Governo Lula vai rever cooperação do MPF com outros países; medida foi central na Lava Jato


Troca internacional de informações entre 2014 e 2021 resultou em bloqueios de R$ 2,1 bilhões em paraísos fiscais; proposta da gestão petista é concentrar intercâmbio no Departamento Nacional de Cooperação Internacional (DRCI)

Por Luiz Vassallo, Eduardo Kattah e Davi Medeiros
Atualização:

Essencial em investigações sobre organizações criminosas, que vão do tráfico de drogas a esquemas de corrupção, a cooperação internacional do Ministério Público Federal com autoridades estrangeiras deve ter suas regras revistas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ideia é concentrar mais poderes no Departamento Nacional de Cooperação Internacional (DRCI), órgão vinculado ao governo federal, e reduzir espaço para trocas informais de informações entre procuradores brasileiros e de outros países.

A cooperação internacional em investigação penal visa a troca de informações entre órgãos como as polícias e os MPs. A depender de cada país, esta obtenção de provas passa necessariamente por uma autoridade central, a quem compete analisar se os pedidos preenchem requisitos formais. Por decreto presidencial, o DRCI tem este papel. O órgão também é responsável por encaminhar dados à autoridade de investigação, que tem competência exclusiva para o mérito e a fundamentação destes pedidos.

O instrumento foi essencial para a Lava Jato obter provas como quebras de sigilo em contas bancárias. Assim, se deram, por exemplo, os primeiros passos da investigação sobre o diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, primeiro delator, que devolveu R$ 79 milhões. Dados de ações da Lava Jato em quatro Estados, somados aos da Operação Greenfield, mostram que entre 2014 e 2021, foram feitos 597 pedidos a 58 países e foram recebidos 653 pedidos de 41 países. A partir dessas cooperações foram bloqueados R$ 2,1 bilhões em paraísos fiscais.

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Paulo Roberto Costa foi o primeiro delator da Operação Lava Jato, em 2015 Foto: Estadão Conteúdo

Por outro lado, o excesso de informalidade dos procuradores ao atuar junto a autoridades estrangeiras foi questionado por advogados de investigados e provas foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de irregularidades na condução destes procedimentos.

Transição

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A ideia de rever normas sobre o tema consta em um relatório da equipe de transição feito por Cristiano Zanin, advogado do presidente Lula. Ele propôs a revisão de uma portaria assinada pelo Ministério da Justiça, pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2005, no primeiro governo petista.

Segundo Zanin, o artigo primeiro da portaria conjunta dá ao DRCI “uma posição de mero correspondente entre os Estados estrangeiros e o MPF”. Atualmente, este texto prevê que os pedidos de cooperação de órgãos de investigação estrangeiros aos brasileiros sejam encaminhados pelo DRCI à PGR com o fim de, em seguida, serem redistribuídos internamente no MPF.

Em outro trecho do relatório, o advogado sugere a revogação do artigo quarto da Portaria, que prevê a manutenção da “cooperação informal direta entre” a PGR e “órgãos equivalentes de Ministérios Públicos estrangeiros”, desde que o DRCI seja informado. “Um modelo que permite ‘cooperação informal’ já se provou altamente lesivo ao Estado de Direito”, diz Zanin, no documento.

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O secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, considera importante rever o atual modelo. “O fortalecimento da autoridade central é pauta aqui dentro do Ministério da Justiça, e se tiver que passar por revogação de portarias, isso será revisto”, disse Botelho ao Estadão. Ele argumenta que o Ministério da Justiça, ao qual sua pasta é vinculada, tem de ser autoridade central em razão da interlocução com o Ministério das Relações Exteriores.

Arruda Botelho menciona que este entendimento tem sido reiterado por acordos internacionais, como a convenção de Budapeste, firmada em 2022, que qualifica o DRCI como autoridade central brasileira para pedidos relacionados a crimes cibernéticos - uma grande demanda em cooperações internacionais.

Há anos, existe uma disputa entre a PGR e o Ministério da Justiça pelo caráter de autoridade central. À exceção da atual diretora, a advogada da União Carolina Yumi, o DRCI historicamente foi dirigido por delegados da Polícia Federal. Estes quadros sempre fizeram lobby para manter as atribuições do órgão sobre cooperações internacionais. Em outra via, há acordos internacionais em que o MPF é tido como autoridade central na comunicação com MPs de países signatários.

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Augusto de Arruda Botelho, Secretário Nacional de Justiça do governo Lula 3. Foto: Cristina Ruffato/Estadão Conteúdo

No acordo de Budapeste, mencionado por Botelho, a PGR chegou a encaminhar notas técnicas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para convencê-lo a ser considerada autoridade central. Um dos argumentos é de que o recebimento direto destas demandas pelo MPF daria celeridade aos processos de investigação. Bolsonaro, no entanto, manteve a atribuição com o DRCI, atendendo a pedidos do então ministro da Justiça Anderson Torres.

Especialista e professora do IDP em matéria de cooperação internacional, a procuradora Denise Neves Abade afirma que “não cabe ao Poder Executivo ‘permitir’ ou ‘proibir’ a cooperação direta entre os Ministérios Públicos em matéria criminal”. “Isto porque a autonomia constitucional do MP proíbe que sua organização seja feita como se fosse um órgão interno do Poder Executivo”, disse.

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Ela explica que as redes das quais o MP brasileiro faz parte são apenas compostas por Estados Democráticos de Direito, que não permitem excessos. A procuradora afirma que o DRCI, de fato deve ser reforçado e que deve atuar em parceria com o MPF para evitar prescrição de casos criminais.

Denise reforça que, “como qualquer órgão público, há registros de tudo o que é debatido nessas Redes dos Ministérios Públicos, que agem, evidentemente, nos limites de sua atuação”. “Na cooperação direta não há nenhum prejuízo na seara penal, porque nenhum ato que exige intervenção do Poder Judiciário brasileiro pode ser feito por cooperação informal”, afirmou.

Lava Jato

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Arruda Botelho é advogado e atuou na Lava Jato. Na defesa da Odebrecht, antes de a empreiteira confessar crimes, questionou cooperações internacionais para obter dados bancários de delatores “ao largo de nossa autoridade central para fins de cooperação internacional, com marcante informalidade e sem controle algum”. Ele, no entanto, nega que a medida a ser adotada pelo governo tenha relação com a Lava Jato.

Questionamentos da mesma ordem foram feitos por diversos advogados. A decisão mais relevante sobre o tema foi obtida no STF por Zanin. O advogado obteve uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que obrigou o governo federal a informar se havia procedimentos oficiais de cooperação internacional protocolados pelo MPF para obter provas contra Lula. O Ministério da Justiça respondeu que não havia, em uma pesquisa interna sobre ações penais contra o presidente.

Zanin, então, levou o questionamento ao STF. Sustentou que a Lava Jato obteve provas sobre o caso Odebrecht longe dos olhos do DRCI. Anexou também conversas hackeadas de procuradores obtidas em arquivos da Operação Spoofing que mostravam diálogos com autoridades estrangeiras. Acolhendo o pedido, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a cadeia de custódia e a higidez das provas obtidas em cooperação estavam “comprometidas”.

Essencial em investigações sobre organizações criminosas, que vão do tráfico de drogas a esquemas de corrupção, a cooperação internacional do Ministério Público Federal com autoridades estrangeiras deve ter suas regras revistas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ideia é concentrar mais poderes no Departamento Nacional de Cooperação Internacional (DRCI), órgão vinculado ao governo federal, e reduzir espaço para trocas informais de informações entre procuradores brasileiros e de outros países.

A cooperação internacional em investigação penal visa a troca de informações entre órgãos como as polícias e os MPs. A depender de cada país, esta obtenção de provas passa necessariamente por uma autoridade central, a quem compete analisar se os pedidos preenchem requisitos formais. Por decreto presidencial, o DRCI tem este papel. O órgão também é responsável por encaminhar dados à autoridade de investigação, que tem competência exclusiva para o mérito e a fundamentação destes pedidos.

O instrumento foi essencial para a Lava Jato obter provas como quebras de sigilo em contas bancárias. Assim, se deram, por exemplo, os primeiros passos da investigação sobre o diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, primeiro delator, que devolveu R$ 79 milhões. Dados de ações da Lava Jato em quatro Estados, somados aos da Operação Greenfield, mostram que entre 2014 e 2021, foram feitos 597 pedidos a 58 países e foram recebidos 653 pedidos de 41 países. A partir dessas cooperações foram bloqueados R$ 2,1 bilhões em paraísos fiscais.

Paulo Roberto Costa foi o primeiro delator da Operação Lava Jato, em 2015 Foto: Estadão Conteúdo

Por outro lado, o excesso de informalidade dos procuradores ao atuar junto a autoridades estrangeiras foi questionado por advogados de investigados e provas foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de irregularidades na condução destes procedimentos.

Transição

A ideia de rever normas sobre o tema consta em um relatório da equipe de transição feito por Cristiano Zanin, advogado do presidente Lula. Ele propôs a revisão de uma portaria assinada pelo Ministério da Justiça, pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2005, no primeiro governo petista.

Segundo Zanin, o artigo primeiro da portaria conjunta dá ao DRCI “uma posição de mero correspondente entre os Estados estrangeiros e o MPF”. Atualmente, este texto prevê que os pedidos de cooperação de órgãos de investigação estrangeiros aos brasileiros sejam encaminhados pelo DRCI à PGR com o fim de, em seguida, serem redistribuídos internamente no MPF.

Em outro trecho do relatório, o advogado sugere a revogação do artigo quarto da Portaria, que prevê a manutenção da “cooperação informal direta entre” a PGR e “órgãos equivalentes de Ministérios Públicos estrangeiros”, desde que o DRCI seja informado. “Um modelo que permite ‘cooperação informal’ já se provou altamente lesivo ao Estado de Direito”, diz Zanin, no documento.

O secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, considera importante rever o atual modelo. “O fortalecimento da autoridade central é pauta aqui dentro do Ministério da Justiça, e se tiver que passar por revogação de portarias, isso será revisto”, disse Botelho ao Estadão. Ele argumenta que o Ministério da Justiça, ao qual sua pasta é vinculada, tem de ser autoridade central em razão da interlocução com o Ministério das Relações Exteriores.

Arruda Botelho menciona que este entendimento tem sido reiterado por acordos internacionais, como a convenção de Budapeste, firmada em 2022, que qualifica o DRCI como autoridade central brasileira para pedidos relacionados a crimes cibernéticos - uma grande demanda em cooperações internacionais.

Há anos, existe uma disputa entre a PGR e o Ministério da Justiça pelo caráter de autoridade central. À exceção da atual diretora, a advogada da União Carolina Yumi, o DRCI historicamente foi dirigido por delegados da Polícia Federal. Estes quadros sempre fizeram lobby para manter as atribuições do órgão sobre cooperações internacionais. Em outra via, há acordos internacionais em que o MPF é tido como autoridade central na comunicação com MPs de países signatários.

Augusto de Arruda Botelho, Secretário Nacional de Justiça do governo Lula 3. Foto: Cristina Ruffato/Estadão Conteúdo

No acordo de Budapeste, mencionado por Botelho, a PGR chegou a encaminhar notas técnicas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para convencê-lo a ser considerada autoridade central. Um dos argumentos é de que o recebimento direto destas demandas pelo MPF daria celeridade aos processos de investigação. Bolsonaro, no entanto, manteve a atribuição com o DRCI, atendendo a pedidos do então ministro da Justiça Anderson Torres.

Especialista e professora do IDP em matéria de cooperação internacional, a procuradora Denise Neves Abade afirma que “não cabe ao Poder Executivo ‘permitir’ ou ‘proibir’ a cooperação direta entre os Ministérios Públicos em matéria criminal”. “Isto porque a autonomia constitucional do MP proíbe que sua organização seja feita como se fosse um órgão interno do Poder Executivo”, disse.

Ela explica que as redes das quais o MP brasileiro faz parte são apenas compostas por Estados Democráticos de Direito, que não permitem excessos. A procuradora afirma que o DRCI, de fato deve ser reforçado e que deve atuar em parceria com o MPF para evitar prescrição de casos criminais.

Denise reforça que, “como qualquer órgão público, há registros de tudo o que é debatido nessas Redes dos Ministérios Públicos, que agem, evidentemente, nos limites de sua atuação”. “Na cooperação direta não há nenhum prejuízo na seara penal, porque nenhum ato que exige intervenção do Poder Judiciário brasileiro pode ser feito por cooperação informal”, afirmou.

Lava Jato

Arruda Botelho é advogado e atuou na Lava Jato. Na defesa da Odebrecht, antes de a empreiteira confessar crimes, questionou cooperações internacionais para obter dados bancários de delatores “ao largo de nossa autoridade central para fins de cooperação internacional, com marcante informalidade e sem controle algum”. Ele, no entanto, nega que a medida a ser adotada pelo governo tenha relação com a Lava Jato.

Questionamentos da mesma ordem foram feitos por diversos advogados. A decisão mais relevante sobre o tema foi obtida no STF por Zanin. O advogado obteve uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que obrigou o governo federal a informar se havia procedimentos oficiais de cooperação internacional protocolados pelo MPF para obter provas contra Lula. O Ministério da Justiça respondeu que não havia, em uma pesquisa interna sobre ações penais contra o presidente.

Zanin, então, levou o questionamento ao STF. Sustentou que a Lava Jato obteve provas sobre o caso Odebrecht longe dos olhos do DRCI. Anexou também conversas hackeadas de procuradores obtidas em arquivos da Operação Spoofing que mostravam diálogos com autoridades estrangeiras. Acolhendo o pedido, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a cadeia de custódia e a higidez das provas obtidas em cooperação estavam “comprometidas”.

Essencial em investigações sobre organizações criminosas, que vão do tráfico de drogas a esquemas de corrupção, a cooperação internacional do Ministério Público Federal com autoridades estrangeiras deve ter suas regras revistas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ideia é concentrar mais poderes no Departamento Nacional de Cooperação Internacional (DRCI), órgão vinculado ao governo federal, e reduzir espaço para trocas informais de informações entre procuradores brasileiros e de outros países.

A cooperação internacional em investigação penal visa a troca de informações entre órgãos como as polícias e os MPs. A depender de cada país, esta obtenção de provas passa necessariamente por uma autoridade central, a quem compete analisar se os pedidos preenchem requisitos formais. Por decreto presidencial, o DRCI tem este papel. O órgão também é responsável por encaminhar dados à autoridade de investigação, que tem competência exclusiva para o mérito e a fundamentação destes pedidos.

O instrumento foi essencial para a Lava Jato obter provas como quebras de sigilo em contas bancárias. Assim, se deram, por exemplo, os primeiros passos da investigação sobre o diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, primeiro delator, que devolveu R$ 79 milhões. Dados de ações da Lava Jato em quatro Estados, somados aos da Operação Greenfield, mostram que entre 2014 e 2021, foram feitos 597 pedidos a 58 países e foram recebidos 653 pedidos de 41 países. A partir dessas cooperações foram bloqueados R$ 2,1 bilhões em paraísos fiscais.

Paulo Roberto Costa foi o primeiro delator da Operação Lava Jato, em 2015 Foto: Estadão Conteúdo

Por outro lado, o excesso de informalidade dos procuradores ao atuar junto a autoridades estrangeiras foi questionado por advogados de investigados e provas foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de irregularidades na condução destes procedimentos.

Transição

A ideia de rever normas sobre o tema consta em um relatório da equipe de transição feito por Cristiano Zanin, advogado do presidente Lula. Ele propôs a revisão de uma portaria assinada pelo Ministério da Justiça, pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2005, no primeiro governo petista.

Segundo Zanin, o artigo primeiro da portaria conjunta dá ao DRCI “uma posição de mero correspondente entre os Estados estrangeiros e o MPF”. Atualmente, este texto prevê que os pedidos de cooperação de órgãos de investigação estrangeiros aos brasileiros sejam encaminhados pelo DRCI à PGR com o fim de, em seguida, serem redistribuídos internamente no MPF.

Em outro trecho do relatório, o advogado sugere a revogação do artigo quarto da Portaria, que prevê a manutenção da “cooperação informal direta entre” a PGR e “órgãos equivalentes de Ministérios Públicos estrangeiros”, desde que o DRCI seja informado. “Um modelo que permite ‘cooperação informal’ já se provou altamente lesivo ao Estado de Direito”, diz Zanin, no documento.

O secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, considera importante rever o atual modelo. “O fortalecimento da autoridade central é pauta aqui dentro do Ministério da Justiça, e se tiver que passar por revogação de portarias, isso será revisto”, disse Botelho ao Estadão. Ele argumenta que o Ministério da Justiça, ao qual sua pasta é vinculada, tem de ser autoridade central em razão da interlocução com o Ministério das Relações Exteriores.

Arruda Botelho menciona que este entendimento tem sido reiterado por acordos internacionais, como a convenção de Budapeste, firmada em 2022, que qualifica o DRCI como autoridade central brasileira para pedidos relacionados a crimes cibernéticos - uma grande demanda em cooperações internacionais.

Há anos, existe uma disputa entre a PGR e o Ministério da Justiça pelo caráter de autoridade central. À exceção da atual diretora, a advogada da União Carolina Yumi, o DRCI historicamente foi dirigido por delegados da Polícia Federal. Estes quadros sempre fizeram lobby para manter as atribuições do órgão sobre cooperações internacionais. Em outra via, há acordos internacionais em que o MPF é tido como autoridade central na comunicação com MPs de países signatários.

Augusto de Arruda Botelho, Secretário Nacional de Justiça do governo Lula 3. Foto: Cristina Ruffato/Estadão Conteúdo

No acordo de Budapeste, mencionado por Botelho, a PGR chegou a encaminhar notas técnicas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para convencê-lo a ser considerada autoridade central. Um dos argumentos é de que o recebimento direto destas demandas pelo MPF daria celeridade aos processos de investigação. Bolsonaro, no entanto, manteve a atribuição com o DRCI, atendendo a pedidos do então ministro da Justiça Anderson Torres.

Especialista e professora do IDP em matéria de cooperação internacional, a procuradora Denise Neves Abade afirma que “não cabe ao Poder Executivo ‘permitir’ ou ‘proibir’ a cooperação direta entre os Ministérios Públicos em matéria criminal”. “Isto porque a autonomia constitucional do MP proíbe que sua organização seja feita como se fosse um órgão interno do Poder Executivo”, disse.

Ela explica que as redes das quais o MP brasileiro faz parte são apenas compostas por Estados Democráticos de Direito, que não permitem excessos. A procuradora afirma que o DRCI, de fato deve ser reforçado e que deve atuar em parceria com o MPF para evitar prescrição de casos criminais.

Denise reforça que, “como qualquer órgão público, há registros de tudo o que é debatido nessas Redes dos Ministérios Públicos, que agem, evidentemente, nos limites de sua atuação”. “Na cooperação direta não há nenhum prejuízo na seara penal, porque nenhum ato que exige intervenção do Poder Judiciário brasileiro pode ser feito por cooperação informal”, afirmou.

Lava Jato

Arruda Botelho é advogado e atuou na Lava Jato. Na defesa da Odebrecht, antes de a empreiteira confessar crimes, questionou cooperações internacionais para obter dados bancários de delatores “ao largo de nossa autoridade central para fins de cooperação internacional, com marcante informalidade e sem controle algum”. Ele, no entanto, nega que a medida a ser adotada pelo governo tenha relação com a Lava Jato.

Questionamentos da mesma ordem foram feitos por diversos advogados. A decisão mais relevante sobre o tema foi obtida no STF por Zanin. O advogado obteve uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que obrigou o governo federal a informar se havia procedimentos oficiais de cooperação internacional protocolados pelo MPF para obter provas contra Lula. O Ministério da Justiça respondeu que não havia, em uma pesquisa interna sobre ações penais contra o presidente.

Zanin, então, levou o questionamento ao STF. Sustentou que a Lava Jato obteve provas sobre o caso Odebrecht longe dos olhos do DRCI. Anexou também conversas hackeadas de procuradores obtidas em arquivos da Operação Spoofing que mostravam diálogos com autoridades estrangeiras. Acolhendo o pedido, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a cadeia de custódia e a higidez das provas obtidas em cooperação estavam “comprometidas”.

Essencial em investigações sobre organizações criminosas, que vão do tráfico de drogas a esquemas de corrupção, a cooperação internacional do Ministério Público Federal com autoridades estrangeiras deve ter suas regras revistas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ideia é concentrar mais poderes no Departamento Nacional de Cooperação Internacional (DRCI), órgão vinculado ao governo federal, e reduzir espaço para trocas informais de informações entre procuradores brasileiros e de outros países.

A cooperação internacional em investigação penal visa a troca de informações entre órgãos como as polícias e os MPs. A depender de cada país, esta obtenção de provas passa necessariamente por uma autoridade central, a quem compete analisar se os pedidos preenchem requisitos formais. Por decreto presidencial, o DRCI tem este papel. O órgão também é responsável por encaminhar dados à autoridade de investigação, que tem competência exclusiva para o mérito e a fundamentação destes pedidos.

O instrumento foi essencial para a Lava Jato obter provas como quebras de sigilo em contas bancárias. Assim, se deram, por exemplo, os primeiros passos da investigação sobre o diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, primeiro delator, que devolveu R$ 79 milhões. Dados de ações da Lava Jato em quatro Estados, somados aos da Operação Greenfield, mostram que entre 2014 e 2021, foram feitos 597 pedidos a 58 países e foram recebidos 653 pedidos de 41 países. A partir dessas cooperações foram bloqueados R$ 2,1 bilhões em paraísos fiscais.

Paulo Roberto Costa foi o primeiro delator da Operação Lava Jato, em 2015 Foto: Estadão Conteúdo

Por outro lado, o excesso de informalidade dos procuradores ao atuar junto a autoridades estrangeiras foi questionado por advogados de investigados e provas foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de irregularidades na condução destes procedimentos.

Transição

A ideia de rever normas sobre o tema consta em um relatório da equipe de transição feito por Cristiano Zanin, advogado do presidente Lula. Ele propôs a revisão de uma portaria assinada pelo Ministério da Justiça, pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2005, no primeiro governo petista.

Segundo Zanin, o artigo primeiro da portaria conjunta dá ao DRCI “uma posição de mero correspondente entre os Estados estrangeiros e o MPF”. Atualmente, este texto prevê que os pedidos de cooperação de órgãos de investigação estrangeiros aos brasileiros sejam encaminhados pelo DRCI à PGR com o fim de, em seguida, serem redistribuídos internamente no MPF.

Em outro trecho do relatório, o advogado sugere a revogação do artigo quarto da Portaria, que prevê a manutenção da “cooperação informal direta entre” a PGR e “órgãos equivalentes de Ministérios Públicos estrangeiros”, desde que o DRCI seja informado. “Um modelo que permite ‘cooperação informal’ já se provou altamente lesivo ao Estado de Direito”, diz Zanin, no documento.

O secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, considera importante rever o atual modelo. “O fortalecimento da autoridade central é pauta aqui dentro do Ministério da Justiça, e se tiver que passar por revogação de portarias, isso será revisto”, disse Botelho ao Estadão. Ele argumenta que o Ministério da Justiça, ao qual sua pasta é vinculada, tem de ser autoridade central em razão da interlocução com o Ministério das Relações Exteriores.

Arruda Botelho menciona que este entendimento tem sido reiterado por acordos internacionais, como a convenção de Budapeste, firmada em 2022, que qualifica o DRCI como autoridade central brasileira para pedidos relacionados a crimes cibernéticos - uma grande demanda em cooperações internacionais.

Há anos, existe uma disputa entre a PGR e o Ministério da Justiça pelo caráter de autoridade central. À exceção da atual diretora, a advogada da União Carolina Yumi, o DRCI historicamente foi dirigido por delegados da Polícia Federal. Estes quadros sempre fizeram lobby para manter as atribuições do órgão sobre cooperações internacionais. Em outra via, há acordos internacionais em que o MPF é tido como autoridade central na comunicação com MPs de países signatários.

Augusto de Arruda Botelho, Secretário Nacional de Justiça do governo Lula 3. Foto: Cristina Ruffato/Estadão Conteúdo

No acordo de Budapeste, mencionado por Botelho, a PGR chegou a encaminhar notas técnicas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para convencê-lo a ser considerada autoridade central. Um dos argumentos é de que o recebimento direto destas demandas pelo MPF daria celeridade aos processos de investigação. Bolsonaro, no entanto, manteve a atribuição com o DRCI, atendendo a pedidos do então ministro da Justiça Anderson Torres.

Especialista e professora do IDP em matéria de cooperação internacional, a procuradora Denise Neves Abade afirma que “não cabe ao Poder Executivo ‘permitir’ ou ‘proibir’ a cooperação direta entre os Ministérios Públicos em matéria criminal”. “Isto porque a autonomia constitucional do MP proíbe que sua organização seja feita como se fosse um órgão interno do Poder Executivo”, disse.

Ela explica que as redes das quais o MP brasileiro faz parte são apenas compostas por Estados Democráticos de Direito, que não permitem excessos. A procuradora afirma que o DRCI, de fato deve ser reforçado e que deve atuar em parceria com o MPF para evitar prescrição de casos criminais.

Denise reforça que, “como qualquer órgão público, há registros de tudo o que é debatido nessas Redes dos Ministérios Públicos, que agem, evidentemente, nos limites de sua atuação”. “Na cooperação direta não há nenhum prejuízo na seara penal, porque nenhum ato que exige intervenção do Poder Judiciário brasileiro pode ser feito por cooperação informal”, afirmou.

Lava Jato

Arruda Botelho é advogado e atuou na Lava Jato. Na defesa da Odebrecht, antes de a empreiteira confessar crimes, questionou cooperações internacionais para obter dados bancários de delatores “ao largo de nossa autoridade central para fins de cooperação internacional, com marcante informalidade e sem controle algum”. Ele, no entanto, nega que a medida a ser adotada pelo governo tenha relação com a Lava Jato.

Questionamentos da mesma ordem foram feitos por diversos advogados. A decisão mais relevante sobre o tema foi obtida no STF por Zanin. O advogado obteve uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que obrigou o governo federal a informar se havia procedimentos oficiais de cooperação internacional protocolados pelo MPF para obter provas contra Lula. O Ministério da Justiça respondeu que não havia, em uma pesquisa interna sobre ações penais contra o presidente.

Zanin, então, levou o questionamento ao STF. Sustentou que a Lava Jato obteve provas sobre o caso Odebrecht longe dos olhos do DRCI. Anexou também conversas hackeadas de procuradores obtidas em arquivos da Operação Spoofing que mostravam diálogos com autoridades estrangeiras. Acolhendo o pedido, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a cadeia de custódia e a higidez das provas obtidas em cooperação estavam “comprometidas”.

Essencial em investigações sobre organizações criminosas, que vão do tráfico de drogas a esquemas de corrupção, a cooperação internacional do Ministério Público Federal com autoridades estrangeiras deve ter suas regras revistas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ideia é concentrar mais poderes no Departamento Nacional de Cooperação Internacional (DRCI), órgão vinculado ao governo federal, e reduzir espaço para trocas informais de informações entre procuradores brasileiros e de outros países.

A cooperação internacional em investigação penal visa a troca de informações entre órgãos como as polícias e os MPs. A depender de cada país, esta obtenção de provas passa necessariamente por uma autoridade central, a quem compete analisar se os pedidos preenchem requisitos formais. Por decreto presidencial, o DRCI tem este papel. O órgão também é responsável por encaminhar dados à autoridade de investigação, que tem competência exclusiva para o mérito e a fundamentação destes pedidos.

O instrumento foi essencial para a Lava Jato obter provas como quebras de sigilo em contas bancárias. Assim, se deram, por exemplo, os primeiros passos da investigação sobre o diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, primeiro delator, que devolveu R$ 79 milhões. Dados de ações da Lava Jato em quatro Estados, somados aos da Operação Greenfield, mostram que entre 2014 e 2021, foram feitos 597 pedidos a 58 países e foram recebidos 653 pedidos de 41 países. A partir dessas cooperações foram bloqueados R$ 2,1 bilhões em paraísos fiscais.

Paulo Roberto Costa foi o primeiro delator da Operação Lava Jato, em 2015 Foto: Estadão Conteúdo

Por outro lado, o excesso de informalidade dos procuradores ao atuar junto a autoridades estrangeiras foi questionado por advogados de investigados e provas foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de irregularidades na condução destes procedimentos.

Transição

A ideia de rever normas sobre o tema consta em um relatório da equipe de transição feito por Cristiano Zanin, advogado do presidente Lula. Ele propôs a revisão de uma portaria assinada pelo Ministério da Justiça, pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2005, no primeiro governo petista.

Segundo Zanin, o artigo primeiro da portaria conjunta dá ao DRCI “uma posição de mero correspondente entre os Estados estrangeiros e o MPF”. Atualmente, este texto prevê que os pedidos de cooperação de órgãos de investigação estrangeiros aos brasileiros sejam encaminhados pelo DRCI à PGR com o fim de, em seguida, serem redistribuídos internamente no MPF.

Em outro trecho do relatório, o advogado sugere a revogação do artigo quarto da Portaria, que prevê a manutenção da “cooperação informal direta entre” a PGR e “órgãos equivalentes de Ministérios Públicos estrangeiros”, desde que o DRCI seja informado. “Um modelo que permite ‘cooperação informal’ já se provou altamente lesivo ao Estado de Direito”, diz Zanin, no documento.

O secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, considera importante rever o atual modelo. “O fortalecimento da autoridade central é pauta aqui dentro do Ministério da Justiça, e se tiver que passar por revogação de portarias, isso será revisto”, disse Botelho ao Estadão. Ele argumenta que o Ministério da Justiça, ao qual sua pasta é vinculada, tem de ser autoridade central em razão da interlocução com o Ministério das Relações Exteriores.

Arruda Botelho menciona que este entendimento tem sido reiterado por acordos internacionais, como a convenção de Budapeste, firmada em 2022, que qualifica o DRCI como autoridade central brasileira para pedidos relacionados a crimes cibernéticos - uma grande demanda em cooperações internacionais.

Há anos, existe uma disputa entre a PGR e o Ministério da Justiça pelo caráter de autoridade central. À exceção da atual diretora, a advogada da União Carolina Yumi, o DRCI historicamente foi dirigido por delegados da Polícia Federal. Estes quadros sempre fizeram lobby para manter as atribuições do órgão sobre cooperações internacionais. Em outra via, há acordos internacionais em que o MPF é tido como autoridade central na comunicação com MPs de países signatários.

Augusto de Arruda Botelho, Secretário Nacional de Justiça do governo Lula 3. Foto: Cristina Ruffato/Estadão Conteúdo

No acordo de Budapeste, mencionado por Botelho, a PGR chegou a encaminhar notas técnicas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para convencê-lo a ser considerada autoridade central. Um dos argumentos é de que o recebimento direto destas demandas pelo MPF daria celeridade aos processos de investigação. Bolsonaro, no entanto, manteve a atribuição com o DRCI, atendendo a pedidos do então ministro da Justiça Anderson Torres.

Especialista e professora do IDP em matéria de cooperação internacional, a procuradora Denise Neves Abade afirma que “não cabe ao Poder Executivo ‘permitir’ ou ‘proibir’ a cooperação direta entre os Ministérios Públicos em matéria criminal”. “Isto porque a autonomia constitucional do MP proíbe que sua organização seja feita como se fosse um órgão interno do Poder Executivo”, disse.

Ela explica que as redes das quais o MP brasileiro faz parte são apenas compostas por Estados Democráticos de Direito, que não permitem excessos. A procuradora afirma que o DRCI, de fato deve ser reforçado e que deve atuar em parceria com o MPF para evitar prescrição de casos criminais.

Denise reforça que, “como qualquer órgão público, há registros de tudo o que é debatido nessas Redes dos Ministérios Públicos, que agem, evidentemente, nos limites de sua atuação”. “Na cooperação direta não há nenhum prejuízo na seara penal, porque nenhum ato que exige intervenção do Poder Judiciário brasileiro pode ser feito por cooperação informal”, afirmou.

Lava Jato

Arruda Botelho é advogado e atuou na Lava Jato. Na defesa da Odebrecht, antes de a empreiteira confessar crimes, questionou cooperações internacionais para obter dados bancários de delatores “ao largo de nossa autoridade central para fins de cooperação internacional, com marcante informalidade e sem controle algum”. Ele, no entanto, nega que a medida a ser adotada pelo governo tenha relação com a Lava Jato.

Questionamentos da mesma ordem foram feitos por diversos advogados. A decisão mais relevante sobre o tema foi obtida no STF por Zanin. O advogado obteve uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que obrigou o governo federal a informar se havia procedimentos oficiais de cooperação internacional protocolados pelo MPF para obter provas contra Lula. O Ministério da Justiça respondeu que não havia, em uma pesquisa interna sobre ações penais contra o presidente.

Zanin, então, levou o questionamento ao STF. Sustentou que a Lava Jato obteve provas sobre o caso Odebrecht longe dos olhos do DRCI. Anexou também conversas hackeadas de procuradores obtidas em arquivos da Operação Spoofing que mostravam diálogos com autoridades estrangeiras. Acolhendo o pedido, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a cadeia de custódia e a higidez das provas obtidas em cooperação estavam “comprometidas”.

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