BRASÍLIA – O indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista Dom Phillips estão desaparecidos na região de floresta mais intocada da Amazônia. Área de povos isolados, o Vale do Javari, entretanto, sempre esteve na mira do crime organizado da mineração e da madeira. É um vasto território indígena do tamanho de Portugal, no extremo oeste do Amazonas, demarcado em 1996 para a sobrevivência de uma dezena de povos, parte deles de língua e costumes não catalogados.
Há mais de dez anos no Javari, Bruno, um pernambucano de fala tranquila, moderado e sempre de bom humor, passou a enfrentar ameaças físicas em 2019. Os ataques não vinham apenas de garimpeiros, pescadores e madeireiros. Era de dentro da própria Funai, o órgão indigenista, agora controlado por militares e evangélicos, que Bruno passou a enfrentar resistência ao seu trabalho contra invasores do território do Javari. Tanto é que, naquele ano, ele pediu licença e passou a trabalhar diretamente no Civaja, uma entidade formada pelas próprias lideranças indígenas.
Quando o sertanista Sydney Possuelo soldou uma ponta de ferro no casco de um barco e resolveu esperar a chegada de outra embarcação com homens que queriam invadir o Javari, nos anos 1990, a batalha era de um indigenista contra um grupo de moradores de comunidades ribeirinhas incentivados por vereadores e prefeitos locais. Os indígenas contavam sobretudo com o apoio de entidades do Estado, como a Polícia Federal e o Comado Militar da Amazônia, para levar à frente o processo de fechamento dos rios à exploração de madeireiros e garimpeiros.
Mais de duas décadas depois, as comunidades do Javari e indigenistas travam uma batalha bem mais assimétrica. Lideranças indígenas atuais como Beto Marubo, que era criança quando Possuelo fazia suas expedições, enfrentam um momento dramático. Do outro lado agora estão empresários que adquiriram, nos últimos anos, grandes dragas, a maior parte delas financiadas por bancos públicos, que apostam na invasão das aldeias. No território indígena, vivem marubos, kulinas, tson-djapás, matises, kanamaris e corubos, povos que mantêm relações com a sociedade nacional, além de outros absolutamente isolados na mata, como os flecheiros das cabeceiras do Itaquaí e do Jutaí, alguns dos rios que nascem na área demarcada.
Especial
Um olhar mais panorâmico mostra, no entanto, que os donos das grandes dragas são pontas de lança de grupos ainda mais potentes, nacionais e estrangeiros. Desde as pesquisas da Petrobrás em busca de campos de exploração de gás e petróleo, ainda nos anos 1970 - que deixaram marcas de sangue nas comunidades -, petroleiras e mineradoras dos Estados Unidos e da Europa não deixaram de cobiçar o Javari.
Quem anda hoje pelas comunidades ribeirinhas vizinhas do território demarcado percebe claramente ações e movimentos de forasteiros dos mais diversos – missionários estrangeiros, pesquisadores, negociantes, compradores de terras, uma infinidade de tipos exóticos. É uma gente que está na Amazônia em busca de negócios sem a mínima legalidade.
Com Jair Bolsonaro na Presidência, as peças no tabuleiro do jogo do Javari se alteraram drasticamente. O desafio de profissionais como Bruno, de Beto Marubo e das comunidades indígenas se tornou maior porque na retaguarda não há mais os órgãos da força legal que no passado ajudaram a garantir a preservação da floresta dos isolados. Esses ativistas enfrentam a batalha mais difícil, desigual e perigosa entre todos os que atuam na defesa da Amazônia.
*Jornalista e escritor