Governo Lula vai mandar proposta de regulação de redes sociais a relator de projeto na Câmara


Ideia é que proposição seja anexada a texto que já tramita, sob relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP); Arthur Lira pede ‘equilíbrio’ entre liberdade de expressão e responsabilização das plataformas, e ministros do STF defendem rigor

Por Gabriel Vasconcelos , Rayanderson Guerra e Vinicius Neder

RIO - O governo federal vai apresentar ao Congresso Nacional uma proposta de regulamentação da difusão de conteúdo pelas redes sociais, para ser anexada a um projeto de lei (PL) que já tramita na Câmara dos Deputados. Segundo o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, essa proposta será submetida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já na próxima semana. Depois, será encaminhada ao relator do projeto já em tramitação, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP).

A proposta do governo federal é preparada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, disse Dino. A premissa principal da proposta é a responsabilização das grandes plataformas das redes sociais na internet, as chamadas “big techs”. A ideia é fazê-lo com “transparência e auditorias”, disse Dino, incluindo a definição de alguma instância reguladora, desde que feito “com leveza”, sem burocracia.

Para responsabilizar as plataformas, um dos instrumentos será a definição de “dever de cuidado”. De acordo com Dino, na proposta, isso estará na exigência de que as plataformas façam relatórios semestrais sobre “moderação”, “impulsionamento” e “retiradas” de conteúdos. O governo propõe que o dever de cuidado seja mais rigoroso em certas circunstâncias, como a violação da privacidade envolvendo atos sexuais.

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“Essa gradação valorativa já consta no ordenamento jurídico brasileiro (no Marco Civil da Internet). Por isso, estamos propondo que esse dever de cuidado seja mais qualificado quando se tratar de temas como crianças e adolescentes, direitos humanos, crimes contra o Estado democrático de direito e terrorismo”, afirmou Dino, em evento sobre liberdade de expressão e redes sociais, na sede da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio.

Arthur Lira pede 'caminho do meio', e Gilmar Mendes elogia regulação europeia Foto: Pedro Kirilos/Estadão

O ministro negou que a proposta traga algo relacionado ao “controle da mídia”.

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“Não estamos tratando disso, estamos tratando especificamente dessa situação das plataformas que são provedoras de conteúdos de terceiros. Então, não há esse sentido de controle de conteúdo. A não ser quando os conteúdos forem criminosos”, afirmou Dino, citando pedofilia e terrorismo como exemplos de conteúdos criminosos, ao deixar, ao deixar o evento no Rio.

O PL relatado por Silva na Câmara tem origem no Senado e é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). O objetivo do texto é instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Está em tramitação desde 2020. Agora, o tema ganhou urgência após a polarização que vem contaminando o debate político há anos no Brasil culminar nos atos de 8 de janeiro passado, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes da República, em Brasília –, sustentaram Dino e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o evento no Rio, organizado pela FGV, em parceria com a TV Globo e o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Segundo Dino, a ideia de incluir uma proposta do Executivo no PL que já tramita na Câmara foi recebida, inicialmente, com desconfiança, mas, posteriormente, foi “pactuada” com Silva e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Com isso, o ministro acha possível que uma nova regulamentação das redes sociais possa ser aprovada no Congresso Nacional ainda este ano.

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Lira pede ‘caminho do meio’

Também presente no evento no Rio, Lira evitou falar em prazos. Disse que o PL aprovado no Senado tratou o tema de forma mais “simples” e reconheceu que, desde então, muita coisa aconteceu em relação ao assunto. Segundo o presidente da Câmara, além da proposta do governo federal, Silva receberá nos próximos dias sugestões também do STF. A ideia também é receber contribuições da sociedade civil.

Conforme Lira, a “pactuação” com o Executivo se deu na forma de tratar o encaminhamento do tema. Inicialmente, o governo federal teria demonstrado a intenção de editar uma Medida Provisória (MP) sobre o assunto. Mas foi convencido a dar seguimento à tramitação do PL relatado por Silva. Agora, disse Lira, o parlamentar do PCdoB fará uma “síntese” das propostas.

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Lira classificou o tema da regulação como “polêmico, abstrato e subjetivo”. Mas defendeu que o assunto seja tratado com “equilíbrio” entre a liberdade de expressão e a responsabilização das plataformas da internet.

“É preciso encontrar o caminho do meio para administrar, legislar sobre e julgar questões envolvendo liberdade de expressão, redes sociais e democracia. É para tentarmos dar um passo em direção a esse equilíbrio que estamos reunidos aqui. A sociedade brasileira espera que os administradores (das redes sociais) e os representantes eleitos consigam encontrar o quanto antes uma forma de equilibrar o fenômeno das redes sociais. É um equilíbrio delicado e que envolve valores inestimáveis para a vida pública brasileira. Esse equilíbrio não é uma utopia, mas uma necessidade”, disse Lira, em palestra durante o evento.

Flávio Dino prepara projeto de regulação com a Secom Foto: Wilton Junior/Estadão
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Mesmo assim, Dino aposta na “pactuação” com Lira e na urgência do assunto para garantir a boa vontade do Legislativo para apreciar a matéria ainda este ano. Além disso, há duas ações judiciais no STF sobre a questão da regulação das redes sociais.

“São dois caminhos diferentes que irão se complementar, no sentido de, com certeza, termos novos marcos jurídicos sobre internet no Brasil ainda neste ano de 2023, seja por deliberação do Congresso, seja por deliberação do Supremo”, afirmou Dino.

Durante sua exposição, o deputado Orlando Silva chamou a atenção para os pontos que considera mais polêmicos nas propostas de regulação. O parlamentar avaliou que apenas a “autorregulação” por parte das plataformas digitais não basta, defendeu a figura de algum órgão regulador para fiscalizar e afirmou que considera “inescapável” a definição de um novo tipo penal. Este seria aplicado exclusivamente a “organizações criminosas” que se dediquem à criação e disseminação proposital de informação sabidamente inverídica com o objetivo de influenciar em eleições, provocar danos ou lucrar financeiramente.

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Outro tema polêmico, segundo Silva, é a questão da “imunidade parlamentar”. Alguns deputados e senadores defendem que os parlamentares tenham algumas exceções nas novas regras propostas. Silva reconheceu que a ideia tem apoio de muitos no Congresso, mas defendeu que as garantias que protegem deputados e senadores não pode servir para proteger crimes, nem criminosos. O parlamentar defendeu ainda regulação específica para perfis de autoridades públicas nas redes sociais , pois “a palavra do presidente tem poder”. Pediu ainda a remuneração dos veículos de imprensa pela disseminação de seu conteúdo pelas plataformas e redes, como forma de “valorizar o jornalismo profissional”.

Ministros do STF defendem rigor

Em palestra no evento, o relator no STF dos inquéritos sobre fake news e sobre os atos antidemocráticos, Alexandre de Moraes, defendeu a regulamentação do “impulsionamento” e da “monetização” de conteúdos na internet, além da transparência de algoritmos em redes sociais. O objetivo é implicar as “big techs” no esforço de evitar a disseminação de notícias falsas e ataques às instituições democráticas.

O magistrado evocou diversas vezes a responsabilidade dessas empresas e garantiu que o País não vai admitir que as redes sociais sejam tratadas como “terra sem lei”.

“Se você impulsionou (um conteúdo), tem que ter responsabilidade, porque você está ganhando dinheiro. Para direcionar e impulsionar uma informação, você tem de checá-la”, disse Moraes.

Outro ministro da Corte, Gilmar Mendes, foi na mesma linha, ao defender a urgência de regulamentar as redes sociais.

“Uma regulação mais rígida e moderna para a moderação do conteúdo das redes sociais é urgente e necessária no Brasil. Parece fundamental que um novo regime jurídico aumente a confiabilidade e a previsibilidade na moderação de conteúdo, a partir de garantias processuais e de mecanismos de resolução de disputa mais transparentes nas plataformas”, afirmou Mendes, em palestra no evento.

Gilmar fez uma explanação sobre os dois principais paradigmas jurídicos da regulação das redes sociais. O primeiro, baseado na ideia da “neutralidade” do conteúdo, foca a responsabilização da eventual divulgação de discursos criminosos apenas nos autores desses discursos. Isentas de responsabilização, as plataformas se dedicam à moderação do conteúdo conforme regulamentos internos.

Alexandre de Moraes quer regulação Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Para Mendes, a atual regulação brasileira sobre o tema, o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, está dentro desse paradigma, afeito ao arcabouço jurídico americano. Segundo o ministro, esse artigo do Marco Civil adota esse paradigma ao responsabilizar as plataformas digitais na internet apenas nos casos em que há decisão judicial específica determinando a remoção de conteúdos.

Gilmar defendeu porém, o segundo paradigma, que, segundo o ministro, tem sido adotado em recentes leis aprovadas na Europa. O ministro do STF citou regulamentações da Alemanha e da União Europeia (UE). Nesses casos, a regulação sobre as plataformas que mantêm as redes sociais é mais ativa.

Ao elogiar as recentes leis aprovadas na Europa, Mendes sinalizou sua preferência por regras que foquem menos na definição de conteúdos que devem ser moderados e mais nos processos pelos quais as plataformas devem exercer essa moderação. O objetivo é dar transparência aos critérios de remoção de discursos.

RIO - O governo federal vai apresentar ao Congresso Nacional uma proposta de regulamentação da difusão de conteúdo pelas redes sociais, para ser anexada a um projeto de lei (PL) que já tramita na Câmara dos Deputados. Segundo o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, essa proposta será submetida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já na próxima semana. Depois, será encaminhada ao relator do projeto já em tramitação, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP).

A proposta do governo federal é preparada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, disse Dino. A premissa principal da proposta é a responsabilização das grandes plataformas das redes sociais na internet, as chamadas “big techs”. A ideia é fazê-lo com “transparência e auditorias”, disse Dino, incluindo a definição de alguma instância reguladora, desde que feito “com leveza”, sem burocracia.

Para responsabilizar as plataformas, um dos instrumentos será a definição de “dever de cuidado”. De acordo com Dino, na proposta, isso estará na exigência de que as plataformas façam relatórios semestrais sobre “moderação”, “impulsionamento” e “retiradas” de conteúdos. O governo propõe que o dever de cuidado seja mais rigoroso em certas circunstâncias, como a violação da privacidade envolvendo atos sexuais.

“Essa gradação valorativa já consta no ordenamento jurídico brasileiro (no Marco Civil da Internet). Por isso, estamos propondo que esse dever de cuidado seja mais qualificado quando se tratar de temas como crianças e adolescentes, direitos humanos, crimes contra o Estado democrático de direito e terrorismo”, afirmou Dino, em evento sobre liberdade de expressão e redes sociais, na sede da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio.

Arthur Lira pede 'caminho do meio', e Gilmar Mendes elogia regulação europeia Foto: Pedro Kirilos/Estadão

O ministro negou que a proposta traga algo relacionado ao “controle da mídia”.

“Não estamos tratando disso, estamos tratando especificamente dessa situação das plataformas que são provedoras de conteúdos de terceiros. Então, não há esse sentido de controle de conteúdo. A não ser quando os conteúdos forem criminosos”, afirmou Dino, citando pedofilia e terrorismo como exemplos de conteúdos criminosos, ao deixar, ao deixar o evento no Rio.

O PL relatado por Silva na Câmara tem origem no Senado e é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). O objetivo do texto é instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Está em tramitação desde 2020. Agora, o tema ganhou urgência após a polarização que vem contaminando o debate político há anos no Brasil culminar nos atos de 8 de janeiro passado, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes da República, em Brasília –, sustentaram Dino e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o evento no Rio, organizado pela FGV, em parceria com a TV Globo e o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Segundo Dino, a ideia de incluir uma proposta do Executivo no PL que já tramita na Câmara foi recebida, inicialmente, com desconfiança, mas, posteriormente, foi “pactuada” com Silva e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Com isso, o ministro acha possível que uma nova regulamentação das redes sociais possa ser aprovada no Congresso Nacional ainda este ano.

Lira pede ‘caminho do meio’

Também presente no evento no Rio, Lira evitou falar em prazos. Disse que o PL aprovado no Senado tratou o tema de forma mais “simples” e reconheceu que, desde então, muita coisa aconteceu em relação ao assunto. Segundo o presidente da Câmara, além da proposta do governo federal, Silva receberá nos próximos dias sugestões também do STF. A ideia também é receber contribuições da sociedade civil.

Conforme Lira, a “pactuação” com o Executivo se deu na forma de tratar o encaminhamento do tema. Inicialmente, o governo federal teria demonstrado a intenção de editar uma Medida Provisória (MP) sobre o assunto. Mas foi convencido a dar seguimento à tramitação do PL relatado por Silva. Agora, disse Lira, o parlamentar do PCdoB fará uma “síntese” das propostas.

Lira classificou o tema da regulação como “polêmico, abstrato e subjetivo”. Mas defendeu que o assunto seja tratado com “equilíbrio” entre a liberdade de expressão e a responsabilização das plataformas da internet.

“É preciso encontrar o caminho do meio para administrar, legislar sobre e julgar questões envolvendo liberdade de expressão, redes sociais e democracia. É para tentarmos dar um passo em direção a esse equilíbrio que estamos reunidos aqui. A sociedade brasileira espera que os administradores (das redes sociais) e os representantes eleitos consigam encontrar o quanto antes uma forma de equilibrar o fenômeno das redes sociais. É um equilíbrio delicado e que envolve valores inestimáveis para a vida pública brasileira. Esse equilíbrio não é uma utopia, mas uma necessidade”, disse Lira, em palestra durante o evento.

Flávio Dino prepara projeto de regulação com a Secom Foto: Wilton Junior/Estadão

Mesmo assim, Dino aposta na “pactuação” com Lira e na urgência do assunto para garantir a boa vontade do Legislativo para apreciar a matéria ainda este ano. Além disso, há duas ações judiciais no STF sobre a questão da regulação das redes sociais.

“São dois caminhos diferentes que irão se complementar, no sentido de, com certeza, termos novos marcos jurídicos sobre internet no Brasil ainda neste ano de 2023, seja por deliberação do Congresso, seja por deliberação do Supremo”, afirmou Dino.

Durante sua exposição, o deputado Orlando Silva chamou a atenção para os pontos que considera mais polêmicos nas propostas de regulação. O parlamentar avaliou que apenas a “autorregulação” por parte das plataformas digitais não basta, defendeu a figura de algum órgão regulador para fiscalizar e afirmou que considera “inescapável” a definição de um novo tipo penal. Este seria aplicado exclusivamente a “organizações criminosas” que se dediquem à criação e disseminação proposital de informação sabidamente inverídica com o objetivo de influenciar em eleições, provocar danos ou lucrar financeiramente.

Outro tema polêmico, segundo Silva, é a questão da “imunidade parlamentar”. Alguns deputados e senadores defendem que os parlamentares tenham algumas exceções nas novas regras propostas. Silva reconheceu que a ideia tem apoio de muitos no Congresso, mas defendeu que as garantias que protegem deputados e senadores não pode servir para proteger crimes, nem criminosos. O parlamentar defendeu ainda regulação específica para perfis de autoridades públicas nas redes sociais , pois “a palavra do presidente tem poder”. Pediu ainda a remuneração dos veículos de imprensa pela disseminação de seu conteúdo pelas plataformas e redes, como forma de “valorizar o jornalismo profissional”.

Ministros do STF defendem rigor

Em palestra no evento, o relator no STF dos inquéritos sobre fake news e sobre os atos antidemocráticos, Alexandre de Moraes, defendeu a regulamentação do “impulsionamento” e da “monetização” de conteúdos na internet, além da transparência de algoritmos em redes sociais. O objetivo é implicar as “big techs” no esforço de evitar a disseminação de notícias falsas e ataques às instituições democráticas.

O magistrado evocou diversas vezes a responsabilidade dessas empresas e garantiu que o País não vai admitir que as redes sociais sejam tratadas como “terra sem lei”.

“Se você impulsionou (um conteúdo), tem que ter responsabilidade, porque você está ganhando dinheiro. Para direcionar e impulsionar uma informação, você tem de checá-la”, disse Moraes.

Outro ministro da Corte, Gilmar Mendes, foi na mesma linha, ao defender a urgência de regulamentar as redes sociais.

“Uma regulação mais rígida e moderna para a moderação do conteúdo das redes sociais é urgente e necessária no Brasil. Parece fundamental que um novo regime jurídico aumente a confiabilidade e a previsibilidade na moderação de conteúdo, a partir de garantias processuais e de mecanismos de resolução de disputa mais transparentes nas plataformas”, afirmou Mendes, em palestra no evento.

Gilmar fez uma explanação sobre os dois principais paradigmas jurídicos da regulação das redes sociais. O primeiro, baseado na ideia da “neutralidade” do conteúdo, foca a responsabilização da eventual divulgação de discursos criminosos apenas nos autores desses discursos. Isentas de responsabilização, as plataformas se dedicam à moderação do conteúdo conforme regulamentos internos.

Alexandre de Moraes quer regulação Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Para Mendes, a atual regulação brasileira sobre o tema, o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, está dentro desse paradigma, afeito ao arcabouço jurídico americano. Segundo o ministro, esse artigo do Marco Civil adota esse paradigma ao responsabilizar as plataformas digitais na internet apenas nos casos em que há decisão judicial específica determinando a remoção de conteúdos.

Gilmar defendeu porém, o segundo paradigma, que, segundo o ministro, tem sido adotado em recentes leis aprovadas na Europa. O ministro do STF citou regulamentações da Alemanha e da União Europeia (UE). Nesses casos, a regulação sobre as plataformas que mantêm as redes sociais é mais ativa.

Ao elogiar as recentes leis aprovadas na Europa, Mendes sinalizou sua preferência por regras que foquem menos na definição de conteúdos que devem ser moderados e mais nos processos pelos quais as plataformas devem exercer essa moderação. O objetivo é dar transparência aos critérios de remoção de discursos.

RIO - O governo federal vai apresentar ao Congresso Nacional uma proposta de regulamentação da difusão de conteúdo pelas redes sociais, para ser anexada a um projeto de lei (PL) que já tramita na Câmara dos Deputados. Segundo o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, essa proposta será submetida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já na próxima semana. Depois, será encaminhada ao relator do projeto já em tramitação, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP).

A proposta do governo federal é preparada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, disse Dino. A premissa principal da proposta é a responsabilização das grandes plataformas das redes sociais na internet, as chamadas “big techs”. A ideia é fazê-lo com “transparência e auditorias”, disse Dino, incluindo a definição de alguma instância reguladora, desde que feito “com leveza”, sem burocracia.

Para responsabilizar as plataformas, um dos instrumentos será a definição de “dever de cuidado”. De acordo com Dino, na proposta, isso estará na exigência de que as plataformas façam relatórios semestrais sobre “moderação”, “impulsionamento” e “retiradas” de conteúdos. O governo propõe que o dever de cuidado seja mais rigoroso em certas circunstâncias, como a violação da privacidade envolvendo atos sexuais.

“Essa gradação valorativa já consta no ordenamento jurídico brasileiro (no Marco Civil da Internet). Por isso, estamos propondo que esse dever de cuidado seja mais qualificado quando se tratar de temas como crianças e adolescentes, direitos humanos, crimes contra o Estado democrático de direito e terrorismo”, afirmou Dino, em evento sobre liberdade de expressão e redes sociais, na sede da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio.

Arthur Lira pede 'caminho do meio', e Gilmar Mendes elogia regulação europeia Foto: Pedro Kirilos/Estadão

O ministro negou que a proposta traga algo relacionado ao “controle da mídia”.

“Não estamos tratando disso, estamos tratando especificamente dessa situação das plataformas que são provedoras de conteúdos de terceiros. Então, não há esse sentido de controle de conteúdo. A não ser quando os conteúdos forem criminosos”, afirmou Dino, citando pedofilia e terrorismo como exemplos de conteúdos criminosos, ao deixar, ao deixar o evento no Rio.

O PL relatado por Silva na Câmara tem origem no Senado e é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). O objetivo do texto é instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Está em tramitação desde 2020. Agora, o tema ganhou urgência após a polarização que vem contaminando o debate político há anos no Brasil culminar nos atos de 8 de janeiro passado, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes da República, em Brasília –, sustentaram Dino e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o evento no Rio, organizado pela FGV, em parceria com a TV Globo e o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Segundo Dino, a ideia de incluir uma proposta do Executivo no PL que já tramita na Câmara foi recebida, inicialmente, com desconfiança, mas, posteriormente, foi “pactuada” com Silva e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Com isso, o ministro acha possível que uma nova regulamentação das redes sociais possa ser aprovada no Congresso Nacional ainda este ano.

Lira pede ‘caminho do meio’

Também presente no evento no Rio, Lira evitou falar em prazos. Disse que o PL aprovado no Senado tratou o tema de forma mais “simples” e reconheceu que, desde então, muita coisa aconteceu em relação ao assunto. Segundo o presidente da Câmara, além da proposta do governo federal, Silva receberá nos próximos dias sugestões também do STF. A ideia também é receber contribuições da sociedade civil.

Conforme Lira, a “pactuação” com o Executivo se deu na forma de tratar o encaminhamento do tema. Inicialmente, o governo federal teria demonstrado a intenção de editar uma Medida Provisória (MP) sobre o assunto. Mas foi convencido a dar seguimento à tramitação do PL relatado por Silva. Agora, disse Lira, o parlamentar do PCdoB fará uma “síntese” das propostas.

Lira classificou o tema da regulação como “polêmico, abstrato e subjetivo”. Mas defendeu que o assunto seja tratado com “equilíbrio” entre a liberdade de expressão e a responsabilização das plataformas da internet.

“É preciso encontrar o caminho do meio para administrar, legislar sobre e julgar questões envolvendo liberdade de expressão, redes sociais e democracia. É para tentarmos dar um passo em direção a esse equilíbrio que estamos reunidos aqui. A sociedade brasileira espera que os administradores (das redes sociais) e os representantes eleitos consigam encontrar o quanto antes uma forma de equilibrar o fenômeno das redes sociais. É um equilíbrio delicado e que envolve valores inestimáveis para a vida pública brasileira. Esse equilíbrio não é uma utopia, mas uma necessidade”, disse Lira, em palestra durante o evento.

Flávio Dino prepara projeto de regulação com a Secom Foto: Wilton Junior/Estadão

Mesmo assim, Dino aposta na “pactuação” com Lira e na urgência do assunto para garantir a boa vontade do Legislativo para apreciar a matéria ainda este ano. Além disso, há duas ações judiciais no STF sobre a questão da regulação das redes sociais.

“São dois caminhos diferentes que irão se complementar, no sentido de, com certeza, termos novos marcos jurídicos sobre internet no Brasil ainda neste ano de 2023, seja por deliberação do Congresso, seja por deliberação do Supremo”, afirmou Dino.

Durante sua exposição, o deputado Orlando Silva chamou a atenção para os pontos que considera mais polêmicos nas propostas de regulação. O parlamentar avaliou que apenas a “autorregulação” por parte das plataformas digitais não basta, defendeu a figura de algum órgão regulador para fiscalizar e afirmou que considera “inescapável” a definição de um novo tipo penal. Este seria aplicado exclusivamente a “organizações criminosas” que se dediquem à criação e disseminação proposital de informação sabidamente inverídica com o objetivo de influenciar em eleições, provocar danos ou lucrar financeiramente.

Outro tema polêmico, segundo Silva, é a questão da “imunidade parlamentar”. Alguns deputados e senadores defendem que os parlamentares tenham algumas exceções nas novas regras propostas. Silva reconheceu que a ideia tem apoio de muitos no Congresso, mas defendeu que as garantias que protegem deputados e senadores não pode servir para proteger crimes, nem criminosos. O parlamentar defendeu ainda regulação específica para perfis de autoridades públicas nas redes sociais , pois “a palavra do presidente tem poder”. Pediu ainda a remuneração dos veículos de imprensa pela disseminação de seu conteúdo pelas plataformas e redes, como forma de “valorizar o jornalismo profissional”.

Ministros do STF defendem rigor

Em palestra no evento, o relator no STF dos inquéritos sobre fake news e sobre os atos antidemocráticos, Alexandre de Moraes, defendeu a regulamentação do “impulsionamento” e da “monetização” de conteúdos na internet, além da transparência de algoritmos em redes sociais. O objetivo é implicar as “big techs” no esforço de evitar a disseminação de notícias falsas e ataques às instituições democráticas.

O magistrado evocou diversas vezes a responsabilidade dessas empresas e garantiu que o País não vai admitir que as redes sociais sejam tratadas como “terra sem lei”.

“Se você impulsionou (um conteúdo), tem que ter responsabilidade, porque você está ganhando dinheiro. Para direcionar e impulsionar uma informação, você tem de checá-la”, disse Moraes.

Outro ministro da Corte, Gilmar Mendes, foi na mesma linha, ao defender a urgência de regulamentar as redes sociais.

“Uma regulação mais rígida e moderna para a moderação do conteúdo das redes sociais é urgente e necessária no Brasil. Parece fundamental que um novo regime jurídico aumente a confiabilidade e a previsibilidade na moderação de conteúdo, a partir de garantias processuais e de mecanismos de resolução de disputa mais transparentes nas plataformas”, afirmou Mendes, em palestra no evento.

Gilmar fez uma explanação sobre os dois principais paradigmas jurídicos da regulação das redes sociais. O primeiro, baseado na ideia da “neutralidade” do conteúdo, foca a responsabilização da eventual divulgação de discursos criminosos apenas nos autores desses discursos. Isentas de responsabilização, as plataformas se dedicam à moderação do conteúdo conforme regulamentos internos.

Alexandre de Moraes quer regulação Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Para Mendes, a atual regulação brasileira sobre o tema, o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, está dentro desse paradigma, afeito ao arcabouço jurídico americano. Segundo o ministro, esse artigo do Marco Civil adota esse paradigma ao responsabilizar as plataformas digitais na internet apenas nos casos em que há decisão judicial específica determinando a remoção de conteúdos.

Gilmar defendeu porém, o segundo paradigma, que, segundo o ministro, tem sido adotado em recentes leis aprovadas na Europa. O ministro do STF citou regulamentações da Alemanha e da União Europeia (UE). Nesses casos, a regulação sobre as plataformas que mantêm as redes sociais é mais ativa.

Ao elogiar as recentes leis aprovadas na Europa, Mendes sinalizou sua preferência por regras que foquem menos na definição de conteúdos que devem ser moderados e mais nos processos pelos quais as plataformas devem exercer essa moderação. O objetivo é dar transparência aos critérios de remoção de discursos.

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