“Não existe direita no Brasil, existe Bolsonaro. Graças a Deus que existe Bolsonaro. Tem gente que tem ânsia pelo poder, quer destruir ele de maneira velada para o cara se levantar e ser o líder”. A frase, proferida pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), resume o sentimento do clã Bolsonaro sobre Pablo Marçal (PRTB), influenciador e ex-coach que embaralhou a eleição municipal na maior cidade do país.
Nos últimos meses, o ex-presidente flertou com a candidatura de Marçal para pressionar o prefeito Ricardo Nunes (MDB) a aceitar um bolsonarista como vice e também para enviar recados quando algum posicionamento do prefeito o desagradava. Nos últimos dias, porém, Bolsonaro reverteu o curso ao perceber a crescente popularidade do ex-coach entre seus eleitores. Aliados passaram a alertar o ex-presidente sobre a possibilidade de Marçal dividir o eleitorado de direita e se tornar um rival do bolsonarismo em eleições futuras.
“[O sentimento é:] como pode o Marçal conseguir avançar sozinho em São Paulo com o Bolsonaro apoiando o Ricardo Nunes e o Tarcísio mergulhado de cabeça na campanha do prefeito? E o Marçal vai e consegue ganhar sozinho, sem o apoio dos dois? [A eleição de São Paulo] se tornou até uma questão de honra e de disputa pelo público de direita”, disse uma parlamentar bolsonarista, sob condição de anonimato, ao Estadão.
Outro aliado do ex-presidente acredita que Marçal vê a eleição paulistana como uma espécie de laboratório para testar seu estilo agressivo de campanha. Por isso, ele avalia que, em caso de derrota para Nunes, Tarcísio e Bolsonaro, Marçal perderia força política e não seria uma ameaça futura.
É neste cenário que se insere a ofensiva bolsonarista contra o ex-coach nos últimos dias. Eduardo, o vereador Carlos Bolsonaro (PL), o pastor Silas Malafaia e até influenciadores aliados do ex-presidente, como o jornalista Paulo Figueiredo, passaram a atacar Marçal nas redes sociais. Eduardo tem compartilhado reportagens do Estadão revelando a infiltração de integrantes do PCC no PRTB para fustigar o antigo aliado. O próprio Bolsonaro rebateu o candidato do PRTB após ele comentar “vão sentir saudades de nós” em uma publicação do perfil ex-presidente. Em poucos minutos, Bolsonaro respondeu: “Nós? Um abraço”.
“Falta caráter ao Marçal. Ele me esculhambava até perto da eleição de 2022. Dizia que a diferença entre Lula e eu se resumia a um dedo e me chamou de ‘quadrilheiro’. Poucas semanas depois, quando não pôde ser candidato à Presidência, mudou de lado na reta final da campanha. Isso é falta de caráter”, disse Bolsonaro ao colunista Paulo Cappelli, do portal Metrópoles, na quinta-feira, 22.
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A artilharia bolsonarista contra Marçal se intensificou quando as entrevistas de campo da última pesquisa Datafolha já haviam se encerrado. O candidato do PRTB cresceu sete pontos percentuais, foi a 21% e ultrapassou numericamente Nunes, que registrou 19%. Guilherme Boulos (PSOL) tem 23%. Todos os três estão empatados tecnicamente na margem de erro, que é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos.
Marçal cresceu 15 pontos em duas semanas entre os eleitores de Bolsonaro e chegou a 44%, contra 30% de Nunes. Na rodada anterior, publicada em 8 de agosto, o influenciador tinha 29% contra 38% do prefeito neste recorte.
“Infelizmente, as pesquisas desta semana não mostram o reflexo das últimas 36 horas. A militância já percebeu que Marçal não representa o ex-presidente. O derretimento de Marçal virá na próxima”, declarou Fabio Wajngarten, assessor e advogado de Bolsonaro, à Coluna do Estadão na noite de quinta-feira. Wajngarten foi um dos primeiros bolsonaristas a embarcarem na campanha de Nunes.
Cálculo político inclui 2026
A preocupação dos aliados de Bolsonaro não se resume apenas à avaliação de que uma ida de Marçal ao segundo turno aumenta as chances de Boulos, candidato apoiado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vencer a eleição. Também entra na conta a eleição presidencial de 2026.
Se a inelegibilidade se mantiver, Bolsonaro será obrigado a indicar um substituto para disputar o pleito em seu lugar. O temor de seu entorno é que a mesma dinâmica criada por Marçal contra Nunes se repita com o ungido pelo ex-presidente daqui a dois anos. O influenciador se coloca como o único candidato conservador e de direita da eleição paulistana, enquanto o prefeito seria a “falsa direita”.
O sucesso da estratégia de Marçal na próxima eleição dependeria do nome escolhido por Bolsonaro para sucedê-lo. Entre os cotados, estão os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), Ronaldo Caiado (União), Ratinho Júnior (PSD) e Romeu Zema (Novo). Da mesma forma, o alerta está ligado para a possibilidade de o ex-coach tentar o Senado por São Paulo em 2026 e rivalizar com Eduardo Bolsonaro. Aliados de Marçal, porém, dizem que ele não tem interesse em disputar o cargo.
Uma das frentes utilizadas pelo bolsonarismo para tentar desacreditar Marçal são as críticas feitas pelo influenciador a Bolsonaro quando ambos eram candidatos a presidente na eleição de 2022. O próprio ex-coach afirma que resolveu o “problema” com o ex-presidente quando se reuniu com ele no início de junho e recebeu a medalha de “imbrochável”, “imorrível” e “incomível” das mãos de Bolsonaro.
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Marçal se coloca como um seguidor do ex-presidente, emulando trejeitos de Bolsonaro como chamar os filhos de “01″, “02″ e “03″ e se colocar como o único candidato antissistema. Ele também adere a pautas caras ao bolsonarismo, como o combate ao comunismo e críticas à Venezuela.
O presidente do PRTB, Leonardo Avalanche, que aparece em um áudio revelado pela Folha de S. Paulo dizendo ter ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC), já afirmou que a sigla defende “Deus, Pátria e Família”, lema utilizado por Bolsonaro.
Apesar disso, Marçal passou à ofensiva na quinta-feira para rebater as críticas feitas por Bolsonaro e de seus aliados. “Somos só NÓS (o povo e Deus) contra tudo e todos. A piada virou pesadelo e não vai ter segundo turno”, declarou o influenciador, enfatizando o pronome usado por Bolsonaro para desautorizá-lo, ao comentar o resultado da pesquisa Datafolha.
Antes, ele já tinha respondido ao ex-presidente nas redes. “Coloquei 100 mil reais na sua campanha para presidente, te ajudei nas estratégias digitais, fiz você gravar mais de 800 vídeos no Planalto. Entrei para a lista de investigados da PF por ter ajudar. Se não existe o ‘nós’, seja mais claro”, cobrou o influenciador.
Ao final do dia, porém, Marçal voltou a fazer acenos ao bolsonarismo. “Pensa que lindo em 2026: Bolsonaro presidente, Tarcísio governador, Marçal prefeito. Eu acredito nisso”, escreveu. “Bora arrancar o Nunes e Boulos do caminho. Depois juntamos todo mundo pra tirar o Luís [sic]”, finalizou.