O X, a mais populosa plataforma de comunicação do Brasil, volta enfim à atividade, depois de 40 dias de suspensão por ordem do ministro Alexandre de Moraes. É uma boa notícia, acima de qualquer outra consideração, porque tira o País do bloco de péssimas companhias onde esteve durante este tempo – Rússia, Venezuela, Irã, Turcomenistão e outras das ditaduras mais repulsivas do planeta, onde o X é proibido e a livre expressão é tida como crime contra a segurança do Estado. Fora isso, há controvérsias.
Analistas, comentaristas e especialistas “formaram maioria”, como se diz hoje, para definir a volta do X como uma vitória do ministro, da ordem pública e da soberania nacional – e uma derrota de Elon Musk, o controlador da plataforma. Alexandre de Moraes, por esse entendimento, foi atendido em todas as suas exigências. Musk, ao contrário, foi obrigado a recuar e cumprir todas as ordens que recebeu do ministro. Ficou sabendo que “isso aqui” não é uma “terra de ninguém”.
Em outro modo de ver as coisas, e com base nos mesmos fatos, é possível chegar a uma conclusão diferente. O ministro, antes de sua briga com o X e desde sempre, é inimigo declarado das redes sociais em geral. Acha que elas são frequentadas basicamente por marginais. São um ambiente “tóxico”. São usadas para sabotar a democracia. Mais que tudo, não tolera a ideia de que 20 milhões de brasileiros tenham um instrumento, que ele não controla, para escrever e ler tudo o que lhes passa pela cabeça.
A situação ideal para o ministro, de acordo com o que ele mesmo diz a cada oportunidade que aparece, é que o X fosse embora do Brasil e nunca mais voltasse. (Já afirmou que o próprio telefone celular é uma ameaça social.) Seu problema, no fundo, não é propriamente o X, ou Elon Musk. São aqueles 20 milhões de cidadãos que se manifestam ali, e as coisas que dizem, que de fato incomodam o ministro. Dentro da sua visão do mundo, é uma anomalia grave que as pessoas se sirvam das redes sociais para se informar e trocar ideias. Isso deveria ser, no fundo, uma atividade privativa dos veículos de comunicação que ele reconhece como tais.
Já os usuários do X têm uma opinião oposta à de Moraes. Têm preferido, cada vez mais, obter as suas notícias nas redes sociais, e não nos órgãos de imprensa tradicional. Mais: podem escrever ali tudo o que querem, e não podem escrever nada nos veículos de comunicação, mesmo porque não é para isso que eles existem. Agora, com o retorno do X, o cidadão vai voltar a fazer o que estava fazendo antes da proibição.
Os 20 milhões de brasileiros que queriam usar o X podem usar de novo. Moraes, que não queria que usassem nunca mais, aceita a volta da plataforma que odeia. Quem estaria mais satisfeito – o público ou o ministro? Quanto a Musk, está de volta ao lugar de onde queriam que ele fosse expulso. Pagou multas que não foram a punição de um erro, mas um ato de extorsão. Nomeou de novo um presidente para o X no Brasil. Mas está aí de novo – como sempre quis estar.
Musk conseguiu, durante 40 dias, expor ao mundo a censura, a violência e a ilegalidade fundamental do mais alto tribunal de justiça do Brasil. Ficou claro, pelo exame dos fatos, que não se recusou a “cumprir as leis brasileiras” – ao contrário, apenas contestou a ordem ilegal de aplicar censura no X. Nunca se recusou a ter um presidente no X no Brasil – apenas desfez a sua diretoria quando Moraes ameaçou prender os diretores. Pagou multas sem ter, como qualquer pessoa ou empresa, o direito à contestação.
Declarada a trégua nessa guerra, Moraes e Musk estão no mesmo lugar em que estavam 40 dias atrás. A questão a ser de fato considerada, no mundo das realidades, é se é o ministro ou se é Musk quem está gostando mais – ou qual dos dois está gostando menos. O dono do X, obviamente, quis voltar ao Brasil. Se não quisesse, não teria voltado – bastaria mandar Alexandre de Moraes ver se ele está na esquina e continuar cuidando da sua vida, dos seus foguetes e dos seus bilhões. Moraes, ao contrário, não queria que o X voltasse.
O ministro, na verdade, nunca quis que o X tivesse chegado. Desenvolveu, com o tempo, uma fobia pessoal pelo empresário, mas o seu problema real é com a existência, pura e simples, de uma criação da tecnologia que coloca as pessoas diante da possibilidade concreta de exercerem a sua liberdade de palavra. Moraes tem certeza, e não perde nenhuma ocasião para dizer isso, que a liberdade de expressão é um mal em si. Diz que é a favor, claro - mas na prática é contra em todas as decisões que toma.
O ministro não consegue, nunca, dizer a palavra “liberdade” sem mencionar automaticamente que ela é um perigo, pois pode ser “mal utilizada” etc. etc. Torna-se então, no seu entender, um valor “fascista”, uma arma para os golpistas de Estado e um engodo cujo propósito principal é espalhar “fake news”, “desinformação” e o discurso do ódio.” Não existe no sistema mental de Moras a alternativa de punir, segundo determinam as leis, os que efetivamente cometem delitos através da liberdade de manifestação. Para combater os delinquentes, pune-se todos com o silêncio compulsório – como se, para evitar acidentes de trânsito, fosse proibido o uso do automóvel. É esse o começo, o meio e o fim da história do X no Brasil.