de Nísia Trindade.

Ministério da Saúde diz que não compactua com garimpo ilegal

Em nota ao Estadão, o Ministério da Saúde ressaltou que não compactua com ações de garimpo ilegal e informou que vai aplicar “rigorosamente a legislação cabível no sentido de suspender imediatamente quaisquer relações com empresas comprovadamente envolvidas com atividades ilegais”.

A pasta relatou acompanhar com atenção a conclusão dos inquéritos conduzidos e disse estar à disposição para colaborar com os órgãos de controle e autoridades judiciais.

O Ministério destacou que o fretamento de aeronaves é de fundamental importância para a condução das ações de atenção à saúde dos povos indígenas, já que em várias aldeias o acesso é realizado apenas por via aérea.

“Sem esses serviços, os profissionais de saúde que prestam assistência aos indígenas ficam impossibilitados de acessar as aldeias nos territórios, além de resgates para remoção de indígenas que precisam de atendimento especializado. A contratação desses serviços segue o rito legal e os procedimentos administrativos regulares, e o Ministério adotará as medidas cabíveis assim que tomar conhecimento das decisões judiciais”, informou a nota.

BRASÍLIA – Sob a gestão de Nísia Trindade, o Ministério da Saúde firmou dois contratos em 2023, no valor total de R$ 14,4 milhões, com uma empresa de táxi aéreo que responde na Justiça por garimpo de ouro ilegal em uma reserva biológica (Rebio) na Amazônia.

A Piquiatuba Táxi Aéreo tem sede em Santarém (PA) e é acusada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) de usar aeronaves para auxiliar um garimpo dentro da Reserva Biológica Maicuru, no norte do Pará, e próximo a indígenas isolados. O fundador do garimpo é pai dos sócios da Piquiatuba e construiu o grupo empresarial da família a partir da extração ilegal de ouro. A denúncia foi aceita pela Justiça Federal, e a empresa responde ao processo em primeira instância.

Procurado, o Ministério da Saúde disse que não compactua com o garimpo ilegal e informou que vai suspender os contratos com a Piquiatuba somente se a empresa for condenada na Justiça. O advogado da companhia não se manifestou.

Os contratos foram firmados em junho e agosto do ano passado pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) de Tapajós e de Kaiapó Redenção, vinculados ao Ministério da Saúde, ambos no Pará, para serviço de fretamento de aeronaves nas regiões. Esses aviões são usados em missões de equipes de saúde para atendimento em comunidades indígenas. A denúncia do MPF foi aceita pela Justiça Federal em maio de 2021, ou seja, os contratos firmados com o governo Lula ocorreram depois disso.

Os acordos feitos pelo Ministério da Saúde vão na contramão da política ambiental anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que prometeu tolerância zero contra o garimpo ilegal e que tem usado a defesa da Amazônia como pauta internacional.

A relação da Piquiatuba com a gestão pública, porém, não é de agora. Desde 2014, quando assinou o primeiro contrato, durante a gestão de Dilma Rousseff, a empresa ganhou R$ 181,7 milhões do governo federal, segundo dados do Portal da Transparência. Desse total, R$ 24,9 milhões foram repassados pela atual gestão petista.

Além dos dois novos contratos, o Ministério de Nísia Trindade renovou outros dois acordos com a empresa denunciada. Um deles foi feito com o DSEI Amapá e Norte do Pará. A região, inclusive, abrange o garimpo ilegal de onde a companhia extraiu ouro de forma criminosa, segundo Ministério Público Federal e a Polícia Federal. O outro foi renovado com o distrito de Guamá-Tocantins.

Garimpeiro construiu maior empresa de táxi aéreo do Norte e Nordeste com a extração ilegal de ouro

A Piquiatuba e seus dois sócios, Edson Barros da Silva e Patrick Paiva da Silva, foram denunciados pelo MPF em maio de 2021 por atuarem na extração ilegal de ouro numa região conhecida como Garimpo do Limão, que fica a 10 quilômetros do território indígena Rio Paru d’Este. A terra abrange os povos Aparai, Wayana e isolados do alto Rio Ipitinga.

De acordo com a denúncia, a Piquiatuba usou seus aviões para auxiliar o empreendimento criminoso. A empresa realizou entre 2015 e 2018 cerca de 200 voos para o Garimpo do Limão. Nesse mesmo período, Armando Amâncio da Silva vendeu e esquentou ao menos R$ 13,4 milhões de ouro ilegal, segundo os investigadores.

Edson Barros da Silva, Armando Amâncio da Silva e Patrick Paiva da Silva, da esquerda para a direita Foto: @Edson7777 via Instagram e @patrickpaiva via Facebook

Armando é fundador da Piquiatuba e pai dos atuais sócios da empresa. Ele morreu em outubro de 2020, três semanas depois de ter sido alvo da operação Ouro Frio, da Polícia Federal. Os investigadores encontraram 44,9 quilogramas de ouro ilegal na casa do empresário.

Armando nasceu em Gilbués, no sul do Piauí, e foi um dos milhares de nordestinos que se mudaram para a Amazônia atrás de ouro, na década de 1970. O garimpo fundado por ele, segundo a Polícia Federal, jamais teve autorização para extrair o minério.

O único jeito possível para acessar o Garimpo do Limão é por via aérea. Armando comprou seu primeiro monomotor logo na década de 1980. A partir daí, criou uma empresa de aviação – ao mesmo tempo em que extraía ouro de forma ilegal. Hoje, a Piquiatuba é a maior empresa de táxi aéreo do Norte e do Nordeste do País, com uma frota de 23 aeronaves e mais de 15 mil decolagens, segundo números publicados pela própria companhia.

Armando teve a punibilidade extinta em 2020 devido ao seu óbito. A ação penal se manteve, no entanto, contra a Piquiatuba e os irmãos Edson e Patrick.

Edson é piloto de avião, assim como o pai, e casado com a vereadora de Santarém Adriana Almeida (União Brasil), aliada do ministro do Turismo, Celso Sabino (União Brasil). Patrick é responsável pelo setor de recursos humanos da companhia.

Empresa de táxi aéreo causou ‘ampla gama de danos’ à Amazônia, segundo denúncia

Além da ação penal em curso, o MPF apresentou uma ação civil pública contra a Piquiatuba. A Procuradoria pede que a empresa seja condenada a pagar R$ 395,4 milhões por venda ilegal de ouro, danos ambientais e danos coletivos aos povos indígenas da terra Paru D’Este.

“Fora identificada uma ampla gama de danos à unidade de conservação, que vão desde o emprego absolutamente inadequado de substâncias tóxicas à saúde e altamente poluentes ao meio ambiente – no caso, mercúrio e cianeto –, ao revolvimento do solo e supressão vegetal, todos estes danos diretamente relacionados à atuação dos denunciados”, diz o MPF.

Garimpo do Limão fica dentro de uma reserva biológica no norte do Pará e ao lado de uma pista de pouso usada pela Piquiatuba Táxi Aéreo Foto: Reprodução/ MPF
Trecho da ação civil pública ofertada pelo MPF contra a Piquiatuba e seus dois sócios Foto: Reprodução

A Controladoria-Geral da União (CGU) também já apontou um favorecimento da Piquiatuba Táxi Aéreo durante uma licitação feita em 2019 pelo governo Jair Bolsonaro para atendimento na região da Terra Indígena Yanomami. O relatório de auditoria identificou que a escolha da empresa durante o pregão ocorreu antes mesmo da elaboração do projeto básico, o que reforça a tese de direcionamento. O caso é investigado pela Polícia Federal.

Já em março do ano passado, a CGU levantou uma série de irregularidades na execução do contrato do DSEI Guamá-Tocantins com a Piquiatuba. Os prejuízos somam mais de R$ 790 mil. Esse foi um dos acordos renovados pela gestão de Nísia Trindade.

Ministério da Saúde diz que não compactua com garimpo ilegal

Em nota ao Estadão, o Ministério da Saúde ressaltou que não compactua com ações de garimpo ilegal e informou que vai aplicar “rigorosamente a legislação cabível no sentido de suspender imediatamente quaisquer relações com empresas comprovadamente envolvidas com atividades ilegais”.

A pasta relatou acompanhar com atenção a conclusão dos inquéritos conduzidos e disse estar à disposição para colaborar com os órgãos de controle e autoridades judiciais.

O Ministério destacou que o fretamento de aeronaves é de fundamental importância para a condução das ações de atenção à saúde dos povos indígenas, já que em várias aldeias o acesso é realizado apenas por via aérea.

“Sem esses serviços, os profissionais de saúde que prestam assistência aos indígenas ficam impossibilitados de acessar as aldeias nos territórios, além de resgates para remoção de indígenas que precisam de atendimento especializado. A contratação desses serviços segue o rito legal e os procedimentos administrativos regulares, e o Ministério adotará as medidas cabíveis assim que tomar conhecimento das decisões judiciais”, informou a nota.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.