BRASÍLIA - Sem verem seus pedidos atendidos pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), servidores do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) ameaçam entrar em greve nos próximos dias. Uma paralisação neste ano poderia ter alto custo eleitoral: a poucos meses das eleições municipais, a greve atrasaria repasses de cerca de R$ 1 bilhão em pagamentos da União para escolas públicas em todo o País, segundo técnicos da autarquia ouvidos pelo Estadão. Atingiria também obras do Novo PAC Seleções e a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Considerado uma espécie de “banco” do Ministério da Educação (MEC), o FNDE é responsável por operar e gerenciar transferências de bilhões de reais da União destinados às redes de ensino dos Estados e municípios. Neste ano, dois dos principais programas do órgão poderão ser afetados, segundo os técnicos: o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
O PDDE entrega às escolas verba usada para cobrir pequenas despesas, como reparos, sem que os diretores tenham que realizar licitações. É pago duas vezes ao ano. Em caso de greve, a segunda parcela deste ano seria afetada, no valor de R$ 481 milhões. Já o Pnae suplementa os gastos das escolas com a merenda dos estudantes. Se houver greve no FNDE, a parcela de setembro pode ser afetada, no valor de R$ 541 milhões. Ao contrário das transferências voluntárias de recursos, repasses como estes do PDDE e do Pnae não estão vetados pela lei eleitoral depois do dia 6 de julho.
Outro projeto de estimação do terceiro governo Lula (PT), o Novo PAC Seleções, também seria atingido. No eixo “Educação, Ciência e Tecnologia” são 5,9 mil obras “em ação preparatória” e mais 2,1 mil em execução, segundo informações da Casa Civil da Presidência da República. Boa parte desses projetos passam pelo FNDE, como creches (1,1 mil) e quadras esportivas (1,7 mil). Já o Inep é responsável pela realização do Enem, que neste ano está marcado para os dias 3 e 10 de novembro. Atualmente, a nota do Enem é aceita para ingresso na maioria das universidades: a prova se tornou uma espécie de “mega vestibular”.
Os representantes dos servidores do FNDE negociam o reajuste em conjunto com o Inep, em discussões com o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Eles buscam a equiparação com as carreiras do chamado Ciclo de Gestão do Executivo, que têm salários bem mais altos que os atuais – no topo destas carreiras, os servidores chegariam a ganhar mais de R$ 29,8 mil. Hoje, no Inep, um servidor do topo da carreira, com doutorado, recebe pouco menos de R$ 22 mil. Os servidores argumentam que hoje suas atribuições são similares às dos colegas no Ciclo de Gestão.
Em meados deste mês, os servidores do Inep e do FNDE rejeitaram uma contraproposta do MGI e entraram “em estado de greve”, numa sinalização de que a paralisação está sendo considerada. Na ocasião, o MGI disse que continuava aberto ao diálogo com os servidores.
“Nos últimos anos, o FNDE e o Inep foram acumulando vários novos papéis, várias novas funções. A gente formula, implementa, executa, monitora e avalia as principais políticas educacionais do País. Então por que não temos um reconhecimento salarial condizente?”, questiona Daniel Pereira da Silva, coordenador da seção sindical do Sindsep-DF no FNDE. Até o momento, a contraproposta do MGI é de 9% de reajuste em 2025 e 4,5% em 2026 – e zero neste ano.
“A gente prefere não radicalizar, de ter a greve como primeiro recurso. Em caso de greve, os repasses de recursos financeiros para Estados e municípios podem ser prejudicados, e a gente tem responsabilidade com as políticas educacionais”, diz Daniel Pereira. Outros integrantes do órgão afirmam, no entanto, que uma greve é provável caso o MGI não acene com alguma melhoria.
A proposta atual do MGI é considerada insuficiente pelos servidores, inclusive para evitar a evasão de quadros, considerado o principal problema do FNDE. Atualmente, a autarquia conta com 326 funcionários trabalhando, de um total de 1.121 cargos em sua estrutura.
O número de funcionários ativos é quase 20% menor do que era em 2019, no primeiro ano de gestão de Jair Bolsonaro (PL) – na época, eram 476, segundo série histórica obtida pelo Estadão. Em algumas áreas, a situação é considerada crítica: no setor de obras de infraestrutura, por exemplo, são apenas 4 servidores da carreira do FNDE (há também alguns terceirizados).
Ao mesmo tempo, o volume de dinheiro gerido pelo órgão quase dobrou no mesmo período: em 2019, o orçamento sob responsabilidade do FNDE era de R$ 58,5 bilhões (em valores da época). Neste ano, é de R$ 100,2 bilhões – a maior parte é destinada aos repasses a Estados e municípios, além do Fies (programa de financiamento estudantil). Ademais das transferências e do Fies, o FNDE também se tornou importante nos últimos anos por organizar grandes licitações para compras de material didático, mobiliário e ônibus escolares, entre outros itens.
Recentemente, o órgão realizou um novo concurso – o primeiro desde 2012 – com 100 novos aprovados. Os ingressantes devem ser nomeados nesta semana, mas a avaliação dos servidores do Inep é que a maioria deixará a autarquia nos próximos anos, caso os salários não melhorem. O FNDE se tornou uma “carreira trampolim”, na avaliação dos servidores. Ou seja, um lugar onde os servidores trabalham apenas provisoriamente enquanto estudam para um concurso mais bem remunerado.
A reportagem do Estadão procurou o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos para comentários, mas não houve resposta até o momento. Em material distribuído aos servidores, o MGI destaca melhorias já realizadas nos últimos anos, como reajustes do vale alimentação, na assistência pré-escolar e nos planos de saúde.
Nos últimos meses, várias carreiras de servidores públicos entraram em greve por melhores salários e pela reposição do que alegam terem sido perdas salariais durante a gestão de Jair Bolsonaro. Atualmente, encontram-se paralisados profissionais de órgãos da área ambiental e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – os servidores da área previdenciária estão parados desde meados de julho.