O respeito à Lei das Estatais, sem retrocessos, pode ser um importante fator para que o Brasil entre para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A observação foi feita por especialistas em Direito Administrativo e Ética que participaram do Fórum Digital Corrupção em Debate, promovido pelo Estadão e o Instituto Não Aceito Corrupção nesta terça-feira, 19.
Como mostrou o Estadão, o presidente Jair Bolsonaro prepara Medida Provisória para promover mudanças na legislação, sancionada em 2016 pelo governo Michel Temer (MDB). A lei trouxe avanços para evitar o clientelismo na Petrobras, que desembocou nos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato. Mudou, por exemplo, a forma de nomear dirigentes da petrolífera, ato antes dominado pelas alianças do governo federal com a base no Congresso Nacional. Foram, também, criados requisitos mínimos para a participação no conselho de administração e nas diretorias. Ficaram impostas quarentenas e restrições a nomes egressos da política, dos sindicatos e de parentes de ministros e secretários.
No exterior, a lei, da maneira como está, é vista com bons olhos. De acordo com a diretora do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, Valéria Café, em um relatório recente a OCDE reconheceu “que deixou de existir interferência político-partidária em função da lei”, com a aplicação da Lei das Estatais.
A organização, segundo Valéria, ainda recomendou o aperfeiçoamento de parte das regras. “Não só o Brasil melhorou e ainda há recomendação de melhorias. E a OCDE espera e aguarda que o Brasil continue melhorando e não retrocedendo neste ponto”, afirma. A eventual entrada para a OCDE conferiria ao Brasil uma espécie de atestado de que o País está alinhado com políticas de integridade, o que facilitaria investimentos e acordos econômicos.
O movimento preocupa o procurador de Justiça e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, que compara a mudança na Lei das Estatais ao recente afrouxamento da Lei da Improbidade no Congresso. “A meu ver, é um movimento que visa garantir impunidade na Lei. Não basta meras interpretações, decisões judiciais. São construções legais para que essas pessoas não sejam atingidas”.
Para Livianu, uma eventual mudança na legislação que possa representar retrocessos pode minar a entrada do Brasil na OCDE. “A lei não precisa ser mudada. A lei é excelente. É importante. É um marco histórico na eficiência das empresas estatais, é importantíssima para o País”.
Ex-diretor de governança da Petrobras, o advogado Marcelo Zenkner, do escritório Tozzini & Freire, ressalta que a Lei das Estatais prevê que as empresas públicas e sociedades e economia mista observem “requisitos mínimos de transparência”. E, que, para além de punir a corrupção, existem meios de criar um ambiente de governança na estatal.
Ele relata esforços dentro da Petrobras para que haja uma cultura de absorção de valores e uma cultura de integridade. Este, segundo ele, seria um fator atrativo para mão de obra mais qualificada e para investidores.
“Sob o ponto de vista dos investidores, eles vão evitar empresas sem transparência em suas operações de negócios e em suas estratégias. Empresas que fornecem relatórios financeiros impossíveis de serem entendidos e que possuem estruturas negociais complexas acabam representando investimentos arriscados, e, por isso, muito menos valiosos. Os investidores se afastam de empresas sem transparência”, diz.
Professor de Direito da USP, Fernando Dias Menezes afirma que a legislação trouxe novos mecanismos de controles internos e externos às estatais. “Que os valores de transparência são necessários e desejáveis, isso não se discute. Isso não pode ser uma questão meramente nominal. Não pode ser uma questão de aparências, tem de haver os efetivos instrumentos de controle. A lei traz instrumentos não apenas para que as estatais se estruturem de modo transparente, como traz instrumentos que permitam o controle. O controle de fora para dentro, além dos controles internos”.
Segundo Menezes, a implementação da transparência não significa um prejuízo no comando dos negócios da estatal. “Poderia haver um argumento de que matéria empresarial, e isso vale para as estatais por serem empresas, certos controles não deveriam incidir. Isso prejudicaria o desempenho da empresa, assustaria investidores, revelaria segredos empresariais. Esses argumentos não são absolutamente contraditórios com a ideia do adequado controle de moralidade, eficiência, de legalidade. Não se quer dizer com isso que o segredo industrial vai ser revelado”, afirma.