BRASÍLIA - A investigação da Polícia Federal sobre a trama para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) esbarrou em um militar da reserva que tem negócios paramilitares com atuação no exterior e percorria gabinetes de Brasília no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Ex-subcomandante do Batalhão de Forças Especiais, o coronel Roberto Criscuoli mantinha conversas com o general Mário Fernandes, preso na Operação Contragolpe. As trocas de mensagens estão em relatório da PF enviado ao STF como exemplo de diálogos com “temas antidemocráticos” e “ideários golpistas”. Apesar de os investigadores reproduzirem as conversas no documento, Criscuoli não foi incluído como alvo da operação de terça-feira, 19. Ele nega participação no plano para assassinar o presidente Lula em 2022.
O coronel da reserva é apontado como um dos integrantes da “Abin paralela” de Bolsonaro e confirma que repassava informações ao então presidente “como bom cidadão” e “sem receber um centavo”. As Forças Especiais são a unidade do Exército onde estão os “kids pretos”, militares de elite com alta preparação. Três deles foram presos na operação realizada pela Polícia Federal na terça-feira, 19.
No diálogo do início de novembro de 2022, após a derrota de Bolsonaro nas urnas, Criscuoli, primeiro, diz que “o meu pessoal eu vou controlando aqui” porque tem “boa ação sobre eles”. Dias depois, afirmou que “estava dentro”, que “tem que ir agora que o povo está pedindo” e que “não tem que ser mais democrata mais agora”.
Procurado, o coronel afirmou que não se recorda do diálogo, mas negou que tenha visto ou participado de planos para matar autoridades. Apresentado às mensagens reproduzidas, disse que se tratava apenas de opinião, mas pontuou que buscava informações por medo de uma guerra civil. Ele não respondeu a que se referia quando disse “estou dentro”.
“É uma situação de 2022 que nem lembro. O povo estava na rua e achei que ia dar m... Se desse ..., a gente teria que se expressar. Para que lado eu vou? Eu tinha que me posicionar e conversar com os outros. ‘Tô dentro, se tiver m..., tem que fazer alguma coisa’. Mas tudo correu na normalidade. Eu acho que isso é narrativa para pegar o Bolsonaro”, disse.
“Nunca participei de nada disso, desconheço ‘punhal verde amarelo’, não acho que o Mário tenha a ver com isso. Todo (integrante das) Forças Especiais é disciplinado ao extremo. Um ‘FE’ só faria um planejamento desse se o comandante supremo pedir. O resto é opinião”, complementou.
Militar está à frente de empresa de segurança privada
Roberto Criscuoli é um dos donos da Stam Strategic, uma empresa de segurança privada que oferece serviços de proteção, treinamento e recrutamento de agentes para missões privadas em várias partes do mundo. Esses homens são conhecidos como Private Military Contractor (PMC), no termo em inglês. Em português, como mercenários, aqueles contratados para atuar como paramilitares em troca de pagamentos.
No site oficial, a companhia diz atuar com “vários governos, comandos militares, agências não governamentais, xeques locais e líderes tribais das regiões onde opera”. Os trabalhos são feitos por civis ou ex-militares contratados para atuar, por exemplo, na proteção de indivíduos, em áreas conflagradas ou em conflitos armados no exterior. Criscuoli aparece em publicações das páginas oficiais da empresa feitas no ano passado.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, coronel Criscuoli tinha acesso livre em ministérios. Na Saúde, tinha canal com o ex-ministro Eduardo Pazuello e com o ex-secretário-executivo da pasta Élcio Franco. O primeiro foi aluno de Criscuoli no curso de Ações de Comandos. O outro, colega de Forças Especiais, unidade de elite do Exército brasileiro.
Um dos presos pela PF na terça-feira, o general Mário Fernandes, trabalhava no gabinete de Pazuello, hoje deputado federal. Em 2021, o coronel disse ao Estadão que foi procurado por interessados em vender vacinas ao governo federal e encaminhou os supostos intermediários ao ministério.