A disfunção da atividade cerebral na política brasileira de hoje, como diriam os psiquiatras nas descrições sobre transtornos de comportamento, nos deixou na seguinte situação: a exemplo das ofertas de pasta de dente, se você é contra Bolsonaro, leva um Doria de brinde; e se você é contra a esquerda em geral, leva um Bolsonaro no pacote. A diferença, e aí vai uma bela diferença, é que a oferta da pasta de dente é opcional – só leva quem quer. Na política, hoje em dia, tornou-se obrigatória. Ou seja: o cidadão tem de levar um Doria se quiser militar na “resistência” ao bolsonarismo, goste ou não goste, e tem de levar um Bolsonaro se não quiser que o PT, ou coisa parecida, volte a mandar no Brasil.
Não parece justo, mas aí é que está – a vida frequentemente não é justa. Fazer o que? Num mundo mais equilibrado, deveria ser aceitável que o cidadão não gostasse por igual de nenhum deles – já que parece impossível gostar dos dois ao mesmo tempo. Mas o mundo real da política brasileira não é equilibrado. Gente existe de sobra. O complicado é achar um que valha alguma coisa por si próprio – e não porque é, simplesmente, um antídoto contra o outro, ou a única alternativa considerada viável para evitar o chamado “mal maior”.
O resultado é que não se pode fazer quase nada sem sofrer efeitos colaterais. Por exemplo: se o sujeito faz alguma objeção ao fato de que a “vacina do Doria” até há pouco não tinha sido aprovada em nenhum país-estrela do primeiro mundo, ou mesmo do quarto ou quinto, é imediatamente acusado de ser “gado bolsonarista”. Corrupção nas vendas sem licitação por conta da covid? Violação flagrante dos direitos individuais? Transformação do combate à epidemia em operação de marketing? Doria decreta a volta da “fase vermelha” e vai passar as festas em Miami? Não é mais possível apontar qualquer dessas aberrações sem incidir no delito de bolsonarismo explícito.
Qualquer restrição à alguma coisa feita pelo presidente da República, ao mesmo tempo, é automaticamente acompanhada da seguinte praga: “Então vota no Doria” – ou “no Haddad”, o que, francamente, não alivia nada. Assim fica difícil.