A parcela do eleitorado que não demonstra estar disposta a apoiar um dos polos da disputa presidencial deste ano ainda é de difícil mensuração e caracterização. Quantos são hoje, qual o potencial de crescimento até o dia da votação e qual o perfil deste segmento de eleitores que rejeita optar entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) são questões que instigam análises sobre a polarização apresentada nas intenções de voto para o Palácio do Planalto.
O Estadão ouviu cientistas políticos e analistas nas duas últimas semanas para esboçar um desenho do atual cenário da eleição presidencial e os desafios que se impõem para uma alternativa ao centro, até o momento “silenciosa”. Inédita desde a redemocratização do Brasil ao apresentar dois nomes que já ocuparam a Presidência, esta eleição tem marcas conjunturais e estruturais que a difere das anteriores, apontaram os pesquisadores.
Entre as principais conclusões: a pesquisa eleitoral deixa cristalina que a maneira como o eleitor se sente em relação a determinados grupos políticos, como petistas ou bolsonaristas, é responsável por deslocar o peso da polarização ideológica para uma polarização “afetiva”, menos vinculada a questões programáticas e com maior foco no afeto ou rejeição dos eleitores; os pré-candidatos localizados no chamado centro, por enquanto, não inspiram afeto ou alta rejeição e, portanto, não conseguem mobilizar os eleitores; o eleitor de centro não é homogêneo e os cerca de 25% que afirmam não votar em Lula e em Bolsonaro não são exatamente os “nem-nem”, o que torna inviável que um terceiro candidato conquiste todo este grupo.
“A posição ideológica dos partidos importa pouco, já que o principal conflito não tem a ver com ideologia, mas afetos. Tem a ver com a maneira com que as pessoas se sentem com os partidos ou grupos políticos, não são condições relacionadas às políticas públicas”, afirmou Nara Pavão, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). De acordo com ela, quando um candidato que se autodenomina de centro se diz moderado, ele não eleva necessariamente sua chance de voto.
O afeto como explicação para escolhas do candidato e o fator da heterogeneidade dos votantes restringem o mercado eleitoral desde cedo e contribui para frear o crescimento de candidaturas de centro político no período pré-eleitoral, apesar da existência de uma parcela de eleitores que se dizem despolitizados ou moderados.
Indefinição
Para um eleitorado que, conforme mostram estudos, tem dificuldade de se definir em um espectro político a partir da concepção programática, a cisão entre comportamento eleitoral e posicionamento ideológico leva a uma distribuição desconexa das intenções de voto. Na prática, um eleitor de um espectro político pode apostar em um candidato com posturas diversas das suas. “O eleitor pode fazer a escolha entre Lula ou Bolsonaro ou outro nome que ele queira e não necessariamente fazer uma escolha por ter uma afinidade ideológica por esse candidato”, disse o cientista político Rafael Cortez.
Estudos mostram que essa contradição entre comportamento eleitoral e posicionamento ideológico ocorre porque não há sempre um alinhamento consistente entre identidades políticas e opiniões vinculadas a programas de governo. Além disso, uma pesquisa do professor de Gestão de Políticas Públicas Pablo Ortellado, da USP, publicada neste ano, revelou que, de maneira geral, esquerda e direita apresentaram em média opiniões parecidas com o resto da população em alguns temas. Mas o estudo concluiu que, na esfera pública, a participação de poucos indivíduos polarizados se destaca de maneira mais incisiva, sobrepondo-se a “uma maioria mais silenciosa de despolitizados e moderados”.
José Álvaro Moisés, cientista político
Exemplo disso: pesquisa BTG/FSB de maio apontou que uma argumentação favorável à redução da maioridade penal em período de campanha é uma das pautas que mais aproximam o eleitorado de Lula e de Bolsonaro, e tem peso. Ao menos 74% dos apoiadores do presidente dizem aumentar a certeza do voto quando ele advoga pelo tema, ante 52% dos que declaram voto no petista – cujos apoiadores mais estridentes se opõem a esta pauta. Pavão, da UFPE, trata aparente confusão: “Vai ganhar quem conseguir conquistar esse centro. E não é qualquer centro, não é um centro de centristas. É um centro de pessoas que sofrem pressões cruzadas, que não são claramente de esquerda ou de direita”.
Rejeição
Mesmo aquelas pré-candidaturas com baixa rejeição, como a da senadora Simone Tebet (MDB), escolhida por este critério pelos partidos identificados como “terceira via”, têm dificuldade de deslanchar em razão do baixo conhecimento da população em seu nome. Analistas apontaram que a concorrência com dois nomes que já sentaram na cadeira presidencial – Lula e Bolsonaro – é definidora no quanto a população reconhece os demais candidatos, já que a escolha leva a como o eleitor enxerga cada governo.
“(O centro) Demorou muito para se constituir e perdeu um tempo precioso. A escolha do nome foi no contexto de uma série de divisões internas tanto no PSDB como do MDB”, afirmou o cientista político José Álvaro Moisés. “O eleitor quer a confirmação de que o nome que se apresenta é para valer, que a articulação funciona e que faz sentido para um conjunto de forças”, afirmou Moisés.
Definições programáticas que contrastem com os demais candidatos e um esforço de apresentação do próprio nome poderiam aumentar a possibilidade de crescimento para estes candidatos, apontou o pesquisador. Nessa perspectiva, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) definiu cedo o nome na disputa, mas não avançou nas intenções de voto. “Ciro Gomes gasta mais esforço de militância ativa, no combate que ele faz aos seus adversários, do que propriamente apresentando (um programa)”, afirmou Moisés.
Para a cientista política e professora da FGV Graziella Testa, um dos problemas deste cenário é a tendência do debate no primeiro turno não girar ao redor de políticas públicas. “O que falta em um terceiro candidato viável é um debate mais qualificado no primeiro turno e fazer um início de construção de coalizão ainda no momento eleitoral”, disse Graziella.
Centro
Desde que lançaram suas pré-candidaturas, nomes que se autodenominam participantes do “centro democrático”, como Simone Tebet, André Janones (Avante) e Ciro Gomes não ultrapassam somados, 12% das intenções de voto, como mostra o Agregador de Pesquisas do Estadão. No total, a parcela da população que diz não depositar o voto nos líderes das pesquisas chega a 25%.
A mais recente pesquisa Genial/Quaest, de junho, revela que 35% dos entrevistados dizem que sua escolha não é definitiva. Por outro lado, apenas 19% dos eleitores afirmam que não querem nem Lula nem Bolsonaro na Presidência. Para Nara Pavão, da UFPE, esse preenchimento do centro “não quer dizer que as pessoas vão se comportar dessa maneira”.
Primeiro, porque este grupo não compõe em sua totalidade a rejeição a Lula ou a Bolsonaro. A pesquisadora Graziella Testa apontou que o fato de uma pessoa não estar contemplada nos dois projetos políticos não significa que está em um terceiro. “Posso ser nem (Lula) nem (Bolsonaro) porque não voto ou porque não acredito em política.”
Segundo o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, outro problema é que a diferença marcante entre o centro democrático e o fisiológico é facilmente confundida e um acaba anulando o outro. “O eleitor nem sempre separa o joio do trigo e acaba buscando alternativas.(...) Ele procura o menos prejudicial, porque para ele o ‘nem-nem’ na verdade é nem um e o outro de jeito nenhum”, disse.
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Tanto é assim que neste ano partidos estão mais preocupados em sobreviver a disputar eleições majoritárias. Esta é a primeira eleição em que não haverá coligação para a eleição proporcional em nível federal. Partidos que não têm candidaturas presidenciais competitivas optam por focar em eleger mais deputados e, assim, obter mais recursos públicos, como o fundo partidário e o eleitoral.
Dimensões
O cenário eleitoral em vigor fica mais claro quando o posicionamento é segregado em dimensões. Um estudo da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV, de 2019, mostra que a mesma população que se diz maioria de centro se mostra mais progressista quando o tema é redistribuição e mais conservadora nas pautas de costumes.
O comportamento repete um movimento antigo. Um dos precursores destes estudos, o sociólogo francês Maurice Duverger, apontava que, na tentativa de ser síntese de aspirações contraditórias, o centro se divide em si mesmo, distribuindo votos nos polos. “O centro está povoado quando os temas da agenda se aproximam. Quando geram divergência, é um conjunto vazio”, afirmou Cortez sobre os estudos de Duverger. “O que vimos em parte pelo movimento espontâneo da sociedade em parte por uma construção da elite política foi uma radicalização entre esquerda e direita, então esse centro é menor do que já foi”, completou.
Voto útil
Esse comportamento deixa pistas sobre a escolha do voto útil deste eleitorado. Em 2018, pesquisa do Datafolha mostrou que 12% dos eleitores decidiram em quem votar para presidente no dia do primeiro turno da eleição, 6%, na véspera, inseridos nos 63% que definiram a escolha no mês anterior. O diretor executivo para Américas do Eurasia, Christopher Garman, lembra que naquele ano também havia uma parcela da população que queria uma terceira opção, o que não aconteceu nas urnas.
O cenário se repete neste período eleitoral, em que a saída da disputa dos então pré-candidatos Sérgio Moro (União Brasil) e João Doria (PSDB) distribuiu mais votos aos líderes das pesquisas ou aos indecisos. Em 2018, porém, os dois nomes que levariam a disputa para o segundo turno se definiram mais tarde, com Bolsonaro ganhando terreno nas pesquisas após o segundo semestre e o PT aguardando definições da Justiça sobre a prisão de Lula no âmbito da Lava Jato – Fernando Haddad só foi confirmado candidato em setembro daquele ano.
Com isso, o resultado das pesquisas espontâneas, quando o eleitor não recebe uma lista de nomes para escolher um candidato, era diferente do observado agora. Em junho de 2018, 12% dos entrevistados pelo Datafolha lembrava de Bolsonaro como opção nas urnas, ante 10% de Lula, ainda no páreo. Neste ano, agora líder nas pesquisas, o petista tem 38% de intenções de voto espontâneo contra 22% de Bolsonaro, no último levantamento do instituto, divulgado em maio passado.
Rafael Cortez, cientista político
“Você tem cerca de 8% de diferença (entre a intenção de voto espontânea) com a estimulada (para Lula). Esse pessoal ou tem falta de opção ou porque o perfil do Lula agrada no contexto atual, a gente tem de separar as duas hipóteses”, sustenta Garman. A tendência é que a disputa se dê por este eleitor moderado, mas ainda indeciso, com Lula e Bolsonaro fazendo investidas em discursos voltados a esse público e candidatos do centro procurando reconquistar o eleitorado que agora prefere os polos, em uma eleição em que a economia surge capaz de furar uma disputa marcada por antagonismos.
Para lembrar
O Estadão lançou, em maio, uma ferramenta que utiliza dados de levantamentos de 14 empresas para calcular o cenário mais provável da corrida eleitoral em tempo real. No momento, segundo a média do ‘Estadão Dados’, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem 46% das intenções de voto, 17 pontos porcentuais a mais do que o presidente Jair Bolsonaro (PL), com 29%. Ciro Gomes (PDT) aparece a seguir, com 8%. Há um empate entre Simone Tebet (MDB) e André Janones (Avante), ambos com 2%. Outros concorrentes, somados, chegam a 1%.
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A média de cada candidato não é a simples soma dos resultados e divisão pelo número de pesquisas. O agregador controla diversos parâmetros e dá pesos diferentes aos levantamentos para impedir que números destoantes ou desatualizados puxem um dos concorrentes para cima ou para baixo.