RIO – A disputa política entre o senador Cid Gomes e o ex-ministro Ciro Gomes, candidato à Presidência em 2022, pelo comando no PDT ganha novos contornos com ameaças de punições por infidelidade partidária, tentativa de intervenção da Executiva Nacional no diretório da sigla no Ceará – berço político do clã Ferreira Gomes – e ressentimentos expostos publicamente.
O racha entre os irmãos Gomes se arrasta desde a campanha eleitoral do ano passado, quando Cid decidiu apoiar a candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de um nome do PDT alinhado aos petistas para o governo do Ceará . A divisão se aprofundou.
Nesta segunda-feira, 3, a Executiva Nacional do partido decidiu, por unanimidade (7 a 0), “evocar as competências da executiva estadual no Ceará para a executiva nacional”. Na prática, o grupo do atual presidente interino do partido, deputado federal André Figueiredo (PDT-CE), que é ligado a Ciro, tenta manter o comando do partido ao controlar o diretório cearense.
“O termo não é intervenção. Tendo em vista que o os ânimos estão extremamente acirrados, inclusive com a convocação de uma reunião do diretório para destituir a executiva que tem mandato até 31 de dezembro, a direção nacional do partido chamou uma reunião, com a participação de praticamente todos os seus integrantes, para fazer uma evocação dos poderes da direção estadual para a direção nacional. É uma forma de tentar reduzir todos os danos que estão sendo causados ao partido por conta dessas divisões”, afirmou André Figueiredo ao Estadão.
O controle da legenda no Ceará é ameaçado pelo grupo do senador Cid Gomes. Amparado por 52 dos 84 integrantes da Executiva Estadual, Cid convocou uma reunião para sexta-feira, 7, na tentativa de assumir o controle do partido. O senador não reconhece a decisão tomada pela Executiva Nacional e diz que fará a “reunião na calçada”, caso seja barrado de entrar na sede do PDT.
“A meu juízo, a decisão não promove intervenção no diretório estadual, porque o artigo 67 (usado como base da decisão da Executiva Nacional do PDT) trata da possibilidade de a Nacional avocar processos éticos disciplinares. Simplesmente, não se aplica ao caso. Eu disse isso lá: ‘Rapaz, se vocês têm alguma intenção diferente da evocação de um processo ético e disciplinar, que é o que diz textualmente, procurem outro artigo. Esse, não’. Enfim, eu falei que a votação era inócua e que me absteria”, contou Cid Gomes.
O senador afirmou ainda que manterá a reunião marcada para esta sexta, mesmo com ameaças de represálias por infidelidade partidária por parte de Figueiredo e do grupo de Ciro.
“Se houver quórum, a reunião acontecerá na sede do partido. Se não nós deixarem entrar, faremos na calçada, na frente da sede”, disse.
Cid Gomes (PDT), senador
Já Figueiredo, que também preside o diretório no Ceará, entende que a convocação da reunião fere o estatuto do partido. E diz que aguardará o desfecho para avaliar possíveis punições aos envolvidos.
“Tentamos fazer com que o processo seja menos traumático. O grupo do senador Cid está querendo chamar uma reunião para destituir a Executiva legalmente eleita e com mandato. Isso não está previsto em nenhum lugar do nosso estatuto. Há a previsão de convocação sim, mas nunca para destituir um Executiva com mandato. Isso aí é que está gerando toda essa celeuma. O partido não vai reconhecer. O que estamos vendo, infelizmente, é algo que tá fazendo o partido sangrar”, disse.
Figueiredo é aliado de Ciro Gomes, rompido com o irmão desde 2022. O mandato de Figueiredo está previsto para durar até o fim do ano. No entanto, este prazo pode ser encurtado caso haja o consentimento dos integrantes da Executiva Estadual do PDT pela troca da liderança.
Os dois lados diferem em qual postura adotar nas eleições do ano que vem. Enquanto Cid busca uma reconciliação com o PT, a ala cirista, ligada a Figueiredo, não quer abrir o diálogo com o partido do governador Elmano de Freitas (PT) e defende a reeleição independente de José Sarto (PDT) na capital.
Procurado pelo Estadão, o ex-ministro Ciro Gomes não se pronunciou.
Para tentar mediar a questão, o ministro Carlos Lupi (Previdência Social), presidente licenciado do PDT, viajou para Fortaleza há cerca de duas semanas. Em reunião com parte dos membros, ele demonstrou não querer abrir mão de André Figueiredo na presidência da sigla até o fim do mandato. As disputas devem se estender até sexta.
O deputado estadual Osmar Baquit (PDT), que chegou com Cid no último encontro, não vê, no entanto, perspectivas próximas para o fim da crise interna do partido. “Eu não vejo como ter esse acordo, está só empurrando para frente”, declarou.
Racha no clã Ferreira Gomes
A cisão entre os irmãos Gomes começou na eleição passada. Na ocasião, Ciro ficou frustrado sem o apoio de Cid durante a campanha presidencial. O rompimento foi motivado pela discordância de Cid, aliado do senador e ex-governador petista do Ceará Camilo Santana, com a estratégia de campanha do irmão, que contava com ataques constantes ao presidente Lula.
O embate público ainda se agravou com as disputas estaduais na mesma época. O partido se dividiu entre o apoio à então governadora Izolda Cela (PDT) e o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT). Ciro Gomes bancou a candidatura de Roberto, enquanto os irmãos Cid e Ivo Gomes mantiveram-se neutros para evitar um rompimento com o partido do ex-governador Camilo Santana, que apoiava a candidatura de Izolda.
Apesar do histórico e da divisão política, Cid diz que é natural que ele e Ciro tenham opiniões diferentes sobre determinados caminhos políticos.
Cid Gomes (PDT), senador
“Duas pessoas só brigam quando as duas querem. Nada me fará brigar com Ciro, nenhuma declaração que ele faça, em respeito aos meus irmãos e em respeito à memória do meu pai e da minha mãe”, afirmou Cid Gomes nesta terça.
No fim das contas, puxada pela decisão de Ciro, foi desfeita a aliança com o PT que vigorava desde 2006 no Ceará, ano em que Cid Gomes foi eleito governador do Estado. A ação ainda rende ressentimentos.
Insegurança no PDT
Em meio às novas brigas de caciques do PDT, a insegurança é quase consenso entre os parlamentares do partido. Aliado de Cid Gomes, o deputado federal Eduardo Bismarck (PDT) admitiu que muitos parlamentares falam em se desfiliar da sigla “com medo do futuro”.
“As pessoas não se sentem seguras porque não sabem o amanhã, principalmente em relação a candidaturas, então estão indo para outros partidos”, disse Bismarck.
Nos bastidores há rumores até de uma possível saída de Cid do partido, que nega. O cientista político Kevan Brandão acredita, porém, que isso não acontecerá. “Cid ainda é o nome do consenso do PDT, e ele está ciente disso, por isso vai continuar. Mas hoje está totalmente rachado o PDT do Ceará”, avaliou.
Apesar da força de Cid no Estado, Brandão crê que o partido pode deixar de ser o maior do Ceará caso José Sarto (PDT) não seja reeleito em Fortaleza nas eleições do ano que vem. “Se perder a capital em 2024, o PDT tende a passar por muita dificuldade no Ceará e pode perder muita força.”