O governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) nomeou Ricardo Lorenzini Bastos, sob investigação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) por supostas irregularidades na contratação de obras de estradas rurais entre os anos de 2021 e 2022, para um cargo de coordenação na Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA). Lorenzini, ex-chefe de gabinete da pasta, assinou documentos que autorizaram pagamentos considerados irregulares durante o período. Ele foi exonerado da função em março deste ano. Porém, voltou à pasta como coordenador de administração neste mês. A nomeação foi oficializada no Diário Oficial do Estado desta terça-feira, 3.
Questionado sobre as acusações, o advogado de Lorenzini, Fernando José da Costa, disse, em nota, que não houve nenhuma irregularidade e tudo foi feito com embasamento em parecer jurídico e após estabelecimento de critérios. “Todos os casos foram, individualmente, analisados. O próprio documento que foi produzido pela SAA não comprova tais irregularidades. De fato, como se demonstra nos atos de arquivamento das apurações feitas pelo Ministério Público, se está diante de acusações sem quaisquer fundamentos”. Em relação investigações que seguem abertas no MP, a defesa diz que aguarda o “arquivamento dos inquéritos civis, pois não existe prejuízo ao erário público”.
Além da nomeação de Lorenzini, outros dois coordenadores da Secretaria de Agricultura foram substituídos no fim de setembro. Nos bastidores, há relatos de que as trocas na pasta ocorreram sem o consentimento do secretário Antonio Julio Junqueira de Queiroz, que estaria insatisfeito com a mudança e cogitando pedir demissão do cargo. Procurado pelo Estadão, Junqueira disse que as informações de que ele teria decidido deixar a pasta são infundadas, mas que vai conversar com o governador Tarcísio sobre as recentes alterações na secretaria. Tarcísio e Junqueira se reuniram no fim da tarde desta quarta-feira, 4, no Palácio dos Bandeirantes.
As acusações de irregularidades contra Lorenzini ocorrem no âmbito do programa Melhor Caminho. Como mostrou o Estadão, a Secretaria de Agricultura entregou ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) um relatório em que aponta “graves irregularidades” no programa de construção de estradas rurais entre 2021 e 2022. Segundo o documento, foram pagos cerca de R$ 200 milhões por obras que não foram concluídas. Outros R$ 300 milhões foram gastos, conforme a análise da gestão de Tarcísio Freitas (Republicanos), sem passar pelo protocolo de processos internos que garantem a qualidade das obras. Os atos aconteceram nas gestões de João Doria e Rodrigo Garcia.
O relatório elaborado pela Secretaria de Agricultura provocou o Ministério Público de São Paulo a abrir, em julho deste ano, um conjunto de 147 investigações — entre inquéritos civis e procedimentos preliminares — para identificar todos os detalhes e envolvidos em supostos desvios em contratos referentes a 368 estradas rurais no interior do Estado. No mês passado, porém, 14 investigações sobre o caso foram arquivadas pelo MP. Na decisão, o promotor de Justiça Ricardo Manuel Castro afirmou não ter visto provas de improbidade. As irregularidades investigadas ocorreram nas gestões dos secretários Itamar Borges (MDB) e Francisco Matturro, sendo que Lorenzini foi o chefe de gabinete em ambos os casos.
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Em nota enviada à imprensa, a assessoria de Borges, Matturro e Lorenzini afirmou que o documento elaborado pela Secretaria de Agricultura apresenta “informações distorcidas e insinuações falsas”. Além disso, o texto diz que uma leitura “cuidadosa e completa” da documentação demonstra que: “as supostas irregularidades apontadas não existem; os argumentos para apontar ilegalidades não estão suportados por evidências que comprovem as acusações; e que toda a documentação contida no ‘dossiê' são, na verdade, provas de como tudo foi realizado conforme leis que regem licitações públicas, as normas de gestão de obras públicas e, sobretudo, seguindo as recomendações prévias de órgãos de fiscalização”.
O governo do Estado, por sua vez, afirmou que Ricardo Lorenzini é funcionário de carreira há 22 anos. “Após ser exonerado do cargo de chefe de gabinete, continuou exercendo suas funções dentro da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Não possui condenação, não responde a processo administrativo disciplinar e sindicância, e foi designado ao cargo de coordenador de administração por atributos técnicos”, informou em nota.
Reajuste em contratos custou R$ 50 milhões aos cofres públicos
O relatório encaminhado ao TCE-SP revela que, durante o período de 2021 a 2022, o programa Melhor Caminho registrou um total de 828 ordens de serviços para melhorar as estradas rurais do Estado. Dentre essas obras, mais de 30%, correspondendo a 368 casos, passaram por um processo de reequilíbrio econômico-financeiro durante a gestão do governo de Rodrigo Garcia, abrangendo 147 contratos distintos. Esse reequilíbrio consiste, na prática, em um ajuste nos contratos, uma medida tomada em situações como aumento inesperado nos custos de matérias-primas ou a implementação de novos impostos que afetam os custos da obra. Essa prática é legal e recorrente no âmbito do setor público, embora seja frequentemente associada a casos de corrupção, má conduta administrativa e desvio de recursos.
Segundo a portaria do Ministério Público que registrou a abertura dos inquéritos, o problema, no caso do programa Melhor Caminho, é que a Consultoria Jurídica da Pasta e da Subprocuradoria Geral do Estado fizeram pareceres contrários ao reequilíbrio. Também não havia uma justificativa ou fundamentação satisfatória para que alguns contratos tenham sido reequilibrados e outros não, e há “muitas similaridades nos pedidos de reequilíbrio apresentados pelas empresas que, inclusive, utilizaram as mesmas referências como fundamentação”. Além disso, foram submetidos ao reequilíbrio contratual, de uma só vez, quase uma centena de contratos, “não sendo possível individualizar as necessidades, como determina a legislação”.
Segundo a portaria, esses fatos podem configurar “em tese, ato de improbidade administrativa doloso”. Destaca-se ainda que “mais de 110 obras que foram agraciadas com o reequilíbrio contratual ainda estão inacabadas e 4 delas não possuíam nenhuma licença para que fosse iniciada a execução (licença ambiental e autorização de lindeiros)”. O valor de R$ 49,4 milhões de reajuste contratual foi pago depois do final do período eleitoral de 2022, quando confirmou-se que Rodrigo Garcia não continuaria no comando do Palácio dos Bandeirantes. Esse montante representava 25% do orçamento total do programa Melhor Caminho para 2023, o que significa menos dinheiro para o novo governo investir na área.
De acordo com a portaria do MP, “os recursos gastos a título de reequilíbrio possibilitariam a realização de melhorias em mais de 378 km de estradas rurais”.