BRASÍLIA – À primeira vista, elas parecem pastas de um executivo. Em caso de ataque, porém, viram rapidamente um escudo à prova de bala, com 1,70 m de altura. O equipamento é usado por homens à paisana para proteger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ele sai andando no meio do povo, faz visitas para entregar casas populares ou sobe num palanque.
O acirramento dos ânimos verificado entre aliados de Lula e seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro preocupa o Palácio do Planalto. Embora a eleição seja municipal, a disputa é travada como se fosse a reedição do duelo de 2022, principalmente em São Paulo, onde Lula apoia o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, e Bolsonaro está com o prefeito Ricardo Nunes (MDB).
O presidente sempre resistiu a usar colete à prova de bala por considerá-lo muito pesado e quente, além de impedir a flexibilidade de movimentos. Mas agentes responsáveis por sua segurança utilizam tanto a “vestimenta” quanto a pasta balística.
Foi assim na quarta-feira, 31, quando Lula entregou unidades do Minha Casa, Minha Vida em Várzea Grande (MT), na região metropolitana de Cuiabá.
“Você é dona Simone?”, perguntou ele ao encontrar a moradora beneficiada pelo programa. Seguranças à paisana observavam a movimentação, olhando para todos os lados. Um deles portava a famosa pasta-escudo e outro, um colete que se destacava embaixo da camisa branca.
Durante as investigações dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, a Polícia Federal descobriu trocas de mensagens que sugeriam um plano para matar Lula. O tiro de fuzil seria disparado a longa distância na cerimônia de posse, em 1.º de janeiro.
“Havia atos preparatórios para a execução de um tiro, que ia ser um tiro no dia da posse de Lula”, afirmou ao Estadão o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, quando ainda era titular da Justiça. O suspeito foi preso.
Uma dúvida que persiste até hoje, no entanto, é se a pasta e o colete à prova de bala conseguem proteger o presidente. Para o ministro-chefe do GSI, general Marcos Antônio Amaro dos Santos, esses equipamentos não funcionam em todas as situações.
“No caso do Trump, por exemplo, adiantaria ele estar usando colete?”, questionou Amaro, numa referência ao atentado sofrido no mês passado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, hoje candidato do Partido Republicano à Casa Branca. Ele mesmo respondeu: “Não adiantaria porque o tiro foi na direção da cabeça. Passou na orelha.”
Bolinha de papel virou crise na disputa de 2010
Na prática, diante do aumento da violência, as autoridades encarregadas de planejar a segurança presidencial têm sido obrigadas a mudar procedimentos. Cada vez mais entram em cena os drones e os snipers, atiradores de precisão.
“Eu me lembro que a grande crise da campanha de 2010 foi uma bolinha de papel jogada no Serra”, disse ao Estadão o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, sobre o “artefato” que atingiu o então candidato do PSDB à Presidência, José Serra, à época adversário de Dilma Rousseff (PT).
“Agora o cenário é outro. Uma coisa é a disputa política no campo do debate das ideias. Outra é esse cenário desastroso que a gente vem enfrentando há algum tempo, que sai do mundo virtual e vem para o mundo real. Isso é, obviamente, um ponto de atenção”, avaliou o diretor-geral da PF.
Na campanha de 2022, a Polícia Federal chegou a prender 30 pessoas que tentaram atacar Lula. Na ocasião, o delegado Andrei era chefe da segurança do petista.
“Desta vez, embora o presidente não seja candidato, vai participar de atos políticos. E nesse modelo híbrido de segurança, junto com o GSI, a Polícia Federal usará sua experiência de 80 anos na proteção de autoridades, agregada à atividade de inteligência e análise de risco”, descreveu Andrei.
Atualmente, a segurança de Lula conta com 310 militares do GSI e do Comando Militar do Planalto. A PF não informa o efetivo que acompanha o presidente.
Os agentes do Gabinete de Segurança Institucional recebem treinamentos periódicos, que incluem de atuação em comboio e simulador de tiros a salvamento aquático.
“O que estamos reforçando agora é a segurança de área”, afirmou o ministro-chefe do GSI, que despacha no segundo andar do Planalto, um abaixo do ocupado pelo presidente. Questionado sobre qual será o contingente à disposição de Lula na campanha, Amaro manteve a discrição.
“Conforme o evento se estuda o efetivo”, despistou o general. “Todos os protocolos resguardam o presidente da possibilidade de atentado. Cada situação tem sua avaliação de risco e o planejamento é feito caso a caso. Não adianta se preocupar. A preocupação não é uma ação tática.”
O decreto n.º 4.332, de 12 de agosto de 2002, diz que a segurança de área deve “cobrir o espaço físico que ofereça riscos à autoridade e o necessário ao desdobramento dos recursos humanos e materiais empregados na atividade”.
Presidente desconfiava de militares
No início deste terceiro mandato, a segurança de Lula era coordenada pela Polícia Federal, por meio da Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata. A estrutura provisória tinha mais de 400 policiais e, conforme previsto, foi extinta em 1.º de julho de 2023.
A segurança presidencial sempre foi feita pelo GSI, no passado chamado de Gabinete Militar e, depois, Casa Militar. Mas, após os ataques golpistas, Lula decidiu mudar o modelo por desconfiar que houvesse uma infiltração de militares aliados a Bolsonaro no GSI.
Em abril daquele ano, o general Gonçalves Dias, então ministro do GSI, pediu demissão depois de aparecer em imagens do circuito interno do Planalto sem em nenhum momento confrontar invasores que depredavam o prédio, em 8 de janeiro.
G. Dias, como era conhecido, foi o primeiro ministro a cair em 109 dias de governo Lula. O general Amaro tomou posse em maio, após um período de “intervenção” no GSI, que teve à frente o então secretário executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli.
Um mês depois, em junho, Lula decidiu que o GSI comandaria a sua proteção e foi criada a Secretaria de Segurança Presidencial. Mesmo assim, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, preferiu continuar somente com a Polícia Federal por não querer militares à sua volta.
“É um modelo híbrido no qual todos, GSI e Polícia Federal, trabalham juntos para garantir a segurança do presidente e de seus familiares”, resumiu o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Apesar dessas mudanças, ainda há, nos bastidores, uma disputa entre o GSI e a Polícia Federal, que medem forças por causa da escolta presidencial. A polícia judiciária, por sua vez, é uma atribuição exclusiva da PF. Cabe a ela o poder de instaurar inquérito de ofício e apurar infrações eleitorais.
A portas fechadas, servidores do GSI alfinetam agentes da Polícia Federal. Lembram, por exemplo, que quando Bolsonaro sofreu uma facada, na campanha de 2018, a segurança estava com a PF, e não com o GSI, porque ele era candidato.
Na outra ponta, integrantes da Polícia Federal avaliam, em conversas reservadas, que o modelo usado pelo Gabinete de Segurança Institucional para proteger o presidente não tem o mesmo trabalho de inteligência empregado pela corporação. Além disso, muitos não escondem a desconfiança que mantêm até hoje sobre a atuação dos militares.