Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

Quando não há política pública a gente chama Deus


História pelo Brasil não falta, mas por vezes, na correria do cotidiano e sugados na atenção por algo bizarro escrevemos sobre um mesmo tema nesse blog. Não se trata de perseguição, mas de coincidência pura. O fenômeno finda sendo interessante quando as abordagens são diferente. O texto de hoje está absolutamente ligado àquele de Eder Brito de 24 de fevereiro. Leia ambos! Compare buscando se divertir...

Por Humberto Dantas

No final do século XIX o Brasil entendeu que seria razoável separar o Estado da Igreja. O instrumento elementar para consolidar a República como laica foi a Constituição de 1891. A lei, o papel em que ela é registrado, no entanto, aceita qualquer coisa. A questão é viver de fato essa separação.

Um texto dessa natureza poderia questionar a quantidade de crucifixos pregados em repartições do Estado laico, mas culturalmente católico. Poderia tentar entender também porque projetos de lei que defendem o ensino religioso nas escolas são facilmente aprovados, enquanto iniciativas que falam de educação política são considerados inconstitucionais, sendo que a determinação de conteúdos escolares cabe a organismos do Poder Executivo - a despeito de seus perfis "divinos" ou "profanos". Tudo isso é a presença da religião em nossa vida pública, em nossa percepção de realidade, em nossa cultura. A força da fé move atitudes que se misturam aos ambientes privados, com facilidade excepcional. Paciência. Isso Douglass North chamaria de o peso das instituições informais, ou ideologias, em nossa realidade.

Tal princípio é tão relevante que recentemente, dois governos, de esferas diferentes, apelaram para forças divinas quando se viram diante de crises que pareciam irremediáveis e fadadas a nos levar, enquanto sociedade, para as trevas. Durante a escassez hídrica, que se tornou visível no Estado de São Paulo e parece amenizada pelo recente recebimento de volumes expressivos de chuva, Geraldo Alckmin nos brindou com algo que parecia ser dito em tom de brincadeira, mas foi ironizado por adversários nas eleições de 2014 e repetido por alguns técnicos: "daí a gente tem que rezar pra chover em outubro". Rezar? Sério mesmo? E quem não reza? Se beneficia dos oradores ou morre seco? O mesmo tipo de resposta foi oferecida pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, sobre a ausência de chuvas que ameaçava o funcionamento das hidrelétricas em 2015: "só nos resta rezar".

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Da força de uma expressão é fácil passar para a prática radical. O prefeito de Goiandira-GO, Erick Marcus dos Reis e Cruz - e sorte que tem essa cruz e esses reis na história - decretou "o dia do jejum municipal" em 22 de fevereiro. O intuito era "clamar a Deus" contra a infestação de dengue na cidade. Se o artigo primeiro da decisão é esse, o segundo conclamava todos os líderes religiosos da comunidade para fazer o mesmo e envolver seus rebanhos. Ao invés de convocar as pessoas para mutirões e ações conjuntas, algo que fez com os agentes de saúde, o prefeito devoto entendeu que a melhor saída era apelar para as entidades divinas, incluindo no gesto seus representantes em solo. De acordo com as justificativas apontadas a bíblia mostra que em momentos de extrema tensão foi jejuando que as pessoas arrefeceram o mal que as ameaçava. Mas perceba: quem disse isso não foi um líder religioso, mas um agente eleito pelas regras do Estado laico para tocar uma cidade. Só espero, sinceramente, que daqui para diante não venha um iluminado dizer que "só pega dengue quem reza pouco".

No final do século XIX o Brasil entendeu que seria razoável separar o Estado da Igreja. O instrumento elementar para consolidar a República como laica foi a Constituição de 1891. A lei, o papel em que ela é registrado, no entanto, aceita qualquer coisa. A questão é viver de fato essa separação.

Um texto dessa natureza poderia questionar a quantidade de crucifixos pregados em repartições do Estado laico, mas culturalmente católico. Poderia tentar entender também porque projetos de lei que defendem o ensino religioso nas escolas são facilmente aprovados, enquanto iniciativas que falam de educação política são considerados inconstitucionais, sendo que a determinação de conteúdos escolares cabe a organismos do Poder Executivo - a despeito de seus perfis "divinos" ou "profanos". Tudo isso é a presença da religião em nossa vida pública, em nossa percepção de realidade, em nossa cultura. A força da fé move atitudes que se misturam aos ambientes privados, com facilidade excepcional. Paciência. Isso Douglass North chamaria de o peso das instituições informais, ou ideologias, em nossa realidade.

Tal princípio é tão relevante que recentemente, dois governos, de esferas diferentes, apelaram para forças divinas quando se viram diante de crises que pareciam irremediáveis e fadadas a nos levar, enquanto sociedade, para as trevas. Durante a escassez hídrica, que se tornou visível no Estado de São Paulo e parece amenizada pelo recente recebimento de volumes expressivos de chuva, Geraldo Alckmin nos brindou com algo que parecia ser dito em tom de brincadeira, mas foi ironizado por adversários nas eleições de 2014 e repetido por alguns técnicos: "daí a gente tem que rezar pra chover em outubro". Rezar? Sério mesmo? E quem não reza? Se beneficia dos oradores ou morre seco? O mesmo tipo de resposta foi oferecida pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, sobre a ausência de chuvas que ameaçava o funcionamento das hidrelétricas em 2015: "só nos resta rezar".

Da força de uma expressão é fácil passar para a prática radical. O prefeito de Goiandira-GO, Erick Marcus dos Reis e Cruz - e sorte que tem essa cruz e esses reis na história - decretou "o dia do jejum municipal" em 22 de fevereiro. O intuito era "clamar a Deus" contra a infestação de dengue na cidade. Se o artigo primeiro da decisão é esse, o segundo conclamava todos os líderes religiosos da comunidade para fazer o mesmo e envolver seus rebanhos. Ao invés de convocar as pessoas para mutirões e ações conjuntas, algo que fez com os agentes de saúde, o prefeito devoto entendeu que a melhor saída era apelar para as entidades divinas, incluindo no gesto seus representantes em solo. De acordo com as justificativas apontadas a bíblia mostra que em momentos de extrema tensão foi jejuando que as pessoas arrefeceram o mal que as ameaçava. Mas perceba: quem disse isso não foi um líder religioso, mas um agente eleito pelas regras do Estado laico para tocar uma cidade. Só espero, sinceramente, que daqui para diante não venha um iluminado dizer que "só pega dengue quem reza pouco".

No final do século XIX o Brasil entendeu que seria razoável separar o Estado da Igreja. O instrumento elementar para consolidar a República como laica foi a Constituição de 1891. A lei, o papel em que ela é registrado, no entanto, aceita qualquer coisa. A questão é viver de fato essa separação.

Um texto dessa natureza poderia questionar a quantidade de crucifixos pregados em repartições do Estado laico, mas culturalmente católico. Poderia tentar entender também porque projetos de lei que defendem o ensino religioso nas escolas são facilmente aprovados, enquanto iniciativas que falam de educação política são considerados inconstitucionais, sendo que a determinação de conteúdos escolares cabe a organismos do Poder Executivo - a despeito de seus perfis "divinos" ou "profanos". Tudo isso é a presença da religião em nossa vida pública, em nossa percepção de realidade, em nossa cultura. A força da fé move atitudes que se misturam aos ambientes privados, com facilidade excepcional. Paciência. Isso Douglass North chamaria de o peso das instituições informais, ou ideologias, em nossa realidade.

Tal princípio é tão relevante que recentemente, dois governos, de esferas diferentes, apelaram para forças divinas quando se viram diante de crises que pareciam irremediáveis e fadadas a nos levar, enquanto sociedade, para as trevas. Durante a escassez hídrica, que se tornou visível no Estado de São Paulo e parece amenizada pelo recente recebimento de volumes expressivos de chuva, Geraldo Alckmin nos brindou com algo que parecia ser dito em tom de brincadeira, mas foi ironizado por adversários nas eleições de 2014 e repetido por alguns técnicos: "daí a gente tem que rezar pra chover em outubro". Rezar? Sério mesmo? E quem não reza? Se beneficia dos oradores ou morre seco? O mesmo tipo de resposta foi oferecida pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, sobre a ausência de chuvas que ameaçava o funcionamento das hidrelétricas em 2015: "só nos resta rezar".

Da força de uma expressão é fácil passar para a prática radical. O prefeito de Goiandira-GO, Erick Marcus dos Reis e Cruz - e sorte que tem essa cruz e esses reis na história - decretou "o dia do jejum municipal" em 22 de fevereiro. O intuito era "clamar a Deus" contra a infestação de dengue na cidade. Se o artigo primeiro da decisão é esse, o segundo conclamava todos os líderes religiosos da comunidade para fazer o mesmo e envolver seus rebanhos. Ao invés de convocar as pessoas para mutirões e ações conjuntas, algo que fez com os agentes de saúde, o prefeito devoto entendeu que a melhor saída era apelar para as entidades divinas, incluindo no gesto seus representantes em solo. De acordo com as justificativas apontadas a bíblia mostra que em momentos de extrema tensão foi jejuando que as pessoas arrefeceram o mal que as ameaçava. Mas perceba: quem disse isso não foi um líder religioso, mas um agente eleito pelas regras do Estado laico para tocar uma cidade. Só espero, sinceramente, que daqui para diante não venha um iluminado dizer que "só pega dengue quem reza pouco".

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