À margem da História

Opinião|O presidente que acreditou na força de sua milícia e acabou sozinho no mato


Na História do Brasil, quem confundiu a força de fiéis seguidores com o poder do Estado ou minimizou a negociação política terminou fora do jogo

Por Leonencio Nossa
Atualização:

Presidentes que pregam a intolerância, desqualificam adversários e rejeitam o diálogo costumam pagar um preço alto mais tarde. A faixa presidencial e, sobretudo, o séquito de bajuladores podem inebriar chefes do Executivo, levá-los a acreditar que o poder não é efêmero. Fora do cargo, restam para eles a decepção, a mágoa e o sentimento de traição.

Muitos são os casos de governantes que abusaram de práticas autoritárias e depois não conseguiram se manter no jogo político. Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca foram os primeiros nomes dessa tradição tão antiga quanto a República.

Houve o caso de um ex-presidente que chegou a imaginar que sua milícia era capaz de derrotar até a força do Estado. Ao assumir o poder em 1922, o mineiro Artur Bernardes, do Partido Republicano Mineiro, já pegou o País em estado de sítio, mas aumentou o ambiente de violência. Mandou prender adversários, bombardeou São Paulo para atacar opositores e buscou a aprovação da censura contra jornalistas. O Brasil virou um pária. O país se afastou da Liga das Nações.

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Em 1926, o paulista Washington Luiz foi eleito presidente. Bernardes, então, foi para Minas reorganizar sua ala no PRM – e sua milícia. Quatro anos depois, a aliança entre oligarquias políticas de Minas, do Rio Grande do Sul e da Paraíba levaria Getúlio ao poder, após um golpe.

Artur Bernardes, presidente do Brasil entre 1922 e 1926; fora do poder, convocou seus seguidores a se insurgirem e foi facilmente derrotado pela tropa legal. Foto: ARQUIVO NACIONAL

Quando a oligarquia de São Paulo se revoltou contra Getúlio, em 1932, os mineiros ficaram a favor do presidente. Mas Artur Bernardes, na época senador, era quase um outsider na política mineira e decidiu enfrentar o governo central. O apoio de Bernardes aos paulistas tinha características de guerra pessoal, ainda que ele levantasse a mesma bandeira dos revoltosos do Estado vizinho. Aliás, esteve na trincheira oposta a dos paulistas nos conflitos de 1924 e 1930, sempre do lado legal - era presidente no primeiro e senador no segundo.

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Em 1932, ele transformou sua casa em Viçosa num bunker contra as tropas de Getúlio e do interventor de Minas, Olegário Maciel. O ex-presidente reuniu prefeitos e fazendeiros e organizou uma campanha de recrutamento e compra de armas, fardas e alimentos. Agricultores pobres que nunca calçaram um sapato colocaram os pés dentro de pesadas botinas. Mulheres se reuniram nas ruas dos povoados em mutirões de costura de fardas. O clima era de festa.

O governo mineiro temia que os bernardistas tomassem Belo Horizonte. Mas Olegário Maciel tinha a caneta de governador e a polícia. O Judiciário não se envolveu na querela que só interessava ao ex-presidente. Os chefes políticos locais também não quiseram entrar nessa briga que não era deles. Os fazendeiros ligados a Bernardes, por sua vez, tinham dívidas com bancos federais e estaduais e precisavam pensar na lavoura do ano seguinte.

No Rio, a imprensa não esquecera os anos de terror do governo Bernardes e pediu uma caçada sem tréguas à “jagunçada”. Viçosa foi cercada pela tropa oficial. Os milicianos se renderam, um a um. Num confronto direto 20 deles morreram. Os bernardistas presos foram colocados num vagão de trem, em Viçosa, e levados à capital federal.

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Artur Bernardes viu que não tinha força o suficiente para reagir à máquina repressiva do Estado que antes dominara. Também percebeu a necessidade de articulações amplas para enfrentar governo não eleito - era o caso - ou eleito. Mesmo revoluções e quarteladas dependiam de negociações.

Os mais próximos do ex-presidente foram rendidos ou fugiram. Sozinho, ele começou a passar uma noite em cada fazenda, na tentativa de escapar.

Passados alguns dias, o governo enviou a Viçosa uma equipe de investigadores para caçar o ex-presidente. Os agentes chegaram a uma fazenda de um bernardista radical. Pressionados, o fazendeiro e seus filhos contaram que Bernardes dormira na casa e, pela manhã, seguira no rumo de uma choupana na mata, depois do canavial.

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Os agentes encontraram um homem pálido, exausto, com roupas rasgadas e um revólver Colt na cintura. Artur Bernardes não reagiu à prisão, mas pediu que não fosse levado escoltado a Belo Horizonte e pudesse passar três dias em Viçosa. Ao fazer um terceiro pedido, ouviu que não era mais uma “autoridade maior”. Ali, era apenas um chefe miliciano. Também foi embarcado num trem para o Rio, onde amargou a prisão na Ilha das Cobras, local onde havia trancafiado seus adversários. Finalmente foi mandado para o exílio em Portugal, para alívio de muitos bernardistas. Anos depois, retornou ao Brasil e moderou o discurso. Afinal, tinha filho disposto a disputar eleição.

Alguém poderá lembrar uma exceção: Getúlio Vargas comandou uma ditadura sangrenta, de 1937 a 1945. Após sofrer um golpe, se recolheu num primeiro momento em sua fazenda em São Borja, no Rio Grande do Sul, mas depois de quatro anos voltou ao Palácio do Catete, pelo voto. Não quis saber quem estava no governo nem de armas. Se preocupou apenas em fazer alianças políticas e discursos em defesa do bem-estar e da industrialização.

O líder trabalhista, porém, cairia mais tarde no canto da milícia. Em seu governo democrático, a partir de 1951, pôs capatazes de sua fazenda na sua segurança pessoal. Os homens se envolveram em denúncias de corrupção e, num atentado contra Carlos Lacerda, mataram o tenente Rubens Vaz, que acompanhava o jornalista. A guarda presidencial alimentou uma crise que resultou no fim do mandato e da vida do chefe. A tensão econômica e política era mais forte que a milícia.

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Na História do Brasil, quem confundiu a força de uma legião de fiéis seguidores, armados ou dispostos a tudo, com o poder do Estado ou minimizou a negociação política se deu mal.

Presidentes que pregam a intolerância, desqualificam adversários e rejeitam o diálogo costumam pagar um preço alto mais tarde. A faixa presidencial e, sobretudo, o séquito de bajuladores podem inebriar chefes do Executivo, levá-los a acreditar que o poder não é efêmero. Fora do cargo, restam para eles a decepção, a mágoa e o sentimento de traição.

Muitos são os casos de governantes que abusaram de práticas autoritárias e depois não conseguiram se manter no jogo político. Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca foram os primeiros nomes dessa tradição tão antiga quanto a República.

Houve o caso de um ex-presidente que chegou a imaginar que sua milícia era capaz de derrotar até a força do Estado. Ao assumir o poder em 1922, o mineiro Artur Bernardes, do Partido Republicano Mineiro, já pegou o País em estado de sítio, mas aumentou o ambiente de violência. Mandou prender adversários, bombardeou São Paulo para atacar opositores e buscou a aprovação da censura contra jornalistas. O Brasil virou um pária. O país se afastou da Liga das Nações.

Em 1926, o paulista Washington Luiz foi eleito presidente. Bernardes, então, foi para Minas reorganizar sua ala no PRM – e sua milícia. Quatro anos depois, a aliança entre oligarquias políticas de Minas, do Rio Grande do Sul e da Paraíba levaria Getúlio ao poder, após um golpe.

Artur Bernardes, presidente do Brasil entre 1922 e 1926; fora do poder, convocou seus seguidores a se insurgirem e foi facilmente derrotado pela tropa legal. Foto: ARQUIVO NACIONAL

Quando a oligarquia de São Paulo se revoltou contra Getúlio, em 1932, os mineiros ficaram a favor do presidente. Mas Artur Bernardes, na época senador, era quase um outsider na política mineira e decidiu enfrentar o governo central. O apoio de Bernardes aos paulistas tinha características de guerra pessoal, ainda que ele levantasse a mesma bandeira dos revoltosos do Estado vizinho. Aliás, esteve na trincheira oposta a dos paulistas nos conflitos de 1924 e 1930, sempre do lado legal - era presidente no primeiro e senador no segundo.

Em 1932, ele transformou sua casa em Viçosa num bunker contra as tropas de Getúlio e do interventor de Minas, Olegário Maciel. O ex-presidente reuniu prefeitos e fazendeiros e organizou uma campanha de recrutamento e compra de armas, fardas e alimentos. Agricultores pobres que nunca calçaram um sapato colocaram os pés dentro de pesadas botinas. Mulheres se reuniram nas ruas dos povoados em mutirões de costura de fardas. O clima era de festa.

O governo mineiro temia que os bernardistas tomassem Belo Horizonte. Mas Olegário Maciel tinha a caneta de governador e a polícia. O Judiciário não se envolveu na querela que só interessava ao ex-presidente. Os chefes políticos locais também não quiseram entrar nessa briga que não era deles. Os fazendeiros ligados a Bernardes, por sua vez, tinham dívidas com bancos federais e estaduais e precisavam pensar na lavoura do ano seguinte.

No Rio, a imprensa não esquecera os anos de terror do governo Bernardes e pediu uma caçada sem tréguas à “jagunçada”. Viçosa foi cercada pela tropa oficial. Os milicianos se renderam, um a um. Num confronto direto 20 deles morreram. Os bernardistas presos foram colocados num vagão de trem, em Viçosa, e levados à capital federal.

Artur Bernardes viu que não tinha força o suficiente para reagir à máquina repressiva do Estado que antes dominara. Também percebeu a necessidade de articulações amplas para enfrentar governo não eleito - era o caso - ou eleito. Mesmo revoluções e quarteladas dependiam de negociações.

Os mais próximos do ex-presidente foram rendidos ou fugiram. Sozinho, ele começou a passar uma noite em cada fazenda, na tentativa de escapar.

Passados alguns dias, o governo enviou a Viçosa uma equipe de investigadores para caçar o ex-presidente. Os agentes chegaram a uma fazenda de um bernardista radical. Pressionados, o fazendeiro e seus filhos contaram que Bernardes dormira na casa e, pela manhã, seguira no rumo de uma choupana na mata, depois do canavial.

Os agentes encontraram um homem pálido, exausto, com roupas rasgadas e um revólver Colt na cintura. Artur Bernardes não reagiu à prisão, mas pediu que não fosse levado escoltado a Belo Horizonte e pudesse passar três dias em Viçosa. Ao fazer um terceiro pedido, ouviu que não era mais uma “autoridade maior”. Ali, era apenas um chefe miliciano. Também foi embarcado num trem para o Rio, onde amargou a prisão na Ilha das Cobras, local onde havia trancafiado seus adversários. Finalmente foi mandado para o exílio em Portugal, para alívio de muitos bernardistas. Anos depois, retornou ao Brasil e moderou o discurso. Afinal, tinha filho disposto a disputar eleição.

Alguém poderá lembrar uma exceção: Getúlio Vargas comandou uma ditadura sangrenta, de 1937 a 1945. Após sofrer um golpe, se recolheu num primeiro momento em sua fazenda em São Borja, no Rio Grande do Sul, mas depois de quatro anos voltou ao Palácio do Catete, pelo voto. Não quis saber quem estava no governo nem de armas. Se preocupou apenas em fazer alianças políticas e discursos em defesa do bem-estar e da industrialização.

O líder trabalhista, porém, cairia mais tarde no canto da milícia. Em seu governo democrático, a partir de 1951, pôs capatazes de sua fazenda na sua segurança pessoal. Os homens se envolveram em denúncias de corrupção e, num atentado contra Carlos Lacerda, mataram o tenente Rubens Vaz, que acompanhava o jornalista. A guarda presidencial alimentou uma crise que resultou no fim do mandato e da vida do chefe. A tensão econômica e política era mais forte que a milícia.

Na História do Brasil, quem confundiu a força de uma legião de fiéis seguidores, armados ou dispostos a tudo, com o poder do Estado ou minimizou a negociação política se deu mal.

Presidentes que pregam a intolerância, desqualificam adversários e rejeitam o diálogo costumam pagar um preço alto mais tarde. A faixa presidencial e, sobretudo, o séquito de bajuladores podem inebriar chefes do Executivo, levá-los a acreditar que o poder não é efêmero. Fora do cargo, restam para eles a decepção, a mágoa e o sentimento de traição.

Muitos são os casos de governantes que abusaram de práticas autoritárias e depois não conseguiram se manter no jogo político. Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca foram os primeiros nomes dessa tradição tão antiga quanto a República.

Houve o caso de um ex-presidente que chegou a imaginar que sua milícia era capaz de derrotar até a força do Estado. Ao assumir o poder em 1922, o mineiro Artur Bernardes, do Partido Republicano Mineiro, já pegou o País em estado de sítio, mas aumentou o ambiente de violência. Mandou prender adversários, bombardeou São Paulo para atacar opositores e buscou a aprovação da censura contra jornalistas. O Brasil virou um pária. O país se afastou da Liga das Nações.

Em 1926, o paulista Washington Luiz foi eleito presidente. Bernardes, então, foi para Minas reorganizar sua ala no PRM – e sua milícia. Quatro anos depois, a aliança entre oligarquias políticas de Minas, do Rio Grande do Sul e da Paraíba levaria Getúlio ao poder, após um golpe.

Artur Bernardes, presidente do Brasil entre 1922 e 1926; fora do poder, convocou seus seguidores a se insurgirem e foi facilmente derrotado pela tropa legal. Foto: ARQUIVO NACIONAL

Quando a oligarquia de São Paulo se revoltou contra Getúlio, em 1932, os mineiros ficaram a favor do presidente. Mas Artur Bernardes, na época senador, era quase um outsider na política mineira e decidiu enfrentar o governo central. O apoio de Bernardes aos paulistas tinha características de guerra pessoal, ainda que ele levantasse a mesma bandeira dos revoltosos do Estado vizinho. Aliás, esteve na trincheira oposta a dos paulistas nos conflitos de 1924 e 1930, sempre do lado legal - era presidente no primeiro e senador no segundo.

Em 1932, ele transformou sua casa em Viçosa num bunker contra as tropas de Getúlio e do interventor de Minas, Olegário Maciel. O ex-presidente reuniu prefeitos e fazendeiros e organizou uma campanha de recrutamento e compra de armas, fardas e alimentos. Agricultores pobres que nunca calçaram um sapato colocaram os pés dentro de pesadas botinas. Mulheres se reuniram nas ruas dos povoados em mutirões de costura de fardas. O clima era de festa.

O governo mineiro temia que os bernardistas tomassem Belo Horizonte. Mas Olegário Maciel tinha a caneta de governador e a polícia. O Judiciário não se envolveu na querela que só interessava ao ex-presidente. Os chefes políticos locais também não quiseram entrar nessa briga que não era deles. Os fazendeiros ligados a Bernardes, por sua vez, tinham dívidas com bancos federais e estaduais e precisavam pensar na lavoura do ano seguinte.

No Rio, a imprensa não esquecera os anos de terror do governo Bernardes e pediu uma caçada sem tréguas à “jagunçada”. Viçosa foi cercada pela tropa oficial. Os milicianos se renderam, um a um. Num confronto direto 20 deles morreram. Os bernardistas presos foram colocados num vagão de trem, em Viçosa, e levados à capital federal.

Artur Bernardes viu que não tinha força o suficiente para reagir à máquina repressiva do Estado que antes dominara. Também percebeu a necessidade de articulações amplas para enfrentar governo não eleito - era o caso - ou eleito. Mesmo revoluções e quarteladas dependiam de negociações.

Os mais próximos do ex-presidente foram rendidos ou fugiram. Sozinho, ele começou a passar uma noite em cada fazenda, na tentativa de escapar.

Passados alguns dias, o governo enviou a Viçosa uma equipe de investigadores para caçar o ex-presidente. Os agentes chegaram a uma fazenda de um bernardista radical. Pressionados, o fazendeiro e seus filhos contaram que Bernardes dormira na casa e, pela manhã, seguira no rumo de uma choupana na mata, depois do canavial.

Os agentes encontraram um homem pálido, exausto, com roupas rasgadas e um revólver Colt na cintura. Artur Bernardes não reagiu à prisão, mas pediu que não fosse levado escoltado a Belo Horizonte e pudesse passar três dias em Viçosa. Ao fazer um terceiro pedido, ouviu que não era mais uma “autoridade maior”. Ali, era apenas um chefe miliciano. Também foi embarcado num trem para o Rio, onde amargou a prisão na Ilha das Cobras, local onde havia trancafiado seus adversários. Finalmente foi mandado para o exílio em Portugal, para alívio de muitos bernardistas. Anos depois, retornou ao Brasil e moderou o discurso. Afinal, tinha filho disposto a disputar eleição.

Alguém poderá lembrar uma exceção: Getúlio Vargas comandou uma ditadura sangrenta, de 1937 a 1945. Após sofrer um golpe, se recolheu num primeiro momento em sua fazenda em São Borja, no Rio Grande do Sul, mas depois de quatro anos voltou ao Palácio do Catete, pelo voto. Não quis saber quem estava no governo nem de armas. Se preocupou apenas em fazer alianças políticas e discursos em defesa do bem-estar e da industrialização.

O líder trabalhista, porém, cairia mais tarde no canto da milícia. Em seu governo democrático, a partir de 1951, pôs capatazes de sua fazenda na sua segurança pessoal. Os homens se envolveram em denúncias de corrupção e, num atentado contra Carlos Lacerda, mataram o tenente Rubens Vaz, que acompanhava o jornalista. A guarda presidencial alimentou uma crise que resultou no fim do mandato e da vida do chefe. A tensão econômica e política era mais forte que a milícia.

Na História do Brasil, quem confundiu a força de uma legião de fiéis seguidores, armados ou dispostos a tudo, com o poder do Estado ou minimizou a negociação política se deu mal.

Presidentes que pregam a intolerância, desqualificam adversários e rejeitam o diálogo costumam pagar um preço alto mais tarde. A faixa presidencial e, sobretudo, o séquito de bajuladores podem inebriar chefes do Executivo, levá-los a acreditar que o poder não é efêmero. Fora do cargo, restam para eles a decepção, a mágoa e o sentimento de traição.

Muitos são os casos de governantes que abusaram de práticas autoritárias e depois não conseguiram se manter no jogo político. Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca foram os primeiros nomes dessa tradição tão antiga quanto a República.

Houve o caso de um ex-presidente que chegou a imaginar que sua milícia era capaz de derrotar até a força do Estado. Ao assumir o poder em 1922, o mineiro Artur Bernardes, do Partido Republicano Mineiro, já pegou o País em estado de sítio, mas aumentou o ambiente de violência. Mandou prender adversários, bombardeou São Paulo para atacar opositores e buscou a aprovação da censura contra jornalistas. O Brasil virou um pária. O país se afastou da Liga das Nações.

Em 1926, o paulista Washington Luiz foi eleito presidente. Bernardes, então, foi para Minas reorganizar sua ala no PRM – e sua milícia. Quatro anos depois, a aliança entre oligarquias políticas de Minas, do Rio Grande do Sul e da Paraíba levaria Getúlio ao poder, após um golpe.

Artur Bernardes, presidente do Brasil entre 1922 e 1926; fora do poder, convocou seus seguidores a se insurgirem e foi facilmente derrotado pela tropa legal. Foto: ARQUIVO NACIONAL

Quando a oligarquia de São Paulo se revoltou contra Getúlio, em 1932, os mineiros ficaram a favor do presidente. Mas Artur Bernardes, na época senador, era quase um outsider na política mineira e decidiu enfrentar o governo central. O apoio de Bernardes aos paulistas tinha características de guerra pessoal, ainda que ele levantasse a mesma bandeira dos revoltosos do Estado vizinho. Aliás, esteve na trincheira oposta a dos paulistas nos conflitos de 1924 e 1930, sempre do lado legal - era presidente no primeiro e senador no segundo.

Em 1932, ele transformou sua casa em Viçosa num bunker contra as tropas de Getúlio e do interventor de Minas, Olegário Maciel. O ex-presidente reuniu prefeitos e fazendeiros e organizou uma campanha de recrutamento e compra de armas, fardas e alimentos. Agricultores pobres que nunca calçaram um sapato colocaram os pés dentro de pesadas botinas. Mulheres se reuniram nas ruas dos povoados em mutirões de costura de fardas. O clima era de festa.

O governo mineiro temia que os bernardistas tomassem Belo Horizonte. Mas Olegário Maciel tinha a caneta de governador e a polícia. O Judiciário não se envolveu na querela que só interessava ao ex-presidente. Os chefes políticos locais também não quiseram entrar nessa briga que não era deles. Os fazendeiros ligados a Bernardes, por sua vez, tinham dívidas com bancos federais e estaduais e precisavam pensar na lavoura do ano seguinte.

No Rio, a imprensa não esquecera os anos de terror do governo Bernardes e pediu uma caçada sem tréguas à “jagunçada”. Viçosa foi cercada pela tropa oficial. Os milicianos se renderam, um a um. Num confronto direto 20 deles morreram. Os bernardistas presos foram colocados num vagão de trem, em Viçosa, e levados à capital federal.

Artur Bernardes viu que não tinha força o suficiente para reagir à máquina repressiva do Estado que antes dominara. Também percebeu a necessidade de articulações amplas para enfrentar governo não eleito - era o caso - ou eleito. Mesmo revoluções e quarteladas dependiam de negociações.

Os mais próximos do ex-presidente foram rendidos ou fugiram. Sozinho, ele começou a passar uma noite em cada fazenda, na tentativa de escapar.

Passados alguns dias, o governo enviou a Viçosa uma equipe de investigadores para caçar o ex-presidente. Os agentes chegaram a uma fazenda de um bernardista radical. Pressionados, o fazendeiro e seus filhos contaram que Bernardes dormira na casa e, pela manhã, seguira no rumo de uma choupana na mata, depois do canavial.

Os agentes encontraram um homem pálido, exausto, com roupas rasgadas e um revólver Colt na cintura. Artur Bernardes não reagiu à prisão, mas pediu que não fosse levado escoltado a Belo Horizonte e pudesse passar três dias em Viçosa. Ao fazer um terceiro pedido, ouviu que não era mais uma “autoridade maior”. Ali, era apenas um chefe miliciano. Também foi embarcado num trem para o Rio, onde amargou a prisão na Ilha das Cobras, local onde havia trancafiado seus adversários. Finalmente foi mandado para o exílio em Portugal, para alívio de muitos bernardistas. Anos depois, retornou ao Brasil e moderou o discurso. Afinal, tinha filho disposto a disputar eleição.

Alguém poderá lembrar uma exceção: Getúlio Vargas comandou uma ditadura sangrenta, de 1937 a 1945. Após sofrer um golpe, se recolheu num primeiro momento em sua fazenda em São Borja, no Rio Grande do Sul, mas depois de quatro anos voltou ao Palácio do Catete, pelo voto. Não quis saber quem estava no governo nem de armas. Se preocupou apenas em fazer alianças políticas e discursos em defesa do bem-estar e da industrialização.

O líder trabalhista, porém, cairia mais tarde no canto da milícia. Em seu governo democrático, a partir de 1951, pôs capatazes de sua fazenda na sua segurança pessoal. Os homens se envolveram em denúncias de corrupção e, num atentado contra Carlos Lacerda, mataram o tenente Rubens Vaz, que acompanhava o jornalista. A guarda presidencial alimentou uma crise que resultou no fim do mandato e da vida do chefe. A tensão econômica e política era mais forte que a milícia.

Na História do Brasil, quem confundiu a força de uma legião de fiéis seguidores, armados ou dispostos a tudo, com o poder do Estado ou minimizou a negociação política se deu mal.

Opinião por Leonencio Nossa

Editor de especiais do Estadão. Mestre em história e política. Autor dos livros “As guerras da Independência do Brasil”, “Roberto Marinho, o poder está no ar” e “Mata! O Major Curió e as guerrilhas no Araguaia”. Escreve aos sábados.

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