À margem da História

Opinião|200 anos da independência na Bahia: como negros foram cruciais e depois cruelmente trapaceados


Após expulsão dos portugueses de Salvador, em 1823, batalhão dos periquitos, formado por ex-escravizados, não pôde comemorar o fim do conflito e virou alvo de senhores que estiveram na mesma trincheira

Por Leonencio Nossa

Neste domingo, a vitória dos brasileiros na guerra contra os portugueses na Bahia completa 200 anos. A 2 de julho de 1823, combatentes separatistas, ricos e pobres, livres e escravizados, negros, brancos, indígenas e mestiços, homens e mulheres, encerravam uma longa e dura campanha pela independência na província mais rica do Brasil. O êxito das forças brasileiras só foi possível quase dez meses após d. Pedro romper com a Coroa nas margens do Ipiranga, em São Paulo.

É uma história de heroísmo, mas também de desonra. Antes mesmo do final dos combates, senhores de engenho iniciaram uma trapaça para exigir a volta ao cativeiro dos negros que pegaram em armas incentivados por promessas de liberdade.

Numa madrugada de 1.º para 2 de julho, na sempre fascinante Baía de Todos os Santos, militares e burocratas portugueses embarcavam às pressas para Lisboa. Horas depois, ao meio-dia, os periquitos ocupavam as ruelas e ladeiras da Cidade da Bahia. Eram homens, mulheres e meninos que, durante meses, se atolaram nos lamaçais, enfrentaram a febre e o bicho de pé no cerco a Salvador.

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As festas que ocorrem neste final de semana em Salvador certamente vão exaltar figuras anônimas que atuaram pela independência. Talvez não se contará com detalhes a história de um Brasil capaz de se unir no momento trágico de uma guerra, mas que deixa de lado a solidariedade quando o conflito termina.

Na tela 'O primeiro passo para a independência da Bahia', de 1931, o pintor Antonio Parreiras retrata um momento de solidariedade: um soldado negro é socorrido por um branco Foto: Reprodução

A ocupação de Salvador pelos periquitos, os separatistas, era a virada de d. Pedro na guerra com a Coroa Portuguesa. Desde a declaração de independência, em setembro do ano anterior, ele enfrentava sem recursos e sem uma robusta força armada a resistência lusitana nas províncias do Norte, as mais lucrativas e de maior movimentação comercial com a metrópole. O fim do domínio português na Bahia teria efeito dominó na consolidação do Império até os limites da Amazônia.

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Com uma esquadra improvisada e mercenários contratados a peso de ouro na Europa, o governo brasileiro contou sobretudo com a elite e a população do Recôncavo, área produtiva e populosa da província, para ganhar a guerra da Bahia. O francês Pierre de Labatut recebeu o serviço de organizar os baianos. Ele montou o exército dos periquitos ao retirar escravizados dos engenhos, à força ou com o consentimento dos senhores de terra. A promessa de liberdade animou a tropa.

Uma das estratégias dos separatistas foi bloquear o transporte de alimentos do interior para Salvador. A força portuguesa iniciou o bombardeio da Ilha de Itaparica e das vilas do Recôncavo para afugentar os periquitos. Labatut enfrentou um motim e acabou destituído do comando da tropa. Mas os brasileiros foram em frente até atingir a capital.

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Ao final dos combates, a Bahia virava parte do Império e os senhores de terra iniciavam uma queda de braço para restabelecer o sistema escravocrata na província. Mesmo negros e mestiços que não participaram diretamente da guerra estavam empolgados com as histórias contadas pelos amigos e parentes soldados de que, nas trincheiras, brancos e “homens de cor” eram “irmãos de armas”.

Havia uma dívida a ser paga. O Império não podia deixar de reconhecer a liberdade dos negros soldados. Autoridades e proprietários de terras acertaram que aqueles que lutaram sem estar oficialmente listados no exército dos periquitos voltariam para o controle de seus senhores. Então se estabeleceram duas categorias de veteranos de guerra: soldados e escravizados.

Os negros do Cabula e de outras regiões de Salvador perceberam que, pelo novo acerto, não seriam reconhecidos como “brasileiros”. Por sua vez, os negros soldados foram agrupados num batalhão especial de libertos. Logo começava outra batalha desses periquitos. Em outubro de 1824, eles foram informados do fim do batalhão e da remoção de todos para o Recife. A elite de Salvador queria ver os veteranos oficiais da guerra longe da cidade.

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Fotografia mais antiga da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho, em Salvador, tirada em 1859 Foto: Benjamim Mulock/Coleção Gilberto Ferrez (IMS)

Os periquitos tomaram novamente as ruas de Salvador, agora tendo apenas a companhia de brancos pobres, que enfrentavam uma grave crise econômica no pós-independência. A manutenção do sistema escravocrata não impediu, como argumentavam os senhores de terras, que a economia fosse à breca.

Uma legião atacou e saqueou comércios e casas de portugueses que permaneceram em Salvador. O governador Felisberto Gomes Caldeira, homem forte do Império, foi capturado e morto. Só em dezembro, numa união dos ricos brasileiros e portugueses, antes inimigos, as autoridades acabaram com a rebelião. Lideranças foram sentenciadas à morte.

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O descontentamento dos negros com a quebra da aliança firmada ainda na luta contra os portugueses dava início a um ciclo de revoltas, contou o historiador João José Reis, no clássico A elite baiana face os movimentos sociais, artigo escrito em 1974. É uma história bem documentada. Braz do Amaral contou o drama dos periquitos em História da Bahia, do Império à República, em 1923, e Hendrik Kraay analisou os conflitos do período em Race, State, and Armed Forces in Independence – Era Brazil: Bahia, 1790s-1840s, publicado em 2001.

Em agosto de 1826, três anos depois da independência na Bahia, negros escravizados do Cabula se revoltaram. As lideranças do movimento foram mortas. No mesmo lugar, no ano seguinte, uma outra rebelião terminou na morte de oito pessoas.

Massacres de negros e mestiços tornaram-se uma constante nos últimos 200 anos. Os veteranos da guerra e seus descendentes seriam sempre caçados pelas forças de repressão e segurança.

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Um dos episódios dessa luta sem fim ocorreu há pouco tempo, no mesmo Cabula dos periquitos. Em janeiro de 2015, numa troca de tiros entre a Polícia Militar e traficantes, um jovem da comunidade morreu e um tenente ficou ferido. Para vingar o oficial, agentes da tropa de elite montaram uma emboscada no mês seguinte e mataram 12 jovens de forma aleatória – dez sem registros na polícia.

Caíque Bastos dos Santos, de 16 anos, era o mais jovem deles. Rodrigo Martins de Oliveira e Natanael de Jesus Costa tinham 17. Tiago Gomes das Virgens, 18. Agenor Vitalino dos Santos Neto, Bruno Pires do Nascimento e Vitor Amorim de Araújo, por sua vez, estavam com 19 anos. Ainda morreram Adriano de Souza Guimarães e João Luís Pereira Rodrigues, de 21, Jeferson Pereira dos Santos, 22, e Ricardo Vilas Boas Silvia e Evson Pereira dos Santos, 27. Cada jovem levou ao menos cinco tiros à curta distância.

Neste domingo, a vitória dos brasileiros na guerra contra os portugueses na Bahia completa 200 anos. A 2 de julho de 1823, combatentes separatistas, ricos e pobres, livres e escravizados, negros, brancos, indígenas e mestiços, homens e mulheres, encerravam uma longa e dura campanha pela independência na província mais rica do Brasil. O êxito das forças brasileiras só foi possível quase dez meses após d. Pedro romper com a Coroa nas margens do Ipiranga, em São Paulo.

É uma história de heroísmo, mas também de desonra. Antes mesmo do final dos combates, senhores de engenho iniciaram uma trapaça para exigir a volta ao cativeiro dos negros que pegaram em armas incentivados por promessas de liberdade.

Numa madrugada de 1.º para 2 de julho, na sempre fascinante Baía de Todos os Santos, militares e burocratas portugueses embarcavam às pressas para Lisboa. Horas depois, ao meio-dia, os periquitos ocupavam as ruelas e ladeiras da Cidade da Bahia. Eram homens, mulheres e meninos que, durante meses, se atolaram nos lamaçais, enfrentaram a febre e o bicho de pé no cerco a Salvador.

As festas que ocorrem neste final de semana em Salvador certamente vão exaltar figuras anônimas que atuaram pela independência. Talvez não se contará com detalhes a história de um Brasil capaz de se unir no momento trágico de uma guerra, mas que deixa de lado a solidariedade quando o conflito termina.

Na tela 'O primeiro passo para a independência da Bahia', de 1931, o pintor Antonio Parreiras retrata um momento de solidariedade: um soldado negro é socorrido por um branco Foto: Reprodução

A ocupação de Salvador pelos periquitos, os separatistas, era a virada de d. Pedro na guerra com a Coroa Portuguesa. Desde a declaração de independência, em setembro do ano anterior, ele enfrentava sem recursos e sem uma robusta força armada a resistência lusitana nas províncias do Norte, as mais lucrativas e de maior movimentação comercial com a metrópole. O fim do domínio português na Bahia teria efeito dominó na consolidação do Império até os limites da Amazônia.

Com uma esquadra improvisada e mercenários contratados a peso de ouro na Europa, o governo brasileiro contou sobretudo com a elite e a população do Recôncavo, área produtiva e populosa da província, para ganhar a guerra da Bahia. O francês Pierre de Labatut recebeu o serviço de organizar os baianos. Ele montou o exército dos periquitos ao retirar escravizados dos engenhos, à força ou com o consentimento dos senhores de terra. A promessa de liberdade animou a tropa.

Uma das estratégias dos separatistas foi bloquear o transporte de alimentos do interior para Salvador. A força portuguesa iniciou o bombardeio da Ilha de Itaparica e das vilas do Recôncavo para afugentar os periquitos. Labatut enfrentou um motim e acabou destituído do comando da tropa. Mas os brasileiros foram em frente até atingir a capital.

Ao final dos combates, a Bahia virava parte do Império e os senhores de terra iniciavam uma queda de braço para restabelecer o sistema escravocrata na província. Mesmo negros e mestiços que não participaram diretamente da guerra estavam empolgados com as histórias contadas pelos amigos e parentes soldados de que, nas trincheiras, brancos e “homens de cor” eram “irmãos de armas”.

Havia uma dívida a ser paga. O Império não podia deixar de reconhecer a liberdade dos negros soldados. Autoridades e proprietários de terras acertaram que aqueles que lutaram sem estar oficialmente listados no exército dos periquitos voltariam para o controle de seus senhores. Então se estabeleceram duas categorias de veteranos de guerra: soldados e escravizados.

Os negros do Cabula e de outras regiões de Salvador perceberam que, pelo novo acerto, não seriam reconhecidos como “brasileiros”. Por sua vez, os negros soldados foram agrupados num batalhão especial de libertos. Logo começava outra batalha desses periquitos. Em outubro de 1824, eles foram informados do fim do batalhão e da remoção de todos para o Recife. A elite de Salvador queria ver os veteranos oficiais da guerra longe da cidade.

Fotografia mais antiga da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho, em Salvador, tirada em 1859 Foto: Benjamim Mulock/Coleção Gilberto Ferrez (IMS)

Os periquitos tomaram novamente as ruas de Salvador, agora tendo apenas a companhia de brancos pobres, que enfrentavam uma grave crise econômica no pós-independência. A manutenção do sistema escravocrata não impediu, como argumentavam os senhores de terras, que a economia fosse à breca.

Uma legião atacou e saqueou comércios e casas de portugueses que permaneceram em Salvador. O governador Felisberto Gomes Caldeira, homem forte do Império, foi capturado e morto. Só em dezembro, numa união dos ricos brasileiros e portugueses, antes inimigos, as autoridades acabaram com a rebelião. Lideranças foram sentenciadas à morte.

O descontentamento dos negros com a quebra da aliança firmada ainda na luta contra os portugueses dava início a um ciclo de revoltas, contou o historiador João José Reis, no clássico A elite baiana face os movimentos sociais, artigo escrito em 1974. É uma história bem documentada. Braz do Amaral contou o drama dos periquitos em História da Bahia, do Império à República, em 1923, e Hendrik Kraay analisou os conflitos do período em Race, State, and Armed Forces in Independence – Era Brazil: Bahia, 1790s-1840s, publicado em 2001.

Em agosto de 1826, três anos depois da independência na Bahia, negros escravizados do Cabula se revoltaram. As lideranças do movimento foram mortas. No mesmo lugar, no ano seguinte, uma outra rebelião terminou na morte de oito pessoas.

Massacres de negros e mestiços tornaram-se uma constante nos últimos 200 anos. Os veteranos da guerra e seus descendentes seriam sempre caçados pelas forças de repressão e segurança.

Um dos episódios dessa luta sem fim ocorreu há pouco tempo, no mesmo Cabula dos periquitos. Em janeiro de 2015, numa troca de tiros entre a Polícia Militar e traficantes, um jovem da comunidade morreu e um tenente ficou ferido. Para vingar o oficial, agentes da tropa de elite montaram uma emboscada no mês seguinte e mataram 12 jovens de forma aleatória – dez sem registros na polícia.

Caíque Bastos dos Santos, de 16 anos, era o mais jovem deles. Rodrigo Martins de Oliveira e Natanael de Jesus Costa tinham 17. Tiago Gomes das Virgens, 18. Agenor Vitalino dos Santos Neto, Bruno Pires do Nascimento e Vitor Amorim de Araújo, por sua vez, estavam com 19 anos. Ainda morreram Adriano de Souza Guimarães e João Luís Pereira Rodrigues, de 21, Jeferson Pereira dos Santos, 22, e Ricardo Vilas Boas Silvia e Evson Pereira dos Santos, 27. Cada jovem levou ao menos cinco tiros à curta distância.

Neste domingo, a vitória dos brasileiros na guerra contra os portugueses na Bahia completa 200 anos. A 2 de julho de 1823, combatentes separatistas, ricos e pobres, livres e escravizados, negros, brancos, indígenas e mestiços, homens e mulheres, encerravam uma longa e dura campanha pela independência na província mais rica do Brasil. O êxito das forças brasileiras só foi possível quase dez meses após d. Pedro romper com a Coroa nas margens do Ipiranga, em São Paulo.

É uma história de heroísmo, mas também de desonra. Antes mesmo do final dos combates, senhores de engenho iniciaram uma trapaça para exigir a volta ao cativeiro dos negros que pegaram em armas incentivados por promessas de liberdade.

Numa madrugada de 1.º para 2 de julho, na sempre fascinante Baía de Todos os Santos, militares e burocratas portugueses embarcavam às pressas para Lisboa. Horas depois, ao meio-dia, os periquitos ocupavam as ruelas e ladeiras da Cidade da Bahia. Eram homens, mulheres e meninos que, durante meses, se atolaram nos lamaçais, enfrentaram a febre e o bicho de pé no cerco a Salvador.

As festas que ocorrem neste final de semana em Salvador certamente vão exaltar figuras anônimas que atuaram pela independência. Talvez não se contará com detalhes a história de um Brasil capaz de se unir no momento trágico de uma guerra, mas que deixa de lado a solidariedade quando o conflito termina.

Na tela 'O primeiro passo para a independência da Bahia', de 1931, o pintor Antonio Parreiras retrata um momento de solidariedade: um soldado negro é socorrido por um branco Foto: Reprodução

A ocupação de Salvador pelos periquitos, os separatistas, era a virada de d. Pedro na guerra com a Coroa Portuguesa. Desde a declaração de independência, em setembro do ano anterior, ele enfrentava sem recursos e sem uma robusta força armada a resistência lusitana nas províncias do Norte, as mais lucrativas e de maior movimentação comercial com a metrópole. O fim do domínio português na Bahia teria efeito dominó na consolidação do Império até os limites da Amazônia.

Com uma esquadra improvisada e mercenários contratados a peso de ouro na Europa, o governo brasileiro contou sobretudo com a elite e a população do Recôncavo, área produtiva e populosa da província, para ganhar a guerra da Bahia. O francês Pierre de Labatut recebeu o serviço de organizar os baianos. Ele montou o exército dos periquitos ao retirar escravizados dos engenhos, à força ou com o consentimento dos senhores de terra. A promessa de liberdade animou a tropa.

Uma das estratégias dos separatistas foi bloquear o transporte de alimentos do interior para Salvador. A força portuguesa iniciou o bombardeio da Ilha de Itaparica e das vilas do Recôncavo para afugentar os periquitos. Labatut enfrentou um motim e acabou destituído do comando da tropa. Mas os brasileiros foram em frente até atingir a capital.

Ao final dos combates, a Bahia virava parte do Império e os senhores de terra iniciavam uma queda de braço para restabelecer o sistema escravocrata na província. Mesmo negros e mestiços que não participaram diretamente da guerra estavam empolgados com as histórias contadas pelos amigos e parentes soldados de que, nas trincheiras, brancos e “homens de cor” eram “irmãos de armas”.

Havia uma dívida a ser paga. O Império não podia deixar de reconhecer a liberdade dos negros soldados. Autoridades e proprietários de terras acertaram que aqueles que lutaram sem estar oficialmente listados no exército dos periquitos voltariam para o controle de seus senhores. Então se estabeleceram duas categorias de veteranos de guerra: soldados e escravizados.

Os negros do Cabula e de outras regiões de Salvador perceberam que, pelo novo acerto, não seriam reconhecidos como “brasileiros”. Por sua vez, os negros soldados foram agrupados num batalhão especial de libertos. Logo começava outra batalha desses periquitos. Em outubro de 1824, eles foram informados do fim do batalhão e da remoção de todos para o Recife. A elite de Salvador queria ver os veteranos oficiais da guerra longe da cidade.

Fotografia mais antiga da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho, em Salvador, tirada em 1859 Foto: Benjamim Mulock/Coleção Gilberto Ferrez (IMS)

Os periquitos tomaram novamente as ruas de Salvador, agora tendo apenas a companhia de brancos pobres, que enfrentavam uma grave crise econômica no pós-independência. A manutenção do sistema escravocrata não impediu, como argumentavam os senhores de terras, que a economia fosse à breca.

Uma legião atacou e saqueou comércios e casas de portugueses que permaneceram em Salvador. O governador Felisberto Gomes Caldeira, homem forte do Império, foi capturado e morto. Só em dezembro, numa união dos ricos brasileiros e portugueses, antes inimigos, as autoridades acabaram com a rebelião. Lideranças foram sentenciadas à morte.

O descontentamento dos negros com a quebra da aliança firmada ainda na luta contra os portugueses dava início a um ciclo de revoltas, contou o historiador João José Reis, no clássico A elite baiana face os movimentos sociais, artigo escrito em 1974. É uma história bem documentada. Braz do Amaral contou o drama dos periquitos em História da Bahia, do Império à República, em 1923, e Hendrik Kraay analisou os conflitos do período em Race, State, and Armed Forces in Independence – Era Brazil: Bahia, 1790s-1840s, publicado em 2001.

Em agosto de 1826, três anos depois da independência na Bahia, negros escravizados do Cabula se revoltaram. As lideranças do movimento foram mortas. No mesmo lugar, no ano seguinte, uma outra rebelião terminou na morte de oito pessoas.

Massacres de negros e mestiços tornaram-se uma constante nos últimos 200 anos. Os veteranos da guerra e seus descendentes seriam sempre caçados pelas forças de repressão e segurança.

Um dos episódios dessa luta sem fim ocorreu há pouco tempo, no mesmo Cabula dos periquitos. Em janeiro de 2015, numa troca de tiros entre a Polícia Militar e traficantes, um jovem da comunidade morreu e um tenente ficou ferido. Para vingar o oficial, agentes da tropa de elite montaram uma emboscada no mês seguinte e mataram 12 jovens de forma aleatória – dez sem registros na polícia.

Caíque Bastos dos Santos, de 16 anos, era o mais jovem deles. Rodrigo Martins de Oliveira e Natanael de Jesus Costa tinham 17. Tiago Gomes das Virgens, 18. Agenor Vitalino dos Santos Neto, Bruno Pires do Nascimento e Vitor Amorim de Araújo, por sua vez, estavam com 19 anos. Ainda morreram Adriano de Souza Guimarães e João Luís Pereira Rodrigues, de 21, Jeferson Pereira dos Santos, 22, e Ricardo Vilas Boas Silvia e Evson Pereira dos Santos, 27. Cada jovem levou ao menos cinco tiros à curta distância.

Opinião por Leonencio Nossa

Editor de especiais do Estadão. Mestre em história e política. Autor dos livros “As guerras da Independência do Brasil”, “Roberto Marinho, o poder está no ar” e “Mata! O Major Curió e as guerrilhas no Araguaia”. Escreve aos sábados.

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