João Campos: ‘Discurso ideológico da direita captura mais gente’ e esquerda precisa ter ‘pé no chão’


Prefeito reeleito de Recife admite que candidatos que souberam evitar embate ideológico e tratar dos problemas reais nas cidades tiveram mais êxito

Por Monica Gugliano
Atualização:
Foto: Marlon Diego/ PCR
Entrevista comJoão Camposprefeito do Recife

Aos 27 anos, João Henrique Campos, se tornou o prefeito mais jovem do Brasil. E, agora, aos 30 foi reeleito com quase 80% dos votos em Recife, capital de Pernambuco. Campos é herdeiro de uma família que está na política desde o início do século 20. Seu bisavô era Miguel Arraes (1916-2005), um dos grandes políticos brasileiros, três vezes governador do Estado. Seu pai, Eduardo Campos (1965-2014), promissor político do PSB, fazia a campanha para a presidência da República, quando morreu em um desastre aéreo. Nesta entrevista ao Estadão, ele faz uma análise do primeiro turno das eleições. Diz que, muitas vezes, o discurso ideológico da direita captura mais eleitores do que o da esquerda porque consegue escapar da rota ideológica e ir para a vida real.

“Muitas vezes o discurso ideológico da direita captura mais gente do que o da esquerda. Por isso que eu acho que o caminho não é entrar nessas rotas ideológicas, é entrar na rota do concreto”, disse o prefeito. “A esquerda precisa ter o pé no chão e o olhar lúcido para ter um diagnóstico correto de como enfrentar as disputas eleitorais nos grandes colégios eleitorais”.

João Campos, prefeito de Recife, foi reeleito com quase 80% dos votos Foto: Alex Silva/Estadão
continua após a publicidade

Ele assinala que essa não é uma convocação para que ninguém abra mão de suas convicções ideológicas. É apenas uma constatação de que os partidos que mais cresceram tiveram a capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral. “É entender que as pessoas esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência. E a gente tem que ter muito cuidado com a discussão acirrada do ponto de vista ideológico, porque ela sai desse campo”.

Veja os principais trechos da entrevista com João Campos:

Qual é a avaliação que o senhor faz desse primeiro turno das eleições? Muitas análises apontam no sentido de resultados fracos para os partidos de esquerda...

continua após a publicidade

Acho que a primeira palavra para falar de eleição é começar agradecendo a generosidade do eleitor da minha cidade. Eu tive a maior votação da história aqui do Recife, 78% dos votos. Agora, olhando o resultado das eleições Brasil afora, acho que houve crescimento do centro, da centro-direita. Há uma divisão, que você também pode elencar, entre as grandes cidades, as metrópoles e as cidades menores, sobretudo nas cidades menores.

O senhor diz as emendas...

Eu acho que também há uma influência muito grande da força que os partidos têm no parlamento. Então, bancadas com muita força de presença de orçamento, de composições mais pragmáticas de mandato, terminam viabilizando um número maior de candidaturas de prefeituras e de cidades menores.

continua após a publicidade

E o PSB?

Acho que, no caso do nosso partido, houve um crescimento. O PSB cresceu na eleição, cresceu mais de 20% no número de prefeitos, se posicionando, inclusive, como o partido que mais fez prefeitos dentro do campo progressista. E acho que isso é um sinal de que há um desafio mais ao centro, mas que há também um caminho de crescimento, como no caso do PSB. Que não necessariamente esse crescimento precisa se dar pela direita ou pela centro-direita.

continua após a publicidade

Muitos acham que a eleição municipal pode ser uma espécie de “prévia” do que poderia ser a eleição presidencial de 2026. O senhor concorda?

O que vejo acontecendo, principalmente nos grandes centros urbanos, são construções muito voltadas para o campo objetivo da cidade. A eleição municipal é diferente de uma eleição de presidente, de deputado que é uma eleição que fica muito nacionalizada. A eleição das cidades é uma eleição que se dá muito no campo objetivo das cidades. É onde você discute o problema concreto. Você discute a mobilidade, a infraestrutura, o trânsito, a drenagem da cidade, a infraestrutura urbana. Então, são pautas muito concretas. E não necessariamente esse reflexo passa pelas grandes pautas nacionais.

E isso aconteceu no primeiro turno?

continua após a publicidade

O que acho que aconteceu? Houve um crescimento de partidos que tiveram a capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral. Certamente tiveram mais candidaturas em colégios eleitorais que tinham mais dimensão. Acredito que os partidos que mais cresceram agora, tiveram uma estratégia eleitoral mais consolidada, voltada ao plano das cidades. E, também alguma medida, a maior correlação de forças que eu faço, sobretudo pelo tamanho dos colégios eleitorais, é a força que cada um está tendo no parlamento.

Os governos estaduais também tiveram e têm força....

continua após a publicidade

Alguns governos estaduais tiveram força. Você olha o caso, por exemplo, do Paraná, que o governador do PSD, elegeu muitos do PSD. Em São Paulo, a presença do Republicanos e do PSD. Mas você teve, repito, também uma dinâmica voltada à presença das presidências de partidos que têm relação forte no parlamento. E, no nosso campo, acho que o resultado do PSB mostra que há um campo de centro-esquerda, um campo progressista, mas que tem um diálogo de efetividade de gestão. E eu acho que essa é a grande questão.

Então, o senhor acha que falta, digamos, um discurso mais sobre a vida real aos partidos de esquerda, que o senhor chama de efetividade de gestão?

A votação que nós tivemos aqui é uma prova disso. Eu, disputando pelo nosso campo, consegui ter uma votação muito ampla com eleitores que não são seguidores históricos da esquerda ou do campo progressista, mas que viram e apostaram em uma gestão que faz bem à cidade. Então, eu diria que a esquerda tem uma tarefa pela frente? Tem. Acho que é uma tarefa de trazer a pauta mais para o concreto. Isso não é uma convocação para ninguém abrir mão de suas convicções ideológicas. Mas é entender que as pessoas esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência. E a gente tem que ter muito cuidado com a discussão acirrada do ponto de vista ideológico, porque a pauta concreta sai desse campo.

O senhor acha que a esquerda não está conseguindo ou, em alguns casos, deixa de tratar dessa pauta da gestão das cidades?

Não estamos falando de uma eleição de bancada de deputado, de bancada temática. A gente está falando de cidade. E acho que é por isso que o centro também teve um crescimento maior na eleição, porque tem uma pauta menos ideologizada.

Eu, disputando pelo nosso campo, consegui ter uma votação muito ampla com eleitores que não são seguidores históricos da esquerda ou do campo progressista, mas que viram e apostaram em uma gestão que faz bem a cidade

João Campos

Em que sentido?

As pessoas querem saber é o que é que muda na vida delas no dia a dia. É saber se tem um sistema de saúde funcionando, se a gente tem um programa de alfabetização de qualidade, se a gente tem um programa de creche, de ensino integral, de qualificação técnica, de urbanismo social, de construção de parques e praças, de infraestrutura na periferia. Isso elas querem saber, a vida concreta de uma cidade. E isso não está presente na discussão das guerras ideológicas. Então, se você se amarra na guerra ideológica por si só, muitas vezes, você não entra nem no debate da vida da cidade. E, de fato, termina virando uma cortina de fumaça onde os problemas e as soluções concretas desaparecem. Não é que eu queira dizer que as pessoas têm que largar aquilo que elas acreditam, não.

O senhor não chamaria de largar, chamaria de rever? Acha que estaria na hora de a esquerda rever alguns dogmas, de rever algumas propostas que já não sensibilizam as pessoas?

O que eu digo sempre aqui, o meu papel, pegando o exemplo desta eleição, eu construí a maior frente política desta eleição e tive uma vitória bastante larga. Eu não perdi tempo buscando dividir as pessoas, eu busquei tempo juntando. Então eu fiz uma frente que tinha partidos da esquerda, do centro, partidos mais da centro-direita, mas que buscavam unidade em torno de um projeto de cidade.

A guerra ideológica atrapalhou essa discussão na campanha?

A gente chegou num tempo onde tem que saber fazer muito mais do que falar. Eu tenho o maior programa de tecnologia de ensino superior do Brasil, de uma cidade. A gente tem mais de dois mil jovens hoje estudando tecnologia no ensino superior, com empregabilidade acima de 60%, um programa da prefeitura com as universidades aqui da cidade, bancado pela prefeitura. Eu não preciso estar dizendo o que eu faço com a cota, o que eu faço com a prioridade, a exclusividade da vaga de escola pública. Você tocou em um ponto agora que é a questão das guerras ideológicas. Que houve muito em São Paulo, que foi esse fenômeno do Pablo Marçal.

Marçal fez da campanha um circo....

Essa questão do Marçal, na minha visão, é uma ótica de que já está no limite da lei. Então, quando você tem um conjunto de regras, legislação eleitoral, você tem regras a serem cumpridas, se você transgride essas regras, deixa de ser um problema político, passa a ser um problema legal. Então, o que eu acho que vai acontecer aí é ver que implicações legais deverão acontecer.

Se não vira um vale tudo...

E na eleição não vale tudo. Eleição não pode ser um lugar da barbárie, tem que ser um lugar civilizado, onde o debate – eu lembro por que cresci ouvindo essa frase – que o debate é no campo das ideias, não pode ser no campo pessoal, no campo físico, como chegou a ser em São Paulo. Infelizmente, a gente não vê nenhuma compostura de alguns candidatos e existe espaço para eles aparecerem, mas o ideal é que não tivesse alguém com esse perfil. Isso, na verdade, para mim é um atraso, quando você utiliza da agressão, da mentira, do ódio, da violência para querer ocupar um campo como se fosse uma novidade. Fiz a campanha inteira me comunicando com resistência e falando da cidade. Então, o que é que eu acho disso? Quando você tem o que mostrar, você não precisa criar factóides ou criar fatos para aparecer.

Em sua opinião essa foi a receita da vitória eleitoral?

Veja os grandes resultados dessas eleições e todos os prefeitos de capital que eu conheço e tiveram grande votação. Eles tiveram gestão com muita presença, com entrega e falando na pauta da cidade. Ninguém perdeu tempo aí brigando com pauta ideológica e, sim, ficou cuidando da cidade. Também ninguém ficou se batendo e xingando os outros e pondo apelidos nos outros. Porque isso eu acho que é a antipolítica, né? Acho que quando você parte para a perda da civilidade, você perde a essência da política. A essência da política é a empatia, é você conseguir vestir o sentimento do outro como seu e representá-lo, trabalhar por ele. Não é agressão, não é ódio. Isso é antipolítica. É a falta da política que gera a violência. E principalmente numa turma mais jovem – eu me sinto à vontade para dizer isso porque eu sou jovem, eu tenho 30 anos. Eu acho que a gente tem que ter muito cuidado para essa disposição da juventude... da antipolítica...

O senhor usa muito as redes sociais?

Eu trabalho muito, acho que a gente tem que ter um tripé aí de comunicação, de gestão e de política. Mas tudo isso em volta da presença na rua, contato direto com o povo. Dedico-me à política, à comunicação e a estar na rua, estar junto às pessoas. Muitas vezes as pessoas, até de fora, olham o resultado da minha eleição e veem influência em rede social, dizem que tem muito seguidor que isso é rede social. Não tem como ter 85% de aprovação numa cidade só com uma página forte de Instagram. Não é só mostrando foto ali nas redes sociais. Não é, né? Então, a primeira coisa é assim, tudo que eu mostro é o que eu faço. Não mostro aquilo que eu não faço.

Mas nesta campanha, em São Paulo houve muita briga....

É normal que as pessoas pensem diferente. As pessoas não precisam estar brigando por isso, elas têm que se juntar. Agora é possível, inclusive, juntar quem pensa diferente em algumas coisas, mas que no geral tem um sentimento de crescimento parecido. Essas frentes amplas, maiores que a gente faz têm esse sentido. A esquerda tem que se ampliar. Eu acho que eu sempre aprendi a formar frente. A gente tem que ter a capacidade de fazer uma frente ampla que isso garante uma representatividade política, garante governabilidade. Agora, a gente nunca pode abrir mão da espinha dorsal. E a espinha dorsal são as crenças e as convicções do sentido de a gente estar aqui.

A aliança PSB-PT....

Eu acho que o diálogo dentro do campo da centro-esquerda, progressista, é um diálogo permanente de construção. Acho que esses partidos estarem aliados é o caminho natural. A própria eleição de Lula e Alckmin traz isso. O presidente Lula, com Alckmin no nosso partido, mostra uma aliança, uma diretriz de aliança nacional. Fora isso, eu acho que o maior desafio é você conseguir fazer uma aliança sólida com o centro. Por que a própria esquerda está mais próxima, isso é mais fácil.

Acha possível essa aliança com o centro?

Acho que a gente tem que trazer o centro mais para perto e a esquerda precisa entender que esse movimento de trazer o centro para perto é você também compreender as convicções das pessoas que estão mais ao centro. Então, é um debate a ser como se você, cada um, tem que caminhar um pouco para chegar a um ponto comum.

Este primeiro turno da eleição, mostrou uma grande maioria conservadora na população brasileira...

Há uma maioria conservadora literalmente e também que tende ao conservadorismo na população brasileira. E, principalmente, o que eu pontuaria aqui como principal é que as regiões metropolitanas do Brasil têm configurações que começam a ficar muito semelhantes. Então, se você olha para o Nordeste como espaço político, você já não pode olhar o Nordeste por inteiro como um espaço único. Você tem uma região metropolitana do Nordeste que tem um posicionamento que, muitas vezes, se assemelha mais ao que são as regiões metropolitanas do Brasil afora, do que o interior do Nordeste, que tem uma posição política mais cristalina.

Os problemas das grandes cidades estão ficando muito parecidos?

E por que é isso? Na minha opinião, o principal ponto são os problemas urbanos. Então, se você pegar uma grande região metropolitana do Recife, Salvador, Fortaleza, por exemplo, você vai ter problemas no desafio de mobilidade, de segurança, de combate às drogas, de desafio de habitabilidade, de qualidade de vida são questões que se assemelham. Então, as pessoas querem que seus problemas sejam resolvidos e, muitas vezes, o discurso ideológico da direita captura mais gente do que o da esquerda. Por isso que eu acho que o caminho não é entrar nessas rotas ideológicas, é entrar na rota do concreto. Eu sou aqui o prefeito e a referência é na alfabetização, na educação integral, na expansão de vaga de creche, na formação, no emprego, na renda. Então, esse componente político das grandes cidades, a esquerda precisa ter o pé no chão e o olhar lúcido para ter um diagnóstico correto de como enfrentar as disputas eleitorais nos grandes colégios eleitorais.

O que acha desse discurso de costumes?

É o que eu estou dizendo. Eu repito e deixo isso claro no início. Eu não quero aqui que as pessoas deixem de ter suas posições, mas você entende o seguinte. O que é mais importante numa cidade? Vamos lá. Eu tenho 105 mil alunos na nossa rede de ensino. Nós tínhamos 7 mil vagas de creche na cidade. Isso não chegava a 20% de cobertura. Em 40 anos foram feitas 7 mil vagas de creche. Eu, em 3 anos e meio, fiz 9 e 7 mil. E eu canalizar a minha força política para transformar isso numa realidade. Então, eu gasto minha energia com isso, porque isso muda a vida das pessoas. Se eu for aqui falar sobre a posição ideológica sobre droga, aborto, sobre fé, religião, eu acho que são posições que cada um pode ter a sua crença, mas que isso não vai mudar a vida de uma cidade. O que muda a vida da cidade é o trabalho e a entrega concreta.

Falta essa renovação na política?

Eu acho que é um desafio, porque, como diz um ditado aqui, que diz que quando o rio enche não é só de água limpa. Então, assim, a renovação, o fato de você ser jovem não significa que você é melhor do que alguém que está há muito tempo e é mais velho. Eu acho que esse debate é uma coisa muito perigosa, inclusive. Eu digo isso na condição de quem pode ser privilegiado pelo debate pelo fato de ser jovem, mas tem que ter cuidado. Eu vejo que a turma mais jovem da política, de maneira geral, tem um caráter muito divisionista, sabe? Muito da briga, muito do confronto, muito da separação. O Brasil e a política estão precisando de jovem, mas que tenha a disposição de juntar, porque de briga já tem muita gente para brigar. O algoritmo da política ele parece que é programado para botar as pessoas para brigarem. E parece que é isso que gera engajamento, é isso que gera voto, é isso que gera crescimento. E eu tenho uma uma diretriz inclusive aqui, que o nosso desafio é fazer uma comunicação não violenta que engaje.

O senhor pensa em 2026?

Sou muito feliz sendo prefeito do Recife. Depois que eu perdi meu pai, eu comecei, mais do que nunca, a viver um dia de cada vez. Então eu não projeto muito o futuro não. Então, eu agora quero me dedicar para consagrar esse caminho que eu estou fazendo na prefeitura. É viver um dia de cada vez. Eu acho que eu me dediquei muito, fui muito sortudo, muito privilegiado. Então, eu vou me dedicar a cada dia e ver o que é que dá. E também tem o vice-presidente Geraldo Alckmin, né? Isso. Geraldo é um grande parceiro, uma pessoa muito correta, muito aliada. Nos inspira muito e acho que está fazendo um grande papel.

Como avalia a campanha da deputada Tabata à Prefeitura de São Paulo?

Fez uma grande campanha. A eleição nem sempre tem um resultado que espelha o desempenho de cada candidato. Eu acho que ela teve um grande desempenho. Mas nem sempre o seu desempenho significa que o resultado da eleição vai ser condizente com ele. Depende dos outros também. Mas ela foi a melhor candidata de São Paulo. As pessoas viram que ela não entra para brincar. Saiu com um tamanho político maior do que entrou. E eu acredito que ela tem uma carreira política importante pela frente.

Aos 27 anos, João Henrique Campos, se tornou o prefeito mais jovem do Brasil. E, agora, aos 30 foi reeleito com quase 80% dos votos em Recife, capital de Pernambuco. Campos é herdeiro de uma família que está na política desde o início do século 20. Seu bisavô era Miguel Arraes (1916-2005), um dos grandes políticos brasileiros, três vezes governador do Estado. Seu pai, Eduardo Campos (1965-2014), promissor político do PSB, fazia a campanha para a presidência da República, quando morreu em um desastre aéreo. Nesta entrevista ao Estadão, ele faz uma análise do primeiro turno das eleições. Diz que, muitas vezes, o discurso ideológico da direita captura mais eleitores do que o da esquerda porque consegue escapar da rota ideológica e ir para a vida real.

“Muitas vezes o discurso ideológico da direita captura mais gente do que o da esquerda. Por isso que eu acho que o caminho não é entrar nessas rotas ideológicas, é entrar na rota do concreto”, disse o prefeito. “A esquerda precisa ter o pé no chão e o olhar lúcido para ter um diagnóstico correto de como enfrentar as disputas eleitorais nos grandes colégios eleitorais”.

João Campos, prefeito de Recife, foi reeleito com quase 80% dos votos Foto: Alex Silva/Estadão

Ele assinala que essa não é uma convocação para que ninguém abra mão de suas convicções ideológicas. É apenas uma constatação de que os partidos que mais cresceram tiveram a capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral. “É entender que as pessoas esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência. E a gente tem que ter muito cuidado com a discussão acirrada do ponto de vista ideológico, porque ela sai desse campo”.

Veja os principais trechos da entrevista com João Campos:

Qual é a avaliação que o senhor faz desse primeiro turno das eleições? Muitas análises apontam no sentido de resultados fracos para os partidos de esquerda...

Acho que a primeira palavra para falar de eleição é começar agradecendo a generosidade do eleitor da minha cidade. Eu tive a maior votação da história aqui do Recife, 78% dos votos. Agora, olhando o resultado das eleições Brasil afora, acho que houve crescimento do centro, da centro-direita. Há uma divisão, que você também pode elencar, entre as grandes cidades, as metrópoles e as cidades menores, sobretudo nas cidades menores.

O senhor diz as emendas...

Eu acho que também há uma influência muito grande da força que os partidos têm no parlamento. Então, bancadas com muita força de presença de orçamento, de composições mais pragmáticas de mandato, terminam viabilizando um número maior de candidaturas de prefeituras e de cidades menores.

E o PSB?

Acho que, no caso do nosso partido, houve um crescimento. O PSB cresceu na eleição, cresceu mais de 20% no número de prefeitos, se posicionando, inclusive, como o partido que mais fez prefeitos dentro do campo progressista. E acho que isso é um sinal de que há um desafio mais ao centro, mas que há também um caminho de crescimento, como no caso do PSB. Que não necessariamente esse crescimento precisa se dar pela direita ou pela centro-direita.

Muitos acham que a eleição municipal pode ser uma espécie de “prévia” do que poderia ser a eleição presidencial de 2026. O senhor concorda?

O que vejo acontecendo, principalmente nos grandes centros urbanos, são construções muito voltadas para o campo objetivo da cidade. A eleição municipal é diferente de uma eleição de presidente, de deputado que é uma eleição que fica muito nacionalizada. A eleição das cidades é uma eleição que se dá muito no campo objetivo das cidades. É onde você discute o problema concreto. Você discute a mobilidade, a infraestrutura, o trânsito, a drenagem da cidade, a infraestrutura urbana. Então, são pautas muito concretas. E não necessariamente esse reflexo passa pelas grandes pautas nacionais.

E isso aconteceu no primeiro turno?

O que acho que aconteceu? Houve um crescimento de partidos que tiveram a capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral. Certamente tiveram mais candidaturas em colégios eleitorais que tinham mais dimensão. Acredito que os partidos que mais cresceram agora, tiveram uma estratégia eleitoral mais consolidada, voltada ao plano das cidades. E, também alguma medida, a maior correlação de forças que eu faço, sobretudo pelo tamanho dos colégios eleitorais, é a força que cada um está tendo no parlamento.

Os governos estaduais também tiveram e têm força....

Alguns governos estaduais tiveram força. Você olha o caso, por exemplo, do Paraná, que o governador do PSD, elegeu muitos do PSD. Em São Paulo, a presença do Republicanos e do PSD. Mas você teve, repito, também uma dinâmica voltada à presença das presidências de partidos que têm relação forte no parlamento. E, no nosso campo, acho que o resultado do PSB mostra que há um campo de centro-esquerda, um campo progressista, mas que tem um diálogo de efetividade de gestão. E eu acho que essa é a grande questão.

Então, o senhor acha que falta, digamos, um discurso mais sobre a vida real aos partidos de esquerda, que o senhor chama de efetividade de gestão?

A votação que nós tivemos aqui é uma prova disso. Eu, disputando pelo nosso campo, consegui ter uma votação muito ampla com eleitores que não são seguidores históricos da esquerda ou do campo progressista, mas que viram e apostaram em uma gestão que faz bem à cidade. Então, eu diria que a esquerda tem uma tarefa pela frente? Tem. Acho que é uma tarefa de trazer a pauta mais para o concreto. Isso não é uma convocação para ninguém abrir mão de suas convicções ideológicas. Mas é entender que as pessoas esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência. E a gente tem que ter muito cuidado com a discussão acirrada do ponto de vista ideológico, porque a pauta concreta sai desse campo.

O senhor acha que a esquerda não está conseguindo ou, em alguns casos, deixa de tratar dessa pauta da gestão das cidades?

Não estamos falando de uma eleição de bancada de deputado, de bancada temática. A gente está falando de cidade. E acho que é por isso que o centro também teve um crescimento maior na eleição, porque tem uma pauta menos ideologizada.

Eu, disputando pelo nosso campo, consegui ter uma votação muito ampla com eleitores que não são seguidores históricos da esquerda ou do campo progressista, mas que viram e apostaram em uma gestão que faz bem a cidade

João Campos

Em que sentido?

As pessoas querem saber é o que é que muda na vida delas no dia a dia. É saber se tem um sistema de saúde funcionando, se a gente tem um programa de alfabetização de qualidade, se a gente tem um programa de creche, de ensino integral, de qualificação técnica, de urbanismo social, de construção de parques e praças, de infraestrutura na periferia. Isso elas querem saber, a vida concreta de uma cidade. E isso não está presente na discussão das guerras ideológicas. Então, se você se amarra na guerra ideológica por si só, muitas vezes, você não entra nem no debate da vida da cidade. E, de fato, termina virando uma cortina de fumaça onde os problemas e as soluções concretas desaparecem. Não é que eu queira dizer que as pessoas têm que largar aquilo que elas acreditam, não.

O senhor não chamaria de largar, chamaria de rever? Acha que estaria na hora de a esquerda rever alguns dogmas, de rever algumas propostas que já não sensibilizam as pessoas?

O que eu digo sempre aqui, o meu papel, pegando o exemplo desta eleição, eu construí a maior frente política desta eleição e tive uma vitória bastante larga. Eu não perdi tempo buscando dividir as pessoas, eu busquei tempo juntando. Então eu fiz uma frente que tinha partidos da esquerda, do centro, partidos mais da centro-direita, mas que buscavam unidade em torno de um projeto de cidade.

A guerra ideológica atrapalhou essa discussão na campanha?

A gente chegou num tempo onde tem que saber fazer muito mais do que falar. Eu tenho o maior programa de tecnologia de ensino superior do Brasil, de uma cidade. A gente tem mais de dois mil jovens hoje estudando tecnologia no ensino superior, com empregabilidade acima de 60%, um programa da prefeitura com as universidades aqui da cidade, bancado pela prefeitura. Eu não preciso estar dizendo o que eu faço com a cota, o que eu faço com a prioridade, a exclusividade da vaga de escola pública. Você tocou em um ponto agora que é a questão das guerras ideológicas. Que houve muito em São Paulo, que foi esse fenômeno do Pablo Marçal.

Marçal fez da campanha um circo....

Essa questão do Marçal, na minha visão, é uma ótica de que já está no limite da lei. Então, quando você tem um conjunto de regras, legislação eleitoral, você tem regras a serem cumpridas, se você transgride essas regras, deixa de ser um problema político, passa a ser um problema legal. Então, o que eu acho que vai acontecer aí é ver que implicações legais deverão acontecer.

Se não vira um vale tudo...

E na eleição não vale tudo. Eleição não pode ser um lugar da barbárie, tem que ser um lugar civilizado, onde o debate – eu lembro por que cresci ouvindo essa frase – que o debate é no campo das ideias, não pode ser no campo pessoal, no campo físico, como chegou a ser em São Paulo. Infelizmente, a gente não vê nenhuma compostura de alguns candidatos e existe espaço para eles aparecerem, mas o ideal é que não tivesse alguém com esse perfil. Isso, na verdade, para mim é um atraso, quando você utiliza da agressão, da mentira, do ódio, da violência para querer ocupar um campo como se fosse uma novidade. Fiz a campanha inteira me comunicando com resistência e falando da cidade. Então, o que é que eu acho disso? Quando você tem o que mostrar, você não precisa criar factóides ou criar fatos para aparecer.

Em sua opinião essa foi a receita da vitória eleitoral?

Veja os grandes resultados dessas eleições e todos os prefeitos de capital que eu conheço e tiveram grande votação. Eles tiveram gestão com muita presença, com entrega e falando na pauta da cidade. Ninguém perdeu tempo aí brigando com pauta ideológica e, sim, ficou cuidando da cidade. Também ninguém ficou se batendo e xingando os outros e pondo apelidos nos outros. Porque isso eu acho que é a antipolítica, né? Acho que quando você parte para a perda da civilidade, você perde a essência da política. A essência da política é a empatia, é você conseguir vestir o sentimento do outro como seu e representá-lo, trabalhar por ele. Não é agressão, não é ódio. Isso é antipolítica. É a falta da política que gera a violência. E principalmente numa turma mais jovem – eu me sinto à vontade para dizer isso porque eu sou jovem, eu tenho 30 anos. Eu acho que a gente tem que ter muito cuidado para essa disposição da juventude... da antipolítica...

O senhor usa muito as redes sociais?

Eu trabalho muito, acho que a gente tem que ter um tripé aí de comunicação, de gestão e de política. Mas tudo isso em volta da presença na rua, contato direto com o povo. Dedico-me à política, à comunicação e a estar na rua, estar junto às pessoas. Muitas vezes as pessoas, até de fora, olham o resultado da minha eleição e veem influência em rede social, dizem que tem muito seguidor que isso é rede social. Não tem como ter 85% de aprovação numa cidade só com uma página forte de Instagram. Não é só mostrando foto ali nas redes sociais. Não é, né? Então, a primeira coisa é assim, tudo que eu mostro é o que eu faço. Não mostro aquilo que eu não faço.

Mas nesta campanha, em São Paulo houve muita briga....

É normal que as pessoas pensem diferente. As pessoas não precisam estar brigando por isso, elas têm que se juntar. Agora é possível, inclusive, juntar quem pensa diferente em algumas coisas, mas que no geral tem um sentimento de crescimento parecido. Essas frentes amplas, maiores que a gente faz têm esse sentido. A esquerda tem que se ampliar. Eu acho que eu sempre aprendi a formar frente. A gente tem que ter a capacidade de fazer uma frente ampla que isso garante uma representatividade política, garante governabilidade. Agora, a gente nunca pode abrir mão da espinha dorsal. E a espinha dorsal são as crenças e as convicções do sentido de a gente estar aqui.

A aliança PSB-PT....

Eu acho que o diálogo dentro do campo da centro-esquerda, progressista, é um diálogo permanente de construção. Acho que esses partidos estarem aliados é o caminho natural. A própria eleição de Lula e Alckmin traz isso. O presidente Lula, com Alckmin no nosso partido, mostra uma aliança, uma diretriz de aliança nacional. Fora isso, eu acho que o maior desafio é você conseguir fazer uma aliança sólida com o centro. Por que a própria esquerda está mais próxima, isso é mais fácil.

Acha possível essa aliança com o centro?

Acho que a gente tem que trazer o centro mais para perto e a esquerda precisa entender que esse movimento de trazer o centro para perto é você também compreender as convicções das pessoas que estão mais ao centro. Então, é um debate a ser como se você, cada um, tem que caminhar um pouco para chegar a um ponto comum.

Este primeiro turno da eleição, mostrou uma grande maioria conservadora na população brasileira...

Há uma maioria conservadora literalmente e também que tende ao conservadorismo na população brasileira. E, principalmente, o que eu pontuaria aqui como principal é que as regiões metropolitanas do Brasil têm configurações que começam a ficar muito semelhantes. Então, se você olha para o Nordeste como espaço político, você já não pode olhar o Nordeste por inteiro como um espaço único. Você tem uma região metropolitana do Nordeste que tem um posicionamento que, muitas vezes, se assemelha mais ao que são as regiões metropolitanas do Brasil afora, do que o interior do Nordeste, que tem uma posição política mais cristalina.

Os problemas das grandes cidades estão ficando muito parecidos?

E por que é isso? Na minha opinião, o principal ponto são os problemas urbanos. Então, se você pegar uma grande região metropolitana do Recife, Salvador, Fortaleza, por exemplo, você vai ter problemas no desafio de mobilidade, de segurança, de combate às drogas, de desafio de habitabilidade, de qualidade de vida são questões que se assemelham. Então, as pessoas querem que seus problemas sejam resolvidos e, muitas vezes, o discurso ideológico da direita captura mais gente do que o da esquerda. Por isso que eu acho que o caminho não é entrar nessas rotas ideológicas, é entrar na rota do concreto. Eu sou aqui o prefeito e a referência é na alfabetização, na educação integral, na expansão de vaga de creche, na formação, no emprego, na renda. Então, esse componente político das grandes cidades, a esquerda precisa ter o pé no chão e o olhar lúcido para ter um diagnóstico correto de como enfrentar as disputas eleitorais nos grandes colégios eleitorais.

O que acha desse discurso de costumes?

É o que eu estou dizendo. Eu repito e deixo isso claro no início. Eu não quero aqui que as pessoas deixem de ter suas posições, mas você entende o seguinte. O que é mais importante numa cidade? Vamos lá. Eu tenho 105 mil alunos na nossa rede de ensino. Nós tínhamos 7 mil vagas de creche na cidade. Isso não chegava a 20% de cobertura. Em 40 anos foram feitas 7 mil vagas de creche. Eu, em 3 anos e meio, fiz 9 e 7 mil. E eu canalizar a minha força política para transformar isso numa realidade. Então, eu gasto minha energia com isso, porque isso muda a vida das pessoas. Se eu for aqui falar sobre a posição ideológica sobre droga, aborto, sobre fé, religião, eu acho que são posições que cada um pode ter a sua crença, mas que isso não vai mudar a vida de uma cidade. O que muda a vida da cidade é o trabalho e a entrega concreta.

Falta essa renovação na política?

Eu acho que é um desafio, porque, como diz um ditado aqui, que diz que quando o rio enche não é só de água limpa. Então, assim, a renovação, o fato de você ser jovem não significa que você é melhor do que alguém que está há muito tempo e é mais velho. Eu acho que esse debate é uma coisa muito perigosa, inclusive. Eu digo isso na condição de quem pode ser privilegiado pelo debate pelo fato de ser jovem, mas tem que ter cuidado. Eu vejo que a turma mais jovem da política, de maneira geral, tem um caráter muito divisionista, sabe? Muito da briga, muito do confronto, muito da separação. O Brasil e a política estão precisando de jovem, mas que tenha a disposição de juntar, porque de briga já tem muita gente para brigar. O algoritmo da política ele parece que é programado para botar as pessoas para brigarem. E parece que é isso que gera engajamento, é isso que gera voto, é isso que gera crescimento. E eu tenho uma uma diretriz inclusive aqui, que o nosso desafio é fazer uma comunicação não violenta que engaje.

O senhor pensa em 2026?

Sou muito feliz sendo prefeito do Recife. Depois que eu perdi meu pai, eu comecei, mais do que nunca, a viver um dia de cada vez. Então eu não projeto muito o futuro não. Então, eu agora quero me dedicar para consagrar esse caminho que eu estou fazendo na prefeitura. É viver um dia de cada vez. Eu acho que eu me dediquei muito, fui muito sortudo, muito privilegiado. Então, eu vou me dedicar a cada dia e ver o que é que dá. E também tem o vice-presidente Geraldo Alckmin, né? Isso. Geraldo é um grande parceiro, uma pessoa muito correta, muito aliada. Nos inspira muito e acho que está fazendo um grande papel.

Como avalia a campanha da deputada Tabata à Prefeitura de São Paulo?

Fez uma grande campanha. A eleição nem sempre tem um resultado que espelha o desempenho de cada candidato. Eu acho que ela teve um grande desempenho. Mas nem sempre o seu desempenho significa que o resultado da eleição vai ser condizente com ele. Depende dos outros também. Mas ela foi a melhor candidata de São Paulo. As pessoas viram que ela não entra para brincar. Saiu com um tamanho político maior do que entrou. E eu acredito que ela tem uma carreira política importante pela frente.

Aos 27 anos, João Henrique Campos, se tornou o prefeito mais jovem do Brasil. E, agora, aos 30 foi reeleito com quase 80% dos votos em Recife, capital de Pernambuco. Campos é herdeiro de uma família que está na política desde o início do século 20. Seu bisavô era Miguel Arraes (1916-2005), um dos grandes políticos brasileiros, três vezes governador do Estado. Seu pai, Eduardo Campos (1965-2014), promissor político do PSB, fazia a campanha para a presidência da República, quando morreu em um desastre aéreo. Nesta entrevista ao Estadão, ele faz uma análise do primeiro turno das eleições. Diz que, muitas vezes, o discurso ideológico da direita captura mais eleitores do que o da esquerda porque consegue escapar da rota ideológica e ir para a vida real.

“Muitas vezes o discurso ideológico da direita captura mais gente do que o da esquerda. Por isso que eu acho que o caminho não é entrar nessas rotas ideológicas, é entrar na rota do concreto”, disse o prefeito. “A esquerda precisa ter o pé no chão e o olhar lúcido para ter um diagnóstico correto de como enfrentar as disputas eleitorais nos grandes colégios eleitorais”.

João Campos, prefeito de Recife, foi reeleito com quase 80% dos votos Foto: Alex Silva/Estadão

Ele assinala que essa não é uma convocação para que ninguém abra mão de suas convicções ideológicas. É apenas uma constatação de que os partidos que mais cresceram tiveram a capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral. “É entender que as pessoas esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência. E a gente tem que ter muito cuidado com a discussão acirrada do ponto de vista ideológico, porque ela sai desse campo”.

Veja os principais trechos da entrevista com João Campos:

Qual é a avaliação que o senhor faz desse primeiro turno das eleições? Muitas análises apontam no sentido de resultados fracos para os partidos de esquerda...

Acho que a primeira palavra para falar de eleição é começar agradecendo a generosidade do eleitor da minha cidade. Eu tive a maior votação da história aqui do Recife, 78% dos votos. Agora, olhando o resultado das eleições Brasil afora, acho que houve crescimento do centro, da centro-direita. Há uma divisão, que você também pode elencar, entre as grandes cidades, as metrópoles e as cidades menores, sobretudo nas cidades menores.

O senhor diz as emendas...

Eu acho que também há uma influência muito grande da força que os partidos têm no parlamento. Então, bancadas com muita força de presença de orçamento, de composições mais pragmáticas de mandato, terminam viabilizando um número maior de candidaturas de prefeituras e de cidades menores.

E o PSB?

Acho que, no caso do nosso partido, houve um crescimento. O PSB cresceu na eleição, cresceu mais de 20% no número de prefeitos, se posicionando, inclusive, como o partido que mais fez prefeitos dentro do campo progressista. E acho que isso é um sinal de que há um desafio mais ao centro, mas que há também um caminho de crescimento, como no caso do PSB. Que não necessariamente esse crescimento precisa se dar pela direita ou pela centro-direita.

Muitos acham que a eleição municipal pode ser uma espécie de “prévia” do que poderia ser a eleição presidencial de 2026. O senhor concorda?

O que vejo acontecendo, principalmente nos grandes centros urbanos, são construções muito voltadas para o campo objetivo da cidade. A eleição municipal é diferente de uma eleição de presidente, de deputado que é uma eleição que fica muito nacionalizada. A eleição das cidades é uma eleição que se dá muito no campo objetivo das cidades. É onde você discute o problema concreto. Você discute a mobilidade, a infraestrutura, o trânsito, a drenagem da cidade, a infraestrutura urbana. Então, são pautas muito concretas. E não necessariamente esse reflexo passa pelas grandes pautas nacionais.

E isso aconteceu no primeiro turno?

O que acho que aconteceu? Houve um crescimento de partidos que tiveram a capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral. Certamente tiveram mais candidaturas em colégios eleitorais que tinham mais dimensão. Acredito que os partidos que mais cresceram agora, tiveram uma estratégia eleitoral mais consolidada, voltada ao plano das cidades. E, também alguma medida, a maior correlação de forças que eu faço, sobretudo pelo tamanho dos colégios eleitorais, é a força que cada um está tendo no parlamento.

Os governos estaduais também tiveram e têm força....

Alguns governos estaduais tiveram força. Você olha o caso, por exemplo, do Paraná, que o governador do PSD, elegeu muitos do PSD. Em São Paulo, a presença do Republicanos e do PSD. Mas você teve, repito, também uma dinâmica voltada à presença das presidências de partidos que têm relação forte no parlamento. E, no nosso campo, acho que o resultado do PSB mostra que há um campo de centro-esquerda, um campo progressista, mas que tem um diálogo de efetividade de gestão. E eu acho que essa é a grande questão.

Então, o senhor acha que falta, digamos, um discurso mais sobre a vida real aos partidos de esquerda, que o senhor chama de efetividade de gestão?

A votação que nós tivemos aqui é uma prova disso. Eu, disputando pelo nosso campo, consegui ter uma votação muito ampla com eleitores que não são seguidores históricos da esquerda ou do campo progressista, mas que viram e apostaram em uma gestão que faz bem à cidade. Então, eu diria que a esquerda tem uma tarefa pela frente? Tem. Acho que é uma tarefa de trazer a pauta mais para o concreto. Isso não é uma convocação para ninguém abrir mão de suas convicções ideológicas. Mas é entender que as pessoas esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência. E a gente tem que ter muito cuidado com a discussão acirrada do ponto de vista ideológico, porque a pauta concreta sai desse campo.

O senhor acha que a esquerda não está conseguindo ou, em alguns casos, deixa de tratar dessa pauta da gestão das cidades?

Não estamos falando de uma eleição de bancada de deputado, de bancada temática. A gente está falando de cidade. E acho que é por isso que o centro também teve um crescimento maior na eleição, porque tem uma pauta menos ideologizada.

Eu, disputando pelo nosso campo, consegui ter uma votação muito ampla com eleitores que não são seguidores históricos da esquerda ou do campo progressista, mas que viram e apostaram em uma gestão que faz bem a cidade

João Campos

Em que sentido?

As pessoas querem saber é o que é que muda na vida delas no dia a dia. É saber se tem um sistema de saúde funcionando, se a gente tem um programa de alfabetização de qualidade, se a gente tem um programa de creche, de ensino integral, de qualificação técnica, de urbanismo social, de construção de parques e praças, de infraestrutura na periferia. Isso elas querem saber, a vida concreta de uma cidade. E isso não está presente na discussão das guerras ideológicas. Então, se você se amarra na guerra ideológica por si só, muitas vezes, você não entra nem no debate da vida da cidade. E, de fato, termina virando uma cortina de fumaça onde os problemas e as soluções concretas desaparecem. Não é que eu queira dizer que as pessoas têm que largar aquilo que elas acreditam, não.

O senhor não chamaria de largar, chamaria de rever? Acha que estaria na hora de a esquerda rever alguns dogmas, de rever algumas propostas que já não sensibilizam as pessoas?

O que eu digo sempre aqui, o meu papel, pegando o exemplo desta eleição, eu construí a maior frente política desta eleição e tive uma vitória bastante larga. Eu não perdi tempo buscando dividir as pessoas, eu busquei tempo juntando. Então eu fiz uma frente que tinha partidos da esquerda, do centro, partidos mais da centro-direita, mas que buscavam unidade em torno de um projeto de cidade.

A guerra ideológica atrapalhou essa discussão na campanha?

A gente chegou num tempo onde tem que saber fazer muito mais do que falar. Eu tenho o maior programa de tecnologia de ensino superior do Brasil, de uma cidade. A gente tem mais de dois mil jovens hoje estudando tecnologia no ensino superior, com empregabilidade acima de 60%, um programa da prefeitura com as universidades aqui da cidade, bancado pela prefeitura. Eu não preciso estar dizendo o que eu faço com a cota, o que eu faço com a prioridade, a exclusividade da vaga de escola pública. Você tocou em um ponto agora que é a questão das guerras ideológicas. Que houve muito em São Paulo, que foi esse fenômeno do Pablo Marçal.

Marçal fez da campanha um circo....

Essa questão do Marçal, na minha visão, é uma ótica de que já está no limite da lei. Então, quando você tem um conjunto de regras, legislação eleitoral, você tem regras a serem cumpridas, se você transgride essas regras, deixa de ser um problema político, passa a ser um problema legal. Então, o que eu acho que vai acontecer aí é ver que implicações legais deverão acontecer.

Se não vira um vale tudo...

E na eleição não vale tudo. Eleição não pode ser um lugar da barbárie, tem que ser um lugar civilizado, onde o debate – eu lembro por que cresci ouvindo essa frase – que o debate é no campo das ideias, não pode ser no campo pessoal, no campo físico, como chegou a ser em São Paulo. Infelizmente, a gente não vê nenhuma compostura de alguns candidatos e existe espaço para eles aparecerem, mas o ideal é que não tivesse alguém com esse perfil. Isso, na verdade, para mim é um atraso, quando você utiliza da agressão, da mentira, do ódio, da violência para querer ocupar um campo como se fosse uma novidade. Fiz a campanha inteira me comunicando com resistência e falando da cidade. Então, o que é que eu acho disso? Quando você tem o que mostrar, você não precisa criar factóides ou criar fatos para aparecer.

Em sua opinião essa foi a receita da vitória eleitoral?

Veja os grandes resultados dessas eleições e todos os prefeitos de capital que eu conheço e tiveram grande votação. Eles tiveram gestão com muita presença, com entrega e falando na pauta da cidade. Ninguém perdeu tempo aí brigando com pauta ideológica e, sim, ficou cuidando da cidade. Também ninguém ficou se batendo e xingando os outros e pondo apelidos nos outros. Porque isso eu acho que é a antipolítica, né? Acho que quando você parte para a perda da civilidade, você perde a essência da política. A essência da política é a empatia, é você conseguir vestir o sentimento do outro como seu e representá-lo, trabalhar por ele. Não é agressão, não é ódio. Isso é antipolítica. É a falta da política que gera a violência. E principalmente numa turma mais jovem – eu me sinto à vontade para dizer isso porque eu sou jovem, eu tenho 30 anos. Eu acho que a gente tem que ter muito cuidado para essa disposição da juventude... da antipolítica...

O senhor usa muito as redes sociais?

Eu trabalho muito, acho que a gente tem que ter um tripé aí de comunicação, de gestão e de política. Mas tudo isso em volta da presença na rua, contato direto com o povo. Dedico-me à política, à comunicação e a estar na rua, estar junto às pessoas. Muitas vezes as pessoas, até de fora, olham o resultado da minha eleição e veem influência em rede social, dizem que tem muito seguidor que isso é rede social. Não tem como ter 85% de aprovação numa cidade só com uma página forte de Instagram. Não é só mostrando foto ali nas redes sociais. Não é, né? Então, a primeira coisa é assim, tudo que eu mostro é o que eu faço. Não mostro aquilo que eu não faço.

Mas nesta campanha, em São Paulo houve muita briga....

É normal que as pessoas pensem diferente. As pessoas não precisam estar brigando por isso, elas têm que se juntar. Agora é possível, inclusive, juntar quem pensa diferente em algumas coisas, mas que no geral tem um sentimento de crescimento parecido. Essas frentes amplas, maiores que a gente faz têm esse sentido. A esquerda tem que se ampliar. Eu acho que eu sempre aprendi a formar frente. A gente tem que ter a capacidade de fazer uma frente ampla que isso garante uma representatividade política, garante governabilidade. Agora, a gente nunca pode abrir mão da espinha dorsal. E a espinha dorsal são as crenças e as convicções do sentido de a gente estar aqui.

A aliança PSB-PT....

Eu acho que o diálogo dentro do campo da centro-esquerda, progressista, é um diálogo permanente de construção. Acho que esses partidos estarem aliados é o caminho natural. A própria eleição de Lula e Alckmin traz isso. O presidente Lula, com Alckmin no nosso partido, mostra uma aliança, uma diretriz de aliança nacional. Fora isso, eu acho que o maior desafio é você conseguir fazer uma aliança sólida com o centro. Por que a própria esquerda está mais próxima, isso é mais fácil.

Acha possível essa aliança com o centro?

Acho que a gente tem que trazer o centro mais para perto e a esquerda precisa entender que esse movimento de trazer o centro para perto é você também compreender as convicções das pessoas que estão mais ao centro. Então, é um debate a ser como se você, cada um, tem que caminhar um pouco para chegar a um ponto comum.

Este primeiro turno da eleição, mostrou uma grande maioria conservadora na população brasileira...

Há uma maioria conservadora literalmente e também que tende ao conservadorismo na população brasileira. E, principalmente, o que eu pontuaria aqui como principal é que as regiões metropolitanas do Brasil têm configurações que começam a ficar muito semelhantes. Então, se você olha para o Nordeste como espaço político, você já não pode olhar o Nordeste por inteiro como um espaço único. Você tem uma região metropolitana do Nordeste que tem um posicionamento que, muitas vezes, se assemelha mais ao que são as regiões metropolitanas do Brasil afora, do que o interior do Nordeste, que tem uma posição política mais cristalina.

Os problemas das grandes cidades estão ficando muito parecidos?

E por que é isso? Na minha opinião, o principal ponto são os problemas urbanos. Então, se você pegar uma grande região metropolitana do Recife, Salvador, Fortaleza, por exemplo, você vai ter problemas no desafio de mobilidade, de segurança, de combate às drogas, de desafio de habitabilidade, de qualidade de vida são questões que se assemelham. Então, as pessoas querem que seus problemas sejam resolvidos e, muitas vezes, o discurso ideológico da direita captura mais gente do que o da esquerda. Por isso que eu acho que o caminho não é entrar nessas rotas ideológicas, é entrar na rota do concreto. Eu sou aqui o prefeito e a referência é na alfabetização, na educação integral, na expansão de vaga de creche, na formação, no emprego, na renda. Então, esse componente político das grandes cidades, a esquerda precisa ter o pé no chão e o olhar lúcido para ter um diagnóstico correto de como enfrentar as disputas eleitorais nos grandes colégios eleitorais.

O que acha desse discurso de costumes?

É o que eu estou dizendo. Eu repito e deixo isso claro no início. Eu não quero aqui que as pessoas deixem de ter suas posições, mas você entende o seguinte. O que é mais importante numa cidade? Vamos lá. Eu tenho 105 mil alunos na nossa rede de ensino. Nós tínhamos 7 mil vagas de creche na cidade. Isso não chegava a 20% de cobertura. Em 40 anos foram feitas 7 mil vagas de creche. Eu, em 3 anos e meio, fiz 9 e 7 mil. E eu canalizar a minha força política para transformar isso numa realidade. Então, eu gasto minha energia com isso, porque isso muda a vida das pessoas. Se eu for aqui falar sobre a posição ideológica sobre droga, aborto, sobre fé, religião, eu acho que são posições que cada um pode ter a sua crença, mas que isso não vai mudar a vida de uma cidade. O que muda a vida da cidade é o trabalho e a entrega concreta.

Falta essa renovação na política?

Eu acho que é um desafio, porque, como diz um ditado aqui, que diz que quando o rio enche não é só de água limpa. Então, assim, a renovação, o fato de você ser jovem não significa que você é melhor do que alguém que está há muito tempo e é mais velho. Eu acho que esse debate é uma coisa muito perigosa, inclusive. Eu digo isso na condição de quem pode ser privilegiado pelo debate pelo fato de ser jovem, mas tem que ter cuidado. Eu vejo que a turma mais jovem da política, de maneira geral, tem um caráter muito divisionista, sabe? Muito da briga, muito do confronto, muito da separação. O Brasil e a política estão precisando de jovem, mas que tenha a disposição de juntar, porque de briga já tem muita gente para brigar. O algoritmo da política ele parece que é programado para botar as pessoas para brigarem. E parece que é isso que gera engajamento, é isso que gera voto, é isso que gera crescimento. E eu tenho uma uma diretriz inclusive aqui, que o nosso desafio é fazer uma comunicação não violenta que engaje.

O senhor pensa em 2026?

Sou muito feliz sendo prefeito do Recife. Depois que eu perdi meu pai, eu comecei, mais do que nunca, a viver um dia de cada vez. Então eu não projeto muito o futuro não. Então, eu agora quero me dedicar para consagrar esse caminho que eu estou fazendo na prefeitura. É viver um dia de cada vez. Eu acho que eu me dediquei muito, fui muito sortudo, muito privilegiado. Então, eu vou me dedicar a cada dia e ver o que é que dá. E também tem o vice-presidente Geraldo Alckmin, né? Isso. Geraldo é um grande parceiro, uma pessoa muito correta, muito aliada. Nos inspira muito e acho que está fazendo um grande papel.

Como avalia a campanha da deputada Tabata à Prefeitura de São Paulo?

Fez uma grande campanha. A eleição nem sempre tem um resultado que espelha o desempenho de cada candidato. Eu acho que ela teve um grande desempenho. Mas nem sempre o seu desempenho significa que o resultado da eleição vai ser condizente com ele. Depende dos outros também. Mas ela foi a melhor candidata de São Paulo. As pessoas viram que ela não entra para brincar. Saiu com um tamanho político maior do que entrou. E eu acredito que ela tem uma carreira política importante pela frente.

Entrevista por Monica Gugliano

É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.