BRASÍLIA – Em 2021, no auge da pandemia de Covid-19 no Brasil, o empresário Francisco Wanderley Luiz, 59, promovia festas com aglomeração de pessoas todos os fins de semana. As festas eram no espaço de eventos Tenda Parque, em Rio do Sul (SC), de propriedade dele.
No começo da noite desta quarta-feira, 13, Francisco, apelidado de “Tiü França”, se matou ao explodir uma bomba embaixo da própria nuca em um atentado em frente à sede do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes em Brasília.
Na época, o sistema de saúde de Rio do Sul tinha colapsado, com superlotação e fila de espera por leitos no principal hospital local, mas Francisco disse à Polícia que continuaria com as festas porque aquele era seu “ganha pão”. Denunciado pelo Ministério Público de SC, Francisco foi absolvido pela Justiça local.
De janeiro de 2021 até pelo menos julho daquele ano, Francisco continuou realizando eventos no Tenda Parque, de acordo com os posters de divulgação publicados na página do Tenda Parque no Facebook. A programação era diversa: ia desde o “Festival da Cerveja” com o Grupo Gurizada (no dia 12 de fevereiro de 2021), até o “Domingão do Tenda Acústico PopNejo”, no dia 20 de junho. Enquanto isso, o vírus SARS-CoV-2 se espalhava pelo Brasil: em 2021, 424,1 mil brasileiros perderam a vida para a Covid. Foi o ano mais letal da pandemia.
Leia Também:
Aglomerações como as promovidas por Francisco no Tenda Parque estavam proibidas pelo menos desde 17 de abril de 2020, quando o então governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (Republicanos) declarou estado de calamidade pública no Estado.
Em novembro de 2021, Francisco foi denunciado pela promotora do MP-SC Caroline Sartori Velloso Martinelli por “infração de medida sanitária preventiva”. Trata-se de crime descrito no artigo 268 do Código Penal e que consiste em “infringir determinação do poder público, destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa”.
A denúncia veio em decorrência de uma batida da Polícia Militar no Tenda Parque na noite de 20 de junho de 2021, um domingo, quando a casa recebia a apresentação do cantor Lucas Suzuki. O PM que esteve no local, Alexandre Hames, relatou em depoimento que eram cerca de 80 pessoas no local naquela noite. “Todas as pessoas estavam sem máscaras, dançando; que a pista de dança estava funcionando; que o espaço era curto e causava aglomero”, disse o PM no depoimento.
Ao mesmo tempo em que Francisco realizava suas festas no Tenda Parque, o sistema de saúde de Rio do Sul lutava para atender os doentes.
“Importa destacar que à época do fato o sistema de saúde estava em colapso por causa da doença, com superlotação na UTI do Hospital Regional Alto Vale, e filas de espera por leitos. A situação exigia ainda mais cautela e respeito por parte dos estabelecimentos comerciais, mas o denunciado (Francisco) optou por auferir lucro em detrimento da saúde pública”, escreveu a promotora do caso.
Segundo o policial Alexandre Hames, Francisco foi autuado mais de uma vez por conta das festas. “O denunciado relatou que já tinha ciência, mas que era o ‘ganha pão dele’ e que de qualquer forma teria aberto o estabelecimento”, disse o PM. Hames questionou Francisco a respeito, mas ele disse que “era mais vantagem pagar a multa do que deixar o estabelecimento fechado”, e que não levaria prejuízo, porque já tinha cobrado a entrada dos clientes. Naquele dia, a entrada da festa custava R$ 10. O relato de Hames foi ratificado por outro PM, Golbery Heusser.
Em resposta à denúncia do MP-SC, o advogado de Francisco, Rafael Darolt Strelow, argumentou que as normas locais e estaduais que restringiram aglomerações durante a pandemia seriam inconstitucionais. Em 21 de junho de 2022, o juiz Geomir Roland Paul, do TJSC, absolveu Francisco. Segundo ele, não há provas de que as pessoas tenham efetivamente contraído o vírus. Além disso, não seria justo que só Francisco respondesse pelo crime. “Todos (os presentes), do mesmo modo que o denunciado, deveriam também estar respondendo a processo criminal, eis que também descumpriram as normas preventivas”, escreveu ele.
O MPSC apelou da decisão do juiz Geomir, mas em 16 de maio de 2023, a 3ª Turma Recursal do TJSC confirmou a sentença da primeira instância, livrando Tio França de punição. Uma única juíza, Adriana Mendes Bertoncini, votou a favor do recurso do Ministério Público de Santa Catarina, mas foi vencida.
Dívidas, Lei do Silêncio e violência doméstica
Além desse processo, Francisco foi alvo de vários outros na Justiça catarinense. Em 2012, ele foi condenado e preso por lesão corporal e violência doméstica. Em 15 de dezembro daquele ano, ele chegou a ser preso preventivamente, mas foi solto no mesmo dia, após pagar fiança. Em 2014, o mesmo processo resultou na condenação dele. O regime de pena era o semiaberto – ele não chegou a ir para a cadeia, mas era obrigado a se recolher à noite e informar à Justiça sobre mudanças de residência.
Em outubro de 2022, Francisco foi autuado por quebrar a Lei do Silêncio local; e, em maio de 2020, por afixar um outdoor num edifício tombado em Rio do Sul. Há também várias ações de cobrança contra ele nos últimos anos, tanto da parte de particulares quanto do município catarinense.