Ex-chefe da Receita foi demitido por Bolsonaro 1 mês após reter joias e 4 negativas de liberá-las


José Tostes foi dispensado do comando da Receita 37 dias depois de as joias enviadas a Bolsonaro e Michelle Bolsonaro serem barradas pelo órgão na alfândega de Guarulhos, em São Paulo

Por Adriana Fernandes e André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - Trinta e sete dias após integrantes do governo Bolsonaro tentarem entrar ilegalmente no País com um conjunto de joias presenteado pelo regime da Arábia Saudita para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro, sem declarar na alfândega, o secretário da Receita Federal à época, José Tostes, perdeu o cargo.

Antes da queda de Tostes, quatro tentativas já tinham ocorrido para tentar entrar com as joias no País. O primeiro ato foi a decisão da comitiva do então ministro de Minas e Energia (MME) Bento Albuquerque de entrar com as joias sem declará-las. Depois, o próprio Albuquerque voltou à área restrita e tentou levar os pacotes, informando que se tratava de presentes para Michelle Bolsonaro. O terceiro ato foi o envio de um ofício do MME ao Ministério de Relações Exteriores (MRE), em 3 de novembro daquele ano, solicitando ajuda. O MRE, por sua vez, pediu informações para saber que providências tomar para liberar as joias.

No lugar de Tostes, o presidente Jair Bolsonaro colocou o auditor fiscal de carreira e especialista em direito tributário Julio Cesar Vieira Gomes, nomeado cinco dias depois para chefiar a Receita. Julio Cesar era pessoa próxima da família Bolsonaro. O decreto de nomeação assinado por Bolsonaro seria publicado no dia 7 de dezembro de 2021. A escolha, porém, já era conhecida anteriormente.

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Joias apreendidas em 2021; itens no valor de R$ 16,5 milhões foram presente do regime saudita para o casal Bolsonaro. Foto: Estadão

No dia 3 de dezembro, a informação da troca de comando da Receita foi vazada pela imprensa, no bojo de uma “grande reestruturação” nas secretarias do Ministério da Economia, com a criação de uma Secretaria Especial de Estudos Econômicos e troca de secretários. A estratégia, na prática, era a de esvaziar o impacto da demissão de José Tostes com a notícia de mudanças importantes na equipe do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Tostes, que já era servidor aposentado da Receita quando comandava o órgão, era bem avaliado pela área técnica em geral.

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Guedes demitiu Tostes, que estava em atrito com a família Bolsonaro, também por conta da nomeação em torno de indicação do corregedor da Receita, um posto que interessava. Tostes foi avisado no dia anterior a esse vazamento de que o presidente queria o seu cargo. No Diário Oficial, a exoneração de Tostes por Bolsonaro foi publicada com a informação de que teria sido “a pedido”.

À frente da Receita, Tostes sempre esteve sob pressão da família do ex-presidente Bolsonaro, em razão das investigações da denúncia da prática de “rachadinha” na Assembleia do Rio de Janeiro contra o seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro.

Guedes acenou para José Tostes com a possibilidade de um cargo na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, e anunciou a criação de outros dois cargos de adido da Receita na Índia e em Bruxelas. O fato, porém, é que Tostes não chegou a assumir o cargo em Paris.

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Procurados pela reportagem, Tostes e Guedes não responderam ao pedido de entrevista. Como revelou o Estadão, o novo chefe da Receita escolhido por Bolsonaro, o auditor fiscal Julio Cesar, atuou para que os fiscais do órgão liberassem as joias apreendidas naquele 26 de outubro de 2021. Julio Cesar faria diversas tentativas, sem sucesso. Em 30 de dezembro de 2022, a um dia de acabar o mandato de Bolsonaro, ele foi indicado pelo presidente para assumir um cargo na Embaixada brasileira em Paris, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reverteu a nomeação no início do governo Lula.

O ofício encaminhado para resgatar as joias apreendidas pela Receita diz que “os bens foram ofertados ao presidente da República pelo reino da Arábia Saudita”. O documento obtido pelo Estadão foi enviado no fim do dia 28 de dezembro de 2022, restando três dias para o fim da gestão Bolsonaro, e é assinado pelo tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens e “faz-tudo” de Bolsonaro.

O documento 736/2022/GPPR-AJO/GPPR é explícito em “determinar desde já que os bens sejam retirados” pelo primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva por ordem do gabinete de Bolsonaro. O ex-presidente se mudou para os Estados Unidos no dia 30 de dezembro e não passou a faixa para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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O ofício envolve diretamente Bolsonaro nas tratativas para reaver os diamantes. A ordem foi dirigida ao ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieria Gomes, que, no mesmo dia, determinou à Superintendência da Receita em São Paulo para que fosse acatada e, as joias, devolvidas.

No dia seguinte, um jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB) levou à Base Aérea de Guarulhos, em São Paulo, o primeiro-sargento Jairo Moreira da Silva, com a missão de resgatar as joias de diamantes, avaliadas em 3 milhões de euros, ou R$ 16,5 milhões.

Como revelou o Estadão, o presente dado pelo regime saudita foi apreendido, porque a comitiva tentou entrar de forma ilegal, com o item na mochila do assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, em 26 de outubro de 2021. Antes de recorrer ao comando da Receita, o governo Bolsonaro também já tinha acionado o Ministério de Minas e Energia e o Itamaraty.

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As pressões sobre a Receita até a demissão de Tostes

1) A entrada ilegal das joias - nada a declarar

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No dia 26 de outubro de 2021, o então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e seu assessor Marcos André Soeiro desembarcaram no Aeroporto de Guarulhos do voo 773, proveniente da Arábia Saudita. O assessor trazia na mochila o estojo com as joias (um colar, um par de brincos, um anel e um relógio) para o casal Bolsonaro, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

Ele fez a primeira tentativa de entrar com as joias ilegalmente no País. O militar optou pela saída “nada a declarar” para deixar a área do aeroporto sem registrar a posse dos bens estimados em R$ 16,5 milhões, infringindo a legislação. A manobra foi frustrada. Os servidores da Receita pediram para conferir a bagagem logo que ele passou pelo raio-X. Com a descoberta, os diamantes foram apreendidos.

2) A carteirada

O ministro e o servidor estavam representando o governo brasileiro na reunião de cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”, realizada na capital daquele país.

Com a apreensão das joias, o ministro volta para a área restrita do aeroporto, mesmo após ter passado pela alfândega, o que geralmente não é permitido, e faz a segunda tentativa de entrar com as joias no País. Ele alegou que era um presente para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O ex-ministro repetiu a mesma versão ao Estadão, acrescentando que o relógio era para o ex-presidente, em entrevista na sexta-feira, 03.

No ato de apreensão, foi dada ao almirante a opção de declarar que se tratava de um presente de um governo para outro, mas o ministro não aceitou. Se o fizesse, as joias seriam tratadas como propriedade do Estado brasileiro e, seguindo os trâmites burocráticos, poderiam ser liberadas.

3) A pressão sobre a Receita 1

O Ministério das Relações Exteriores é acionado pelo presidente Bolsonaro e pede, no dia 03 de novembro de 2021, à Receita, para que tome “providências necessárias para liberação dos bens retidos”. Neste momento, após reiteradas negativas da Receita, o governo começa a mudar a versão e dizer que as joias eram para o acervo, sem especificar qual.

“Considerando a condição específica do Ministro —representante do Senhor Presidente da República; a inviabilidade de recusa ou devolução imediata de presentes em razão das circunstâncias correntes; e os valores histórico, cultural e artístico dos bens ofertados; faz-se necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”, diz o ofício do Itamaraty ao qual o Estadão teve acesso.

Em resposta, a Receita volta a informar que só seria possível fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe nestes casos, com quitação da multa e do imposto devidos.

4) A pressão sobre a Receita 2

No mesmo dia 03 de novembro de 2021, o gabinete do então ministro Bento Albuquerque reforça a pressão sobre a Receita em mais uma tentativa para conseguir colocar as mãos nas joias e entregá-las a Bolsonaro.

Em ofício, pede “liberação e decorrente destinação legal adequada de presentes retidos por esse Órgão”. Em combinação com o Itamaraty, o ex-ministro também passa a usar que a versão que a destinação seria para o acervo, novamente, sem dizer para o qual. A Receita mantém a apreensão.

BRASÍLIA - Trinta e sete dias após integrantes do governo Bolsonaro tentarem entrar ilegalmente no País com um conjunto de joias presenteado pelo regime da Arábia Saudita para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro, sem declarar na alfândega, o secretário da Receita Federal à época, José Tostes, perdeu o cargo.

Antes da queda de Tostes, quatro tentativas já tinham ocorrido para tentar entrar com as joias no País. O primeiro ato foi a decisão da comitiva do então ministro de Minas e Energia (MME) Bento Albuquerque de entrar com as joias sem declará-las. Depois, o próprio Albuquerque voltou à área restrita e tentou levar os pacotes, informando que se tratava de presentes para Michelle Bolsonaro. O terceiro ato foi o envio de um ofício do MME ao Ministério de Relações Exteriores (MRE), em 3 de novembro daquele ano, solicitando ajuda. O MRE, por sua vez, pediu informações para saber que providências tomar para liberar as joias.

No lugar de Tostes, o presidente Jair Bolsonaro colocou o auditor fiscal de carreira e especialista em direito tributário Julio Cesar Vieira Gomes, nomeado cinco dias depois para chefiar a Receita. Julio Cesar era pessoa próxima da família Bolsonaro. O decreto de nomeação assinado por Bolsonaro seria publicado no dia 7 de dezembro de 2021. A escolha, porém, já era conhecida anteriormente.

Joias apreendidas em 2021; itens no valor de R$ 16,5 milhões foram presente do regime saudita para o casal Bolsonaro. Foto: Estadão

No dia 3 de dezembro, a informação da troca de comando da Receita foi vazada pela imprensa, no bojo de uma “grande reestruturação” nas secretarias do Ministério da Economia, com a criação de uma Secretaria Especial de Estudos Econômicos e troca de secretários. A estratégia, na prática, era a de esvaziar o impacto da demissão de José Tostes com a notícia de mudanças importantes na equipe do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Tostes, que já era servidor aposentado da Receita quando comandava o órgão, era bem avaliado pela área técnica em geral.

Guedes demitiu Tostes, que estava em atrito com a família Bolsonaro, também por conta da nomeação em torno de indicação do corregedor da Receita, um posto que interessava. Tostes foi avisado no dia anterior a esse vazamento de que o presidente queria o seu cargo. No Diário Oficial, a exoneração de Tostes por Bolsonaro foi publicada com a informação de que teria sido “a pedido”.

À frente da Receita, Tostes sempre esteve sob pressão da família do ex-presidente Bolsonaro, em razão das investigações da denúncia da prática de “rachadinha” na Assembleia do Rio de Janeiro contra o seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro.

Guedes acenou para José Tostes com a possibilidade de um cargo na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, e anunciou a criação de outros dois cargos de adido da Receita na Índia e em Bruxelas. O fato, porém, é que Tostes não chegou a assumir o cargo em Paris.

Procurados pela reportagem, Tostes e Guedes não responderam ao pedido de entrevista. Como revelou o Estadão, o novo chefe da Receita escolhido por Bolsonaro, o auditor fiscal Julio Cesar, atuou para que os fiscais do órgão liberassem as joias apreendidas naquele 26 de outubro de 2021. Julio Cesar faria diversas tentativas, sem sucesso. Em 30 de dezembro de 2022, a um dia de acabar o mandato de Bolsonaro, ele foi indicado pelo presidente para assumir um cargo na Embaixada brasileira em Paris, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reverteu a nomeação no início do governo Lula.

O ofício encaminhado para resgatar as joias apreendidas pela Receita diz que “os bens foram ofertados ao presidente da República pelo reino da Arábia Saudita”. O documento obtido pelo Estadão foi enviado no fim do dia 28 de dezembro de 2022, restando três dias para o fim da gestão Bolsonaro, e é assinado pelo tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens e “faz-tudo” de Bolsonaro.

O documento 736/2022/GPPR-AJO/GPPR é explícito em “determinar desde já que os bens sejam retirados” pelo primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva por ordem do gabinete de Bolsonaro. O ex-presidente se mudou para os Estados Unidos no dia 30 de dezembro e não passou a faixa para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O ofício envolve diretamente Bolsonaro nas tratativas para reaver os diamantes. A ordem foi dirigida ao ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieria Gomes, que, no mesmo dia, determinou à Superintendência da Receita em São Paulo para que fosse acatada e, as joias, devolvidas.

No dia seguinte, um jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB) levou à Base Aérea de Guarulhos, em São Paulo, o primeiro-sargento Jairo Moreira da Silva, com a missão de resgatar as joias de diamantes, avaliadas em 3 milhões de euros, ou R$ 16,5 milhões.

Como revelou o Estadão, o presente dado pelo regime saudita foi apreendido, porque a comitiva tentou entrar de forma ilegal, com o item na mochila do assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, em 26 de outubro de 2021. Antes de recorrer ao comando da Receita, o governo Bolsonaro também já tinha acionado o Ministério de Minas e Energia e o Itamaraty.

As pressões sobre a Receita até a demissão de Tostes

1) A entrada ilegal das joias - nada a declarar

No dia 26 de outubro de 2021, o então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e seu assessor Marcos André Soeiro desembarcaram no Aeroporto de Guarulhos do voo 773, proveniente da Arábia Saudita. O assessor trazia na mochila o estojo com as joias (um colar, um par de brincos, um anel e um relógio) para o casal Bolsonaro, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

Ele fez a primeira tentativa de entrar com as joias ilegalmente no País. O militar optou pela saída “nada a declarar” para deixar a área do aeroporto sem registrar a posse dos bens estimados em R$ 16,5 milhões, infringindo a legislação. A manobra foi frustrada. Os servidores da Receita pediram para conferir a bagagem logo que ele passou pelo raio-X. Com a descoberta, os diamantes foram apreendidos.

2) A carteirada

O ministro e o servidor estavam representando o governo brasileiro na reunião de cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”, realizada na capital daquele país.

Com a apreensão das joias, o ministro volta para a área restrita do aeroporto, mesmo após ter passado pela alfândega, o que geralmente não é permitido, e faz a segunda tentativa de entrar com as joias no País. Ele alegou que era um presente para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O ex-ministro repetiu a mesma versão ao Estadão, acrescentando que o relógio era para o ex-presidente, em entrevista na sexta-feira, 03.

No ato de apreensão, foi dada ao almirante a opção de declarar que se tratava de um presente de um governo para outro, mas o ministro não aceitou. Se o fizesse, as joias seriam tratadas como propriedade do Estado brasileiro e, seguindo os trâmites burocráticos, poderiam ser liberadas.

3) A pressão sobre a Receita 1

O Ministério das Relações Exteriores é acionado pelo presidente Bolsonaro e pede, no dia 03 de novembro de 2021, à Receita, para que tome “providências necessárias para liberação dos bens retidos”. Neste momento, após reiteradas negativas da Receita, o governo começa a mudar a versão e dizer que as joias eram para o acervo, sem especificar qual.

“Considerando a condição específica do Ministro —representante do Senhor Presidente da República; a inviabilidade de recusa ou devolução imediata de presentes em razão das circunstâncias correntes; e os valores histórico, cultural e artístico dos bens ofertados; faz-se necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”, diz o ofício do Itamaraty ao qual o Estadão teve acesso.

Em resposta, a Receita volta a informar que só seria possível fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe nestes casos, com quitação da multa e do imposto devidos.

4) A pressão sobre a Receita 2

No mesmo dia 03 de novembro de 2021, o gabinete do então ministro Bento Albuquerque reforça a pressão sobre a Receita em mais uma tentativa para conseguir colocar as mãos nas joias e entregá-las a Bolsonaro.

Em ofício, pede “liberação e decorrente destinação legal adequada de presentes retidos por esse Órgão”. Em combinação com o Itamaraty, o ex-ministro também passa a usar que a versão que a destinação seria para o acervo, novamente, sem dizer para o qual. A Receita mantém a apreensão.

BRASÍLIA - Trinta e sete dias após integrantes do governo Bolsonaro tentarem entrar ilegalmente no País com um conjunto de joias presenteado pelo regime da Arábia Saudita para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro, sem declarar na alfândega, o secretário da Receita Federal à época, José Tostes, perdeu o cargo.

Antes da queda de Tostes, quatro tentativas já tinham ocorrido para tentar entrar com as joias no País. O primeiro ato foi a decisão da comitiva do então ministro de Minas e Energia (MME) Bento Albuquerque de entrar com as joias sem declará-las. Depois, o próprio Albuquerque voltou à área restrita e tentou levar os pacotes, informando que se tratava de presentes para Michelle Bolsonaro. O terceiro ato foi o envio de um ofício do MME ao Ministério de Relações Exteriores (MRE), em 3 de novembro daquele ano, solicitando ajuda. O MRE, por sua vez, pediu informações para saber que providências tomar para liberar as joias.

No lugar de Tostes, o presidente Jair Bolsonaro colocou o auditor fiscal de carreira e especialista em direito tributário Julio Cesar Vieira Gomes, nomeado cinco dias depois para chefiar a Receita. Julio Cesar era pessoa próxima da família Bolsonaro. O decreto de nomeação assinado por Bolsonaro seria publicado no dia 7 de dezembro de 2021. A escolha, porém, já era conhecida anteriormente.

Joias apreendidas em 2021; itens no valor de R$ 16,5 milhões foram presente do regime saudita para o casal Bolsonaro. Foto: Estadão

No dia 3 de dezembro, a informação da troca de comando da Receita foi vazada pela imprensa, no bojo de uma “grande reestruturação” nas secretarias do Ministério da Economia, com a criação de uma Secretaria Especial de Estudos Econômicos e troca de secretários. A estratégia, na prática, era a de esvaziar o impacto da demissão de José Tostes com a notícia de mudanças importantes na equipe do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Tostes, que já era servidor aposentado da Receita quando comandava o órgão, era bem avaliado pela área técnica em geral.

Guedes demitiu Tostes, que estava em atrito com a família Bolsonaro, também por conta da nomeação em torno de indicação do corregedor da Receita, um posto que interessava. Tostes foi avisado no dia anterior a esse vazamento de que o presidente queria o seu cargo. No Diário Oficial, a exoneração de Tostes por Bolsonaro foi publicada com a informação de que teria sido “a pedido”.

À frente da Receita, Tostes sempre esteve sob pressão da família do ex-presidente Bolsonaro, em razão das investigações da denúncia da prática de “rachadinha” na Assembleia do Rio de Janeiro contra o seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro.

Guedes acenou para José Tostes com a possibilidade de um cargo na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, e anunciou a criação de outros dois cargos de adido da Receita na Índia e em Bruxelas. O fato, porém, é que Tostes não chegou a assumir o cargo em Paris.

Procurados pela reportagem, Tostes e Guedes não responderam ao pedido de entrevista. Como revelou o Estadão, o novo chefe da Receita escolhido por Bolsonaro, o auditor fiscal Julio Cesar, atuou para que os fiscais do órgão liberassem as joias apreendidas naquele 26 de outubro de 2021. Julio Cesar faria diversas tentativas, sem sucesso. Em 30 de dezembro de 2022, a um dia de acabar o mandato de Bolsonaro, ele foi indicado pelo presidente para assumir um cargo na Embaixada brasileira em Paris, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reverteu a nomeação no início do governo Lula.

O ofício encaminhado para resgatar as joias apreendidas pela Receita diz que “os bens foram ofertados ao presidente da República pelo reino da Arábia Saudita”. O documento obtido pelo Estadão foi enviado no fim do dia 28 de dezembro de 2022, restando três dias para o fim da gestão Bolsonaro, e é assinado pelo tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens e “faz-tudo” de Bolsonaro.

O documento 736/2022/GPPR-AJO/GPPR é explícito em “determinar desde já que os bens sejam retirados” pelo primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva por ordem do gabinete de Bolsonaro. O ex-presidente se mudou para os Estados Unidos no dia 30 de dezembro e não passou a faixa para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O ofício envolve diretamente Bolsonaro nas tratativas para reaver os diamantes. A ordem foi dirigida ao ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieria Gomes, que, no mesmo dia, determinou à Superintendência da Receita em São Paulo para que fosse acatada e, as joias, devolvidas.

No dia seguinte, um jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB) levou à Base Aérea de Guarulhos, em São Paulo, o primeiro-sargento Jairo Moreira da Silva, com a missão de resgatar as joias de diamantes, avaliadas em 3 milhões de euros, ou R$ 16,5 milhões.

Como revelou o Estadão, o presente dado pelo regime saudita foi apreendido, porque a comitiva tentou entrar de forma ilegal, com o item na mochila do assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, em 26 de outubro de 2021. Antes de recorrer ao comando da Receita, o governo Bolsonaro também já tinha acionado o Ministério de Minas e Energia e o Itamaraty.

As pressões sobre a Receita até a demissão de Tostes

1) A entrada ilegal das joias - nada a declarar

No dia 26 de outubro de 2021, o então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e seu assessor Marcos André Soeiro desembarcaram no Aeroporto de Guarulhos do voo 773, proveniente da Arábia Saudita. O assessor trazia na mochila o estojo com as joias (um colar, um par de brincos, um anel e um relógio) para o casal Bolsonaro, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

Ele fez a primeira tentativa de entrar com as joias ilegalmente no País. O militar optou pela saída “nada a declarar” para deixar a área do aeroporto sem registrar a posse dos bens estimados em R$ 16,5 milhões, infringindo a legislação. A manobra foi frustrada. Os servidores da Receita pediram para conferir a bagagem logo que ele passou pelo raio-X. Com a descoberta, os diamantes foram apreendidos.

2) A carteirada

O ministro e o servidor estavam representando o governo brasileiro na reunião de cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”, realizada na capital daquele país.

Com a apreensão das joias, o ministro volta para a área restrita do aeroporto, mesmo após ter passado pela alfândega, o que geralmente não é permitido, e faz a segunda tentativa de entrar com as joias no País. Ele alegou que era um presente para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O ex-ministro repetiu a mesma versão ao Estadão, acrescentando que o relógio era para o ex-presidente, em entrevista na sexta-feira, 03.

No ato de apreensão, foi dada ao almirante a opção de declarar que se tratava de um presente de um governo para outro, mas o ministro não aceitou. Se o fizesse, as joias seriam tratadas como propriedade do Estado brasileiro e, seguindo os trâmites burocráticos, poderiam ser liberadas.

3) A pressão sobre a Receita 1

O Ministério das Relações Exteriores é acionado pelo presidente Bolsonaro e pede, no dia 03 de novembro de 2021, à Receita, para que tome “providências necessárias para liberação dos bens retidos”. Neste momento, após reiteradas negativas da Receita, o governo começa a mudar a versão e dizer que as joias eram para o acervo, sem especificar qual.

“Considerando a condição específica do Ministro —representante do Senhor Presidente da República; a inviabilidade de recusa ou devolução imediata de presentes em razão das circunstâncias correntes; e os valores histórico, cultural e artístico dos bens ofertados; faz-se necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”, diz o ofício do Itamaraty ao qual o Estadão teve acesso.

Em resposta, a Receita volta a informar que só seria possível fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe nestes casos, com quitação da multa e do imposto devidos.

4) A pressão sobre a Receita 2

No mesmo dia 03 de novembro de 2021, o gabinete do então ministro Bento Albuquerque reforça a pressão sobre a Receita em mais uma tentativa para conseguir colocar as mãos nas joias e entregá-las a Bolsonaro.

Em ofício, pede “liberação e decorrente destinação legal adequada de presentes retidos por esse Órgão”. Em combinação com o Itamaraty, o ex-ministro também passa a usar que a versão que a destinação seria para o acervo, novamente, sem dizer para o qual. A Receita mantém a apreensão.

BRASÍLIA - Trinta e sete dias após integrantes do governo Bolsonaro tentarem entrar ilegalmente no País com um conjunto de joias presenteado pelo regime da Arábia Saudita para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro, sem declarar na alfândega, o secretário da Receita Federal à época, José Tostes, perdeu o cargo.

Antes da queda de Tostes, quatro tentativas já tinham ocorrido para tentar entrar com as joias no País. O primeiro ato foi a decisão da comitiva do então ministro de Minas e Energia (MME) Bento Albuquerque de entrar com as joias sem declará-las. Depois, o próprio Albuquerque voltou à área restrita e tentou levar os pacotes, informando que se tratava de presentes para Michelle Bolsonaro. O terceiro ato foi o envio de um ofício do MME ao Ministério de Relações Exteriores (MRE), em 3 de novembro daquele ano, solicitando ajuda. O MRE, por sua vez, pediu informações para saber que providências tomar para liberar as joias.

No lugar de Tostes, o presidente Jair Bolsonaro colocou o auditor fiscal de carreira e especialista em direito tributário Julio Cesar Vieira Gomes, nomeado cinco dias depois para chefiar a Receita. Julio Cesar era pessoa próxima da família Bolsonaro. O decreto de nomeação assinado por Bolsonaro seria publicado no dia 7 de dezembro de 2021. A escolha, porém, já era conhecida anteriormente.

Joias apreendidas em 2021; itens no valor de R$ 16,5 milhões foram presente do regime saudita para o casal Bolsonaro. Foto: Estadão

No dia 3 de dezembro, a informação da troca de comando da Receita foi vazada pela imprensa, no bojo de uma “grande reestruturação” nas secretarias do Ministério da Economia, com a criação de uma Secretaria Especial de Estudos Econômicos e troca de secretários. A estratégia, na prática, era a de esvaziar o impacto da demissão de José Tostes com a notícia de mudanças importantes na equipe do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Tostes, que já era servidor aposentado da Receita quando comandava o órgão, era bem avaliado pela área técnica em geral.

Guedes demitiu Tostes, que estava em atrito com a família Bolsonaro, também por conta da nomeação em torno de indicação do corregedor da Receita, um posto que interessava. Tostes foi avisado no dia anterior a esse vazamento de que o presidente queria o seu cargo. No Diário Oficial, a exoneração de Tostes por Bolsonaro foi publicada com a informação de que teria sido “a pedido”.

À frente da Receita, Tostes sempre esteve sob pressão da família do ex-presidente Bolsonaro, em razão das investigações da denúncia da prática de “rachadinha” na Assembleia do Rio de Janeiro contra o seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro.

Guedes acenou para José Tostes com a possibilidade de um cargo na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, e anunciou a criação de outros dois cargos de adido da Receita na Índia e em Bruxelas. O fato, porém, é que Tostes não chegou a assumir o cargo em Paris.

Procurados pela reportagem, Tostes e Guedes não responderam ao pedido de entrevista. Como revelou o Estadão, o novo chefe da Receita escolhido por Bolsonaro, o auditor fiscal Julio Cesar, atuou para que os fiscais do órgão liberassem as joias apreendidas naquele 26 de outubro de 2021. Julio Cesar faria diversas tentativas, sem sucesso. Em 30 de dezembro de 2022, a um dia de acabar o mandato de Bolsonaro, ele foi indicado pelo presidente para assumir um cargo na Embaixada brasileira em Paris, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reverteu a nomeação no início do governo Lula.

O ofício encaminhado para resgatar as joias apreendidas pela Receita diz que “os bens foram ofertados ao presidente da República pelo reino da Arábia Saudita”. O documento obtido pelo Estadão foi enviado no fim do dia 28 de dezembro de 2022, restando três dias para o fim da gestão Bolsonaro, e é assinado pelo tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens e “faz-tudo” de Bolsonaro.

O documento 736/2022/GPPR-AJO/GPPR é explícito em “determinar desde já que os bens sejam retirados” pelo primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva por ordem do gabinete de Bolsonaro. O ex-presidente se mudou para os Estados Unidos no dia 30 de dezembro e não passou a faixa para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O ofício envolve diretamente Bolsonaro nas tratativas para reaver os diamantes. A ordem foi dirigida ao ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieria Gomes, que, no mesmo dia, determinou à Superintendência da Receita em São Paulo para que fosse acatada e, as joias, devolvidas.

No dia seguinte, um jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB) levou à Base Aérea de Guarulhos, em São Paulo, o primeiro-sargento Jairo Moreira da Silva, com a missão de resgatar as joias de diamantes, avaliadas em 3 milhões de euros, ou R$ 16,5 milhões.

Como revelou o Estadão, o presente dado pelo regime saudita foi apreendido, porque a comitiva tentou entrar de forma ilegal, com o item na mochila do assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, em 26 de outubro de 2021. Antes de recorrer ao comando da Receita, o governo Bolsonaro também já tinha acionado o Ministério de Minas e Energia e o Itamaraty.

As pressões sobre a Receita até a demissão de Tostes

1) A entrada ilegal das joias - nada a declarar

No dia 26 de outubro de 2021, o então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e seu assessor Marcos André Soeiro desembarcaram no Aeroporto de Guarulhos do voo 773, proveniente da Arábia Saudita. O assessor trazia na mochila o estojo com as joias (um colar, um par de brincos, um anel e um relógio) para o casal Bolsonaro, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

Ele fez a primeira tentativa de entrar com as joias ilegalmente no País. O militar optou pela saída “nada a declarar” para deixar a área do aeroporto sem registrar a posse dos bens estimados em R$ 16,5 milhões, infringindo a legislação. A manobra foi frustrada. Os servidores da Receita pediram para conferir a bagagem logo que ele passou pelo raio-X. Com a descoberta, os diamantes foram apreendidos.

2) A carteirada

O ministro e o servidor estavam representando o governo brasileiro na reunião de cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”, realizada na capital daquele país.

Com a apreensão das joias, o ministro volta para a área restrita do aeroporto, mesmo após ter passado pela alfândega, o que geralmente não é permitido, e faz a segunda tentativa de entrar com as joias no País. Ele alegou que era um presente para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O ex-ministro repetiu a mesma versão ao Estadão, acrescentando que o relógio era para o ex-presidente, em entrevista na sexta-feira, 03.

No ato de apreensão, foi dada ao almirante a opção de declarar que se tratava de um presente de um governo para outro, mas o ministro não aceitou. Se o fizesse, as joias seriam tratadas como propriedade do Estado brasileiro e, seguindo os trâmites burocráticos, poderiam ser liberadas.

3) A pressão sobre a Receita 1

O Ministério das Relações Exteriores é acionado pelo presidente Bolsonaro e pede, no dia 03 de novembro de 2021, à Receita, para que tome “providências necessárias para liberação dos bens retidos”. Neste momento, após reiteradas negativas da Receita, o governo começa a mudar a versão e dizer que as joias eram para o acervo, sem especificar qual.

“Considerando a condição específica do Ministro —representante do Senhor Presidente da República; a inviabilidade de recusa ou devolução imediata de presentes em razão das circunstâncias correntes; e os valores histórico, cultural e artístico dos bens ofertados; faz-se necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”, diz o ofício do Itamaraty ao qual o Estadão teve acesso.

Em resposta, a Receita volta a informar que só seria possível fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe nestes casos, com quitação da multa e do imposto devidos.

4) A pressão sobre a Receita 2

No mesmo dia 03 de novembro de 2021, o gabinete do então ministro Bento Albuquerque reforça a pressão sobre a Receita em mais uma tentativa para conseguir colocar as mãos nas joias e entregá-las a Bolsonaro.

Em ofício, pede “liberação e decorrente destinação legal adequada de presentes retidos por esse Órgão”. Em combinação com o Itamaraty, o ex-ministro também passa a usar que a versão que a destinação seria para o acervo, novamente, sem dizer para o qual. A Receita mantém a apreensão.

BRASÍLIA - Trinta e sete dias após integrantes do governo Bolsonaro tentarem entrar ilegalmente no País com um conjunto de joias presenteado pelo regime da Arábia Saudita para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro, sem declarar na alfândega, o secretário da Receita Federal à época, José Tostes, perdeu o cargo.

Antes da queda de Tostes, quatro tentativas já tinham ocorrido para tentar entrar com as joias no País. O primeiro ato foi a decisão da comitiva do então ministro de Minas e Energia (MME) Bento Albuquerque de entrar com as joias sem declará-las. Depois, o próprio Albuquerque voltou à área restrita e tentou levar os pacotes, informando que se tratava de presentes para Michelle Bolsonaro. O terceiro ato foi o envio de um ofício do MME ao Ministério de Relações Exteriores (MRE), em 3 de novembro daquele ano, solicitando ajuda. O MRE, por sua vez, pediu informações para saber que providências tomar para liberar as joias.

No lugar de Tostes, o presidente Jair Bolsonaro colocou o auditor fiscal de carreira e especialista em direito tributário Julio Cesar Vieira Gomes, nomeado cinco dias depois para chefiar a Receita. Julio Cesar era pessoa próxima da família Bolsonaro. O decreto de nomeação assinado por Bolsonaro seria publicado no dia 7 de dezembro de 2021. A escolha, porém, já era conhecida anteriormente.

Joias apreendidas em 2021; itens no valor de R$ 16,5 milhões foram presente do regime saudita para o casal Bolsonaro. Foto: Estadão

No dia 3 de dezembro, a informação da troca de comando da Receita foi vazada pela imprensa, no bojo de uma “grande reestruturação” nas secretarias do Ministério da Economia, com a criação de uma Secretaria Especial de Estudos Econômicos e troca de secretários. A estratégia, na prática, era a de esvaziar o impacto da demissão de José Tostes com a notícia de mudanças importantes na equipe do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Tostes, que já era servidor aposentado da Receita quando comandava o órgão, era bem avaliado pela área técnica em geral.

Guedes demitiu Tostes, que estava em atrito com a família Bolsonaro, também por conta da nomeação em torno de indicação do corregedor da Receita, um posto que interessava. Tostes foi avisado no dia anterior a esse vazamento de que o presidente queria o seu cargo. No Diário Oficial, a exoneração de Tostes por Bolsonaro foi publicada com a informação de que teria sido “a pedido”.

À frente da Receita, Tostes sempre esteve sob pressão da família do ex-presidente Bolsonaro, em razão das investigações da denúncia da prática de “rachadinha” na Assembleia do Rio de Janeiro contra o seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro.

Guedes acenou para José Tostes com a possibilidade de um cargo na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, e anunciou a criação de outros dois cargos de adido da Receita na Índia e em Bruxelas. O fato, porém, é que Tostes não chegou a assumir o cargo em Paris.

Procurados pela reportagem, Tostes e Guedes não responderam ao pedido de entrevista. Como revelou o Estadão, o novo chefe da Receita escolhido por Bolsonaro, o auditor fiscal Julio Cesar, atuou para que os fiscais do órgão liberassem as joias apreendidas naquele 26 de outubro de 2021. Julio Cesar faria diversas tentativas, sem sucesso. Em 30 de dezembro de 2022, a um dia de acabar o mandato de Bolsonaro, ele foi indicado pelo presidente para assumir um cargo na Embaixada brasileira em Paris, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reverteu a nomeação no início do governo Lula.

O ofício encaminhado para resgatar as joias apreendidas pela Receita diz que “os bens foram ofertados ao presidente da República pelo reino da Arábia Saudita”. O documento obtido pelo Estadão foi enviado no fim do dia 28 de dezembro de 2022, restando três dias para o fim da gestão Bolsonaro, e é assinado pelo tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens e “faz-tudo” de Bolsonaro.

O documento 736/2022/GPPR-AJO/GPPR é explícito em “determinar desde já que os bens sejam retirados” pelo primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva por ordem do gabinete de Bolsonaro. O ex-presidente se mudou para os Estados Unidos no dia 30 de dezembro e não passou a faixa para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O ofício envolve diretamente Bolsonaro nas tratativas para reaver os diamantes. A ordem foi dirigida ao ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieria Gomes, que, no mesmo dia, determinou à Superintendência da Receita em São Paulo para que fosse acatada e, as joias, devolvidas.

No dia seguinte, um jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB) levou à Base Aérea de Guarulhos, em São Paulo, o primeiro-sargento Jairo Moreira da Silva, com a missão de resgatar as joias de diamantes, avaliadas em 3 milhões de euros, ou R$ 16,5 milhões.

Como revelou o Estadão, o presente dado pelo regime saudita foi apreendido, porque a comitiva tentou entrar de forma ilegal, com o item na mochila do assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, em 26 de outubro de 2021. Antes de recorrer ao comando da Receita, o governo Bolsonaro também já tinha acionado o Ministério de Minas e Energia e o Itamaraty.

As pressões sobre a Receita até a demissão de Tostes

1) A entrada ilegal das joias - nada a declarar

No dia 26 de outubro de 2021, o então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e seu assessor Marcos André Soeiro desembarcaram no Aeroporto de Guarulhos do voo 773, proveniente da Arábia Saudita. O assessor trazia na mochila o estojo com as joias (um colar, um par de brincos, um anel e um relógio) para o casal Bolsonaro, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

Ele fez a primeira tentativa de entrar com as joias ilegalmente no País. O militar optou pela saída “nada a declarar” para deixar a área do aeroporto sem registrar a posse dos bens estimados em R$ 16,5 milhões, infringindo a legislação. A manobra foi frustrada. Os servidores da Receita pediram para conferir a bagagem logo que ele passou pelo raio-X. Com a descoberta, os diamantes foram apreendidos.

2) A carteirada

O ministro e o servidor estavam representando o governo brasileiro na reunião de cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”, realizada na capital daquele país.

Com a apreensão das joias, o ministro volta para a área restrita do aeroporto, mesmo após ter passado pela alfândega, o que geralmente não é permitido, e faz a segunda tentativa de entrar com as joias no País. Ele alegou que era um presente para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O ex-ministro repetiu a mesma versão ao Estadão, acrescentando que o relógio era para o ex-presidente, em entrevista na sexta-feira, 03.

No ato de apreensão, foi dada ao almirante a opção de declarar que se tratava de um presente de um governo para outro, mas o ministro não aceitou. Se o fizesse, as joias seriam tratadas como propriedade do Estado brasileiro e, seguindo os trâmites burocráticos, poderiam ser liberadas.

3) A pressão sobre a Receita 1

O Ministério das Relações Exteriores é acionado pelo presidente Bolsonaro e pede, no dia 03 de novembro de 2021, à Receita, para que tome “providências necessárias para liberação dos bens retidos”. Neste momento, após reiteradas negativas da Receita, o governo começa a mudar a versão e dizer que as joias eram para o acervo, sem especificar qual.

“Considerando a condição específica do Ministro —representante do Senhor Presidente da República; a inviabilidade de recusa ou devolução imediata de presentes em razão das circunstâncias correntes; e os valores histórico, cultural e artístico dos bens ofertados; faz-se necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”, diz o ofício do Itamaraty ao qual o Estadão teve acesso.

Em resposta, a Receita volta a informar que só seria possível fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe nestes casos, com quitação da multa e do imposto devidos.

4) A pressão sobre a Receita 2

No mesmo dia 03 de novembro de 2021, o gabinete do então ministro Bento Albuquerque reforça a pressão sobre a Receita em mais uma tentativa para conseguir colocar as mãos nas joias e entregá-las a Bolsonaro.

Em ofício, pede “liberação e decorrente destinação legal adequada de presentes retidos por esse Órgão”. Em combinação com o Itamaraty, o ex-ministro também passa a usar que a versão que a destinação seria para o acervo, novamente, sem dizer para o qual. A Receita mantém a apreensão.

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