À margem da História

Opinião|O Brasil que viu Ulysses enfrentar generais volta a discutir quartelada e descontrole militar


É fato que a caserna está longe de ter compreensão de momentos históricos - o Projeto de País dela é um Brasil de penduricalhos no salário do mês para seus generais

Por Leonencio Nossa
Atualização:

Era o auge da repressão da ditadura militar. No dia 22 de setembro de 1973, o deputado Ulysses Guimarães, do MDB, de São Paulo, deixava de ser apenas um dirigente de um partido no asfixiado teatro político. Numa convenção nas dependências do Senado, ele lançou a campanha à Presidência da República. Era uma ousadia. Afinal, desde o golpe que derrubou João Goulart, nove anos antes, as disputas presidenciais eram indiretas e apenas generais quatro estrelas se apresentavam como candidatos.

Diante de uma derrota certa para o nome que o governo militar lançaria, Ulysses afirmou em seu discurso que a eleição era uma “piada” e chamou seus correligionários para apoiar uma “anticandidatura”. Pelas regras impostas pelos golpistas, os candidatos concorriam num Colégio Eleitoral, formado por senadores, deputados e representantes das Assembleias. Os generais Castelo Branco, Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici “ganharam” eleições como candidatos únicos pela Arena, a legenda governista. Agora, Ulysses trazia uma novidade: a caserna teria que passar pelo “constrangimento” de disputar com um civil, ainda que num colegiado absolutamente controlado.

O deputado Ulysses Guimarães (MDB) discursa na Câmara Federal em 1976, em protesto contra as cassações de colegas de partidos por ato do governo.  Foto: ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
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“Não é o candidato que vai percorrer o País. É o anticandidato, para denunciar a antieleição”, afirmou o parlamentar no evento do MDB. Na chapa dele estava o advogado e ex-governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho, seu vice.

Foi um discurso histórico. Ulysses recorreu à literatura portuguesa para descrever o momento que o País vivia. Citou um personagem de Os Lusíadas, de Luís de Camões, e a poesia de Fernando Pessoa. “Senhores Convencionais: A caravela vai partir. As velas estão paridas de sonho, aladas de esperanças. O ideal está ao leme e o desconhecido se desata à frente. No cais alvoroçado, nossos opositores, como o velho do Restelo de todas as epopeias, com sua voz de Cassandra e seu olhar derrotista, sussurram as excelências do imobilismo e a invencibilidade do establishment”, afirmou. “Conjuram que é hora de ficar e não de aventurar”, ressaltou. “Mas no episódio, nossa carta de marear não é de Camões e sim de Fernando Pessoa ao recordar o brado: ‘Navegar é preciso. Viver não é preciso’.”

A convenção contava com a presença de 249 integrantes do partido. “Posto hoje no alto da gávea, espero em Deus que em breve possa gritar ao povo brasileiro: Alvíssaras, meu Capitão. Terra à vista! Sem sombra, medo e pesadelo, à vista a terra limpa e abençoada da liberdade.” As palavras do parlamentar foram registradas no livro de atas do MDB, guardada no acervo do partido, em Brasília. Um manuscrito do discurso está no link da Fundação Ulysses Guimarães: Manuscrito do discurso do anticandidato Ulysses Guimarães.

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Ata original da Convenção Nacional do MDB que aprovou a candidatura de Ulysses Guimarães à Presidência da República em 1973.  Foto: Reprodução do documento do acervo do MDB

Ulysses sabia com clareza o que precisava ser dito numa hora decisiva. Ele tinha compreensão do momento histórico, o tempo exato que um homem público pode assumir um protagonismo nacional. Uma nova ordem era preciso, mais que navegar. O deputado poderia se manter em seu quadrado, seguir a vida burocrática num sistema de bipartidarismo em que o MDB fazia o contraponto possível e a Arena mandava sem contestação. Entretanto, questionou o poder, a maioria, a tragédia que se arrastava.

Médici apresentou o general Ernesto Geisel como seu sucessor. No dia 15 de janeiro de 1974, o nome da ditadura obteve 400 votos no Colégio Eleitoral. Ulysses recebeu 76. Mas a anticandidatura do emedebista deu impulso para o partido que quase se extinguiu durante o Milagre Econômico dar uma reviravolta ainda em novembro daquele ano. Nas eleições para preencher 22 cadeiras no Senado, a sigla oposicionista conquistou 16. A Arena elegeu apenas 6 senadores. Na Câmara, o MDB ficou com 160 dos 364 assentos.

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Em abril de 1977, Geisel fechou o Congresso e criou a figura do senador biônico – um terço dos senadores passou a ser eleito de forma indireta. Era uma forma de tirar o poder do MDB. A ditadura resistiria até 1985, mas o partido de Ulysses já era a maior força partidária quando o último presidente do ciclo militar, João Batista Figueiredo, deixou Brasília.

Trecho do discurso de Ulysses Guimarães foi citado na ata da convenção do MDB que lançou a candidatura dele à Presidência.  Foto: Reprodução de documento do acervo do MDB

É inevitável falar de uma personalidade do passado de enfrentamento ao poder militar sem observar o momento atual. As gerações mais novas podem testemunhar a eterna performance dos oficiais brasileiros quando entram na seara política. O país de Ulysses voltaria a discutir quarteladas e descontrole da cúpula militar. Foi agora há pouco a lambança de graduados da Marinha e do Exército em tentar impedir a posse de um presidente eleito.

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Não que a História seja necessariamente cíclica. A formação militar nunca foi discutida a fundo pelos representantes dos que pagam impostos. O debate sobre democracia muito menos pode se limitar a uma narrativa de um dos campos da polarizada política brasileira. Ele é de todos, de todas as frentes ideológicas que topam participar do jogo. O Brasil tem longa tradição democrática desde a campanha de Ulysses para que apenas um partido ou grupo político se apresente como dono da bandeira.

É fato que a caserna está longe de ter compreensão de momentos históricos — o Projeto de País dela é um Brasil de penduricalhos no salário do mês para seus generais. Há espaço também para se questionar atitudes e discursos de figuras que são eleitas pelo voto direto, com capacidade e representatividade de ser contrapontos ao mundo de enganação dos fardados.

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Atualmente no cargo que Ulysses ocupou em 1956 e 1957 e de 1985 a 1989, o presidente da Câmara, Arthur Lira, dedica 24 horas de seu tempo para negociar cargos a aliados e defender o interesse por espaço na máquina pública. Há pouco tempo, Lira, numa entrevista a O Globo, jogou na conta de Ulysses a criação do Centrão, uma narrativa verdadeira como a nota de três reais, tentando se apresentar como herdeiro da figura histórica pela linha bizarra do fisiologismo e das negociatas.

Nas periferias e subúrbios das grandes cidades ou nos municípios do interior, legiões de brasileiros estão à espera de melhoria de renda, educação, saúde. Mas o chefe do Legislativo está voltado a resolver demandas de seu círculo de poder. O seu tempo não é necessariamente aquele que passa no agreste de Alagoas.

No Palácio do Planalto, o presidente Lula, que já chegou a dizer que pretendia fazer um mandato histórico, acena positivamente para o Centrão. A um ano dos Jogos de Paris, o Brasil de Ademar Ferreira da Silva, Joaquim Cruz, César Cielo, Robert Scheidt, Torben Grael e Rebeca Andrade tem Fufuca no comando da pasta do Esporte.

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O ministério das Comunicações, área estratégica, é chefiado por Juscelino Filho, que usa a estrutura da pasta para aumentar o número de cavalos de seu haras. Não adianta a militância dizer que governabilidade é assim mesmo. Não é quando um presidente governa de acordo com o momento histórico e não a reeleição.

Lula é um tipo diferente. Faz discursos antenados com a História, mas que costumam não seguir o mesmo ritmo de suas ações como autoridade. No último dia 18, na Assembleia de abertura da ONU pregou que um “modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível”. Ele foi além. ”Retomamos uma robusta e renovada agenda amazônica, com ações de fiscalização e combate a crimes ambientais”, disse.

A militância petista tinha lá seus motivos para enxergar um grande discurso. Para início de conversa, os dois primeiros governos dele e os de Dilma Rousseff foram marcados por usinas hidrelétricas construídas sem diálogo com as comunidades tradicionais. Agora, Lula já deu a entender que vai permitir que a Petrobrás emporcalhe o Arquipélago do Bailique e toda a foz do Amazonas.

Dias antes, numa entrevista durante a cúpula do G-20, na Índia, Lula disse desconhecer o Tribunal Penal Internacional, o Tribunal de Haia, organismo que trata de direitos humanos. Era uma defesa de Vladimir Putin, que teve a prisão pedida pelo tribunal. O presidente brasileiro aposta que ganhará o Nobel com a velha política de destruição da floresta e a desqualificação do que resta de ações internacionais de direitos humanos.

Por falar em tribunais, Jair Bolsonaro teve o momento histórico de se apresentar como líder quando veio a pandemia. Em vez do clássico discurso para pedir união na ofensiva contra a doença, optou pela cartilha trumpista anticiência, desumana, cruel. Quieto, estaria reeleito, não por mérito, mas pela tradição – a máquina de governo reelegeu todos os presidentes anteriores do período democrático que disputaram um segundo mandato.

Depois, derrotado, tinha a chance de ocupar por questão natural o posto de chefe da oposição. Ele preferiu abrir o Palácio da Alvorada aos militares golpistas para melar o jogo, em inúmeros encontros de análises de conjuntura. “Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora”, disse o general Braga Netto, vice de Bolsonaro, para simpatizantes ao deixar uma dessas reuniões, dias depois da derrota na urnas.

Enquanto isso, os três comandantes das Forças Armadas na reta final do governo Bolsonaro, o general Marco Antônio Freire Gomes, o almirante Almir Garnier e o brigadeiro Carlos Almeida Baptista permitiram a presença de acampamentos golpistas em frentes dos quartéis, naquela que talvez seja a maior infâmia militar do período democrático. O que ocorreu no dia 8 de Janeiro foi o desenrolar da trama.

A posição de contestar o establishment, como Ulysses se colocou na convenção histórica do MDB, sempre estará longe de ser uma tentativa de golpe, uma propagação do vandalismo e da baderna ou uma falta de noção do momento histórico.

Era o auge da repressão da ditadura militar. No dia 22 de setembro de 1973, o deputado Ulysses Guimarães, do MDB, de São Paulo, deixava de ser apenas um dirigente de um partido no asfixiado teatro político. Numa convenção nas dependências do Senado, ele lançou a campanha à Presidência da República. Era uma ousadia. Afinal, desde o golpe que derrubou João Goulart, nove anos antes, as disputas presidenciais eram indiretas e apenas generais quatro estrelas se apresentavam como candidatos.

Diante de uma derrota certa para o nome que o governo militar lançaria, Ulysses afirmou em seu discurso que a eleição era uma “piada” e chamou seus correligionários para apoiar uma “anticandidatura”. Pelas regras impostas pelos golpistas, os candidatos concorriam num Colégio Eleitoral, formado por senadores, deputados e representantes das Assembleias. Os generais Castelo Branco, Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici “ganharam” eleições como candidatos únicos pela Arena, a legenda governista. Agora, Ulysses trazia uma novidade: a caserna teria que passar pelo “constrangimento” de disputar com um civil, ainda que num colegiado absolutamente controlado.

O deputado Ulysses Guimarães (MDB) discursa na Câmara Federal em 1976, em protesto contra as cassações de colegas de partidos por ato do governo.  Foto: ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

“Não é o candidato que vai percorrer o País. É o anticandidato, para denunciar a antieleição”, afirmou o parlamentar no evento do MDB. Na chapa dele estava o advogado e ex-governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho, seu vice.

Foi um discurso histórico. Ulysses recorreu à literatura portuguesa para descrever o momento que o País vivia. Citou um personagem de Os Lusíadas, de Luís de Camões, e a poesia de Fernando Pessoa. “Senhores Convencionais: A caravela vai partir. As velas estão paridas de sonho, aladas de esperanças. O ideal está ao leme e o desconhecido se desata à frente. No cais alvoroçado, nossos opositores, como o velho do Restelo de todas as epopeias, com sua voz de Cassandra e seu olhar derrotista, sussurram as excelências do imobilismo e a invencibilidade do establishment”, afirmou. “Conjuram que é hora de ficar e não de aventurar”, ressaltou. “Mas no episódio, nossa carta de marear não é de Camões e sim de Fernando Pessoa ao recordar o brado: ‘Navegar é preciso. Viver não é preciso’.”

A convenção contava com a presença de 249 integrantes do partido. “Posto hoje no alto da gávea, espero em Deus que em breve possa gritar ao povo brasileiro: Alvíssaras, meu Capitão. Terra à vista! Sem sombra, medo e pesadelo, à vista a terra limpa e abençoada da liberdade.” As palavras do parlamentar foram registradas no livro de atas do MDB, guardada no acervo do partido, em Brasília. Um manuscrito do discurso está no link da Fundação Ulysses Guimarães: Manuscrito do discurso do anticandidato Ulysses Guimarães.

Ata original da Convenção Nacional do MDB que aprovou a candidatura de Ulysses Guimarães à Presidência da República em 1973.  Foto: Reprodução do documento do acervo do MDB

Ulysses sabia com clareza o que precisava ser dito numa hora decisiva. Ele tinha compreensão do momento histórico, o tempo exato que um homem público pode assumir um protagonismo nacional. Uma nova ordem era preciso, mais que navegar. O deputado poderia se manter em seu quadrado, seguir a vida burocrática num sistema de bipartidarismo em que o MDB fazia o contraponto possível e a Arena mandava sem contestação. Entretanto, questionou o poder, a maioria, a tragédia que se arrastava.

Médici apresentou o general Ernesto Geisel como seu sucessor. No dia 15 de janeiro de 1974, o nome da ditadura obteve 400 votos no Colégio Eleitoral. Ulysses recebeu 76. Mas a anticandidatura do emedebista deu impulso para o partido que quase se extinguiu durante o Milagre Econômico dar uma reviravolta ainda em novembro daquele ano. Nas eleições para preencher 22 cadeiras no Senado, a sigla oposicionista conquistou 16. A Arena elegeu apenas 6 senadores. Na Câmara, o MDB ficou com 160 dos 364 assentos.

Em abril de 1977, Geisel fechou o Congresso e criou a figura do senador biônico – um terço dos senadores passou a ser eleito de forma indireta. Era uma forma de tirar o poder do MDB. A ditadura resistiria até 1985, mas o partido de Ulysses já era a maior força partidária quando o último presidente do ciclo militar, João Batista Figueiredo, deixou Brasília.

Trecho do discurso de Ulysses Guimarães foi citado na ata da convenção do MDB que lançou a candidatura dele à Presidência.  Foto: Reprodução de documento do acervo do MDB

É inevitável falar de uma personalidade do passado de enfrentamento ao poder militar sem observar o momento atual. As gerações mais novas podem testemunhar a eterna performance dos oficiais brasileiros quando entram na seara política. O país de Ulysses voltaria a discutir quarteladas e descontrole da cúpula militar. Foi agora há pouco a lambança de graduados da Marinha e do Exército em tentar impedir a posse de um presidente eleito.

Não que a História seja necessariamente cíclica. A formação militar nunca foi discutida a fundo pelos representantes dos que pagam impostos. O debate sobre democracia muito menos pode se limitar a uma narrativa de um dos campos da polarizada política brasileira. Ele é de todos, de todas as frentes ideológicas que topam participar do jogo. O Brasil tem longa tradição democrática desde a campanha de Ulysses para que apenas um partido ou grupo político se apresente como dono da bandeira.

É fato que a caserna está longe de ter compreensão de momentos históricos — o Projeto de País dela é um Brasil de penduricalhos no salário do mês para seus generais. Há espaço também para se questionar atitudes e discursos de figuras que são eleitas pelo voto direto, com capacidade e representatividade de ser contrapontos ao mundo de enganação dos fardados.

Atualmente no cargo que Ulysses ocupou em 1956 e 1957 e de 1985 a 1989, o presidente da Câmara, Arthur Lira, dedica 24 horas de seu tempo para negociar cargos a aliados e defender o interesse por espaço na máquina pública. Há pouco tempo, Lira, numa entrevista a O Globo, jogou na conta de Ulysses a criação do Centrão, uma narrativa verdadeira como a nota de três reais, tentando se apresentar como herdeiro da figura histórica pela linha bizarra do fisiologismo e das negociatas.

Nas periferias e subúrbios das grandes cidades ou nos municípios do interior, legiões de brasileiros estão à espera de melhoria de renda, educação, saúde. Mas o chefe do Legislativo está voltado a resolver demandas de seu círculo de poder. O seu tempo não é necessariamente aquele que passa no agreste de Alagoas.

No Palácio do Planalto, o presidente Lula, que já chegou a dizer que pretendia fazer um mandato histórico, acena positivamente para o Centrão. A um ano dos Jogos de Paris, o Brasil de Ademar Ferreira da Silva, Joaquim Cruz, César Cielo, Robert Scheidt, Torben Grael e Rebeca Andrade tem Fufuca no comando da pasta do Esporte.

O ministério das Comunicações, área estratégica, é chefiado por Juscelino Filho, que usa a estrutura da pasta para aumentar o número de cavalos de seu haras. Não adianta a militância dizer que governabilidade é assim mesmo. Não é quando um presidente governa de acordo com o momento histórico e não a reeleição.

Lula é um tipo diferente. Faz discursos antenados com a História, mas que costumam não seguir o mesmo ritmo de suas ações como autoridade. No último dia 18, na Assembleia de abertura da ONU pregou que um “modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível”. Ele foi além. ”Retomamos uma robusta e renovada agenda amazônica, com ações de fiscalização e combate a crimes ambientais”, disse.

A militância petista tinha lá seus motivos para enxergar um grande discurso. Para início de conversa, os dois primeiros governos dele e os de Dilma Rousseff foram marcados por usinas hidrelétricas construídas sem diálogo com as comunidades tradicionais. Agora, Lula já deu a entender que vai permitir que a Petrobrás emporcalhe o Arquipélago do Bailique e toda a foz do Amazonas.

Dias antes, numa entrevista durante a cúpula do G-20, na Índia, Lula disse desconhecer o Tribunal Penal Internacional, o Tribunal de Haia, organismo que trata de direitos humanos. Era uma defesa de Vladimir Putin, que teve a prisão pedida pelo tribunal. O presidente brasileiro aposta que ganhará o Nobel com a velha política de destruição da floresta e a desqualificação do que resta de ações internacionais de direitos humanos.

Por falar em tribunais, Jair Bolsonaro teve o momento histórico de se apresentar como líder quando veio a pandemia. Em vez do clássico discurso para pedir união na ofensiva contra a doença, optou pela cartilha trumpista anticiência, desumana, cruel. Quieto, estaria reeleito, não por mérito, mas pela tradição – a máquina de governo reelegeu todos os presidentes anteriores do período democrático que disputaram um segundo mandato.

Depois, derrotado, tinha a chance de ocupar por questão natural o posto de chefe da oposição. Ele preferiu abrir o Palácio da Alvorada aos militares golpistas para melar o jogo, em inúmeros encontros de análises de conjuntura. “Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora”, disse o general Braga Netto, vice de Bolsonaro, para simpatizantes ao deixar uma dessas reuniões, dias depois da derrota na urnas.

Enquanto isso, os três comandantes das Forças Armadas na reta final do governo Bolsonaro, o general Marco Antônio Freire Gomes, o almirante Almir Garnier e o brigadeiro Carlos Almeida Baptista permitiram a presença de acampamentos golpistas em frentes dos quartéis, naquela que talvez seja a maior infâmia militar do período democrático. O que ocorreu no dia 8 de Janeiro foi o desenrolar da trama.

A posição de contestar o establishment, como Ulysses se colocou na convenção histórica do MDB, sempre estará longe de ser uma tentativa de golpe, uma propagação do vandalismo e da baderna ou uma falta de noção do momento histórico.

Era o auge da repressão da ditadura militar. No dia 22 de setembro de 1973, o deputado Ulysses Guimarães, do MDB, de São Paulo, deixava de ser apenas um dirigente de um partido no asfixiado teatro político. Numa convenção nas dependências do Senado, ele lançou a campanha à Presidência da República. Era uma ousadia. Afinal, desde o golpe que derrubou João Goulart, nove anos antes, as disputas presidenciais eram indiretas e apenas generais quatro estrelas se apresentavam como candidatos.

Diante de uma derrota certa para o nome que o governo militar lançaria, Ulysses afirmou em seu discurso que a eleição era uma “piada” e chamou seus correligionários para apoiar uma “anticandidatura”. Pelas regras impostas pelos golpistas, os candidatos concorriam num Colégio Eleitoral, formado por senadores, deputados e representantes das Assembleias. Os generais Castelo Branco, Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici “ganharam” eleições como candidatos únicos pela Arena, a legenda governista. Agora, Ulysses trazia uma novidade: a caserna teria que passar pelo “constrangimento” de disputar com um civil, ainda que num colegiado absolutamente controlado.

O deputado Ulysses Guimarães (MDB) discursa na Câmara Federal em 1976, em protesto contra as cassações de colegas de partidos por ato do governo.  Foto: ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

“Não é o candidato que vai percorrer o País. É o anticandidato, para denunciar a antieleição”, afirmou o parlamentar no evento do MDB. Na chapa dele estava o advogado e ex-governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho, seu vice.

Foi um discurso histórico. Ulysses recorreu à literatura portuguesa para descrever o momento que o País vivia. Citou um personagem de Os Lusíadas, de Luís de Camões, e a poesia de Fernando Pessoa. “Senhores Convencionais: A caravela vai partir. As velas estão paridas de sonho, aladas de esperanças. O ideal está ao leme e o desconhecido se desata à frente. No cais alvoroçado, nossos opositores, como o velho do Restelo de todas as epopeias, com sua voz de Cassandra e seu olhar derrotista, sussurram as excelências do imobilismo e a invencibilidade do establishment”, afirmou. “Conjuram que é hora de ficar e não de aventurar”, ressaltou. “Mas no episódio, nossa carta de marear não é de Camões e sim de Fernando Pessoa ao recordar o brado: ‘Navegar é preciso. Viver não é preciso’.”

A convenção contava com a presença de 249 integrantes do partido. “Posto hoje no alto da gávea, espero em Deus que em breve possa gritar ao povo brasileiro: Alvíssaras, meu Capitão. Terra à vista! Sem sombra, medo e pesadelo, à vista a terra limpa e abençoada da liberdade.” As palavras do parlamentar foram registradas no livro de atas do MDB, guardada no acervo do partido, em Brasília. Um manuscrito do discurso está no link da Fundação Ulysses Guimarães: Manuscrito do discurso do anticandidato Ulysses Guimarães.

Ata original da Convenção Nacional do MDB que aprovou a candidatura de Ulysses Guimarães à Presidência da República em 1973.  Foto: Reprodução do documento do acervo do MDB

Ulysses sabia com clareza o que precisava ser dito numa hora decisiva. Ele tinha compreensão do momento histórico, o tempo exato que um homem público pode assumir um protagonismo nacional. Uma nova ordem era preciso, mais que navegar. O deputado poderia se manter em seu quadrado, seguir a vida burocrática num sistema de bipartidarismo em que o MDB fazia o contraponto possível e a Arena mandava sem contestação. Entretanto, questionou o poder, a maioria, a tragédia que se arrastava.

Médici apresentou o general Ernesto Geisel como seu sucessor. No dia 15 de janeiro de 1974, o nome da ditadura obteve 400 votos no Colégio Eleitoral. Ulysses recebeu 76. Mas a anticandidatura do emedebista deu impulso para o partido que quase se extinguiu durante o Milagre Econômico dar uma reviravolta ainda em novembro daquele ano. Nas eleições para preencher 22 cadeiras no Senado, a sigla oposicionista conquistou 16. A Arena elegeu apenas 6 senadores. Na Câmara, o MDB ficou com 160 dos 364 assentos.

Em abril de 1977, Geisel fechou o Congresso e criou a figura do senador biônico – um terço dos senadores passou a ser eleito de forma indireta. Era uma forma de tirar o poder do MDB. A ditadura resistiria até 1985, mas o partido de Ulysses já era a maior força partidária quando o último presidente do ciclo militar, João Batista Figueiredo, deixou Brasília.

Trecho do discurso de Ulysses Guimarães foi citado na ata da convenção do MDB que lançou a candidatura dele à Presidência.  Foto: Reprodução de documento do acervo do MDB

É inevitável falar de uma personalidade do passado de enfrentamento ao poder militar sem observar o momento atual. As gerações mais novas podem testemunhar a eterna performance dos oficiais brasileiros quando entram na seara política. O país de Ulysses voltaria a discutir quarteladas e descontrole da cúpula militar. Foi agora há pouco a lambança de graduados da Marinha e do Exército em tentar impedir a posse de um presidente eleito.

Não que a História seja necessariamente cíclica. A formação militar nunca foi discutida a fundo pelos representantes dos que pagam impostos. O debate sobre democracia muito menos pode se limitar a uma narrativa de um dos campos da polarizada política brasileira. Ele é de todos, de todas as frentes ideológicas que topam participar do jogo. O Brasil tem longa tradição democrática desde a campanha de Ulysses para que apenas um partido ou grupo político se apresente como dono da bandeira.

É fato que a caserna está longe de ter compreensão de momentos históricos — o Projeto de País dela é um Brasil de penduricalhos no salário do mês para seus generais. Há espaço também para se questionar atitudes e discursos de figuras que são eleitas pelo voto direto, com capacidade e representatividade de ser contrapontos ao mundo de enganação dos fardados.

Atualmente no cargo que Ulysses ocupou em 1956 e 1957 e de 1985 a 1989, o presidente da Câmara, Arthur Lira, dedica 24 horas de seu tempo para negociar cargos a aliados e defender o interesse por espaço na máquina pública. Há pouco tempo, Lira, numa entrevista a O Globo, jogou na conta de Ulysses a criação do Centrão, uma narrativa verdadeira como a nota de três reais, tentando se apresentar como herdeiro da figura histórica pela linha bizarra do fisiologismo e das negociatas.

Nas periferias e subúrbios das grandes cidades ou nos municípios do interior, legiões de brasileiros estão à espera de melhoria de renda, educação, saúde. Mas o chefe do Legislativo está voltado a resolver demandas de seu círculo de poder. O seu tempo não é necessariamente aquele que passa no agreste de Alagoas.

No Palácio do Planalto, o presidente Lula, que já chegou a dizer que pretendia fazer um mandato histórico, acena positivamente para o Centrão. A um ano dos Jogos de Paris, o Brasil de Ademar Ferreira da Silva, Joaquim Cruz, César Cielo, Robert Scheidt, Torben Grael e Rebeca Andrade tem Fufuca no comando da pasta do Esporte.

O ministério das Comunicações, área estratégica, é chefiado por Juscelino Filho, que usa a estrutura da pasta para aumentar o número de cavalos de seu haras. Não adianta a militância dizer que governabilidade é assim mesmo. Não é quando um presidente governa de acordo com o momento histórico e não a reeleição.

Lula é um tipo diferente. Faz discursos antenados com a História, mas que costumam não seguir o mesmo ritmo de suas ações como autoridade. No último dia 18, na Assembleia de abertura da ONU pregou que um “modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível”. Ele foi além. ”Retomamos uma robusta e renovada agenda amazônica, com ações de fiscalização e combate a crimes ambientais”, disse.

A militância petista tinha lá seus motivos para enxergar um grande discurso. Para início de conversa, os dois primeiros governos dele e os de Dilma Rousseff foram marcados por usinas hidrelétricas construídas sem diálogo com as comunidades tradicionais. Agora, Lula já deu a entender que vai permitir que a Petrobrás emporcalhe o Arquipélago do Bailique e toda a foz do Amazonas.

Dias antes, numa entrevista durante a cúpula do G-20, na Índia, Lula disse desconhecer o Tribunal Penal Internacional, o Tribunal de Haia, organismo que trata de direitos humanos. Era uma defesa de Vladimir Putin, que teve a prisão pedida pelo tribunal. O presidente brasileiro aposta que ganhará o Nobel com a velha política de destruição da floresta e a desqualificação do que resta de ações internacionais de direitos humanos.

Por falar em tribunais, Jair Bolsonaro teve o momento histórico de se apresentar como líder quando veio a pandemia. Em vez do clássico discurso para pedir união na ofensiva contra a doença, optou pela cartilha trumpista anticiência, desumana, cruel. Quieto, estaria reeleito, não por mérito, mas pela tradição – a máquina de governo reelegeu todos os presidentes anteriores do período democrático que disputaram um segundo mandato.

Depois, derrotado, tinha a chance de ocupar por questão natural o posto de chefe da oposição. Ele preferiu abrir o Palácio da Alvorada aos militares golpistas para melar o jogo, em inúmeros encontros de análises de conjuntura. “Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora”, disse o general Braga Netto, vice de Bolsonaro, para simpatizantes ao deixar uma dessas reuniões, dias depois da derrota na urnas.

Enquanto isso, os três comandantes das Forças Armadas na reta final do governo Bolsonaro, o general Marco Antônio Freire Gomes, o almirante Almir Garnier e o brigadeiro Carlos Almeida Baptista permitiram a presença de acampamentos golpistas em frentes dos quartéis, naquela que talvez seja a maior infâmia militar do período democrático. O que ocorreu no dia 8 de Janeiro foi o desenrolar da trama.

A posição de contestar o establishment, como Ulysses se colocou na convenção histórica do MDB, sempre estará longe de ser uma tentativa de golpe, uma propagação do vandalismo e da baderna ou uma falta de noção do momento histórico.

Era o auge da repressão da ditadura militar. No dia 22 de setembro de 1973, o deputado Ulysses Guimarães, do MDB, de São Paulo, deixava de ser apenas um dirigente de um partido no asfixiado teatro político. Numa convenção nas dependências do Senado, ele lançou a campanha à Presidência da República. Era uma ousadia. Afinal, desde o golpe que derrubou João Goulart, nove anos antes, as disputas presidenciais eram indiretas e apenas generais quatro estrelas se apresentavam como candidatos.

Diante de uma derrota certa para o nome que o governo militar lançaria, Ulysses afirmou em seu discurso que a eleição era uma “piada” e chamou seus correligionários para apoiar uma “anticandidatura”. Pelas regras impostas pelos golpistas, os candidatos concorriam num Colégio Eleitoral, formado por senadores, deputados e representantes das Assembleias. Os generais Castelo Branco, Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici “ganharam” eleições como candidatos únicos pela Arena, a legenda governista. Agora, Ulysses trazia uma novidade: a caserna teria que passar pelo “constrangimento” de disputar com um civil, ainda que num colegiado absolutamente controlado.

O deputado Ulysses Guimarães (MDB) discursa na Câmara Federal em 1976, em protesto contra as cassações de colegas de partidos por ato do governo.  Foto: ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

“Não é o candidato que vai percorrer o País. É o anticandidato, para denunciar a antieleição”, afirmou o parlamentar no evento do MDB. Na chapa dele estava o advogado e ex-governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho, seu vice.

Foi um discurso histórico. Ulysses recorreu à literatura portuguesa para descrever o momento que o País vivia. Citou um personagem de Os Lusíadas, de Luís de Camões, e a poesia de Fernando Pessoa. “Senhores Convencionais: A caravela vai partir. As velas estão paridas de sonho, aladas de esperanças. O ideal está ao leme e o desconhecido se desata à frente. No cais alvoroçado, nossos opositores, como o velho do Restelo de todas as epopeias, com sua voz de Cassandra e seu olhar derrotista, sussurram as excelências do imobilismo e a invencibilidade do establishment”, afirmou. “Conjuram que é hora de ficar e não de aventurar”, ressaltou. “Mas no episódio, nossa carta de marear não é de Camões e sim de Fernando Pessoa ao recordar o brado: ‘Navegar é preciso. Viver não é preciso’.”

A convenção contava com a presença de 249 integrantes do partido. “Posto hoje no alto da gávea, espero em Deus que em breve possa gritar ao povo brasileiro: Alvíssaras, meu Capitão. Terra à vista! Sem sombra, medo e pesadelo, à vista a terra limpa e abençoada da liberdade.” As palavras do parlamentar foram registradas no livro de atas do MDB, guardada no acervo do partido, em Brasília. Um manuscrito do discurso está no link da Fundação Ulysses Guimarães: Manuscrito do discurso do anticandidato Ulysses Guimarães.

Ata original da Convenção Nacional do MDB que aprovou a candidatura de Ulysses Guimarães à Presidência da República em 1973.  Foto: Reprodução do documento do acervo do MDB

Ulysses sabia com clareza o que precisava ser dito numa hora decisiva. Ele tinha compreensão do momento histórico, o tempo exato que um homem público pode assumir um protagonismo nacional. Uma nova ordem era preciso, mais que navegar. O deputado poderia se manter em seu quadrado, seguir a vida burocrática num sistema de bipartidarismo em que o MDB fazia o contraponto possível e a Arena mandava sem contestação. Entretanto, questionou o poder, a maioria, a tragédia que se arrastava.

Médici apresentou o general Ernesto Geisel como seu sucessor. No dia 15 de janeiro de 1974, o nome da ditadura obteve 400 votos no Colégio Eleitoral. Ulysses recebeu 76. Mas a anticandidatura do emedebista deu impulso para o partido que quase se extinguiu durante o Milagre Econômico dar uma reviravolta ainda em novembro daquele ano. Nas eleições para preencher 22 cadeiras no Senado, a sigla oposicionista conquistou 16. A Arena elegeu apenas 6 senadores. Na Câmara, o MDB ficou com 160 dos 364 assentos.

Em abril de 1977, Geisel fechou o Congresso e criou a figura do senador biônico – um terço dos senadores passou a ser eleito de forma indireta. Era uma forma de tirar o poder do MDB. A ditadura resistiria até 1985, mas o partido de Ulysses já era a maior força partidária quando o último presidente do ciclo militar, João Batista Figueiredo, deixou Brasília.

Trecho do discurso de Ulysses Guimarães foi citado na ata da convenção do MDB que lançou a candidatura dele à Presidência.  Foto: Reprodução de documento do acervo do MDB

É inevitável falar de uma personalidade do passado de enfrentamento ao poder militar sem observar o momento atual. As gerações mais novas podem testemunhar a eterna performance dos oficiais brasileiros quando entram na seara política. O país de Ulysses voltaria a discutir quarteladas e descontrole da cúpula militar. Foi agora há pouco a lambança de graduados da Marinha e do Exército em tentar impedir a posse de um presidente eleito.

Não que a História seja necessariamente cíclica. A formação militar nunca foi discutida a fundo pelos representantes dos que pagam impostos. O debate sobre democracia muito menos pode se limitar a uma narrativa de um dos campos da polarizada política brasileira. Ele é de todos, de todas as frentes ideológicas que topam participar do jogo. O Brasil tem longa tradição democrática desde a campanha de Ulysses para que apenas um partido ou grupo político se apresente como dono da bandeira.

É fato que a caserna está longe de ter compreensão de momentos históricos — o Projeto de País dela é um Brasil de penduricalhos no salário do mês para seus generais. Há espaço também para se questionar atitudes e discursos de figuras que são eleitas pelo voto direto, com capacidade e representatividade de ser contrapontos ao mundo de enganação dos fardados.

Atualmente no cargo que Ulysses ocupou em 1956 e 1957 e de 1985 a 1989, o presidente da Câmara, Arthur Lira, dedica 24 horas de seu tempo para negociar cargos a aliados e defender o interesse por espaço na máquina pública. Há pouco tempo, Lira, numa entrevista a O Globo, jogou na conta de Ulysses a criação do Centrão, uma narrativa verdadeira como a nota de três reais, tentando se apresentar como herdeiro da figura histórica pela linha bizarra do fisiologismo e das negociatas.

Nas periferias e subúrbios das grandes cidades ou nos municípios do interior, legiões de brasileiros estão à espera de melhoria de renda, educação, saúde. Mas o chefe do Legislativo está voltado a resolver demandas de seu círculo de poder. O seu tempo não é necessariamente aquele que passa no agreste de Alagoas.

No Palácio do Planalto, o presidente Lula, que já chegou a dizer que pretendia fazer um mandato histórico, acena positivamente para o Centrão. A um ano dos Jogos de Paris, o Brasil de Ademar Ferreira da Silva, Joaquim Cruz, César Cielo, Robert Scheidt, Torben Grael e Rebeca Andrade tem Fufuca no comando da pasta do Esporte.

O ministério das Comunicações, área estratégica, é chefiado por Juscelino Filho, que usa a estrutura da pasta para aumentar o número de cavalos de seu haras. Não adianta a militância dizer que governabilidade é assim mesmo. Não é quando um presidente governa de acordo com o momento histórico e não a reeleição.

Lula é um tipo diferente. Faz discursos antenados com a História, mas que costumam não seguir o mesmo ritmo de suas ações como autoridade. No último dia 18, na Assembleia de abertura da ONU pregou que um “modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível”. Ele foi além. ”Retomamos uma robusta e renovada agenda amazônica, com ações de fiscalização e combate a crimes ambientais”, disse.

A militância petista tinha lá seus motivos para enxergar um grande discurso. Para início de conversa, os dois primeiros governos dele e os de Dilma Rousseff foram marcados por usinas hidrelétricas construídas sem diálogo com as comunidades tradicionais. Agora, Lula já deu a entender que vai permitir que a Petrobrás emporcalhe o Arquipélago do Bailique e toda a foz do Amazonas.

Dias antes, numa entrevista durante a cúpula do G-20, na Índia, Lula disse desconhecer o Tribunal Penal Internacional, o Tribunal de Haia, organismo que trata de direitos humanos. Era uma defesa de Vladimir Putin, que teve a prisão pedida pelo tribunal. O presidente brasileiro aposta que ganhará o Nobel com a velha política de destruição da floresta e a desqualificação do que resta de ações internacionais de direitos humanos.

Por falar em tribunais, Jair Bolsonaro teve o momento histórico de se apresentar como líder quando veio a pandemia. Em vez do clássico discurso para pedir união na ofensiva contra a doença, optou pela cartilha trumpista anticiência, desumana, cruel. Quieto, estaria reeleito, não por mérito, mas pela tradição – a máquina de governo reelegeu todos os presidentes anteriores do período democrático que disputaram um segundo mandato.

Depois, derrotado, tinha a chance de ocupar por questão natural o posto de chefe da oposição. Ele preferiu abrir o Palácio da Alvorada aos militares golpistas para melar o jogo, em inúmeros encontros de análises de conjuntura. “Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora”, disse o general Braga Netto, vice de Bolsonaro, para simpatizantes ao deixar uma dessas reuniões, dias depois da derrota na urnas.

Enquanto isso, os três comandantes das Forças Armadas na reta final do governo Bolsonaro, o general Marco Antônio Freire Gomes, o almirante Almir Garnier e o brigadeiro Carlos Almeida Baptista permitiram a presença de acampamentos golpistas em frentes dos quartéis, naquela que talvez seja a maior infâmia militar do período democrático. O que ocorreu no dia 8 de Janeiro foi o desenrolar da trama.

A posição de contestar o establishment, como Ulysses se colocou na convenção histórica do MDB, sempre estará longe de ser uma tentativa de golpe, uma propagação do vandalismo e da baderna ou uma falta de noção do momento histórico.

Opinião por Leonencio Nossa

Editor de especiais do Estadão. Mestre em história e política. Autor dos livros “As guerras da Independência do Brasil”, “Roberto Marinho, o poder está no ar” e “Mata! O Major Curió e as guerrilhas no Araguaia”. Escreve aos sábados.

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