A indicação de Cristiano Zanin para ocupar uma vaga no STF tem gerado controvérsia. A questão principal não é se Zanin satisfaz os requisitos trazidos pela Constituição para o cargo (notável saber jurídico e reputação ilibada), mas o fato de ele ter sido o advogado de Lula nos processos da Lava Jato. Essa relação gera suspeita de que a nomeação se deve sobretudo à lealdade de Zanin a Lula.
Nomear seu advogado pessoal não é facilmente conciliável com a separação de Poderes e com a ideia republicana de que a integridade das instituições deve preponderar sobre interesses pessoais. Porém, existe um conjunto de incentivos que tornam a opção de Lula politicamente racional e, caso esses incentivos não mudem, futuras nomeações tenderão a seguir a mesma lógica.
Quando Bolsonaro disse que indicaria para o STF alguém que “toma cerveja com ele” e que sua escolha para o STF é mais importante que a própria eleição presidencial, ele expressa dois fatos que possivelmente estão também no cálculo de Lula: o STF tem muito poder e a forma como esse poder é exercido depende preponderantemente das inclinações pessoais e políticas de cada ministro.
Não é ruim que o STF seja um órgão poderoso, mas a pergunta que se segue é quais os limites desse poder. Um limite é a coerência que uma Corte precisa ter com suas decisões passadas. Quando precedentes têm peso, há um ônus maior em fazer mudanças ao sabor do vento político ou dos interesses em jogo. Excepcionalmente, posições podem mudar, desde que bem justificadas.
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Porém, o STF tem tratado a exceção como regra. O STF, que convalidara diversas medidas da Operação Lava Jato (o que impediu Lula de concorrer em 2018), hoje contribui para o seu desmonte. Em um período relativamente curto, o STF mudou várias vezes de posição com relação à prisão para cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral, sobre o qual ministros do STF possuem grande influência, cassou mandato do deputado Deltan Dallagnol contrariando a letra da lei e sua própria jurisprudência.
Nesses exemplos as mudanças de entendimento têm menos a ver com o Direito e mais com o momento político e com quem se beneficia. À luz dessa instabilidade, um ministro leal é como um seguro contra as vicissitudes da política (inclusive daquela feita nos tribunais). Portanto, é racional que Lula ou quem quer que assuma a Presidência no futuro esteja mais preocupado com lealdade pessoal que com notável saber jurídico ou reputação ilibada. Não se trata de justificar, mas de explicar que os incentivos existentes contribuem para isso.
* Daniel Wang é professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas