O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou público nesta terça-feira, 26, o relatório do inquérito da Polícia Federal sobre uma tentativa de golpe de estado após as eleições de 2022. O principal nome entre os 37 indiciados pela corporação é Jair Bolsonaro (PL), presidente da República à época dos fatos investigados.
Segundo a PF, Bolsonaro foi o líder de uma organização criminosa que pretendeu reverter o resultado do pleito presidencial, no qual perdeu a recondução para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com investigação, a trama golpista não foi articulada à revelia do mandatário, mas, sim, orquestrada com seu conhecimento e participação “direta”.
De acordo com o relatório, a participação do presidente na tentativa de golpe vai desde a disseminação de uma “narrativa falsa” sobre a “existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação”, que serviu como preparativo para a ruptura, até a participação de Bolsonaro na elaboração da minuta de um decreto que imporia um estado de exceção no País.
Em entrevista no Aeroporto de Brasília na segunda-feira, 25, Jair Bolsonaro rechaçou que tenha cogitado dar um golpe e disse que, após a derrota eleitoral, pensou nas “medidas possíveis”, mas “dentro das quatro linhas”. “Ninguém vai dar golpe com um general da reserva e meia dúzia de oficiais. Da minha parte nunca houve discussão de golpe”, afirmou o ex-presidente. Veja abaixo, em cinco pontos, quais indícios coletados pela PF situam Bolsonaro no centro da tentativa de ruptura institucional.
Disseminação de narrativa ‘falsa’ sobre urnas
Para a PF, Jair Bolsonaro começou a desestabilizar o Estado Democrático de Direito desde 2019, seu primeiro ano de mandato, com ataques recorrentes ao sistema eleitoral do País. As críticas do mandatário ao voto eletrônico tiveram como pontos críticos os meses de julho de 2021, quando foi realizada uma live na presença de Anderson Torres, então ministro da Justiça, para descredibilizar as urnas eletrônicas, e de setembro daquele ano, quando Bolsonaro falou em “farsa” do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as festividades do Dia da Independência.
Segundo o relatório, os ataques ao sistema eleitoral foram munidos de forma indevida com o aparato da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), então chefiada por Alexandre Ramagem (PL-RJ), hoje deputado. Para a PF, a campanha contra o sistema eletrônico de votação tinha como objetivo “criar o ambiente propício para o êxito da empreitada criminosa” no caso de uma derrota na eleição de 2022, como de fato ocorreu.
Reunião ministerial
Em 5 julho de 2022, Bolsonaro realizou uma reunião ministerial em que pressionou membros de seu governo a aderirem à campanha contra as urnas, incitando os ministros a coletarem, cada qual em sua frente de atuação, indícios que pudessem corroborar com a narrativa falsa de fraude no sistema eleitoral.
O então presidente pediu uma “reação” a uma alegada fraude no sistema de votação. “Se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições?”, disse o então chefe do Executivo.
Na ocasião, Bolsonaro pediu aos presentes que agissem logo. “Todos aqui, como todo povo ali fora, têm algo a perder”, disse Bolsonaro, referindo-se aos membros da gestão que não estavam presentes na reunião.
“O objetivo da reunião era coagir os ministros presentes para que aderissem à narrativa apresentada, promovendo e difundindo, em cada uma de suas respectivas áreas, desinformações quanto à lisura do sistema de votação, utilizando a estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e desgarrados do interesse público”, diz a PF sobre a reunião ministerial de 5 de julho de 2022.
Minuta golpista
Uma peça-chave da investigação da PF é o esboço de um decreto que imporia um estado de exceção no País. A primeira versão dessa minuta a ser localizada foi apreendida em 10 de janeiro de 2023 na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Na ocasião, Torres era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e a PF realizava buscas para investigar a autoria intelectual do 8 de Janeiro.
O texto localizado na casa de Torres determinava a decretação de estado de defesa no TSE. No entanto, com o desenrolar da investigação, foi revelado que o esboço possuiu diversas versões ao longo dos dias em que foi discutido. Em uma das versões, por exemplo, o documento impunha uma prisão arbitrária de Alexandre de Moraes.
A PF afirma que Bolsonaro tinha conhecimento sobre a preparação da minuta e fez ajustes ao texto. A elaboração do documento foi capitaneada por Filipe Martins, então assessor para assuntos internacionais da Presidência. Martins esteve presente em uma reunião em que o então presidente apresentou o texto aos comandantes das Forças Armadas, pressionando os militares a aderirem ao intento golpista.
Registro de portarias
Segundo a PF, o general Mário Fernandes é o autor do plano “Punhal Verde e Amarelo”, que continha um detalhamento para executar, em dezembro de 2022, Alexandre de Moraes e a chapa vencedora das eleições presidenciais daquele ano, formada por Lula e Geraldo Alckmin (PSB).
À época, o general era secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência. A ação esperava o apoio operacional de “kids pretos”, como são conhecidos os recrutas das Forças Especiais do Exército Brasileiro.
O plano de execuções foi impresso nas dependências do Palácio do Planalto, o local de trabalho do presidente da República. Meia hora depois de ser impresso no Planalto, há um registro da entrada de Fernandes no Palácio da Alvorada, a morada oficial do chefe do Executivo federal. A proximidade de tempo entre a impressão do documento e o registro de entrada no Alvorada indica, segundo a PF, que o plano de execuções foi levado ao conhecimento de Jair Bolsonaro.
‘O 01 sabe? Sabe’
Uma conversa entre o coronel Sérgio Ricardo Cavaliere e o tenente-coronel Mauro Cid revelou que Bolsonaro tinha conhecimento sobre uma carta que pressionava oficiais do Exército a aderirem à trama golpista. “O 01 sabe?”, perguntou Cavaliere a Cid, referindo-se a Bolsonaro com o apelido “01″. “Sabe”, respondeu o tenente-coronel. A conversa data de 26 de novembro de 2022.
A carta fazia considerações sobre um suposto compromisso dos militares com a legalidade, além de criticar a atuação do Poder Judiciário nas eleições. A conclusão do texto afirmava que os oficiais estavam “atentos a tudo que está acontecendo e que vem provocando insegurança jurídica e instabilidade política e social no País”.
Para a PF, esse documento seria uma “estratégia para incitar os militares e pressionar o Comando do Exército” a aderir à ruptura institucional.