Justiça aposentou 123 juízes de forma compulsória em 15 anos; gasto anual chega a R$ 59 mi


Primeiro juiz aposentado compulsoriamente pelo CNJ recebe em média R$ 32 mil por mês e embolsou cerca de R$ 107 mil em dezembro por causa de penduricalho e 13º, mas diz que aposentadoria é ‘castigo’

Por Weslley Galzo
Atualização:

BRASÍLIA - O ano era 2009. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tinha quatro anos de existência quando emitiu a primeira decisão que aposentou compulsoriamente um magistrado no País. O alvo da ação foi o ex-juiz Rivoldo Costa Sarmento Junior por determinar, na condição de plantonista, que a Eletrobras pagasse R$ 63 milhões a um portador de títulos públicos. O CNJ avaliou que a medida era injustificável. Passados 15 anos da sua punição, o aposentado recebe em média R$ 32 mil brutos por mês, com direito a décimo terceiro salário e até a um penduricalho que elevou para R$ 107 mil os seus vencimentos no mês de dezembro do ano passado. O ex-juiz diz que a sua aposentadoria compulsória “foi um castigo”.

Rivoldo recebeu no último mês de dezembro R$ 70 mil a título de Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), um penduricalho que premia juízes e promotores por terem ingressado na carreira numa época específica. Como mostrou o Estadão, esse benefício foi criado por lei, em 1992, com o objetivo de equiparar as remunerações de autoridades dos Três Poderes.

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foto: Luiz Silveira/Ag. CNJ
continua após a publicidade

“É difícil aquilatar se esse instituto (aposentadoria compulsória) é benéfico ou maléfico, porque o que se procura preservar é a segurança jurisdicional dos juízes. Quanto ao meu caso, para mim foi um castigo porque não foi comprovada nenhuma irregularidade na minha conduta. A aposentadoria não foi benéfica. Foi um castigo”, disse Rivoldo ao Estadão. “Há um movimento muito grande de política dentro dos tribunais, então eu preferi me confortar com a aposentadoria e seguir a vida”, completou o ex-juiz.

O ex-juiz Rivoldo Costa Sarmento Junior. Ele foi o primeiro magistrado punido com aposentadoria compulsória pelo CNJ. Foto: @Rivoldo Costa Sarmento Junior via Facebook

Assim como Rivoldo, outros 122 juízes foram aposentados compulsoriamente pelo CNJ ou por seus respectivos tribunais, desde 2006. Levantamento realizado pelo Estadão mostra que apenas o Conselho foi responsável pelo afastamento de 88 magistrados. Outros 35 tiveram punição definida por tribunais regionais ou estaduais.

continua após a publicidade

A reportagem procurou os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), os 27 tribunais estaduais e do Distrito Federal (TJs), os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os três Tribunais de Justiça Militar (TJMs), pois também podem impor sanções a seus membros por meio de processos administrativos disciplinares (PADs). Apenas 16 das 60 Cortes demandadas retornaram com informações dentro do prazo estabelecido para a apuração.

As causas de aposentadoria vão desde emitir posicionamento político em período eleitoral a praticar assédio sexual, como ocorreu com um juiz do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que fez investidas contra ao menos quatro jovens que trabalhavam em empresas terceirizadas. Há ainda casos de corrupção passiva, como o ocorrido com um juiz da cidade de Nossa Senhora de Nazaré (PI), que cobrou quantias em dinheiro à prefeita do município para dar decisões. Em 2023, houve um salto no número de magistrados aposentados pelo CNJ. Foram 13, diante de apenas dois no ano anterior e quatro em 2021.

continua após a publicidade

Um dos casos, como mostrou o Estadão, foi do juiz Guilherme da Rocha Zambrano, substituto na 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Ele foi condenado à aposentadoria compulsória por comprar cinco carros de luxo em leilões. A avaliação foi a de que o magistrado incorreu em atos de comércio, com a participação ‘sistemática’ em leilões de automóveis e a constituição de uma sociedade comercial, em violação à Lei Orgânica da Magistratura. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou sob a alegação de que não pode comentar um processo pendente de julgamento e recomendou a leitura da sua defesa. Nos autos, o juiz negou irregularidades

Um magistrado brasileiro recebe em média R$ 37,2 mil, segundo painel de remuneração do Conselho Nacional de Justiça. Na Justiça Federal, por exemplo, a média salarial em março deste ano ficou em R$ 38,2 mil, enquanto na esfera estadual o vencimento básico médio chega a R$ 36,3 mil. Essas cifras fazem com que o gasto anual do Poder Judiciário com os 123 juízes e desembargados aposentados compulsoriamente equivalha a cerca de R$ 59 milhões. O montante pode ser ainda maior, já que o cálculo da aposentadoria forçada é feito sobre o tempo de contribuição e há casos de juízes que continuam recebendo “penduricalhos” como o primeiro punido pelo CNJ.

continua após a publicidade

A aposentadoria compulsória é a pena mais “dura” que um magistrado pode sofrer. Quando este tipo de sanção é imposta, o condenado para de trabalhar, mas continua a receber salário proporcional pelo tempo de contribuição.

O argumento jurídico que sustenta essa prática é o de que os juízes, promotores e militares precisam de autonomia para exercer a função e, portanto, não podem agir com medo de serem penalizados com a perda da remuneração. Há ainda outras formas de punição, como censura, advertência e remoção compulsória (mudança de fórum ou comarca). A única forma de um juiz deixar de receber salário é em caso de condenação criminal.

“Determinadas carreiras recebem ou merecem receber prerrogativas para o exercício da função, mas isso acaba mal casando com uma tradição brasileira que eu chamo de ‘corporações de ofício’, que se protegem e procuram transformar prerrogativas em privilégios. Prerrogativas são questões constitucionalmente justificáveis e explicáveis. Privilégios, não”, afirma o professor de direito administrativo Álvaro Jorge, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A aposentadoria compulsória me parece que não está no âmbito de uma prerrogativa justificável, mas de um privilégio”, completou.

continua após a publicidade

Já a Associação Brasileira de Magistrados (AMB) avalia que a aposentadoria compulsória “não é um benefício do juiz, mas a contrapartida pelos pagamentos realizados ao regime de previdência ao longo do tempo de exercício da função”. Em nota à reportagem, a organização afirmou que, na “história recente do País”, magistrados foram aposentados compulsoriamente por discordarem do Poder vigente. De acordo com a AMB, “há, portanto, motivos históricos para a existência da aposentadoria compulsória com recebimento de proventos proporcionais”.

“Além disso, faz parte das prerrogativas da magistratura, que contribuem para a manutenção da independência judicial, pois garante aos magistrados e magistradas a prerrogativa de decidir com independência e imparcialidade, sem sofrer represálias, mesmo quando contrariam o poder vigente”, disse a AMB. “Como quaisquer cidadãos, juízes que cometem crimes graves devem responder perante o Poder Judiciário – e podem ser condenados, com a observância do devido processo legal”, finalizou.

Dino quer trocar aposentadoria compulsória por demissão sem salário de juiz, militar e promotor

continua após a publicidade

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em breve passagem no Senado em fevereiro, antes de assumir a vaga na Suprema Corte, apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para acabar com as aposentadorias compulsórias a juízes, promotores e militares que cometerem delitos graves. Ao invés disso, ele sugere a exclusão do serviço público.

“Não há razão para essa desigualdade de tratamento em relação aos demais servidores públicos que, por exemplo, praticam crimes como corrupção ou de gravidade similar”, disse Dino ao apresentar o projeto. “Considero que aposentadoria é um direito, não é uma sanção, não é uma punição. Muitas vezes, acaba funcionando como prêmio e há uma quebra de igualdade. Todos os outros servidores públicos, quando eventualmente cometem um delito, são punidos com a exclusão do serviço público”, destacou.

Em dissertação de mestrado, em 2001, no entanto, Dino se opôs à demissão para juízes por ato administrativo. “Com isso, revogar-se-ia uma das mais importantes garantias da independência da magistratura — isto é, a vitaliciedade — que se diferencia da mera estabilidade exatamente por implicar a vedação de demissão por ato administrativo”, escreveu Dino.

A PEC apresentado por Dino enquanto era senador reuniu o número de assinaturas mínimas, mas está travada desde fevereiro na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado aguardando a designação de relator pelo presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

BRASÍLIA - O ano era 2009. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tinha quatro anos de existência quando emitiu a primeira decisão que aposentou compulsoriamente um magistrado no País. O alvo da ação foi o ex-juiz Rivoldo Costa Sarmento Junior por determinar, na condição de plantonista, que a Eletrobras pagasse R$ 63 milhões a um portador de títulos públicos. O CNJ avaliou que a medida era injustificável. Passados 15 anos da sua punição, o aposentado recebe em média R$ 32 mil brutos por mês, com direito a décimo terceiro salário e até a um penduricalho que elevou para R$ 107 mil os seus vencimentos no mês de dezembro do ano passado. O ex-juiz diz que a sua aposentadoria compulsória “foi um castigo”.

Rivoldo recebeu no último mês de dezembro R$ 70 mil a título de Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), um penduricalho que premia juízes e promotores por terem ingressado na carreira numa época específica. Como mostrou o Estadão, esse benefício foi criado por lei, em 1992, com o objetivo de equiparar as remunerações de autoridades dos Três Poderes.

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foto: Luiz Silveira/Ag. CNJ

“É difícil aquilatar se esse instituto (aposentadoria compulsória) é benéfico ou maléfico, porque o que se procura preservar é a segurança jurisdicional dos juízes. Quanto ao meu caso, para mim foi um castigo porque não foi comprovada nenhuma irregularidade na minha conduta. A aposentadoria não foi benéfica. Foi um castigo”, disse Rivoldo ao Estadão. “Há um movimento muito grande de política dentro dos tribunais, então eu preferi me confortar com a aposentadoria e seguir a vida”, completou o ex-juiz.

O ex-juiz Rivoldo Costa Sarmento Junior. Ele foi o primeiro magistrado punido com aposentadoria compulsória pelo CNJ. Foto: @Rivoldo Costa Sarmento Junior via Facebook

Assim como Rivoldo, outros 122 juízes foram aposentados compulsoriamente pelo CNJ ou por seus respectivos tribunais, desde 2006. Levantamento realizado pelo Estadão mostra que apenas o Conselho foi responsável pelo afastamento de 88 magistrados. Outros 35 tiveram punição definida por tribunais regionais ou estaduais.

A reportagem procurou os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), os 27 tribunais estaduais e do Distrito Federal (TJs), os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os três Tribunais de Justiça Militar (TJMs), pois também podem impor sanções a seus membros por meio de processos administrativos disciplinares (PADs). Apenas 16 das 60 Cortes demandadas retornaram com informações dentro do prazo estabelecido para a apuração.

As causas de aposentadoria vão desde emitir posicionamento político em período eleitoral a praticar assédio sexual, como ocorreu com um juiz do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que fez investidas contra ao menos quatro jovens que trabalhavam em empresas terceirizadas. Há ainda casos de corrupção passiva, como o ocorrido com um juiz da cidade de Nossa Senhora de Nazaré (PI), que cobrou quantias em dinheiro à prefeita do município para dar decisões. Em 2023, houve um salto no número de magistrados aposentados pelo CNJ. Foram 13, diante de apenas dois no ano anterior e quatro em 2021.

Um dos casos, como mostrou o Estadão, foi do juiz Guilherme da Rocha Zambrano, substituto na 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Ele foi condenado à aposentadoria compulsória por comprar cinco carros de luxo em leilões. A avaliação foi a de que o magistrado incorreu em atos de comércio, com a participação ‘sistemática’ em leilões de automóveis e a constituição de uma sociedade comercial, em violação à Lei Orgânica da Magistratura. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou sob a alegação de que não pode comentar um processo pendente de julgamento e recomendou a leitura da sua defesa. Nos autos, o juiz negou irregularidades

Um magistrado brasileiro recebe em média R$ 37,2 mil, segundo painel de remuneração do Conselho Nacional de Justiça. Na Justiça Federal, por exemplo, a média salarial em março deste ano ficou em R$ 38,2 mil, enquanto na esfera estadual o vencimento básico médio chega a R$ 36,3 mil. Essas cifras fazem com que o gasto anual do Poder Judiciário com os 123 juízes e desembargados aposentados compulsoriamente equivalha a cerca de R$ 59 milhões. O montante pode ser ainda maior, já que o cálculo da aposentadoria forçada é feito sobre o tempo de contribuição e há casos de juízes que continuam recebendo “penduricalhos” como o primeiro punido pelo CNJ.

A aposentadoria compulsória é a pena mais “dura” que um magistrado pode sofrer. Quando este tipo de sanção é imposta, o condenado para de trabalhar, mas continua a receber salário proporcional pelo tempo de contribuição.

O argumento jurídico que sustenta essa prática é o de que os juízes, promotores e militares precisam de autonomia para exercer a função e, portanto, não podem agir com medo de serem penalizados com a perda da remuneração. Há ainda outras formas de punição, como censura, advertência e remoção compulsória (mudança de fórum ou comarca). A única forma de um juiz deixar de receber salário é em caso de condenação criminal.

“Determinadas carreiras recebem ou merecem receber prerrogativas para o exercício da função, mas isso acaba mal casando com uma tradição brasileira que eu chamo de ‘corporações de ofício’, que se protegem e procuram transformar prerrogativas em privilégios. Prerrogativas são questões constitucionalmente justificáveis e explicáveis. Privilégios, não”, afirma o professor de direito administrativo Álvaro Jorge, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A aposentadoria compulsória me parece que não está no âmbito de uma prerrogativa justificável, mas de um privilégio”, completou.

Já a Associação Brasileira de Magistrados (AMB) avalia que a aposentadoria compulsória “não é um benefício do juiz, mas a contrapartida pelos pagamentos realizados ao regime de previdência ao longo do tempo de exercício da função”. Em nota à reportagem, a organização afirmou que, na “história recente do País”, magistrados foram aposentados compulsoriamente por discordarem do Poder vigente. De acordo com a AMB, “há, portanto, motivos históricos para a existência da aposentadoria compulsória com recebimento de proventos proporcionais”.

“Além disso, faz parte das prerrogativas da magistratura, que contribuem para a manutenção da independência judicial, pois garante aos magistrados e magistradas a prerrogativa de decidir com independência e imparcialidade, sem sofrer represálias, mesmo quando contrariam o poder vigente”, disse a AMB. “Como quaisquer cidadãos, juízes que cometem crimes graves devem responder perante o Poder Judiciário – e podem ser condenados, com a observância do devido processo legal”, finalizou.

Dino quer trocar aposentadoria compulsória por demissão sem salário de juiz, militar e promotor

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em breve passagem no Senado em fevereiro, antes de assumir a vaga na Suprema Corte, apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para acabar com as aposentadorias compulsórias a juízes, promotores e militares que cometerem delitos graves. Ao invés disso, ele sugere a exclusão do serviço público.

“Não há razão para essa desigualdade de tratamento em relação aos demais servidores públicos que, por exemplo, praticam crimes como corrupção ou de gravidade similar”, disse Dino ao apresentar o projeto. “Considero que aposentadoria é um direito, não é uma sanção, não é uma punição. Muitas vezes, acaba funcionando como prêmio e há uma quebra de igualdade. Todos os outros servidores públicos, quando eventualmente cometem um delito, são punidos com a exclusão do serviço público”, destacou.

Em dissertação de mestrado, em 2001, no entanto, Dino se opôs à demissão para juízes por ato administrativo. “Com isso, revogar-se-ia uma das mais importantes garantias da independência da magistratura — isto é, a vitaliciedade — que se diferencia da mera estabilidade exatamente por implicar a vedação de demissão por ato administrativo”, escreveu Dino.

A PEC apresentado por Dino enquanto era senador reuniu o número de assinaturas mínimas, mas está travada desde fevereiro na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado aguardando a designação de relator pelo presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

BRASÍLIA - O ano era 2009. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tinha quatro anos de existência quando emitiu a primeira decisão que aposentou compulsoriamente um magistrado no País. O alvo da ação foi o ex-juiz Rivoldo Costa Sarmento Junior por determinar, na condição de plantonista, que a Eletrobras pagasse R$ 63 milhões a um portador de títulos públicos. O CNJ avaliou que a medida era injustificável. Passados 15 anos da sua punição, o aposentado recebe em média R$ 32 mil brutos por mês, com direito a décimo terceiro salário e até a um penduricalho que elevou para R$ 107 mil os seus vencimentos no mês de dezembro do ano passado. O ex-juiz diz que a sua aposentadoria compulsória “foi um castigo”.

Rivoldo recebeu no último mês de dezembro R$ 70 mil a título de Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), um penduricalho que premia juízes e promotores por terem ingressado na carreira numa época específica. Como mostrou o Estadão, esse benefício foi criado por lei, em 1992, com o objetivo de equiparar as remunerações de autoridades dos Três Poderes.

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foto: Luiz Silveira/Ag. CNJ

“É difícil aquilatar se esse instituto (aposentadoria compulsória) é benéfico ou maléfico, porque o que se procura preservar é a segurança jurisdicional dos juízes. Quanto ao meu caso, para mim foi um castigo porque não foi comprovada nenhuma irregularidade na minha conduta. A aposentadoria não foi benéfica. Foi um castigo”, disse Rivoldo ao Estadão. “Há um movimento muito grande de política dentro dos tribunais, então eu preferi me confortar com a aposentadoria e seguir a vida”, completou o ex-juiz.

O ex-juiz Rivoldo Costa Sarmento Junior. Ele foi o primeiro magistrado punido com aposentadoria compulsória pelo CNJ. Foto: @Rivoldo Costa Sarmento Junior via Facebook

Assim como Rivoldo, outros 122 juízes foram aposentados compulsoriamente pelo CNJ ou por seus respectivos tribunais, desde 2006. Levantamento realizado pelo Estadão mostra que apenas o Conselho foi responsável pelo afastamento de 88 magistrados. Outros 35 tiveram punição definida por tribunais regionais ou estaduais.

A reportagem procurou os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), os 27 tribunais estaduais e do Distrito Federal (TJs), os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os três Tribunais de Justiça Militar (TJMs), pois também podem impor sanções a seus membros por meio de processos administrativos disciplinares (PADs). Apenas 16 das 60 Cortes demandadas retornaram com informações dentro do prazo estabelecido para a apuração.

As causas de aposentadoria vão desde emitir posicionamento político em período eleitoral a praticar assédio sexual, como ocorreu com um juiz do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que fez investidas contra ao menos quatro jovens que trabalhavam em empresas terceirizadas. Há ainda casos de corrupção passiva, como o ocorrido com um juiz da cidade de Nossa Senhora de Nazaré (PI), que cobrou quantias em dinheiro à prefeita do município para dar decisões. Em 2023, houve um salto no número de magistrados aposentados pelo CNJ. Foram 13, diante de apenas dois no ano anterior e quatro em 2021.

Um dos casos, como mostrou o Estadão, foi do juiz Guilherme da Rocha Zambrano, substituto na 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Ele foi condenado à aposentadoria compulsória por comprar cinco carros de luxo em leilões. A avaliação foi a de que o magistrado incorreu em atos de comércio, com a participação ‘sistemática’ em leilões de automóveis e a constituição de uma sociedade comercial, em violação à Lei Orgânica da Magistratura. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou sob a alegação de que não pode comentar um processo pendente de julgamento e recomendou a leitura da sua defesa. Nos autos, o juiz negou irregularidades

Um magistrado brasileiro recebe em média R$ 37,2 mil, segundo painel de remuneração do Conselho Nacional de Justiça. Na Justiça Federal, por exemplo, a média salarial em março deste ano ficou em R$ 38,2 mil, enquanto na esfera estadual o vencimento básico médio chega a R$ 36,3 mil. Essas cifras fazem com que o gasto anual do Poder Judiciário com os 123 juízes e desembargados aposentados compulsoriamente equivalha a cerca de R$ 59 milhões. O montante pode ser ainda maior, já que o cálculo da aposentadoria forçada é feito sobre o tempo de contribuição e há casos de juízes que continuam recebendo “penduricalhos” como o primeiro punido pelo CNJ.

A aposentadoria compulsória é a pena mais “dura” que um magistrado pode sofrer. Quando este tipo de sanção é imposta, o condenado para de trabalhar, mas continua a receber salário proporcional pelo tempo de contribuição.

O argumento jurídico que sustenta essa prática é o de que os juízes, promotores e militares precisam de autonomia para exercer a função e, portanto, não podem agir com medo de serem penalizados com a perda da remuneração. Há ainda outras formas de punição, como censura, advertência e remoção compulsória (mudança de fórum ou comarca). A única forma de um juiz deixar de receber salário é em caso de condenação criminal.

“Determinadas carreiras recebem ou merecem receber prerrogativas para o exercício da função, mas isso acaba mal casando com uma tradição brasileira que eu chamo de ‘corporações de ofício’, que se protegem e procuram transformar prerrogativas em privilégios. Prerrogativas são questões constitucionalmente justificáveis e explicáveis. Privilégios, não”, afirma o professor de direito administrativo Álvaro Jorge, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A aposentadoria compulsória me parece que não está no âmbito de uma prerrogativa justificável, mas de um privilégio”, completou.

Já a Associação Brasileira de Magistrados (AMB) avalia que a aposentadoria compulsória “não é um benefício do juiz, mas a contrapartida pelos pagamentos realizados ao regime de previdência ao longo do tempo de exercício da função”. Em nota à reportagem, a organização afirmou que, na “história recente do País”, magistrados foram aposentados compulsoriamente por discordarem do Poder vigente. De acordo com a AMB, “há, portanto, motivos históricos para a existência da aposentadoria compulsória com recebimento de proventos proporcionais”.

“Além disso, faz parte das prerrogativas da magistratura, que contribuem para a manutenção da independência judicial, pois garante aos magistrados e magistradas a prerrogativa de decidir com independência e imparcialidade, sem sofrer represálias, mesmo quando contrariam o poder vigente”, disse a AMB. “Como quaisquer cidadãos, juízes que cometem crimes graves devem responder perante o Poder Judiciário – e podem ser condenados, com a observância do devido processo legal”, finalizou.

Dino quer trocar aposentadoria compulsória por demissão sem salário de juiz, militar e promotor

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em breve passagem no Senado em fevereiro, antes de assumir a vaga na Suprema Corte, apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para acabar com as aposentadorias compulsórias a juízes, promotores e militares que cometerem delitos graves. Ao invés disso, ele sugere a exclusão do serviço público.

“Não há razão para essa desigualdade de tratamento em relação aos demais servidores públicos que, por exemplo, praticam crimes como corrupção ou de gravidade similar”, disse Dino ao apresentar o projeto. “Considero que aposentadoria é um direito, não é uma sanção, não é uma punição. Muitas vezes, acaba funcionando como prêmio e há uma quebra de igualdade. Todos os outros servidores públicos, quando eventualmente cometem um delito, são punidos com a exclusão do serviço público”, destacou.

Em dissertação de mestrado, em 2001, no entanto, Dino se opôs à demissão para juízes por ato administrativo. “Com isso, revogar-se-ia uma das mais importantes garantias da independência da magistratura — isto é, a vitaliciedade — que se diferencia da mera estabilidade exatamente por implicar a vedação de demissão por ato administrativo”, escreveu Dino.

A PEC apresentado por Dino enquanto era senador reuniu o número de assinaturas mínimas, mas está travada desde fevereiro na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado aguardando a designação de relator pelo presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

BRASÍLIA - O ano era 2009. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tinha quatro anos de existência quando emitiu a primeira decisão que aposentou compulsoriamente um magistrado no País. O alvo da ação foi o ex-juiz Rivoldo Costa Sarmento Junior por determinar, na condição de plantonista, que a Eletrobras pagasse R$ 63 milhões a um portador de títulos públicos. O CNJ avaliou que a medida era injustificável. Passados 15 anos da sua punição, o aposentado recebe em média R$ 32 mil brutos por mês, com direito a décimo terceiro salário e até a um penduricalho que elevou para R$ 107 mil os seus vencimentos no mês de dezembro do ano passado. O ex-juiz diz que a sua aposentadoria compulsória “foi um castigo”.

Rivoldo recebeu no último mês de dezembro R$ 70 mil a título de Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), um penduricalho que premia juízes e promotores por terem ingressado na carreira numa época específica. Como mostrou o Estadão, esse benefício foi criado por lei, em 1992, com o objetivo de equiparar as remunerações de autoridades dos Três Poderes.

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foto: Luiz Silveira/Ag. CNJ

“É difícil aquilatar se esse instituto (aposentadoria compulsória) é benéfico ou maléfico, porque o que se procura preservar é a segurança jurisdicional dos juízes. Quanto ao meu caso, para mim foi um castigo porque não foi comprovada nenhuma irregularidade na minha conduta. A aposentadoria não foi benéfica. Foi um castigo”, disse Rivoldo ao Estadão. “Há um movimento muito grande de política dentro dos tribunais, então eu preferi me confortar com a aposentadoria e seguir a vida”, completou o ex-juiz.

O ex-juiz Rivoldo Costa Sarmento Junior. Ele foi o primeiro magistrado punido com aposentadoria compulsória pelo CNJ. Foto: @Rivoldo Costa Sarmento Junior via Facebook

Assim como Rivoldo, outros 122 juízes foram aposentados compulsoriamente pelo CNJ ou por seus respectivos tribunais, desde 2006. Levantamento realizado pelo Estadão mostra que apenas o Conselho foi responsável pelo afastamento de 88 magistrados. Outros 35 tiveram punição definida por tribunais regionais ou estaduais.

A reportagem procurou os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), os 27 tribunais estaduais e do Distrito Federal (TJs), os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os três Tribunais de Justiça Militar (TJMs), pois também podem impor sanções a seus membros por meio de processos administrativos disciplinares (PADs). Apenas 16 das 60 Cortes demandadas retornaram com informações dentro do prazo estabelecido para a apuração.

As causas de aposentadoria vão desde emitir posicionamento político em período eleitoral a praticar assédio sexual, como ocorreu com um juiz do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que fez investidas contra ao menos quatro jovens que trabalhavam em empresas terceirizadas. Há ainda casos de corrupção passiva, como o ocorrido com um juiz da cidade de Nossa Senhora de Nazaré (PI), que cobrou quantias em dinheiro à prefeita do município para dar decisões. Em 2023, houve um salto no número de magistrados aposentados pelo CNJ. Foram 13, diante de apenas dois no ano anterior e quatro em 2021.

Um dos casos, como mostrou o Estadão, foi do juiz Guilherme da Rocha Zambrano, substituto na 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Ele foi condenado à aposentadoria compulsória por comprar cinco carros de luxo em leilões. A avaliação foi a de que o magistrado incorreu em atos de comércio, com a participação ‘sistemática’ em leilões de automóveis e a constituição de uma sociedade comercial, em violação à Lei Orgânica da Magistratura. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou sob a alegação de que não pode comentar um processo pendente de julgamento e recomendou a leitura da sua defesa. Nos autos, o juiz negou irregularidades

Um magistrado brasileiro recebe em média R$ 37,2 mil, segundo painel de remuneração do Conselho Nacional de Justiça. Na Justiça Federal, por exemplo, a média salarial em março deste ano ficou em R$ 38,2 mil, enquanto na esfera estadual o vencimento básico médio chega a R$ 36,3 mil. Essas cifras fazem com que o gasto anual do Poder Judiciário com os 123 juízes e desembargados aposentados compulsoriamente equivalha a cerca de R$ 59 milhões. O montante pode ser ainda maior, já que o cálculo da aposentadoria forçada é feito sobre o tempo de contribuição e há casos de juízes que continuam recebendo “penduricalhos” como o primeiro punido pelo CNJ.

A aposentadoria compulsória é a pena mais “dura” que um magistrado pode sofrer. Quando este tipo de sanção é imposta, o condenado para de trabalhar, mas continua a receber salário proporcional pelo tempo de contribuição.

O argumento jurídico que sustenta essa prática é o de que os juízes, promotores e militares precisam de autonomia para exercer a função e, portanto, não podem agir com medo de serem penalizados com a perda da remuneração. Há ainda outras formas de punição, como censura, advertência e remoção compulsória (mudança de fórum ou comarca). A única forma de um juiz deixar de receber salário é em caso de condenação criminal.

“Determinadas carreiras recebem ou merecem receber prerrogativas para o exercício da função, mas isso acaba mal casando com uma tradição brasileira que eu chamo de ‘corporações de ofício’, que se protegem e procuram transformar prerrogativas em privilégios. Prerrogativas são questões constitucionalmente justificáveis e explicáveis. Privilégios, não”, afirma o professor de direito administrativo Álvaro Jorge, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A aposentadoria compulsória me parece que não está no âmbito de uma prerrogativa justificável, mas de um privilégio”, completou.

Já a Associação Brasileira de Magistrados (AMB) avalia que a aposentadoria compulsória “não é um benefício do juiz, mas a contrapartida pelos pagamentos realizados ao regime de previdência ao longo do tempo de exercício da função”. Em nota à reportagem, a organização afirmou que, na “história recente do País”, magistrados foram aposentados compulsoriamente por discordarem do Poder vigente. De acordo com a AMB, “há, portanto, motivos históricos para a existência da aposentadoria compulsória com recebimento de proventos proporcionais”.

“Além disso, faz parte das prerrogativas da magistratura, que contribuem para a manutenção da independência judicial, pois garante aos magistrados e magistradas a prerrogativa de decidir com independência e imparcialidade, sem sofrer represálias, mesmo quando contrariam o poder vigente”, disse a AMB. “Como quaisquer cidadãos, juízes que cometem crimes graves devem responder perante o Poder Judiciário – e podem ser condenados, com a observância do devido processo legal”, finalizou.

Dino quer trocar aposentadoria compulsória por demissão sem salário de juiz, militar e promotor

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em breve passagem no Senado em fevereiro, antes de assumir a vaga na Suprema Corte, apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para acabar com as aposentadorias compulsórias a juízes, promotores e militares que cometerem delitos graves. Ao invés disso, ele sugere a exclusão do serviço público.

“Não há razão para essa desigualdade de tratamento em relação aos demais servidores públicos que, por exemplo, praticam crimes como corrupção ou de gravidade similar”, disse Dino ao apresentar o projeto. “Considero que aposentadoria é um direito, não é uma sanção, não é uma punição. Muitas vezes, acaba funcionando como prêmio e há uma quebra de igualdade. Todos os outros servidores públicos, quando eventualmente cometem um delito, são punidos com a exclusão do serviço público”, destacou.

Em dissertação de mestrado, em 2001, no entanto, Dino se opôs à demissão para juízes por ato administrativo. “Com isso, revogar-se-ia uma das mais importantes garantias da independência da magistratura — isto é, a vitaliciedade — que se diferencia da mera estabilidade exatamente por implicar a vedação de demissão por ato administrativo”, escreveu Dino.

A PEC apresentado por Dino enquanto era senador reuniu o número de assinaturas mínimas, mas está travada desde fevereiro na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado aguardando a designação de relator pelo presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

BRASÍLIA - O ano era 2009. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tinha quatro anos de existência quando emitiu a primeira decisão que aposentou compulsoriamente um magistrado no País. O alvo da ação foi o ex-juiz Rivoldo Costa Sarmento Junior por determinar, na condição de plantonista, que a Eletrobras pagasse R$ 63 milhões a um portador de títulos públicos. O CNJ avaliou que a medida era injustificável. Passados 15 anos da sua punição, o aposentado recebe em média R$ 32 mil brutos por mês, com direito a décimo terceiro salário e até a um penduricalho que elevou para R$ 107 mil os seus vencimentos no mês de dezembro do ano passado. O ex-juiz diz que a sua aposentadoria compulsória “foi um castigo”.

Rivoldo recebeu no último mês de dezembro R$ 70 mil a título de Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), um penduricalho que premia juízes e promotores por terem ingressado na carreira numa época específica. Como mostrou o Estadão, esse benefício foi criado por lei, em 1992, com o objetivo de equiparar as remunerações de autoridades dos Três Poderes.

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foto: Luiz Silveira/Ag. CNJ

“É difícil aquilatar se esse instituto (aposentadoria compulsória) é benéfico ou maléfico, porque o que se procura preservar é a segurança jurisdicional dos juízes. Quanto ao meu caso, para mim foi um castigo porque não foi comprovada nenhuma irregularidade na minha conduta. A aposentadoria não foi benéfica. Foi um castigo”, disse Rivoldo ao Estadão. “Há um movimento muito grande de política dentro dos tribunais, então eu preferi me confortar com a aposentadoria e seguir a vida”, completou o ex-juiz.

O ex-juiz Rivoldo Costa Sarmento Junior. Ele foi o primeiro magistrado punido com aposentadoria compulsória pelo CNJ. Foto: @Rivoldo Costa Sarmento Junior via Facebook

Assim como Rivoldo, outros 122 juízes foram aposentados compulsoriamente pelo CNJ ou por seus respectivos tribunais, desde 2006. Levantamento realizado pelo Estadão mostra que apenas o Conselho foi responsável pelo afastamento de 88 magistrados. Outros 35 tiveram punição definida por tribunais regionais ou estaduais.

A reportagem procurou os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), os 27 tribunais estaduais e do Distrito Federal (TJs), os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os três Tribunais de Justiça Militar (TJMs), pois também podem impor sanções a seus membros por meio de processos administrativos disciplinares (PADs). Apenas 16 das 60 Cortes demandadas retornaram com informações dentro do prazo estabelecido para a apuração.

As causas de aposentadoria vão desde emitir posicionamento político em período eleitoral a praticar assédio sexual, como ocorreu com um juiz do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que fez investidas contra ao menos quatro jovens que trabalhavam em empresas terceirizadas. Há ainda casos de corrupção passiva, como o ocorrido com um juiz da cidade de Nossa Senhora de Nazaré (PI), que cobrou quantias em dinheiro à prefeita do município para dar decisões. Em 2023, houve um salto no número de magistrados aposentados pelo CNJ. Foram 13, diante de apenas dois no ano anterior e quatro em 2021.

Um dos casos, como mostrou o Estadão, foi do juiz Guilherme da Rocha Zambrano, substituto na 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Ele foi condenado à aposentadoria compulsória por comprar cinco carros de luxo em leilões. A avaliação foi a de que o magistrado incorreu em atos de comércio, com a participação ‘sistemática’ em leilões de automóveis e a constituição de uma sociedade comercial, em violação à Lei Orgânica da Magistratura. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou sob a alegação de que não pode comentar um processo pendente de julgamento e recomendou a leitura da sua defesa. Nos autos, o juiz negou irregularidades

Um magistrado brasileiro recebe em média R$ 37,2 mil, segundo painel de remuneração do Conselho Nacional de Justiça. Na Justiça Federal, por exemplo, a média salarial em março deste ano ficou em R$ 38,2 mil, enquanto na esfera estadual o vencimento básico médio chega a R$ 36,3 mil. Essas cifras fazem com que o gasto anual do Poder Judiciário com os 123 juízes e desembargados aposentados compulsoriamente equivalha a cerca de R$ 59 milhões. O montante pode ser ainda maior, já que o cálculo da aposentadoria forçada é feito sobre o tempo de contribuição e há casos de juízes que continuam recebendo “penduricalhos” como o primeiro punido pelo CNJ.

A aposentadoria compulsória é a pena mais “dura” que um magistrado pode sofrer. Quando este tipo de sanção é imposta, o condenado para de trabalhar, mas continua a receber salário proporcional pelo tempo de contribuição.

O argumento jurídico que sustenta essa prática é o de que os juízes, promotores e militares precisam de autonomia para exercer a função e, portanto, não podem agir com medo de serem penalizados com a perda da remuneração. Há ainda outras formas de punição, como censura, advertência e remoção compulsória (mudança de fórum ou comarca). A única forma de um juiz deixar de receber salário é em caso de condenação criminal.

“Determinadas carreiras recebem ou merecem receber prerrogativas para o exercício da função, mas isso acaba mal casando com uma tradição brasileira que eu chamo de ‘corporações de ofício’, que se protegem e procuram transformar prerrogativas em privilégios. Prerrogativas são questões constitucionalmente justificáveis e explicáveis. Privilégios, não”, afirma o professor de direito administrativo Álvaro Jorge, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A aposentadoria compulsória me parece que não está no âmbito de uma prerrogativa justificável, mas de um privilégio”, completou.

Já a Associação Brasileira de Magistrados (AMB) avalia que a aposentadoria compulsória “não é um benefício do juiz, mas a contrapartida pelos pagamentos realizados ao regime de previdência ao longo do tempo de exercício da função”. Em nota à reportagem, a organização afirmou que, na “história recente do País”, magistrados foram aposentados compulsoriamente por discordarem do Poder vigente. De acordo com a AMB, “há, portanto, motivos históricos para a existência da aposentadoria compulsória com recebimento de proventos proporcionais”.

“Além disso, faz parte das prerrogativas da magistratura, que contribuem para a manutenção da independência judicial, pois garante aos magistrados e magistradas a prerrogativa de decidir com independência e imparcialidade, sem sofrer represálias, mesmo quando contrariam o poder vigente”, disse a AMB. “Como quaisquer cidadãos, juízes que cometem crimes graves devem responder perante o Poder Judiciário – e podem ser condenados, com a observância do devido processo legal”, finalizou.

Dino quer trocar aposentadoria compulsória por demissão sem salário de juiz, militar e promotor

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em breve passagem no Senado em fevereiro, antes de assumir a vaga na Suprema Corte, apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para acabar com as aposentadorias compulsórias a juízes, promotores e militares que cometerem delitos graves. Ao invés disso, ele sugere a exclusão do serviço público.

“Não há razão para essa desigualdade de tratamento em relação aos demais servidores públicos que, por exemplo, praticam crimes como corrupção ou de gravidade similar”, disse Dino ao apresentar o projeto. “Considero que aposentadoria é um direito, não é uma sanção, não é uma punição. Muitas vezes, acaba funcionando como prêmio e há uma quebra de igualdade. Todos os outros servidores públicos, quando eventualmente cometem um delito, são punidos com a exclusão do serviço público”, destacou.

Em dissertação de mestrado, em 2001, no entanto, Dino se opôs à demissão para juízes por ato administrativo. “Com isso, revogar-se-ia uma das mais importantes garantias da independência da magistratura — isto é, a vitaliciedade — que se diferencia da mera estabilidade exatamente por implicar a vedação de demissão por ato administrativo”, escreveu Dino.

A PEC apresentado por Dino enquanto era senador reuniu o número de assinaturas mínimas, mas está travada desde fevereiro na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado aguardando a designação de relator pelo presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.