Empresário otimista, consumidor desconfiado. O descompasso entre as expectativas de um e de outro se explica pelo bolso. O empresariado diz que as condições de fazer negócio melhoraram e tendem a melhorar mais. Já o consumidor avalia que sua situação financeira é vermelha e não tem perspectiva de azular. Essa é a percepção da política econômica de Temer e Meirelles hoje.
A esperança do governo é que a contradição se resolva em breve. Não há garantia de solução do impasse, porém. Não em prazo suficiente para alavancar a candidatura do ministro à sucessão do presidente. Um dos motivos é que parte da justificativa do otimismo industrial é justamente a reforma trabalhista que ambos tanto se empenharam em aprovar.
A julgar pelos indicadores de percepção divulgados esta semana, as novas regras fizeram melhorar a expectativa de o trabalhador conseguir se ocupar. Mas ao custo de uma remuneração menor e de um trabalho mais precário. No fim do mês e das contas, a profundidade do seu bolso continua rasa como um pires. Sem aumentar a capacidade de consumo, a popularidade do governo não aumenta. Governo impopular, candidato inviável.
Até agora, os suspensórios do poder têm se mostrado frouxos demais para segurar a candidatura de Meirelles. Ainda há tempo de viabilizá-la? Cada vez menos. E o adiamento da votação da reforma da Previdência? Se atrapalha o otimismo empresarial, ao menos não enterra de vez a simpatia pelo ministro no meio dos aposentados. Entre a Bolsa e o bolso do consumidor, se aproxima a hora de Meirelles escolher se é ministro ou candidato.
Despedida. Foram oito anos, mais de mil textos, cerca de 500 colunas. Sem contar uma centena de vídeos, dezenas de infográficos e meia dúzia de podcasts. Definitivamente, o leitor sofreu. Muito mais do que poderia imaginar ao ler pela primeira vez esta Vox Publica. Já ali, em julho de 2010, pode ter estranhado a mania de usar números para analisar algo tão nebuloso quanto política.
Em O dilmômetro de Lula, narrava-se a história de como nasceu e cresceu a primeira candidatura presidencial de Dilma Rousseff. Não através de relatos quentes de bastidor, mas da fria quantificação das aparições nos discursos presidenciais do nome da escolhida pelo orador para sucedê-lo. Política é nuvem, muda a todo instante. Mais um motivo para medi-la com precisão.
As crescentes citações denunciavam a intenção de Lula de lançar à Presidência uma até então desconhecida. Para perceber a ascensão de Dilma bastava contar e comparar.
Contando e comparando detectou-se a bilionária “Farra do FIES”. A série de reportagens chamou atenção para um problema que mal se sabia que existia, mudou regras e acabou por levar um inesperado Prêmio Esso.
O mesmo princípio de privilegiar dados a declarações na investigação de poderosos propiciou outra série de reportagens. Os Panama Papers sacudiram governantes mundo a fora e mereceram um Pulitzer.
Outra parceria, com o Ibope, rendeu um panorama das mudanças na opinião pública brasileira ao longo da década. Traduzindo tabelas, procurando cruzamentos e caçando correlações conseguiu-se identificar tendências do eleitor e explicar seu comportamento durante cinco eleições (2018 já começou).
A esse conjunto de técnicas convencionou-se chamar de jornalismo de dados. Há satisfação em constatar que o que era raro ficou obrigatório. A abordagem anti-impressionista contagiou redações, invadiu currículos, virou norma.
Agradeço ao Estado por ter fraqueado o espaço que me permitiu participar dessa história. A partir de janeiro, sigo acompanhando-a desde outro endereço. Contando, comparando, recontando. Até a próxima.