Aos fatos, como eles são

Opinião|Celebração do 8 de Janeiro acabou sendo uma cena de comédia com discursos de Lula e Moraes


Presidente disse que sua ‘história’ pessoal é ‘garantia da existência inabalável da democracia’ e ministro do STF fez oração irada contra ‘apaziguamento’, nome que dá aos esforços em busca de paz política no Brasil

Por J.R. Guzzo

A tentativa de transformar o dia 8 de Janeiro em data nacional destinada a celebrar a sobrevivência da democracia no Brasil acabou sendo uma cena de comédia. A qualidade das autoridades que apareceram sentadas na fila de cadeiras do palco já era uma garantia de nível limitado – o que ficou confirmado, a seguir, pelo que disseram em seus discursos. Lula fez um dos piores. Disse, num desses surtos de mania de grandeza que tem tido depois que saiu da cadeia (e com frequência cada vez maior), outro disparate em estado bruto – o de que a sua “história” pessoal é uma “garantia da existência inabalável da democracia neste país”. O ministro Alexandre de Moraes (a quem chamou de “companheiro da suprema corte”) ficou no mesmo padrão. Fez uma oração irada contra o “apaziguamento”, nome que ele dá aos esforços em busca de paz política no Brasil radicalizado de hoje – e exigiu mais uma vez a “regulamentação imediata das redes sociais”, ou seja, a censura. Mais humilhante que tudo, para os organizadores, foi a absoluta falta de povo na sua celebração.

No evento em lembrança dos atos golpistas, presidente Lula, presidente do STF, Luís Roberto Barroso, presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, presidente do TSE, Alexandre de Moraes e a senadora Eliziane Gama, que foi relatora da CPMI sobre o 8 de Janeiro  Foto: Andre Borges/EFE

Um acontecimento que, segundo eles próprios, foi um dos mais graves da história moderna do Brasil, tinha de ser lembrado com algum tipo de presença popular. Se o Brasil, como dizem, foi salvo de uma catástrofe de proporções desconhecidas, então seria preciso que algum brasileiro de carne e osso aparecesse para dar apoio às celebrações – e agradecer a dádiva recebida de Lula e dos companheiros da “suprema corte”. Afinal, a ex-presidente do tribunal comparou o patético quebra-quebra de Brasília com o ataque do Japão a Pearl Harbour – o bombardeio contra o Havaí que deixou 2.400 mortos em 1.941 e levou os Estados Unidos a entrarem na Segunda Guerra Mundial. Se foi isso tudo, então o povo teria de lotar a Paulista de ponta a ponta para comemorar a salvação da pátria. Mas o que houve foi exatamente o contrário: uma reuniãozinha a portas trancadas num salão do Senado Federal, com proibição de entrada do público e 2.000 policiais em volta do prédio, para impedir que qualquer cidadão chegasse perto. É a democracia “não-presencial” do Brasil de hoje. Os gatos gordos ficam no salão do Senado, onde são filmados pela televisão, elogiam-se uns aos outros e são aplaudidos pelos jornalistas. O povo fica em “home office”, ou em ambiente “remoto” – ou em qualquer lugar, desde que não apareça.

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Não se trata, naturalmente, de um erro de planejamento do governo. A comemoração do dia 8 de Janeiro não teve a presença da população brasileira porque nada do que o governo Lula e o STF organizarem tem a mais remota chance de atrair o povo brasileiro para a praça pública. Foi assim porque tinha de ser assim. Quanto à “vitória sobre o golpe” especificamente, há uma dificuldade suplementar: o povo, simplesmente, não acredita que foi salvo de nada, porque sabe que não foi ameaçado, nem correu risco algum. Como poderia ser diferente se, para começar, a imensa maioria dos brasileiros não leva a sério a fábula que o governo está contando há um ano? Uma das últimas pesquisas sobre o assunto informa que só 20% das pessoas acreditam que houve uma “tentativa de golpe” – o que é perfeitamente natural, levando-se em conta que não houve nenhuma tentativa de golpe. A grande maioria condena os atos de vandalismo cometidos contra os edifícios dos Três Poderes. Mas não acredita no que Lula, o STF e a mídia dizem. É inevitável, assim, que grandes eventos para festejar o triunfo da democracia acabem do mesmo jeito que acabaram as comemorações do 8 de Janeiro – como uma caricatura.

A tentativa de transformar o dia 8 de Janeiro em data nacional destinada a celebrar a sobrevivência da democracia no Brasil acabou sendo uma cena de comédia. A qualidade das autoridades que apareceram sentadas na fila de cadeiras do palco já era uma garantia de nível limitado – o que ficou confirmado, a seguir, pelo que disseram em seus discursos. Lula fez um dos piores. Disse, num desses surtos de mania de grandeza que tem tido depois que saiu da cadeia (e com frequência cada vez maior), outro disparate em estado bruto – o de que a sua “história” pessoal é uma “garantia da existência inabalável da democracia neste país”. O ministro Alexandre de Moraes (a quem chamou de “companheiro da suprema corte”) ficou no mesmo padrão. Fez uma oração irada contra o “apaziguamento”, nome que ele dá aos esforços em busca de paz política no Brasil radicalizado de hoje – e exigiu mais uma vez a “regulamentação imediata das redes sociais”, ou seja, a censura. Mais humilhante que tudo, para os organizadores, foi a absoluta falta de povo na sua celebração.

No evento em lembrança dos atos golpistas, presidente Lula, presidente do STF, Luís Roberto Barroso, presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, presidente do TSE, Alexandre de Moraes e a senadora Eliziane Gama, que foi relatora da CPMI sobre o 8 de Janeiro  Foto: Andre Borges/EFE

Um acontecimento que, segundo eles próprios, foi um dos mais graves da história moderna do Brasil, tinha de ser lembrado com algum tipo de presença popular. Se o Brasil, como dizem, foi salvo de uma catástrofe de proporções desconhecidas, então seria preciso que algum brasileiro de carne e osso aparecesse para dar apoio às celebrações – e agradecer a dádiva recebida de Lula e dos companheiros da “suprema corte”. Afinal, a ex-presidente do tribunal comparou o patético quebra-quebra de Brasília com o ataque do Japão a Pearl Harbour – o bombardeio contra o Havaí que deixou 2.400 mortos em 1.941 e levou os Estados Unidos a entrarem na Segunda Guerra Mundial. Se foi isso tudo, então o povo teria de lotar a Paulista de ponta a ponta para comemorar a salvação da pátria. Mas o que houve foi exatamente o contrário: uma reuniãozinha a portas trancadas num salão do Senado Federal, com proibição de entrada do público e 2.000 policiais em volta do prédio, para impedir que qualquer cidadão chegasse perto. É a democracia “não-presencial” do Brasil de hoje. Os gatos gordos ficam no salão do Senado, onde são filmados pela televisão, elogiam-se uns aos outros e são aplaudidos pelos jornalistas. O povo fica em “home office”, ou em ambiente “remoto” – ou em qualquer lugar, desde que não apareça.

Não se trata, naturalmente, de um erro de planejamento do governo. A comemoração do dia 8 de Janeiro não teve a presença da população brasileira porque nada do que o governo Lula e o STF organizarem tem a mais remota chance de atrair o povo brasileiro para a praça pública. Foi assim porque tinha de ser assim. Quanto à “vitória sobre o golpe” especificamente, há uma dificuldade suplementar: o povo, simplesmente, não acredita que foi salvo de nada, porque sabe que não foi ameaçado, nem correu risco algum. Como poderia ser diferente se, para começar, a imensa maioria dos brasileiros não leva a sério a fábula que o governo está contando há um ano? Uma das últimas pesquisas sobre o assunto informa que só 20% das pessoas acreditam que houve uma “tentativa de golpe” – o que é perfeitamente natural, levando-se em conta que não houve nenhuma tentativa de golpe. A grande maioria condena os atos de vandalismo cometidos contra os edifícios dos Três Poderes. Mas não acredita no que Lula, o STF e a mídia dizem. É inevitável, assim, que grandes eventos para festejar o triunfo da democracia acabem do mesmo jeito que acabaram as comemorações do 8 de Janeiro – como uma caricatura.

A tentativa de transformar o dia 8 de Janeiro em data nacional destinada a celebrar a sobrevivência da democracia no Brasil acabou sendo uma cena de comédia. A qualidade das autoridades que apareceram sentadas na fila de cadeiras do palco já era uma garantia de nível limitado – o que ficou confirmado, a seguir, pelo que disseram em seus discursos. Lula fez um dos piores. Disse, num desses surtos de mania de grandeza que tem tido depois que saiu da cadeia (e com frequência cada vez maior), outro disparate em estado bruto – o de que a sua “história” pessoal é uma “garantia da existência inabalável da democracia neste país”. O ministro Alexandre de Moraes (a quem chamou de “companheiro da suprema corte”) ficou no mesmo padrão. Fez uma oração irada contra o “apaziguamento”, nome que ele dá aos esforços em busca de paz política no Brasil radicalizado de hoje – e exigiu mais uma vez a “regulamentação imediata das redes sociais”, ou seja, a censura. Mais humilhante que tudo, para os organizadores, foi a absoluta falta de povo na sua celebração.

No evento em lembrança dos atos golpistas, presidente Lula, presidente do STF, Luís Roberto Barroso, presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, presidente do TSE, Alexandre de Moraes e a senadora Eliziane Gama, que foi relatora da CPMI sobre o 8 de Janeiro  Foto: Andre Borges/EFE

Um acontecimento que, segundo eles próprios, foi um dos mais graves da história moderna do Brasil, tinha de ser lembrado com algum tipo de presença popular. Se o Brasil, como dizem, foi salvo de uma catástrofe de proporções desconhecidas, então seria preciso que algum brasileiro de carne e osso aparecesse para dar apoio às celebrações – e agradecer a dádiva recebida de Lula e dos companheiros da “suprema corte”. Afinal, a ex-presidente do tribunal comparou o patético quebra-quebra de Brasília com o ataque do Japão a Pearl Harbour – o bombardeio contra o Havaí que deixou 2.400 mortos em 1.941 e levou os Estados Unidos a entrarem na Segunda Guerra Mundial. Se foi isso tudo, então o povo teria de lotar a Paulista de ponta a ponta para comemorar a salvação da pátria. Mas o que houve foi exatamente o contrário: uma reuniãozinha a portas trancadas num salão do Senado Federal, com proibição de entrada do público e 2.000 policiais em volta do prédio, para impedir que qualquer cidadão chegasse perto. É a democracia “não-presencial” do Brasil de hoje. Os gatos gordos ficam no salão do Senado, onde são filmados pela televisão, elogiam-se uns aos outros e são aplaudidos pelos jornalistas. O povo fica em “home office”, ou em ambiente “remoto” – ou em qualquer lugar, desde que não apareça.

Não se trata, naturalmente, de um erro de planejamento do governo. A comemoração do dia 8 de Janeiro não teve a presença da população brasileira porque nada do que o governo Lula e o STF organizarem tem a mais remota chance de atrair o povo brasileiro para a praça pública. Foi assim porque tinha de ser assim. Quanto à “vitória sobre o golpe” especificamente, há uma dificuldade suplementar: o povo, simplesmente, não acredita que foi salvo de nada, porque sabe que não foi ameaçado, nem correu risco algum. Como poderia ser diferente se, para começar, a imensa maioria dos brasileiros não leva a sério a fábula que o governo está contando há um ano? Uma das últimas pesquisas sobre o assunto informa que só 20% das pessoas acreditam que houve uma “tentativa de golpe” – o que é perfeitamente natural, levando-se em conta que não houve nenhuma tentativa de golpe. A grande maioria condena os atos de vandalismo cometidos contra os edifícios dos Três Poderes. Mas não acredita no que Lula, o STF e a mídia dizem. É inevitável, assim, que grandes eventos para festejar o triunfo da democracia acabem do mesmo jeito que acabaram as comemorações do 8 de Janeiro – como uma caricatura.

Opinião por J.R. Guzzo

Jornalista escreve semanalmente sobre o cenário político e econômico do País

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