Uma reportagem de Marcelo Godoy publicada nesta semana no Estadão revelou o incômodo da cúpula do Exército com os militares bolsonaristas suspeitos de tramar um golpe contra a democracia. Segundo Godoy, que possui inúmeras fontes no meio fardado, generais usam a palavra “deslealdade” para se referir aos acusados de golpismo. “Deslealdade” é um eufemismo para “traição” – a maior das desonras para um militar.
Multiplicam-se as evidências que apontam para uma ação orquestrada. A Polícia Federal se debruça sobre o caso – e trechos do relatório dos investigadores foram publicados nesta semana pelo jornal O Globo. Áudios e mensagens trocados entre militares mencionam uma certa “operação” – segundo a PF, “um codinome para a execução de um golpe de Estado, que culminaria na tomada de poder pelas Forças Armadas brasileiras”. De acordo com o relatório, “o plano descrito pelo interlocutor incluía a prática de abolição violenta do estado democrático de direito”.
“De fato houve uma tentativa de golpe, isso agora está muito claro, não apenas pelo 8 de janeiro, mas por tudo o que foi descoberto desde então”, diz o cientista político Octavio Amorim Neto, professor titular da Fundação Getulio Vargas e um dos maiores especialistas brasileiros no assunto. Ele acaba de lançar o livro New studies in civil-military relations and defense policy in Brazil, e é o entrevistado do minipodcast da semana.
Amorim Neto diz que as evidências de golpe não surpreendem os analistas, que alertaram para a excessiva presença fardada no governo Bolsonaro. “Colocar militares no centro de um regime democrático é instalar a ameaça de uso da força física como base para se fazer política”, afirma. “Isso parecia ambíguo no início do governo, e no final se tornou explícito, como vimos no 8 de janeiro. Era uma tragédia anunciada.”
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Segundo o relatório da PF, os militares suspeitos de golpismo queriam que o ex-presidente Jair Bolsonaro continuasse na Presidência após a “operação”. Bolsonaro é investigado por incitação aos atos de vandalismo no 8 de janeiro. Em depoimento nesta semana, o ex-presidente negou ter orientado “qualquer ato de subversão ou insurreição”.
Nos áudios e mensagens, os conspiradores tentam envolver seus superiores na trama – e não conseguem. “Sinal de que há generais, almirantes e brigadeiros com um forte sentido de legalismo, de constitucionalismo e de respeito à democracia”, diz Amorim Neto.
As investigações irão prosseguir. Esclarecer os fatos, identificar os crimes e punir os culpados é fundamental para que a tragédia anunciada não se repita.
Para saber mais
Minipodcast com Octavio Amorim Neto
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Ouça entrevista com cientista político e professor da FGV
Livro New studies in civil-military relations and defence policy in Brazil, de Octavio Amorim Neto
Reportagem de Marcelo Godoy no Estadão sobre o mal-estar no meio militar
Depoimento do ex-presidente Jair Bolsonaro publicado pelo Estadão